Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS PENA DE PRISÃO LIBERDADE CONDICIONAL REVOGAÇÃO RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA PRAZO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
Data do Acordão: | 11/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I - Nos termos do artigo 242.º, n.º 1, al. a), do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) o Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. II – O recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, nos termos do artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para que remete o artigo 244.º do CEPMPL. III - O n.º 4 do artigo 242.º do CEPMPL – que estabelece que o recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão – carece de interpretação restritiva, limitando-se a sua aplicação ao recurso de fixação de jurisprudência nos casos de oposição de decisões dos tribunais de execução das penas em processos de impugnação [al. b) do n.º 1 do artigo 242.º do CEPMPL], dela se excluindo o recurso de decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça [a que se refere a al. a) do mesmo preceito]. IV – Tendo sido interposto em data anterior ao trânsito em julgado, o recurso contra a jurisprudência fixada no acórdão n.º 7/2019, de 04.07.2019 (DR, 1.ª série, de 29.11.2019), é extemporâneo, devendo ser rejeitado por inadmissibilidade (artigos 414, º, n.º 2, 441.º, n.ºs 1 e 3, e 448.º do CPP e 246.º do CEPMPL). V – Sendo manifesta a falta de motivação, tendo em conta as exigências a que deve obedecer o recurso ordinário, não se justifica o uso da faculdade a que se refere o artigo 193.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigos 4.º do CPP e 154.º do CEPMPL. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. O Ministério Público interpõe, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade («CEPMPL») e do artigo 446.º do Código de Processo Penal («CPP»), recurso obrigatório do despacho judicial de 29 de abril de 2024 proferido pela juiz de execução das penas no processo de liberdade condicional n.º 2989/10.2TXLSB-U, do Juízo de Execução das Penas de Coimbra, Juiz 3, alegando que esta decisão foi proferida contra a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça («STJ») no acórdão n.º 7/2019, de 4 de julho de 2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 230, de 29 de novembro de 2019. 2. A Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido motiva sinteticamente o recurso dizendo, em conclusões: «1. O despacho recorrido vai contra a jurisprudência fixada no acórdão 7/2019 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no diário da república de 29/11/2019 – I série. 2. O Ministério Público junto do tribunal de execução das penas /juiz 3, apesar de ter observado no processo a jurisprudência fixada, adere aos fundamentos do despacho recorrido, pelo que, sendo o recurso obrigatório, se abstém de tecer mais considerações sobre a matéria controvertida. 3. Realça-se, apenas, que a jurisprudência fixada vai implicar que condenados que se encontrem a cumprir pena remanescente por revogação da liberdade condicional e/ou a cumprir penas sucessivas - remanescente por revogação da liberdade condicional acrescido de novas penas – poderão estar cinco e mais anos em reclusão sem verem a sua situação apreciada para fins de liberdade condicional, o que vai claramente ao arrepio do espírito do legislador, subjacente ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.» 3. Não houve resposta. 4. Vem junta certidão do despacho recorrido e do requerimento do recurso do Ministério Público, constando que este foi apresentado (“data da entrega” certificada pelo sistema Citius) no dia 5 de junho de 2024. Também vem junta certidão das notificações do despacho recorrido ao arguido (notificação pessoal em 3.5.2024) e ao defensor (notificação eletrónica com a data de 30.4.2024), bem como ao Ministério Público (termo de notificação lavrado em 2.5.2024 e assinatura da notificação em 6.5.2024, também certificada pelo sistema Citius). 5. Foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440.º do CPP. O Senhor Procurador-Geral Adjunto emite parecer no sentido da procedência do recurso, com aplicação da jurisprudência fixada, mas suscita a questão prévia da sua tempestividade, por ter sido interposto em data anterior ao trânsito em julgado da decisão recorrida, tendo em atenção a jurisprudência deste STJ, designadamente o acórdão de 23.11.2022, proferido no processo n.º 2290/10.1TXCBR-T.S1, também relatado pelo atual relator. Diz em seu parecer: «(…) O recorrente é o Ministério Público, órgão de justiça ao qual o artigo 446.º, n.º 2, do Código de Processo Penal impõe, como obrigatório, o presente recurso, tal como o impõe o artigo 242.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), pelo que não há questão relevante sobre legitimidade e interesse em agir. Mostra–se junta certidão da decisão recorrida, da qual resulta ter sido proferida em 29–4–2024, ter sido notificado o ilustre mandatário do arguido em 30–4–2024, por via eletrónica, ter sido notificado pessoalmente o arguido em 3–5–2024 e ter sido notificado ao Ministério Público, por termo eletrónico, em 2–5–2024, apenas assinado em 6–5–2024. Não havendo prazos de suspensão a considerar, a notificação efetuada ao Ministério Público em 2–5–2024 por via eletrónica importou que a notificação se presumisse efetuada no dia 6–5–2024 (dia útil seguinte ao terceiro dia, que coincide com a data de assinatura – cf. artigos 138.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 104.º do Código de Processo Penal e artigo 113.º, n.º 11 e n.º 12, também do Código de Processo Penal). Deste modo, a decisão recorrível transitaria apenas depois de decorridos 30 dias após aquela data de 6–5–2024 (cf. artigos 105.º, n.º 1 e 380.º, ex vi artigo 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal), ou seja, estaria transitada em julgado a partir do dia 6–6–2024, inclusive (cf. artigos 103.º, n.º 1 e 2, alínea a), e 104.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). Atesta ainda a mesma certidão que o requerimento de interposição de recurso pelo Ministério Público deu entrada em 5–06–2024, portanto, ainda quando a decisão recorrida não estava transitada. Isto posto: A admissibilidade desta modalidade de recurso extraordinário, que pode ser direto para o Supremo Tribunal de Justiça, depende desde logo do trânsito em julgado da decisão recorrida, como estabelece o n.º 1 do artigo 446.º do Código de Processo Penal, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do capítulo em que se insere. Porém, o artigo 242.º, n.º 1 e n.º 4 do CEPMPL estabelece um regime especial quanto a este tipo de recurso, ditando no n.º 4 que: “O recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa, pelo Ministério Público junto do tribunal que a tenha proferido, ao qual são dirigidas as comunicações a que se refere o número anterior e o requerimento previsto no n.º 2.”. Assim, por via desse regime especial, resulta que é de 30 dias o prazo para a interposição do presente recurso a contar desde a data da prolação da decisão, e não do trânsito da decisão. Como em 5–6–2024, data da interposição do recurso, a decisão recorrida ainda não se encontrava transitada, à luz do disposto no referido artigo 242.º, n.º 4, do CEPMPL, o recurso seria então tempestivo. No entanto, vem sendo jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que “o n.º 4 do art. 242.º do CEPMPL – que estabelece que o recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão – carece de interpretação restritiva, limitando-se a sua aplicação ao recurso de fixação de jurisprudência nos casos de oposição de decisões dos tribunais de execução das penas em processos de impugnação [al. b) do n.º 1 do art. 242.º do CEPMPL], dela se excluindo o recurso de decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo STJ [a que se refere a al. a) do mesmo preceito] – Veja–se, nesse sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23–11–2022, no processo n.º 2290/10.1TXCBR-T.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, de que se citou parte do sumário, e que no respetivo ponto 15 da fundamentação elenca os arestos do Supremo Tribunal de Justiça conformes a esse entendimento. Na sequência deste entendimento e em respeito à regra formal de justiça, então importa considerar que sendo o prazo de interposição deste recurso extraordinário o de 30 dias, a contar, não da prolação da decisão, mas antes do trânsito em julgado da decisão recorrida onde se verificou decisão contrária a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, tal prazo só se iniciaria em 6–6–2024, pelo que o recurso extraordinário interposto é extemporâneo, pois foi interposto em 5–6–2024, portanto antes do trânsito em julgado da decisão recorrida, nos termos do artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e por isso, é de rejeitar por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 414, º, n.º 2, 441.º, n.ºs 1 e 3, e 448.º do CPP e 246.º do CEPMPL.» Concluindo assim: «Em conformidade, a ser tido por extemporâneo, o presente recurso deve ser rejeitado, por inadmissível, nos termos dos artigos 414, º, n.º 2, 441.º, n.ºs 1 e 3, e 448.º do Código de Processo Penal e 246.º do CEPMPL. A não entender–se assim, pronunciamo-nos pela procedência do presente recurso extraordinário, sendo caso em que o Supremo Tribunal de Justiça se pode limitar a aplicar a jurisprudência fixada, nos termos do artigo 446.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, reenviando–se o processo para nova decisão e ordenando–se que nela seja observada a jurisprudência fixada.» 6. Efectuado o exame preliminar, o processo foi à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP, aplicável ex vi artigo 446.º, n.º 1, do CPP, para decisão. II. Fundamentação 7. Tendo havido lugar à revogação, por decisão de 19.2.2024, de anterior liberdade condicional concedida ao condenado AA por ter atingido 5/6 da pena de prisão superior a 6 anos, com efeitos a partir de 12.12.2021 e até 27.10.2024, tornou-se necessário proceder ao cômputo de penas em cumprimento sucessivo, para concessão de (nova) liberdade condicional. 7.1. O Ministério Público no Tribunal de Execução das Penas pronunciou-se nos seguintes termos: «1. a) Cumprindo o condenado a pena de 14 A e 6M de prisão à ordem do processo 66/06.0..., por decisão de 12.12.2021 foi-lhe concedida a liberdade condicional a partir de 12.12.2021 até 27.10.204. O recluso foi restituído à liberdade no referido dia 12.12.2021. Essa liberdade condicional foi revogada, por decisão de 19.02.2024, transitada em julgado, com o fundamento de cometimento de crimes durante o período da liberdade condicional.22.5... Assim, no âmbito do mencionado processo o remanescente da pena a cumprir é de 2 (dois) anos, 10 (dez) meses e 15 (onze) dias - artº. 64º nº 2 do CP. Por força do acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/2019 do STJ, publicado em DR, I, de 29.11.2019, o remanescente das penas de prisão deverá ser integralmente cumprido, não havendo, quanto a ele, apreciação da liberdade condicional. b) Tem, ainda, a cumprir a pena única aplicada no processo 610/ 22.5..., por decisão transitada em julgado a 24.11.2023, pela prática de três crimes de roubo. 2. A privação de liberdade à ordem do 610/22.5... teve lugar a 25.10.2022, mantendo-se, desde então, de forma ininterrupta nessa situação. 3. Assim, com estes pressupostos, procede-se ao cômputo das penas de prisão em cumprimento sucessivo: a) ½ da pena indicada em a) acrescida da totalidade da pena mencionada em b), será atingido a 10.12.2033; b) os 2/3, computados da mesma forma, terão lugar a 09.09.2036; c) os 5/6 computados da mesma forma, terão lugar a 09.06.2039; d) o termo da soma total das penas ocorrerá em 12.03.2042. (…)» 7.2. O Senhora juiz de instrução discordou deste entendimento e, em divergência da jurisprudência fixada no acórdão n.º 7/2019, convocando, designadamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 909/2023, de 21.12.2023, que julgou inconstitucional a norma do n.º 4 do artigo 63.º do Código Penal, na interpretação que lhe foi dada naquele acórdão, decidiu nos seguintes termos: «(…) a solução concretamente perfilhada no APFJ 7/2019 não pode deixar de ser considerada como em clara colisão com a Constituição. Desde logo, choca frontalmente com o princípio chamado da socialidade. Com efeito, o tempo em que decorre a impossibilidade do Juiz examinar a situação concreta do condenado pode significar a manutenção deste em situação de reclusão quando já se não verifique qualquer carência de pena, nomeadamente por as razões atinentes à prevenção especial – positiva e negativa – se encontrarem integralmente satisfeitas. Ou seja, o arguido deixou de ser um sujeito da relação penal para se tornar um mero objecto de exercício do poder punitivo do Estado absolutamente imune a qualquer aferição das razões para a subsistência dessa punição. Isto é, a ideia da pena de prisão como necessária à defesa social e à preparação do arguido para se integrar comunitariamente deixou de ser objecto de qualquer crivo judicial – exista, ou não, em concreto o fim que justifica a pena ele deixou de relevar, dado que o motivo especial da revogação (condenação em pena de prisão efectiva) obriga a que se renuncie a essa indagação. Ou seja, o facto de existir um crime cometido em liberdade condicional punido com prisão efectiva leva a que a filosofia preventiva das penas seja colocada entre parênteses, ficando suspensa enquanto a pena inicial se não encontre integralmente cumprida. Deixaram de relevar, pois, as ideias de proporcionalidade, proibição do excesso e necessidade, dado que a pena cumpre-se porque assim haverá de ser, atento o “castigo” que merece o arguido por haver prevaricado criminalmente enquanto em liberdade condicionada ao cumprimento de deveres. E esse castigo contamina necessariamente a pena em execução que, por isso, terá de ser integralmente cumprida. Conclusivamente, dir-se-á que a orientação interpretativa dimanada do APFJ 7/2019 (havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63º, n.º 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de liberdade condicional) além de ignorar a norma constante do n.º 4 do artigo 64º do CPenal, interpreta o sobredito artigo 63º, 4 do CPenal em colisão com o princípio da proibição do excesso, maxime na sua dimensão de princípio da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18º, n.º 2, da CRP) e o princípio (implícito) da socialidade, que impõe ao Estado um dever de ajuda ao condenado, proporcionando-lhe as condições necessárias para a reintegração na sociedade, decorrente da caracterização da República Portuguesa como um Estado de direito (art. 2º, 9º, al. d), 26º, 1 e 30º, 1, todos da CRP), Tal desadequação à Constituição conduz, nos termos do artigo 204º da CRP, à sua inaplicabilidade. Na verdade, como resulta da orientação dimanada do Tribunal Constitucional, a leitura preconizada pelo APFJ não passa pelo crivo do princípio da ressocialização. (…) Ora, sendo a liberdade condicional um instituto que tem na sua génese uma finalidade de prevenção especial positiva ou de ressocialização, esta não deve ser abandonada nas situações em que o condenado pratica outro crime pelo qual vem a ser condenado em pena de prisão, vendo, consequentemente, revogada a liberdade condicional anteriormente concedida”. Tanto basta para que se passe a efectuar o cômputo das penas em cumprimento, tendo em atenção que o condenado se encontra privado da liberdade desde 25/10/2022. Assim o meio das penas em cumprimento ocorrerá em 02/07/2032, os 2/3 em 24/09/2035, os 5/6 em 09/06/2039, verificando-se o fim das penas em 12/03/2042.» 8. Como se referiu, o Ministério Público interpõe o presente recurso nos termos dos artigos 446.º do CPP e do artigo 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL. 9. Dispõe o artigo 446.º («Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça») do CPP que: «1 - É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo. 2 - O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público. (…)». Por sua vez, o artigo 242.º («Recurso obrigatório») do CEPMPL estabelece a obrigatoriedade de recurso para o Ministério Público, estatuindo: «1 - O Ministério Público recorre obrigatoriamente, sendo o recurso sempre admissível: a) De quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça; b) De decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie; 2 - Para o efeito previsto no n.º 1, o sujeito contra o qual foi proferida a decisão recorrida pode requerer ao Ministério Público a interposição do recurso. 3 - Para o efeito previsto no n.º 1, os serviços prisionais e os serviços de reinserção social comunicam ao Ministério Público a oposição de decisões, logo que dela tomem conhecimento. 4 - O recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa, pelo Ministério Público junto do tribunal que a tenha proferido, ao qual são dirigidas as comunicações a que se refere o número anterior e o requerimento previsto no n.º 2. 5 - O recurso interposto de decisão ainda não transitada em julgado suspende, até ao respectivo julgamento: a) O prazo para interposição de recurso para a Relação; b) Os termos subsequentes de recurso já instaurado, no que concerne à questão jurídica controvertida. 6 - Na hipótese prevista no número anterior, o recurso só tem efeito suspensivo da decisão recorrida se esse for em concreto o efeito legalmente atribuído à interposição de recurso para a Relação.» 10. A aparente oposição entre o estatuído no n.º 1 do artigo 446.º do CPP – segundo o qual o recurso deve ser interposto “no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida” – e no n.º 4 do artigo 242.º do CEPMPL – de acordo com o qual o recurso é interposto “nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa” – suscita, pois, a questão de saber se o recurso foi interposto ou não fora de tempo. Assim se devendo, antes do mais, apreciar esta questão prévia (no que se segue a fundamentação do acórdão de 23.11.2022, proc. 2290/10.1TXCBR-T.S1, já citado). 11. A redação atual do artigo 446.º do CPP é a que resulta da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto. Dispunha este preceito na sua redação anterior (da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, cujo n.º 1 o artigo 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL reproduz): «1 - O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso sempre admissível. 2 - Ao recurso referido no número anterior são correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo. (…)» Com a alteração introduzida em 2007 passou a prever-se expressamente, no corpo do n.º 1 do artigo 446.º, que o prazo de interposição do recurso contra jurisprudência fixada se conta a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida. Lê-se, a este propósito, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que esteve na origem da Lei n.º 48/2007: “Em homenagem a um desígnio de economia processual, estabelece-se que o prazo de 30 dias para a interposição de recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada conta a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida (artigo 446.º)”. Na redação anterior, como vinha sendo entendido na jurisprudência, idêntica norma apenas se extraia por remissão do n.º 2 do artigo 446.º, que mandava aplicar, com as devidas adaptações, o n.º 1 do artigo 438.º. Dispõe este preceito (que se mantém na redação originária de 1987) que o recurso para fixação de jurisprudência é “interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”; por força daquela remissão, passou a entender-se que a expressão “acórdão proferido em último lugar” incluía uma “decisão proferida contra jurisprudência fixada”. 12. As alterações introduzidas no artigo 446.º do CPP em 1998 e em 2007 suscitaram controvérsia na jurisprudência e na doutrina a propósito das questões de saber se era necessário esgotar os recursos ordinários antes de lançar mão do recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada e do prazo para interposição do recurso (cfr. Simas Santos / Leal Henriques, Recursos Penais, Rei dos Livros, 9.ª ed., 2020, pp. 226-227). Respondeu este STJ dizendo que só se justifica o recurso extraordinário quando a decisão já não é (ou não é) suscetível de recurso ordinário, contando-se o prazo de recurso a partir do respetivo trânsito em julgado. Argumenta-se que, na lógica do recurso obrigatório do Ministério Público para o Supremo Tribunal de Justiça, instituído em vista de este Tribunal poder controlar a aplicação da jurisprudência por ele fixada e de a rever e atualizar, se necessário (artigo 446.º, n.º 3, do CPP), face à flexibilidade de permissão legal de divergências fundamentadas (artigo 445.º, n.º 3, do CPP) aumentando a margem de decisão dos tribunais de instância, não faz sentido o recurso direto da 1.ª instância sem que se esgote a possibilidade de a 2.ª instância se pronunciar, impondo o respeito pela jurisprudência fixada (cfr., a este propósito, Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, 4.ª ed., Almedina, 2022, comentário de Pereira Madeira ao artigo 446.º, e Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, 4.ª ed., Católica Editora, anotação ao artigo 446.º). Afirmou-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 06.07.2011 (Souto de Moura), Proc. 4044/09.9TAMTS.S1 (em www.dgsi.pt): «(…) O n.º 1 do art. 446.º do CPP (…) dizia na sua anterior redacção que “O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso sempre admissível”. E no nº 2 do preceito prescrevia-se que ao recurso em questão eram aplicáveis as disposições do capítulo em que o preceito estava integrado, epigrafado “Da fixação de jurisprudência”. Por isso é que se devia considerar como prazo de interposição de recurso, nos termos do art.º 438.º n.º 1 do CPP, “30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar”. Por outro lado, discutiu-se então qual o alcance da expressão “quaisquer decisões”, tendo o S.T.J. formado uma corrente jurisprudencial, nos termos da qual, as decisões da 1ª instância nunca eram passíveis de recurso extraordinário em virtude de violação de jurisprudência fixada, devendo sempre esgotarem-se os graus de recurso ordinário disponíveis. Com a actual redacção (…) [m]anteve-se (…) o prazo de interposição de recurso de 30 dias, agora explicitamente incluído no n.º 1 do art. 446.º., e contado a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida. No entanto, introduziu-se a alteração de passar a ser admissível “recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada” A introdução da expressão “recurso directo” para o S T J, conjugada com a exigência do trânsito em julgado da decisão recorrida, significa que nunca o recorrente tem a possibilidade de escolher entre o recurso ordinário (no caso para a Relação) e o recurso extraordinário, se ainda estiver em tempo de interpor aquele primeiro tipo de recurso. Pura e simplesmente porque a decisão recorrida ainda não terá, à data, transitado. (…) Na doutrina, a introdução da expressão “recurso directo” para o STJ foi encarada como a desnecessidade de se esgotarem os recursos ordinários para que se pudesse lançar mão deste tipo de recurso extraordinário (assim Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques in “Recursos em Processo Penal”, pag. 196, ou, os mesmos e João Simas Santos, in “Noções de Processo Penal” pag. 544). A intervenção do Pleno das Secções Criminais do STJ, exigida para apreciar o recurso em foco, foi também reservada, por outros autores, só para as situações em que a decisão não era recorrível pelos meios ordinários por já não o admitir, ou por se terem esgotado os recursos ordinários admissíveis (assim Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal” pag. 1048 ou Paulo P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal” pag. 1192). A “justificação para o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada (...) só cobra verdadeira razão de ser quando já não é possível corrigir, através de recurso ordinário, a jurisprudência que se desviou da que se declarou, nos termos do Código, obrigatória.” Mas enquanto essa correcção puder ter lugar, não fará nenhum sentido banalizar a intervenção de um órgão com as características do Pleno das Secções Criminais do STJ. Diz-nos Manuel Simas Santos e Leal Henriques: ““(…) a redacção dada ao n.º 1 do art.º 446.º, pela revisão de 2007, vem prescrever, diversamente, que “é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada”, donde que não seja obrigatório o esgotamento prévio dos recursos ordinários. Não significa isso, no entanto, que não possam, e a nosso ver devam, ser interpostos previamente aqueles recursos, designadamente pelo Ministério Público (…) Na verdade, quando o legislador da revisão de 2007 quis que o recurso directo fosse obrigatório, disse-o expressamente, como é o caso do n.º 2 do art.º 432.º, o que não acontece com o art.º 446.º” (in “Recursos…” pág. 196). O recurso poderá ser directo para o S T J, não tanto porque esteja na mão do recorrente optar entre o recurso ordinário da decisão, ou o recurso extraordinário para o S T J, mas porque se configuram situações em que a decisão já não é “recorrível pelos meios ordinários” (cf. P. P. Albuquerque loc. cit.). “Tratando-se de um recurso extraordinário, em nosso entendimento não pode ser interposto se for admissível recurso ordinário” (cf. Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal Anotado” pág. 1048). Ou seja, segundo estes autores, a posição correcta será sempre a de esgotar os recursos ordinários. Mas no caso de tal não ter tido lugar e se ter deixado transitar em julgado a decisão de primeira instância, então subsistirá sempre, desde que tempestivo, o recurso extraordinário, directo para o STJ e obrigatório para o Mº Pº. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sufragado o ponto de vista apontado: “(…) o recurso deste teor cobra enquadramento ao nível dos recursos extraordinários, de adoptar, por definição, quando o jogo dos recursos normais já não funciona, ou seja, quando o lançar mão do expediente normal de impugnação enfrenta o trânsito do julgado” (cf. Ac. de 2/4/2008, Pº 408/08-3ª Secção. Em consonância, v. g. Ac.s de 16/1/2008, Pº 4270/07-3ª Secção, de 12/3/2009, Pº 478/09-3ª Secção, de 12/11/2009, Pº 1133/08.0PAVNF.S1, ainda da 3ª Secção, ou a nossa decisão sumária de 25/1/2011, Pº 224/09.5 ECLSB.L1.S1, da 5ª Secção, para além do atrás referido).» 13. A fixação de jurisprudência em matéria de execução de penas e medidas privativas da liberdade dispõe de normas próprias que regulam os designados “Recursos especiais para uniformização de jurisprudência”, estabelecidas no Capítulo II do Título V do Livro II (artigos 240.º a 246.º) do CEPMPL, com remissões (artigo 244.º) para as disposições do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do CPP (artigo 438.º a 446.º), sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as disposições do CPP que regulam os recursos ordinários (artigo 246.º). O artigo 240.º do CEPMPL dispondo sobre “Oposição de acórdãos da Relação”, em formulação que se aproxima dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 437.º do CPP, permite o recurso dos acórdãos da Relação, em oposição, nos seguintes termos: «1 - Quando, no domínio da mesma legislação, um tribunal da Relação proferir acórdão que, relativamente à mesma questão de direito em matéria de execução das penas e medidas privativas da liberdade, esteja em oposição com outro da mesma ou de diferente Relação, é permitido recorrer do acórdão proferido em último lugar. 2 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. 3 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.» Nos termos do artigo 244.º do CEPMPL, à interposição, tramitação e julgamento dos recursos para fixação de jurisprudência em matéria de execução das penas e à publicação e eficácia da respectiva decisão aplicam-se, com as necessárias adaptações, os artigos 438.º a 446.º do Código de Processo Penal. 14. Os artigos 235.º a 239.º do CEPMPL regulam os “recursos para o tribunal da Relação”, que são “interpostos, tramitados e julgados como os recursos em processo penal” (artigo 239.º), em tudo o que não for contrariado pelo CEPMPL. Diversamente do que sucede nos recursos (ordinários) em processo penal (artigo 399.º e segs. do CPP), em que vigora o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais (artigo 399.º do CPP), das decisões do tribunal de execução das penas só cabe recurso (para a Relação) nos casos expressamente previstos na lei (artigo 235.º, n.º 1, do CEPMPL), sendo ainda recorríveis as decisões do tribunal de execução das penas de extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade [al. a)], de concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal [al. b)] e as proferidas em processo supletivo [al. c), do n.º 2 do mesmo preceito]. As decisões do Tribunal de Execução das Penas proferidas no processo de impugnação de decisões da administração prisional (artigos 200.º a 215.º do CEPMPL) não são passíveis de recurso ordinário, pois que, como se justifica na Exposição da Motivos da Proposta de Lei n.º 252/X, que esteve na origem do CEPMPL, já está assegurada uma dupla instância de apreciação: administrativa e judicial. Como se extrai dessa Exposição de Motivos, sublinha-se, no entanto, a importância de “assegurar a estabilidade” das “orientações jurisprudenciais em matéria de execução de medidas privativas da liberdade”, em respeito pelo princípio da igualdade de tratamento dos reclusos, reconhecendo que “à uniformização de jurisprudência apenas se chegue, em regra, por via de recurso interposto de decisão transitada em julgado”. Porém, tendo em conta que o recurso no interesse da unidade do direito, determinado ou interposto pelo Procurador–Geral da República (artigo 245.º do CEPMPL) – que, na falta de outra, seria a via possível de reação – “constitui o último recurso do sistema”, que “só será accionado em casos raros”, veio o CEPMPL prever “um recurso obrigatório ampliado à contradição de decisões proferidas em processo de impugnação”, dizendo-se a este propósito: “Por um lado, o melindre das matérias objecto de processo de impugnação torna tão grave a contradição de julgados, que há que impor ao Ministério Público a obrigação de recorrer para se chegar à uniformização de jurisprudência. Por outro, sendo insusceptíveis de recurso as decisões proferidas em processo de impugnação, a uniformização de jurisprudência não é obviamente alcançável por via de recurso com fundamento na oposição de acórdãos do tribunal da Relação.” 15. O que vem de se expor permite identificar duas linhas do regime do recurso “especial” de fixação de jurisprudência regulado no CEPMPL, fundadas em razões de ordem histórica, teleológica e sistemática: (a) por um lado, a sua harmonização com o regime do recurso “extraordinário” de fixação de jurisprudência regulado no CPP, com aplicação supletiva das normas do processo penal, nele se incluindo o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada (artigo 446.º do CPP), pressupondo o trânsito em julgado da decisão recorrida; e (b) por outro, o alargamento do recurso obrigatório para uniformização de jurisprudência aos casos de decisão, que não admite recurso (ordinário), proferida por um tribunal de execução das penas em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra decisão proferida por outro tribunal da mesma espécie. Esta ampliação do recurso de fixação de jurisprudência à contradição de decisões proferidas em processo de impugnação tornou necessário estabelecer um regime próprio, que é o que consta do artigo 242.º, n.ºs 1, al. b), e 2 a 6, do CEPMPL. É assim que se tem vindo a afirmar que o n.º 4 do artigo 242.º do CEPMPL – que, como se viu, estabelece que o recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa – carece de interpretação restritiva, limitando-se a sua aplicação ao recurso de fixação de jurisprudência nos casos de oposição de decisões dos tribunais de execução das penas em processos de impugnação [al. b) do n.º 1 do artigo 242.º do CEPMPL], dela se excluindo o recurso de decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça [a que se refere a al. a) do mesmo preceito], o qual, nos termos do disposto no artigo 446.º, n.º 1, do CPP, aplicável ex vi artigo 244.º do CEPMPL, é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida. 16. Neste sentido vem decidindo uniformemente este Supremo Tribunal de Justiça, a partir dos acórdãos de 12.11.2020, nos processos 3150/10.1TCPRT-R.S1 (em www.dgsi.pt) e 1283/11.6TXPRT-O.S1 (sumário publicado em “Sumários de Acórdãos das Secções Criminais”, 2020, em www.stj.pt), e nos acórdãos de 10.12.2020, Proc. 586/12.7TXCBR-R.S1, de 18.02.2021, Proc. 259/12.0TXCBR-O.S1, de 11-02-2021, Proc. 64/11.1TXLSB-Y.S1, de 17.02.2021, Proc. 634/11.8TXCBR-R.S1, e de 03.10.2024, Proc. 387/11.0TXCBR-W.S1, em www.dgsi.pt (no mesmo sentido o acórdão de 26.10.2022, Proc. 498/20.0PAMGR.C1-A, não publicado). (a) Disse-se naqueles primeiros acórdãos de 12.11.2020: “(…) apesar, de o art. 242.º, n.º 4, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), determinar que o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias após a “prolação da decisão”, deve considerar-se que este apenas se refere aos recursos interpostos nos termos do art. 242.º, n.º 1, al. b), do CEPMPL. Isto porque, por força do disposto no art. 244.º, do CEPMPL, as regras relativas, nomeadamente, à interposição desta espécie de recurso devem seguir o disposto no art. 446.º, do CPP, ou seja, apenas deverá ser interposto recurso contra jurisprudência fixada quando a decisão recorrida já tenha transitado em julgado e após o seu trânsito (no prazo de 30 dias). Aliás, como é jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, um recurso contra jurisprudência fixada não pode ser interposto quando a decisão recorrida ainda possa ser modificada em sede de recurso ordinário”, citando-se o acórdão de 06.07.2011 acima parcialmente transcrito. (b) E nos acórdãos de 10.12.2020 e de 18.02.2021: “A novidade, no elenco do CEPMPL, é o recurso de decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie (por um dos TEP), art. 242.º/1/b, CEPMPL). (…) o n.º 4 do art. 242.º, CEPMPL, apenas se aplica às decisões a que alude o art. 242.º/1/b (assim, ac STJ de 12.11.2020, Helena Moniz, proferido no processo n.º 1283/11.6TXPRT-O.S1). Só assim ganha sentido o sistema normativo cerzido pelo legislador quer no CPP, quer no CEPMPL. O 242.º/4, tem em vista os antecedentes n.ºs 2 e 3, normas estas que, por sua vez, só ganham sentido quando referidas ao n.º1/b. Este regime especial, tem em vista um tipo de procedimento específico, e só nesse contexto se percebe a intervenção da DGRSP (art. 242.º/3). Só assim é plena de sentido a remissão do art. 244.º, CEPMPL, «à interposição, tramitação e julgamento dos recursos anteriormente previstos e à publicação e eficácia da respetiva decisão aplicam-se, com as necessárias adaptações, os artigos 438.º a 446.º do Código de Processo Penal.». (…) A unidade do sistema processual e a congruência da resposta, a uma e mesma questão jurídica, reclama também esta solução.” Afirmando-se no sumário do acórdão de 18.02.2021: “A congruência das soluções normativas, aparentemente contraditórias, entre o regime consagrado no CPP, para o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, que estabelece o prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida (art. 446.º, n.º 1, do CPP), para interpor o recurso extraordinário e a disciplina constante do art. 242.º, n.º 4, do CEPMPL, que fixa como prazo de recurso, 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa, impõe a interpretação restritiva de que o n.º 4 do art. 242.º do CEPMPL, apenas se aplica às decisões a que alude o art. 242.º, n.º 1, al. b), do CEPMPL.” (c) Consignou-se ainda no acórdão de 17.02.2021, invocando expressamente o sumário do acórdão de 12.11.2020, Proc. 1283/11.6TXPRT-O. S1, cit.: “À luz dos vigentes n.ºs 1 e 2, do art. 446.º não se pode interpretar que, no caso, poderá escolher-se arbitrariamente entre recurso ordinário e recurso extraordinário, por ser sempre admissível (nos prazos consignados) recurso direto para o STJ de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada. Designadamente, o MP não pode deixar de lançar mão, antes de mais, dos “meios ordinários”, sendo a recorribilidade direta permitida, sim, mas votada às situações de impossibilidade de utilização daqueles recursos. Cumprirá, pois, esgotar os recursos ordinários. Porém, se se deixou transitar em julgado a decisão de 1.ª Instância, então, na verdade, subsistirá sempre, desde que tempestivo, o recurso extraordinário, direto para o STJ e obrigatório para o Ministério Público. Vária doutrina e jurisprudência vão no sentido de que deve haver um esgotamento da possibilidade do recurso ordinário para se passar a utilizar o extraordinário. Por todos, v.g., Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, p. 1048, e os arestos deste STJ: Ac. de 2/4/2008, proferido no Proc.º n.º 408/08; Ac. de 16/1/2008, proferido no Proc.º n.º 4270/07, Ac. de 12/3/2009, proferido no Proc.º n.º 478/09, Ac. de 12/11/2009, proferido no Proc.º n.º 1133/08.0PAVNF.S1, Ac. de 12.11.2020, Proc. n. º 1283/11.6TXPRT-O. S1, este último com patente similitude com o presente caso. 17. Em conformidade com o que vem de se expor, conclui-se que o recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, obrigatório para o Ministério Público, de decisão proferida pelo tribunal de execução das penas contra jurisprudência fixada, a que se refere o artigo 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL, deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, nos termos do artigo 446.º do CPP, para que remete o artigo 244.º do CEPMPL. Nos termos do disposto no artigo 628.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 4,º do CPP, e 154.º do CEPMPL, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (em 30 dias ou em 10 dias, respetivamente – artigos 411.º, n.º 1, al. a), e 105.º, n.º 1, do CPP). 18. Como se viu, o presente recurso foi interposto no dia 5 de junho de 2024, ou seja, em data anterior à do trânsito em julgado da decisão recorrida, que ocorreu no dia seguinte, 6 de junho de 2024. Pelo que, sendo extemporâneo, não é admissível (artigo 414.º, n.º 2, do CPP, aplicável ex vi artigo 448.º do mesmo diploma). De acordo com o artigo 441.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, o recurso é rejeitado, em conferência, se o tribunal concluir pela inadmissibilidade. A procedência desta questão prévia obsta ao conhecimento dos demais pressupostos e do mérito do recurso. 19 Como se tem decidido em acórdãos anteriores, de acordo com o disposto no artigo 193.º, n.º 3, do CPC, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte pode ser corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados. Foi assim que nos acórdãos de 23.11.2022 , Proc. 2290/10.1TXCBR-T.S1, de 12.11.2020, Proc. 3150/10.1TCPRT-R.S1 e 1283/11.6TXPRT-O.S1, de 10.12.2020, Proc. 586/12.7TXCBR-R.S1, de 11.02.2021, Proc. 64/11.1TXLSB-Y.S1, de 17.02.2021, Proc. 634/11.8TXCBR-R.S1, e de 18.02.22021, Proc. 259/12.0TXCBR-O.S1, considerando a aplicação desta disposição ao processo penal ex vi artigo 4.º do CPP, se ordenou a remessa dos autos aos tribunais da relação para apreciação da possibilidade de aproveitamento do ato processual como recurso ordinário, da sua competência. Como afirma Pereira Madeira (Código de Processo Penal Comentado, cit, supra), se o recurso é interposto antes do trânsito em julgado da decisão, ele “deverá seguir o rumo do recurso ordinário, já que, por essa via, bem pode acontecer que seja posto termo à impugnada violação de jurisprudência, não se justificando, por isso, o recurso ao meio extraordinário, que, justamente porque o é, só deve ser usado quando [já] não seja possível lançar mão dos meios ordinários de solução do litígio”. A determinação de que “se sigam os termos processuais adequados” requer que se proceda à verificação dos requisitos do recurso ordinário impostos pelo artigo 412.º do CPP, de que depende a sua admissão, sob pena de rejeição, nos termos dos artigos 412.º n.º 1 e 2, 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP. Faltando a motivação, o recurso é rejeitado [como sucedeu no processo 259/12.0TXCBR-O.S1 – cfr. acórdão de 08.09.2021, Proc. 259/12.0TXCBR-P.S1, em www.dgsi.pt]; a remessa seria, nesse caso, ato inútil, que não deve ser praticado (artigo 130.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP). Vistas a motivação e respetivas conclusões, mostra-se que a recorrente se limita a dizer que o despacho recorrido vai contra a jurisprudência fixada do AFJ 7/2019 e que adere aos fundamentos do despacho recorrido, pelo que, «sendo o recurso obrigatório, se abstém de tecer mais considerações». É, pois, manifesta a falta de motivação, de acordo com as exigências do artigo 412.º, n.º s 1 e 2 do CPP, Pelo que, neste caso, não se justifica o uso da faculdade a que se refere o artigo 193.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigos 4.º do CPP e 154.º do CEPMPL. III. Decisão 20. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada interposto pelo Ministério Público, em virtude de ter sido interposto antes do trânsito em julgado da decisão recorrida; Sem custas. Supremo Tribunal de Justiça, 7 de novembro de 2024. José Luís Lopes da Mota (relator) José Carreto António Augusto Manso |