Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA PAULA BOULAROT | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA QUESTÃO RELEVANTE ATO INÚTIL CONHECIMENTO PREJUDICADO OBJETO DO RECURSO CRÉDITO SUBORDINADO CRÉDITO COMUM PLANO DE RECUPERAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/03/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I - Se o PER não for homologado, torna-se completamente extravagante a discussão sobre a natureza de comum e/ou subordinada de um crédito reclamado, bem como a sua natureza creditícia. II - Situação diversa seria a de o plano ter sido aprovado, já que a sobredita qualificação sempre teria relevo em sede de precedência nos pagamentos, como deflui do normativo inserto no art. 48.º do CIRE. III - Mas se o reclamante/recorrente não tiver posto em causa essa parte dispositiva do acórdão, isto é, a não homologação do PER, fica completamente prejudicada a apreciação do objecto do recurso. | ||
Decisão Texto Integral: | PROC 3736/19.9T8VFX.L1.S1 6ª SECÇÃO
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I Nos presentes autos de PER em que é Requerente TÂMEGA GROUP, SA, vem o Credor AA, interpor recurso de Revista do Acórdão da Relação de Lisboa que confirmou a decisão de primeiro grau a não homologar o Plano de pagamentos, nos termos do artigo 14º, nº 1 do CIRE, alegando a sua oposição com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do Processo n.º 84/14.4TBACB-B.C1, em 21 de Abril de 2015, aresto esse que invocou indicando que o mesmo se encontra publicado na base de dados do IGFEJ, cuja cópia certificada veio a juntar posteriormente após convite para o efeito.
O Recorrente, apresentou as seguintes conclusões: A. Por sentença veio o Tribunal a quo manter a decisão já anterior recorrida, decidindo que, o crédito do aqui Recorrente será um crédito de natureza subordinado, fundamentando que, “a circunstância de na sentença de habilitação nada ter sido dito sobre a alteração da qualificação do crédito é absolutamente irrelevante. Não se disse nem tinha de se dizer. No referido incidente de habilitação de cessionário apenas está em causa a substituição dos sujeitos da lide, com efeitos meramente processuais. A aferição da qualidade pessoal do sujeito adquirente que determina a qualificação do crédito como comum ou subordinado tem a sede processual própria em momento diferente (…) e ainda que “ (…) o momento processualmente azado para a qualificação dos créditos como comuns ou subordinados, independentemente de o referido crédito não ter sido impugnado, é precisamente aquele em que o juiz do processo exerce o seu poder/dever de controlo oficioso da legalidade, designadamente em sede de apreciação do resultado da votação e do plano (…)” B. Ora, à semelhança do que foi decidido anteriormente, como devido respeito, decidiu mal o Tribunal a quo relativamente à qualificação do seu crédito, e interpretou mal e erradamente os termos da Lei aqui aplicados, nomeadamente os artigos 48º e 49º do C.I.R.E., isto sem desconsiderara claraviolação dos demais elementares princípios legais e de direito. C. É facto assente que no âmbito do Processo Especial de Revitalização, a Credora Originária do crédito - Ares Lusitani – STC, S.A., reclamou o valor do seu crédito, tendo o mesmo sido reconhecido e qualificado como crédito comum. D. Em 15.01.2020, o aqui Recorrente adquiriu o crédito ao Credor Originário, tendo o aqui Recorrente sido habilitado nos autos em substituição daquele Credor, tendo sido proferida sentença no incidente de habilitação de cessionário que julgou que “Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 376º, nº 1, b), 2ª parte do CPC, julgo procedente o presente incidente de habilitação e, em consequência, declaro AA habilitado como cessionário dos créditos de Ares Lusitani, Finance Designated Activity Company,(…) para como credora prosseguir o processo principal.”. E. À data em que o crédito foi adquirido pelo Recorrente, a qualificação do mesmo, quer para os presentes autos quer para qualquer outro efeito é e será sempre comum. F. Não pode o Tribunal a quo alterar a qualificação do mesmo crédito nos presentes autos, considerando a relação do adquirente com a Devedora, à data da aquisição do crédito, quando está em causa, um crédito que foi constituído em data anterior à entrada dos presentes autos e constituído pela Devedora junto do Credor Originário, sem que esteve tivesse alguma relação especial com a Devedora. G. A posição defendida e assumida pelo Tribunal a quo no caso em concreto, não tem qualquer aplicabilidade, nem poderá ter qualquer cabimento nos termos do art. 48º e art. 49º, ambos do C.I.R.E., nem tampouco das normas que regulam a figura jurídica cessão de créditos, no contexto da vinculação especial a que se referem os arts. 48º e 49º, do C.I.R.E.. H. Em causa está uma cessão de créditos ao aqui Recorrente, de um crédito que na sua origem é um crédito comum, tal como reclamado e reconhecido no PER. I. No âmbito do regime da cessão de créditos, o mesmo envolve simplesmente a substituição do Credor Originário por Terceiro, mantendo-se inalterados todos os demais elementos da relação obrigacional, não sendo defensável ou aceitável, a argumentação de que existe uma substituição ou conversão da obrigação originária por uma nova obrigação. J. A obrigação é exatamente a mesma, verificando-se apenas uma simples modificação subjetiva que consiste na transferência daquela pelo lado ativo. K. O que releva para qualificação como crédito subordinado é o momento da constituição do crédito e não o momento da cessão, dado que o novo Credor adquire o crédito com as exatas qualidades e condições que ele patenteava no momento da transmissão. L. Mas neste contexto, a discussão relevante não é a de saber se o Cessionário é uma pessoa especialmente relacionada com o Devedor mas se o Cedente o era, e neste caso é claro e evidente que não! M. A previsão, na norma reguladora da subordinação, relativa à transmissão do crédito, destina-se, simplesmente, a evitar a fraude à lei, i.e., a impedir que através da transferência do crédito, se obvie à qualificação deste como subordinado, previsão que, no tocante à cessão de créditos, dado que deixa inteiramente intocado, quanto ao seu conteúdo, o crédito transmitido, é de todo desnecessária (artº 48, alínea a) do C.I.R.E.). N. Assim, é irrelevante aqui discutir-se se o aqui Recorrente, simples Cessionário é ou não pessoa especialmente relacionada com o Devedor – mas sim se o Credor Cedente (Credor Originário) o era, o que não se verifica, pois o Credor originário não era, nem estava relacionado com a Devedora. O. O facto de agora o Cessionário do crédito ser pessoa especialmente relacionada com o Devedor, não transforma o crédito em subordinado se antes o não era, assim como o facto de o Cessionário não ter qualquer relação com o devedor, não transmuta o crédito em não subordinado, se antes o era. P. Além do mais, a cessão de créditos exige o acordo do Credor e do Terceiro, mas não do Devedor, o que se compreende dado que, excetuados os casos de não credibilidade do crédito, para o Devedor a cessão é, por regra, indiferente. Q. Como primeiro requisito, temos a existência de um negócio com eficácia transmissiva do crédito, ou, noutra terminologia, uma fonte da cessão (artº 578 nº 1 do Código Civil)., e nesse negócio apenas são parte o Cedente o Cessionário: o que essencialmente caracteriza a cessão é a transmissão do crédito, sem necessidade de consentimento do Devedor. R. O que existe no caso é uma transmissão subjetiva da relação – causal – de um sujeito para outro – Credor e Terceiro, sem que a relação originária sofra a mínima alteração. S. Com este negócio dá-se a transferência do direito à prestação do cedente para o cessionário, com todas as faculdades, direito, obrigações e prerrogativas que lhe sejam inerentes. T. O Credor originário detentor de um crédito reclamado e reconhecido no processo como crédito comum, transferiu o seu direito ao aqui Recorrente, com todas as faculdades inerentes, nomeadamente a sua posição, ou seja, além do crédito, e em consequência transferiu ao aqui Recorrente a sua posição nos presentes autos. U. Assim, não existem dúvidas que o aqui Recorrente assumiu a posição do Credor Originário com o crédito reclamado e reconhecido como crédito comum, tendo sido transmitido a obrigação existente à aquisição do crédito tal como esta existia, mantendo-se inalterados todos os demais elementos da relação obrigacional. V. Não é legalmente admissível ou concebível que se transforme o crédito em subordinado se antes o não era, assim como o facto de o Cessionário não ter qualquer relação com o Devedor, não transmite o crédito em não subordinado, se antes o era. W. E como é igualmente certo e assente, que o crédito originário não era detido, nem foi constituído por pessoa especialmente relacionada com o Devedor, no contexto da vinculação especial a que se referem os arts. 48º e 49º, do C.I.R.E., não existe fundamento para, após a sua aquisição pelo aqui Recorrente, este ser alterado na sua qualificação originária – de comum para subordinado, devendo manter-se o crédito reconhecido ao aqui Recorrente como crédito comum. X. Neste sentido, veja-se o entendimento acolhido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do Processo n.º 84/14.4TBACB-B.C1, em 21.04.2015, pelo Relator Henrique Antunes e disponível em www.dgsi.pt: “d) O momento que releva para qualificação como subordinado do crédito é o da sua constituição e não o momento da sua cessão, dado que o novo credor adquire o crédito com as exatas qualidades que ele patenteava no momento da transmissão.”, que acerca da mesma matéria, este Acórdão-fundamento tem entendimento contrário à decisão aqui recorrida. Y. O Tribunal a quo interpretou e erradamente aplicou o regime da cessão de créditos, não relevando para o caso em concreto, a relação existente entre a Devedora e o aqui Recorrente (Cessionário do crédito já existente), nem tendo qualquer aplicabilidade, a interpretação dada pelo Tribunal os arts. 48º e 49º, do C.I.R.E, considerando que o crédito aqui em questão foi adquirido a um Credor comum. Z. A decisão tal qual foi proferida mais do que desvirtuada e infundada, é violadora dos demais elementares princípios de direito, assim como do que dispõe os artigos 48º e 49º do C.I.R.E. isto sem desconsiderar o atropelo ao instituto da cessão de créditos aqui subjacente, pelo que deverá a decisão recorrida ser alterada e o crédito do aqui Recorrente ser qualificado como crédito comum.
Não foram apresentadas contra alegações.
II A questão solvenda é a de saber se o crédito de AA, aqui Recorrente, está correctamente qualificado como como subordinado ou se o mesmo deverá ser qualificado como comum.
A sentença de primeiro grau, produzida em 27 de Janeiro de 2021, decidiu nos seguintes termos: «[IV.] Face ao exposto, julgo: 1. procedente a impugnação da lista provisória de credores apresentada por Fundo de Investimento Imobiliário Fundimo e, em consequência não reconheço crédito de Banco de Fomento Internacional, S.A; 2. Parcialmente procedente a impugnação da lista provisória de credores apresentada pela Devedora Tâmega Group, S.A. e, consequentemente; i) reconhece-se os créditos de: a) Lisgarante – Sociedade de Garantias Mútua, S.A., no valor de € 85.526,24 (oitenta e cinco mil quinhentos e vinte e seis euros e vinte e quatro cêntimos), como comum; b) Caixa Económica Montepio Geral, no valor de € 644.312,80 (seiscentos e quarenta e quatro mil trezentos e doze euros e oitenta cêntimos), como comum; c) LX Investment Partners III, S.A.R.L., no valo total de € 2.493.460,37 (Dois milhões, quatrocentos e noventa e três mil, quatrocentos e sessenta euros e trinta e sete cêntimos), sendo o valor de € 1.552.032,30 qualificado como sob condição e o remanescente (€ 941.428,07) como comum, concedendo-se o direito de voto quanto ao crédito sob condição, na proporção de 50%.; d) Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor de € 392.692,31 (trezentos e noventa e dois mil seiscentos e noventa e dois euros e trinta e um cêntimos), como comum; e) Caixa Central – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, no valor de €327.315,78 (trezentos e vinte e sete mil trezentos e quinze euros e setenta e oito cêntimos), como crédito comum sob condição, concedendo-se o direito de voto quanto ao crédito sob condição, na proporção de 50%.; ii) Não se reconhecem os créditos de Banco BIC, S.A. e de LC Asset I, S.A.R.L.. Notifique. * Reconhecem-se os demais créditos constantes da Lista de Créditos Reconhecidos Provisória, com a ressalva da decisão das impugnações supra e com a alteração da natureza do crédito que era de Ares Lusitani, S.A., o qual foi, entretanto adquirido por AA. Ora, sendo que o actual detentor do crédito que era de Ares Lusitani, detém 100% das acções representativas do capital social da devedora e é o Presidente do Conselho de Administração da mesma, impõe-se concluir que se encontra preenchida a alínea c) do n.º 2 do art. 49.º do CIRE e, como tal, este crédito é subordinado nos termos do art. 48.º al. a) do mesmo código. * Em face do exposto, decididas as impugnações e atenta a ressalva efectuada são os seguintes os créditos reconhecidos: 1) Arrow Global Limited - € 50.082,01 – crédito comum; 2) Autoridade Tributária e Aduaneira - € 392.692,31 – crédito comum; 3) Banco BPI, S.A. - € 398.401,12 – crédito comum; 4) Banco Comercial Português, S.A. - € 41.229,95 – crédito comum; 5) Caixa Central – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL - € 327.315,78 - crédito comum sob condição, concedendo-se o direito de voto quanto ao crédito sob condição, na proporção de 50% ou seja € 163.657,89; 6) Caixa Económica Montepio Geral - € 644.312,80 – crédito comum; 7) Fundo de Investimento Imobiliário Fundimo - € 1.298.926,92 – crédito comum; 8) AA - € 2.368.738,93 – crédito subordinado; 9) Lisgarante – Sociedade de Garantias Mútua, S.A. - € 85.526,24 – crédito comum; 10) LX Investment Partners III, S.A.R.L. - € 2.493.460,37 - o valor de € 1.552.032,30 qualificado como sob condição e o remanescente (€ 941.428,07) como comum, concedendo-se o direito de voto quanto ao crédito sob condição, na proporção de 50%., perfazendo o total de € 1.717.444,22; 11) Vieira e Almeida & Associados – Sociedade de Advogador, R.L. – € 59.706,50 – crédito comum; Valor total dos créditos reconhecidos: € 8.160.392,93, dos quais: Créditos comuns: € 3.912.305,92; Créditos sob condição com direito de 50% de voto: € 1.879.348,08 – que corresponde a € 939.674,04 no cômputo do direito de voto; Créditos subordinados: € 2.368.738,93. Considerando a atribuição de 50% do direito de voto aos créditos sob condição, o valor a considerar é de € 7.220.718,89. Notifique. * * * * Consigna-se que, nos termos do disposto no art. 17.º-D, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a lista provisória de créditos se converteu em lista definitiva, com as rectificações resultantes da decisão supra exarada. * * * Tâmega Group, S.A., pessoa colectiva n.º 507185420, com sede em Cabeço da Rosa, 2670-662 Bucelas, Loures veio ao abrigo do disposto no art. 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas intentar o presente processo especial de revitalização. Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art. 17.º-C, n.º 3, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. O sr. Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi convertida em definitiva (art. 17.º-D, n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), nos termos supra exarados, após decisão das impugnações. Concluídas as negociações ocorreu a votação do plano apresentado pelo devedor tendo votado os seguintes credores – atentos os créditos admitidos -, atenta a última listagem de votos apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência sob a referência 9893064: Votaram credores que representam 98,74% do total de créditos reconhecidos para efeitos de votação (€ 7.129.406,93 de € 7.220.718,89), considerando as abstenções de Arrow e Banco Comercial Português, pelo que o quórum de votação a que se refere o art. 17.º F, n.º 5 do CIRE. Assim votaram: - Favoravelmente: 1) Autoridade Tributária e Aduaneira - 5,51% dos votos emitidos e 5,43% do total dos créditos reconhecidos; 2) AA - 33,22% dos votos emitidos e 32,80% do total dos créditos reconhecidos; 3) Vieira de Almeida e Associados- 0,84% dos votos emitidos e 0,83% do total dos créditos reconhecidos; - Contra: 1) Banco BPI, S.A. - 5,58% dos votos emitidos e 5,52% do total dos créditos reconhecidos; 2) Caixa Central – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL - 2,30% dos votos emitidos e 2,27% do total dos créditos reconhecidos; 3) Caixa Económica Montepio Geral - 9,04% dos votos emitidos e 8,92% do total dos créditos reconhecidos; 4) Fundo de Investimento Imobiliário Fundimo - 18,22% dos votos emitidos e 17,99% do total dos créditos reconhecidos; 5) Lisgarante – Sociedade de Garantias Mútua, S.A. - 1,20% dos votos emitidos e 1,18% do total dos créditos reconhecidos; 6) LX Investment Partners III, S.A.R.L. - 24,09% dos votos emitidos e 23,78% do total dos créditos reconhecidos. Assim, votaram: - Favoravelmente: - 39,57% dos votos emitidos e 39,06% do total dos créditos reconhecidos; - Contra: - 60,43% dos votos emitidos e 59,66% do total dos créditos reconhecidos. * Nos termos do disposto no art. 17.º-F, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não se tratando de um caso de aprovação unânime de um plano de recuperação, “Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º -D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções. Analisando as alíneas do art. 17.º, temos: Quanto à alínea a), o plano foi votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos definitiva, porém não recolheu o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, pelo que não se mostra preenchido o quórum de aprovação da alínea a). Relativamente à alínea b), se é certo que o PER recolheu o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, a verdade é que não se mostra preenchida a segunda parte desta alínea. Com efeito, exige-se que mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados. Ora, a indicação destes votos reporta-se aos votos favoráveis, pois que a primeira parte da alínea b) distingue os votos favoráveis e os créditos com direito a voto. Ao referir-se a metade destes votos está a reportar-se aos votos favoráveis. Considerando a votação supra descrita, temos que o Plano apresentado não recolheu o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos nem o voto favorável de mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, pelo que nos termos do art. 17.º F, n.º 5, als. a) e b) do CIRE o Plano não se considera aprovado, pelo que não pode o mesmo ser homologado. Em face da decisão supra, fica prejudicada a apreciação dos requerimentos de não homologação do PER. Pelo exposto, decide-se não homologar o PER apresentado.».
A questão aqui suscitada pelo Recorrente é a de saber se a classificação originária do crédito como comum, o qual lhe foi subsequentemente cedido por Ares Lusitani, SA, primitiva credora, poderia legalmente ter sido alterada para «subordinado» com o fundamento de «[se]ndo que o actual detentor do crédito que era de Ares Lusitani, detém 100% das acções representativas do capital social da devedora e é o Presidente do Conselho de Administração da mesma, impõe-se concluir que se encontra preenchida a alínea c) do n.º 2 do art. 49.º do CIRE e, como tal, este crédito é subordinado nos termos do art. 48.º al. a) do mesmo código», subordinação esta que foi assumida pelo Acórdão recorrido.
Veja-se o que ali se escreveu a respeito: «[O] recorrente alegou que o seu crédito foi reconhecido e qualificado como crédito comum na lista provisória de créditos, não tendo o mesmo crédito sido impugnado, pelo que se tornou definitiva a referida qualificação. Defende que o tribunal não pode alterar a qualificação do crédito por força da relação do adquirente com a devedora, pois o crédito foi constituído em data anterior à entrada dos presentes autos e constituído pela devedora e credores originários, e não pelo aqui recorrente. Defende que a cessão de créditos envolve simplesmente a substituição do credor originário por terceiro, pelo que o que releva para a qualificação como subordinado do crédito é o momento da constituição do crédito e não o momento da cessão. Importa começar por referir que não se concorda com a posição do recorrente. É a seguinte a redação dos preceitos referidos pelo tribunal recorrido: (…) Se é certo que por força da habilitação, o cessionário ocupa a posição jurídica do cedente, com todos os direitos e obrigações que àquele incumbiam, não significa isto que da circunstância de o crédito não ter sido impugnado se possa retirar a conclusão de que o crédito se deva ter como definitivamente considerado como comum. O momento processualmente azado para a qualificação dos créditos como comuns ou subordinados, independentemente de o referido crédito não ter sido impugnado, é precisamente aquele em que o juiz do processo exerce o seu poder/dever de controlo oficioso da legalidade, designadamente em sede de apreciação do resultado da votação e do plano, ou seja, precisamente o que o tribunal recorrido fez. A não ser assim, estaria encontrada uma forma de contornar o espírito da lei, mesmo de fraude à lei. Repare-se que bastaria a um qualquer devedor que se apresente a PER, através de pessoa próxima, adquirir créditos na justa medida das necessidades tendentes à apresentação e aprovação de um plano de recuperação. A circunstância de na sentença de habilitação nada se ter dito sobre a alteração da qualificação do crédito é absolutamente irrelevante. Não se disse nem tinha de se dizer. No referido incidente de habilitação de cessionário apenas está em causa a substituição dos sujeitos da lide, com efeitos meramente processuais. A aferição da qualidade pessoal do sujeito adquirente que determina a qualificação do crédito como comum ou subordinado tem a sede processual própria em momento diferente, nos termos supra explanados. Concorda-se, assim, com o tribunal recorrido, razão pela qual improcede o recurso interposto por este recorrente.».
Ora, independentemente da questão da análise da eventual contradição de Acórdãos, tendo em atenção que o momento relevante para a qualificação do crédito é o da sua constituição e não o da sua cessão, a aferição da apontada divergência afigura-se-nos completamente extravagante, tendo em atenção que o plano não foi homologado, e assim sendo, pouco releva a natureza creditícia.
Situação diversa seria a de o plano ter sido aprovado, já que a sobredita qualificação sempre teria relevo em sede de precedência nos pagamentos, como deflui do normativo inserto no artigo 48º do CIRE.
Ademais, não tendo o Recorrente posto em causa essa parte dispositiva do Acórdão, isto é a não homologação do PER, fica completamente prejudicada a apreciação do objecto do recurso.
III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 3 de Novembro de 2021
Ana Paula Boularot (Relatora) Fernando Pinto de Almeida José Rainho
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC). |