Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
213/02.0JAPTM.E1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
DECISÃO SUMÁRIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
IRRECORRIBILIDADE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NULIDADE DE DESPACHO
CONTUMÁCIA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
Data do Acordão: 11/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Conhecer do objecto do processo, para os efeitos previstos no art. 400º, nº 1, c) do C. Processo Penal, é conhecer da viabilidade da acusação e/ou da pronúncia, em ordem ao seu desfecho, seja de condenação, seja de absolvição, consoante o caso (Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1251).

II. A circunstância de a decisão proferida no recurso intercalar integrar o acórdão da relação que conheceu do recurso interposto da decisão final – como acontece com os recursos interlocutórios, admitidos para subiram a final e nos próprios autos, com o recurso interposto da decisão que viesse a por termo à causa, nos termos do nº 3 do art. 407º do C. Processo Penal – não a faz perder, nessa parte, a qualidade de decisão que não conhece, a final, do objecto do processo, pelo que, nessa mesma parte, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Decisão Texto Integral:
RECURSO Nº 213/02.0JAPTM.E1.S1

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

Por acórdão de 23 de Abril de 2 024 do Tribunal da Relação de Évora, foi proferida decisão nos seguintes termos:

Pelo exposto, acordam os Juízes nesta Relação de Évora [trata-se de manifesto lapso de escrita a referência feita à Relação de Lisboa], em Julgar:

- Totalmente não provido o recurso interposto pelo arguido AA;

- Parcialmente provido o recurso interposto pelo Ministério Público e em consequência fixa-se em 15 anos de prisão a pena ao arguido AA.

- Custas pelo arguido, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça o decaimento por cada um dos dois (2) recursos interlocutórios e em 3 UC a taxa de justiça pelo recurso incidente sobre o Acórdão final.

- Recurso interposto pelo MP – Sem custas.

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Inconformado com a decisão, recorre o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:

i) O recorrente foi condenado a quinze anos de prisão, por de ter praticado, em autoria material, um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, números 1 e 2, alínea i) do Código Penal;

ii) O crime pelo qual o recorrente foi condenado, ocorreu na noite de 2 para 3 de Novembro de 2002;

iii) O recorrente apenas foi constituído arguido no dia 21 de julho de 2023;

iv) O crime pelo qual o arguido foi condenado, correu termos em tribunal Colectivo, nos termos do artigo 14º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal;

v) O crime pelo qual o arguido foi condenado, correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., até à entrada em vigor da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto Lei da Organização do Sistema Judiciário, tendo aí sido transferido para o Juízo Central de ... do Tribunal;

vi) No Tribunal judicial da Comarca de ..., foi constituído um tribunal colectivo para julgar o crime de que o ora recorrente foi condenado, constituído pelo meritíssimo juiz presidente, Dr. BB e pelas meritíssimas juízas vogais, Dra. CC e Dra. DD.

vii) Em 22 de junho de 2006, foi decidido pelo juiz presidente do Tribunal Colectivo, a notificação edital do Recorrente, nos termos do artigo 335º, n.º 1 do CPP.

viii) Após o término do prazo de apresentação do ora recorrente em juízo, foi promovido em 2 de outubro de 2006, pelo digníssimo magistrado do Ministério Público junto do tribunal da Comarca de ..., a declaração de contumácia do recorrente, nos termos dos artigos 335º do CPP.

ix) Posteriormente, em 9 de outubro de 2006, foi proferido pela meritíssima juíza de direito CC, despacho de declaração de contumácia do ora recorrente, nos termos do artigo 335º do CPP.

x) De modo a proferir o despacho de contumácia do ora recorrente, a meritíssima juíza de Direito, CC, criou um tribunal singular e ad hoc, para sozinha proferir o despacho de contumácia do recorrente.

xi) A meritíssima juíza de direito CC, violou as competências exclusivas do presidente, proferindo um despacho nulo, por ser proferido por juiz incompetente, artigo 336º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

xii) A meritíssima juíza de direito CC, proferiu o despacho de declaração de contumácia do recorrente, no âmbito de um tribunal singular, promovendo o desaforamento do tribunal colectivo constituído, violando a proibição de desaforamento.

xiii) A meritíssima juíza de direito CC, ao proceder ao desaforamento do tribunal colectivo constituído para julgar o crime dos presentes autos, violou o Princípio do Juiz Natural, consagrado no artigo 32º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa.

xiv) A meritíssima juíza de direito CC, ao proceder ao desaforamento do tribunal colectivo constituído e declarar a contumácia do recorrente, proferiu um acto processual a non judice e sponte sua, considerando-se como sendo uma decisão tomada fora do tribunal, sem qualquer valor jurisdicional, não podendo por isso produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica, devendo ser declarado a sua inexistência, não podendo produzir quaisquer efeitos nos presentes autos.

xv) Nos termos do artigo 10º do Código de Processo Penal e em virtude das leis de organização judiciária se mostrarem subsidiárias relativamente às normas referentes à competência material e funcional dos tribunais em matéria penal insertas neste Código, deveremos considerar como exclusiva, a competência do juiz presidente do tribunal de julgamento para declarar a contumácia do arguido, nos termos do artigo 335º, n.º 3, também do Código de Processo Penal.

xvi) Em virtude da nulidade ou inexistência do despacho de declaração de contumácia e por não existir qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição, nos termos dos artigos 120º e 121º do Código Penal, deve o presente procedimento criminal ser declarado prescrito, nos termos do artigo 118º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

xvii) Em virtude da prescrição do procedimento criminal, deverá a prisão do recorrente ser declarada ilegal e o mesmo devolvido à liberdade.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o despacho de fls. 333, ser revogado, declarando-se a sua nulidade ou inexistência, por violação do art. 335º, n.º 3 do Código de Processo Penal, por violação das regras de competência e da proibição de desaforamento, e a consequente declaração de ilegalidade da prisão preventiva do Recorrente, só assim se fazendo….

JUSTIÇA.

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O recurso foi admitido por despacho de 3 de Junho de 2024.

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Respondeu ao recurso o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Évora, pronunciando-se, a final, pelo seu não provimento.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer, nos seguintes termos:

Como é por demais sabido, «o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (…) São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo penal, III, Editorial Verbo, 1994, págs. 320-321).

Emerge das conclusões do recurso que o arguido AA apenas contesta o acórdão do TRE na parte em que apreciou e decidiu o recurso do despacho interlocutório 26.09.2023.

Nos termos do art. 432, n.º 1, al. b), do CPP recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do art. 400 do mesmo Código.

Preceitua por sua vez o art. 400, n.º 1, al. c), do CPP que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo (exceto nos casos – que aqui não estão em causa – em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no art. 196 do CPP).

Pois bem, ao julgar improcedente o recurso do despacho interlocutório de 26.09.2023, que indeferiu a nulidade e a inexistência jurídica do despacho de 09.10.2006, que declarou a contumácia do arguido, e que declarou não prescrito o procedimento criminal, o acórdão do TRE não conheceu, a final, do objeto do processo, ou seja, não conheceu «do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido» (Pereira Madeira, Código de Processo Penal comentado, António Henriques Gaspar e outros, 4.ª edição revista, Almedina, pág. 1240).

Donde que, nessa específica parte, o referido aresto não seja recorrível.

Nessa ordem de ideias, como nenhuma outra questão é submetida à apreciação deste Supremo Tribunal e não estando o mesmo vinculado pelo despacho de admissão do recurso proferido no tribunal a quo, o recurso deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal (arts. 400, n.º 1, al. c), 414, n.ºs 2, 1.ª parte, e 3, 417, n.º 6, al. b), 420, n.º 1, al. b), e 432, n.º 1, al. b), todos do CPP).

Caso assim não se entenda, subscrevemos o entendimento perfilhado no acórdão recorrido e pelo MP junto do TRE, com uma discordância quanto ao dies ad quem da prescrição do procedimento criminal, o qual, mesmo considerando, como se considerou no acórdão recorrido, como única causa de suspensão a decorrente da declaração de contumácia com o limite máximo de 15 anos (olvidando o disposto na atual redação – que o TRE, implicitamente, considerou mais favorável ao agente – do art. 120, n.ºs 1, als. b) e e), 2 e 4, do CP), vai muito para além do «início do ano de 2025» [3 de novembro de 2002 (data dos factos) + 15 anos (prazo de prescrição) + 7 anos e 6 meses (prazo de prescrição acrescido de metade) + 15 anos (prazo máximo de suspensão da prescrição na hipótese de declaração de contumácia) = 3 de maio de 2040].

Este, em suma, o nosso parecer.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

O arguido respondeu ao parecer, formulando, a final, as seguintes conclusões:

i) O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, decidiu sobre uma questão relacionada com a competência material do tribunal, mais concretamente do juiz Presidente;

ii) O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, decidiu sobre o preenchimento da agravante do art.º 132.º, n.º 2 al. i) do Código Penal;

iii) O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, decidiu sobre a escolha e medida da pena a aplicar ao recorrente;

iv) O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, conheceu a final sobre o objecto do processo, não se aplicando o Artigo 400º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal;

v) O presente recurso visa que este Supremo Tribunal conheça uma nulidade cometida em virtude da violação das regras de competência material, do tribunal, aplicando-se analogicamente o Artigo 629º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil ex vi Artigo 4º do Código de Processo Penal, sendo assim, sempre recorrível.

Nestes termos, deverá o presente recurso ser apreciado e decidido por este Supremo Tribunal, porquanto o Acórdão em recurso, conheceu, a final, do objeto do processo e ainda, em virtude da violação das regras de competência material, do tribunal, aplicar-se analogicamente o Artigo 629º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil ex vi Artigo 4º do Código de Processo Penal, só assim se fazendo JUSTIÇA.

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Por decisão sumária do relator, de 20 de Setembro de 2024 – conhecendo da questão da irrecorribilidade do acórdão da Relação de Évora [suscitada pelo Exmo. Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo Tribunal no parecer emitido, e contraditada pelo recorrente na resposta ao mesmo apresentada], foi decidido rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 400º, nº 1, c), 414º, nº 2, 417º, nº 6, b) e 420º, nº 1, b), todos do C. Processo Penal, por irrecorribilidade do acórdão recorrido.

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O arguido reclamou da decisão sumária para o Exmo. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termos da reclamação as seguintes conclusões:

I - O presente processo judicial, tem como objecto:

a) a prática pelo recorrente, no dia 3 de novembro de 2002, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e d) parte inicial, ambos do Código Penal, b) a nulidade ou inexistência do despacho de declaração de contumácia, por violação dos artigos 335º, 14º e 119º, alínea e), todos do CPP, c) a prescrição do procedimento criminal, nos termos dos artigos 118º, n.º 1, al. a) e do art. 119º, n.º 1, ambos do Código Penal.

II - O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora decidiu sobre:

a) a prática pelo recorrente, no dia 3 de novembro de 2002, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e d) parte inicial, ambos do Código Penal, b) a nulidade ou inexistência do despacho de declaração de contumácia, por violação dos artigos 335º, 14º e 119º, alínea e), todos do CPP, e c) a prescrição do procedimento criminal, nos termos dos artigos 118º, n.º 1, al. a) e do art. 119º, n.º 1, ambos do Código Penal;

III - O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, conheceu, a final, da totalidade do objeto do processo, não se aplicando o art. 400º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal;

IV - O objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, versa exclusivamente sobre a violação das regras de competência em razão da matéria, aplicando-se analogicamente a disposição contida no artigo 678.°, n.° 2, alínea a) primeira parte do Código de Processo Civil, por imposição do art. 4º do Código de Processo Penal.

Termos em que requer a V. Exa. se digne admitir o recurso apresentado, revogando-se a Decisão Sumária reclamada, só assim se fazendo JUSTIÇA.

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O Exmo. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 11 de Outubro de 2024, não admitiu a reclamação mas, considerando o princípio do aproveitamento dos actos processuais e o disposto no art. 193º, nº 3, do C. Processo Civil, aplicável, ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, convolou-a em reclamação para a conferência, prevista no nº 8 do art. 417º do C. Processo Penal.

Recebidos os autos, foi assegurado o contraditório relativamente à reclamação para a conferência, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal mantido a posição assumida no visto e acrescentado que o apelo do arguido ao disposto no art. 629º, nº 2, a) do C. Processo Civil, por «imposição do art. 4º do Código de Processo Penal» carece de fundamento pela não verificação de lacuna, pois o C. Processo Penal, que regula de forma autónoma e completa a fase do recurso, contém norma que proíbe o duplo grau de jurisdição, a do art. 400º, nº 1, c), e concluiu pela rejeição do recurso por inadmissibilidade legal.

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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.

Cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Como se deixou dito no antecedente Relatório, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em crise, julgou improcedente o recurso do arguido – onde o mesmo tinha pugnado pela nulidade do despacho que o declarou contumaz e consequente prescrição do procedimento criminal – e julgou parcialmente procedente o recurso do Ministério Público, agravando o seu sancionamento, que passou para 15 anos de prisão.

No recurso interposto do acórdão da Relação o arguido submeteu aos conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça as questões da nulidade do despacho que o declarou contumaz e consequente prescrição do procedimento criminal, e apenas estas.

Na decisão sumária do relator foi entendido ser irrecorrível, atento o objecto fixado, o acórdão da Relação de Évora, sendo esta, pois, a questão a decidir em sede de reclamação para a conferência [em caso de deferimento da reclamação, haverá que conhecer do recurso, conforme disposto no nº 10 do art. 417º do C. Processo Penal].

2. Dispõe o art. 432º, nº 1, b) do C. Processo Penal que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º.

Nos termos do disposto no art. 433º do C. Processo Penal, os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo das situações previstas nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 432º do mesmo código.

Por sua vez, dispõe a alínea c) do nº 1 do art. 400º do C. Processo Penal que, não é admissível recurso, [d]e acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo, excepto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coacção ou de garantia patrimonial, quando em 1ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196º.

Deste modo, salvo nos casos subsumíveis à previsão da 2ª parte da norma, não é admissível recurso dos acórdãos da relação, proferidos em recurso, que não conheçam, a final, do objecto do processo portanto, que não julguem o mérito da causa.

O objecto do processo é integrado pelos factos narrados na acusação e/ou na pronúncia, pelos factos alegados pela defesa e ainda, pelos factos resultantes da discussão da causa, desde que relevantes para as questões elencadas nº 2 do art. 368º do C. Processo Penal (art. 339º, nº 4 do mesmo código). Assim, conhecer do objecto do processo é conhecer da viabilidade da acusação e/ou da pronúncia, em ordem ao seu desfecho, seja de condenação, seja de absolvição, consoante o caso (Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1251).

Notam, a propósito, Simas Santos e Leal Henriques (Recursos Penais, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 38) que este fundamento de irrecorribilidade pretende acautelar a necessidade de defender o Supremo tribunal de Justiça da intervenção em questões de menor importância que assim se querem ver decididas definitivamente pela Relações, quando forem objecto de recurso intercalar autónomo.

Pois bem.

A circunstância de a decisão proferida no recurso intercalar integrar o acórdão da relação que conheceu do recurso interposto da decisão final – como acontece com os recursos interlocutórios, admitidos para subiram a final e nos próprios autos, com o recurso interposto da decisão que viesse a por termo à causa, nos termos do nº 3 do art. 407º do C. Processo Penal – não a faz perder, nessa parte, a qualidade de decisão que não conhece, a final, do objecto do processo, razão pela qual, nessa mesma parte, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, apesar de ser conhecido no mesmo acórdão da relação, é autónomo e independente, o conhecimento de um recurso intercalar, do conhecimento do recurso interposto da decisão final.

Em consequência, não pode o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça incluir questões decididas no recurso intercalar, por, nesta parte, não ter a relação conhecido, a final, do objecto do processo (António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, obra colectiva, 2024, Almedina, pág. 60 e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2023, processo nº 813/22.2JABRG.G1.S1, de 19 de Junho de 2019, processo nº 881/16.6JAPRT-A.P1.S1 e de 18 de Abril de 2013, processo nº 180/05.9JACBR.C1.S1, in www.dgsi.pt).

O mesmo princípio de irrecorribilidade deve ser aplicado nos casos em que, não existindo, formalmente, recurso intercalar, o acórdão da relação que tem por objecto decisão final da 1ª instância, decide questão interlocutória, portanto, questão intermédia, que antecede a decisão que conhece, a final, do objecto do processo, uma vez que não existe razão, formal ou material, para distinguir, sendo a questão interlocutória suscitada em recurso intercalar [decidido no mesmo acórdão da relação que decide o recurso interposto da decisão final da 1ª instância], ou sendo a questão interlocutória suscitada no recurso interposto da decisão final da 1ª instância (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 2020, processo nº 195/18.7GDMTJ.L1.S1, de 2 de Março de 2017, processo nº 126/15.6PBSTB.E1.S1 e de 29 de Outubro de 2015, processo nº 1584/13.9JAPRT.C1.S1, in www.dgsi.pt).

Aqui chegados.

3. Seguindo de perto o caminho trilhado na decisão sumária, atentemos, com a brevidade necessária, nas vicissitudes dos autos.

Por despacho proferido em 9 de Outubro de 2006 pela Mma. Juíza do, então, Tribunal Judicial da Comarca de ..., foi o recorrente AA declarado contumaz.

Na sequência da emissão de Mandado de Detenção Europeu, veio o recorrente a ser detido em 28 de Maio de 2023, entregue às autoridades nacionais, ouvido em primeiro interrogatório e constituído arguido em 21 de Julho de 2023.

Tendo o arguido invocado na contestação apresentada a nulidade/inexistência do despacho que declarou a sua contumácia, bem como, a prescrição do procedimento criminal, fundada na mesma nulidade, a Mma. Juíza titular proferiu despacho, conhecendo de ambas as questões e julgando-as improcedentes.

O arguido recorreu deste despacho para o Tribunal da Relação de Évora, recurso que foi admitido com efeito devolutivo e subida diferida.

Realizado o julgamento, a 1ª instância, por acórdão de acórdão de 18 de Dezembro de 2023, condenou o arguido, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nº 2, h) [actual alínea i)], ambos do C. Penal, na pena de 13 anos de prisão.

Inconformado com o decidido no acórdão de 18 de Dezembro de 2023, o arguido dele recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, alegando que o mesmo enferma de nulidade por excesso de pronúncia, e sindicando a qualificação do homicídio, peticionando a sua condenação pelo crime simples, em pena de prisão suspensa na respectiva execução.

Por sua vez, também o Ministério Público recorreu do mesmo acórdão, peticionando ao tribunal ad quem o agravamento da pena de prisão imposta pela 1ª instância ao arguido.

O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 23 de Abril de 2024, começou por decidir os recursos interlocutórios interpostos pelo arguido – o recurso do despacho de 26 de Setembro de 2023, que indeferiu as invocadas nulidade e inexistência jurídica do despacho que declarou a contumácia do arguido e indeferiu a pretendida declaração de prescrição do procedimento criminal, e o recurso do despacho de 18 de Dezembro de 2023, que comunicou ao arguido uma alteração não substancial de factos e uma alteração da qualificação jurídica – tendo, quanto ao recurso do despacho de 26 de Setembro de 2023, confirmado a decisão recorrida, julgando improcedentes a invocada nulidade/inexistência e a peticionada prescrição do procedimento criminal. Decididos os recursos interlocutórios, pronunciou-se a Relação sobre os recursos interpostos do acórdão da 1ª instância de 18 de Dezembro de 2023, julgando o do arguido totalmente improcedente e o do Ministério Público parcialmente procedente, com o agravamento da pena àquele imposta, que passou para 15 anos de prisão.

Inconformado com a decisão do Tribunal da Relação de Évora, recorre o arguido para este Supremo Tribunal, resultando das conclusões formuladas, as quais, como é sabido, definem o objecto do recurso (art. 412º, nº 2 do C. Processo Penal), de forma clara e inequívoca, que as questões que pretende ver conhecidas são apenas, a da nulidade ou inexistência do despacho que declarou a sua contumácia, por incompetência material da Magistrada Judicial que o proferiu, e a prescrição do procedimento criminal, por aquela nulidade ou inexistência impedirem que o mesmo actue como causa de suspensão do prazo de prescrição.

O acórdão da Relação de Évora, na parte em que conheceu as questões da nulidade/inexistência do despacho que declarou a contumácia e da subsequente prescrição do procedimento criminal, pelas razões supra expostas, não conheceu, a final, do objecto do processo, mas de questões intermédias ou interlocutórias, não sendo, por isso, e nesta parte, recorrível (art. 400º, nº 1, c) do C. Processo Penal). Sê-lo-ia, por exemplo, de questões como a qualificação jurídico-penal dos factos e/ou a medida concreta da pena, igualmente conhecidas no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, caso tivessem sido elegidas pelo recorrente, e não foram, como integrantes do objecto do recurso para este Supremo Tribunal, mas apenas destas.

Por outro lado, contrariamente ao pretendido pelo arguido, não é aplicável ao caso o disposto no art. 629º, nº 2, a) do C. Processo Civil, quer porque o mesmo foi pensado para um sistema de recursos – como é o do processo civil – fundado no valor da causa e alçada do tribunal de onde se recorre [de modo a que, embora o valor da causa não permita o recurso, ele seja admissível com fundamento na violação das regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia , ou na ofensa do caso julgado], quer porque, como é evidente, o arguido exerceu o direito ao recurso, quando recorreu do despacho de 26 de Setembro de 2023 para o Tribunal da Relação de Évora.

O que a lei não lhe faculta, atento o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 400º do C. Processo Penal, é o duplo grau de jurisdição.

Em suma, tendo o recurso interposto para este Supremo Tribunal por exclusivo objecto, questões decididas, em recurso, pelo acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Évora, que não conheceram do objecto do processo, não é o mesmo admissível, por irrecorribilidade deste acórdão (art. 400º, nº 1, c) do C. Processo Penal).

Por fim, a circunstância de a Exma. Juíza Desembargadora relatora ter proferido despacho de admissão do recurso não vincula o tribunal ad quem (art. 414º, nº 3 do C. Processo Penal).

Assim, improcede a reclamação.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em julgar improcedente a reclamação para a conferência apresentada pelo arguido AA e, em consequência, confirmam a decisão sumária reclamada, mantendo a rejeição do recurso.

Custas pelo arguido reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e art.8º, nº 9 do R. da Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).

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Lisboa, 14 de Novembro de 2024

Vasques Osório (Relator)

Jorge Bravo (1º Adjunto)

Agostinho Torres (2º Adjunto)