Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | DECISÃO SINGULAR | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data da Decisão Sumária: | 11/18/2024 | ||
Votação: | - - | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO – ARTIGO 405.º DO CPP | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Sumário : | I. Havendo dupla conformidade condenatória, o acórdão da Relação, tirado em recurso, só admite recurso ordinário para o STJ se tiver sido aplicada ao arguido recorrente, pena superior a 8 anos - artigos 432.º, n.º 1, al.ª b) e 400.º, n.º 1, al.ª f), do CPP. II. O Tribunal Constitucional tem vasto e uniforme acervo de decisões no sentido de que não é inconstitucional a norma que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações que confirmem a decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. | ||
Decisão Texto Integral: |
Reclamação – artigo 405.º do CPP (162/2024) I - Relatório: O arguido AA foi condenado em 1.ª instância pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão. Foi ainda declarado perdido a favor do Estado o veículo com a matrícula ..., nos termos do artigo 35.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93 e do artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal. O arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 10 de setembro de 2024, negou provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida. Inconformado, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Recurso que não foi admitido por despacho de 14 de outubro de 2024, com fundamento no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP. O recorrente apresentou reclamação da decisão de não admissão do recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, fundado na inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado no sentido de não ser admissível recurso para o STJ, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 3.º, 9.º alínea b), 12.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, da CRP. * Cumpre decidir: * II - Fundamentação: 1. O critério de admissibilidade do recurso para o STJ, reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja, a pena em que o arguido foi condenado na decisão recorrida. A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”. Deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito que estabelece serem irrecorríveis “os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”. No caso, o acórdão da Relação, confirmou a decisão da 1.ª instância que aplicou ao arguido a pena de 5 anos e 8 meses de prisão pela prática do crime acima enunciado. Havendo dupla conformidade, como resulta diretamente das normas adjetivas citadas, o acórdão da Relação, tirado em recurso, só admite recurso ordinário para o STJ se tiver sido aplicada ao recorrente, pena superior a 8 anos. Não sendo esse o caso dos autos, resulta não ser recorrível em mais um grau, o acórdão confirmatório, conforme decorre do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP. 2. O reclamante deduz a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado no sentido de não ser admissível recurso para o STJ, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 3.º, 9.º alínea b), 12.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1, da CRP. No estrito plano do direito infraconstitucional, a solução consagrada na norma no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não colide com qualquer parâmetro constitucional. Com efeito, não existe violação do princípio da igualdade contemplado no artigo 13.º da CRP. “O princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídica‑material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa” são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio” (cf., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, p. 339). E, como se expendeu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 270/2009, de 27 de maio de 2009, publicado no DR, 2.ª série, de 7 de julho de 2009, “(…) a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade, dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico”. É, porém, inteiramente justificável que o sistema de recursos seja organizado por forma a que o STJ, no caso de decisão conforme em duas instâncias, apenas conheça de acórdãos que apliquem penas de considerável gravidade, como sejam as superiores a 8 anos de prisão. Por outro lado, no caso dos autos, tendo sido assegurado ao arguido um duplo grau de jurisdição (uma vez que o arguido teve a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1.ª instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se é inconstitucional a interpretação no sentido de limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal. O Tribunal Constitucional tem vasto acervo de decisões no sentido de que não é inconstitucional a norma que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações que confirmem a decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. E não pode considerar-se infringido o artigo 18.º, n.º 1, da CRP, porquanto o direito que o reclamante considera restringido seria o do recurso, especificamente previsto no n.º 1 do artigo 32.º da CRP que não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias. Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. E o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, a organização de um modelo de intervenção processual, razoável, proporcional e adequado, não cabendo na dimensão e no respeito da essência constitucional do direito a exigência exacerbada e repetida de meios que se sobreponham e que perturbem a regularidade da evolução processual e dos prazos de decisão. Está, assim, completamente fora de causa a violação, no caso, do artigo 20.º da Constituição. No respeitante à invocação dos artigos 9.º alínea b), da CRP (Tarefas fundamentais do Estado) e 12.º da CRP (Princípio da universalidade), que se traduz na aplicabilidade a todas as pessoas dos direitos fundamentais, o reclamante não concretiza em que medida e por que motivos ou razões o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretado no sentido da inadmissibilidade do recurso, afeta algum conteúdo essencial das normas invocadas. * III - Decisão: 3. Nestes termos, indefere-se a reclamação deduzida pelo arguido AA. Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. Notifique-se. * Publique-se com o seguinte sumário: 1. Havendo dupla conformidade condenatória, o acórdão da Relação, tirado em recurso, só admite recurso ordinário para o STJ se tiver sido aplicada ao arguido recorrente, pena superior a 8 anos - artigos 432.º, n.º 1, al.ª b) e 400.º, n.º 1, al.ª f), do CPP. 2. O Tribunal Constitucional tem vasto e uniforme acervo de decisões no sentido de que não é inconstitucional a norma que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações que confirmem a decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Lisboa, 18 de novembro de 2024 O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Nuno Gonçalves |