Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1413/12.0TJCBR-P.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
EFEITOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO
DIREITO DE RETENÇÃO
TRADIÇÃO DA COISA
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 06/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE
Sumário :

I – A sentença que reconhece ao credor reclamante o seu crédito e a inerente garantia real, nos termos do artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil, não constitui caso julgado material relativamente a terceiros interessados que não tiveram intervenção nessa acção judicial, o que implicará, por parte do mesmo reclamante, a necessidade de provar no processo de insolvência (e concretamente no apenso de verificação e graduação de créditos) os factos demonstrativos da natureza de crédito privilegiado por força do direito de retenção que o garante, tal como resulta do disposto no artigo 789º, nº 5, do Código de Processo Civil.

II – Nos termos do disposto nos artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil, bem como no artigo 46º da Lei da Organização Judiciária, o Supremo Tribunal de Justiça, sendo um tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito e não de matéria de facto, o que significa que perante a prova sujeita à livre apreciação do julgador – sem ocorrer qualquer caso de prova vinculativa, dotada de força probatória plena e estabelecida no âmbito do direito probatório material – a sua intervenção torna-se particularmente restrita e mesmo excepcional.

III - A violação dos poderes/deveres consignados no artigo 662º do Código de Processo Civil que, contrariando a regra geral constante do nº 4 da mesma disposição legal, habilita a interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, não abrange a mera sindicância e reapreciação da prova na sequência do conhecimento da impugnação de facto prevista no artigo 640º do Código de Processo Civil.

IV – Tendo a resolução do contrato promessa, em virtude do incumprimento definitivo imputável à promitente vendedora, produzido os seus efeitos em data anterior à declaração de insolvência, o negócio jurídico (incumprido), do qual resulta o crédito do ora reclamante, encontrava-se extinto à data em que foi declarada a insolvência, pelo que o administrador desta nada poderia fazer quanto ao seu cumprimento ou recusa.

V - A circunstância de o contrato promessa em apreço haver sido resolvido em data anterior à declaração de insolvência da promitente vendedora significa igualmente que o ora reclamante já era então (antes da declaração de insolvência) titular do direito de retenção sobre o montante em dívida, não se tratando nessa medida de um “um negócio em curso”, nos termos e para os efeitos dos artigos 102º e 106º do CIRE, não lhe sendo aplicável a exigência adicional nos acórdãos uniformizadores de jurisprudência nºs 4/2014, de 20 de Março de 2014 e 4/2019, de 12 de Fevereiro de 2019.

VI – Havendo a promitente vendedora aceite e acordado em aditamento ao contrato promessa, com a mesma data, a entrega material da coisa aos promitentes compradores, para que dela passassem a dispor (dois meses após a celebração do contrato promessa), e tendo sido nesse específico contexto entregue a fracção autónoma àqueles que, a partir daí, passaram a fixar nela a sua residência, verificou-se a tradição da coisa em seu favor, competindo-lhes assim, perante a resolução por incumprimento definitivo do contrato a que procederam, a tutela subjacente ao reconhecimento do seu direito de retenção.

VII – Pelo que o crédito do recorrente graduado e garantido por direito de retenção, nos termos do artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil, tem prevalência sobre os créditos hipotecários incidentes sobre o mesmo imóvel, em conformidade com o disposto no artigo 759º, nº 2, do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 1413/12.0TJCBR-P.C1.S1.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível):

I – Relatório.

B..., SA, foi declarada insolvente por sentença proferida em 7 de Novembro de 2013, transitada em julgado, tendo na mesma sido fixado o prazo de trinta dias para a reclamação de créditos.

Findo tal prazo, a administradora da insolvência apresentou, a 5 de Maio de 2015, a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Foram deduzidas diversas impugnações à lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos pelos seguintes credores entre as quais a da Consulteam – Consultores de Gestão, Lda. relativamente ao crédito reconhecido pela administradora da insolvência a AA e BB no montante de € 481.453,70 garantido por retenção das fracções E, G6 e G7 e estacionamento designado por P48 do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...54º da freguesia de ..., e descrito na CRP sob o nº ..36.

Alega a impugnante que os reclamantes são titulares do crédito no montante de € 481.453,70 decorrente de uma indemnização que a insolvente foi condenada a pagar-lhes no processo nº 1045/12.3... da ... Secção da Vara Mista ..., sendo que a indemnização arbitrada foi de € 479.000,00, valor a que acrescem custas no montante de € 1.973,70.

Para além da referida sentença, junta por cópia com a reclamação de créditos, onde lhes foi reconhecida tal indemnização e tal direito de retenção.

Porém, não alegaram os credores quaisquer factos que conduzissem à verificação de tais direitos, sendo certo que tal sentença não constitui caso julgado perante a ora impugnante, que detém sobre os imóveis em questão registo de hipoteca a seu favor.

Respondeu o credor AA, por si e em representação da sua filha menor, BB, em síntese que, que na impugnação apresentada está em causa a verificação da existência e reconhecimento de um crédito do respondente em relação à insolvente, crédito garantido por um direito de retenção, estando a existência desse crédito e a respectiva garantia documentados por uma sentença judicial, cuja cópia juntou aquando da reclamação de créditos, sentença essa que, pelo menos, em relação à insolvente, já há muito transitou em julgado.

Realizou-se audiência de julgamento.

Foi proferida em 1ª instância sentença que julgou

A) – Conforme decisão proferida em sede de despacho saneador:

- em conformidade com o disposto nos arts. 131º, nº 3, e 136º, nº 3 do CIRE, reconhecem-se os créditos incluídos na lista de créditos reconhecidos apresentada pela administradora da insolvência, não impugnados (fls. 2 a 12), quer quanto ao montante, quer na respectiva natureza (os sob condição desde que verificada a mesma-art 50º, do CIRE), e ainda os seguintes créditos dos credores:

(…) Julgou-se ainda parcialmente procedente a impugnação deduzida por Consulteam – Consultores de Gestão, Lda (agora Santander Totta, S.A.) relativamente ao crédito reconhecido a AA, por si e em representação de sua filha menor, BB, e em consequência reconhecendo a estes um crédito correspondente ao direito a uma indemnização, no montante global de €479.000,00 (quatrocentos setenta e nove mil euros) já com juros vencidos contados à taxa legal sobre a importância de €470.000,00 desde 23 de Março de 2012, a que devem acrescer os juros vincendos, à taxa de 4%, sobre €479.000,00 até efetivo pagamento e o valor de custas/custas de parte, as quais se contabilizam em €1.973,70 e os juros vencidos que até à reclamação totalizam €480,00, sendo de natureza comum com excepção dos juros vencidos após a declaração de insolvência, que são de natureza subordinada;

Procedeu-se à graduação dos créditos reconhecidos nos seguintes termos, sem prejuízo de posterior graduação relativamente a outros bens e/ou direitos que sejam aprendidos:

(…)

2. Dos imóveis apreendidos:

(…) VERBA QUARENTA E UM- inscrito na matriz predial Urbana da freguesia de ... sob o nº ...54 e que está descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-E; Sobre a ... inscrito na matriz predial Urbana da freguesia de ... sob o nº ...54 e que está descrito na ...Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-N e relativamente a cada uma das verbas:

1.º Em primeiro lugar, o crédito do credor Banco Popular Portugal, S.A., depois Consulteam, Consultores de Gestão, S.A., agora Banco Santander Totta, S.A., garantido por hipotecas, a pagar de acordo com a prioridade de registo;

2º Em segundo lugar, o crédito da Segurança Social por gozar de privilégio imobiliário geral;

3º Em terceiro lugar, os créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira, a título de IRC e IRS por gozar de privilégio imobiliário geral;

4º Em quarto lugar, os créditos comuns (todos os demais com excepção dos subordinados) na proporção dos seus créditos (artigo 176º do CIRE), a satisfazer rateadamente, nos termos do disposto no art. 604º do Cód.Civil;

5º Em quinto lugar, os créditos subordinados, pela ordem prevista no artigo 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea (artigo 177º nº 1 do CIRE).

Foi interposto pelos reclamantes AA e BB recurso de apelação.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 12 de Setembro de 2023, foi a apelação julgada procedente nos seguintes termos:

i. Revoga-se o segmento da decisão recorrida que classificou o crédito dos Recorrente emergente do incumprimento do contrato promessa (479.000,00€ e respectivos juros) como crédito comum, classificando-se o aludido crédito como garantido por direito de retenção em relação à verba número 41 (quarenta e um);

ii. Altera-se o segmento decisório referente à graduação efectuada em relação à citada verba n.º 41 (Fracção autónoma designada pela letra “E”, composta por T-Quatro, designado por 922, situado no segundo piso, as garagens designadas por G6 e G7 situadas no piso menos um à cota 33.15, e o estacionamento P48 situado no piso menos um à cota 36.75 no Lote n.º 22.9, sito na Quinta da ..., da freguesia de ..., no Concelho ..., e que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia de ... sob o n.º ...54 e que está descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-E), determinando-se que, em relação ao produto da venda do citado imóvel, será pago em primeiro lugar o crédito garantido dos Apelantes (acima mencionado), após o que serão pagos os demais créditos de acordo com a ordem estabelecida na decisão recorrida;

iii. Mantém-se em tudo o mais a decisão recorrida.

Veio o impugnante Banco Santander interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

I - Numa primeira apresentação, vislumbram os autos duas decisões totalmente contraditórias.

II - 1ª e 2ª Instancia, não estão ligadas por um resultado decisório comum, onde esta última (segunda instancia), aplica decisão que contraria outras decisões no mesmo sentido.

III - E nessa medida, com a devida vénia, não poderia haver qualquer controvérsia, considerando toda a fundamentação da sentença do tribunal de 1.ª instância e das contra alegações do Banco Santander Totta S.A. para a 2.ª Instancia, conforme disposições regidas nos arts. 9º do CIRE e art. 638º, nº 1 e 7 do CPC, ex vi art. 17º do CIRE.

IV - Como reconhecido na 1ª Instância, AA e BB, não detêm qualquer crédito no montante de 481.453,70€, o qual alegam que é garantido por direito de retenção sobre as fracções E, G6 e G7 e estacionamento designado por P48 do prédio inscrito na matriz sob o art. ...54º, da freguesia de ... e descrito na 1ª CRP sob o nº ..36.

V - No entendimento de AA e BB, o crédito no montante de 481.453,00€ decorre de uma sentença, mediante a qual a insolvente foi condenada a pagar uma indemnização no âmbito do processo que correu termos sob o nº 1045/12.3... na ... Secção da Vara Mista ....

VI - Nessa mesma ação, o Banco Santander Totta S.A., não foi parte processual. Este tema, foi considerado na decisão de primeira instância e em tantos outros acórdãos do Tribunal da Relação. Sobre as sobreditas frações, a insolvente constituiu hipoteca voluntária a favor do Banco Popular Portugal, S.A., registada sob as Ap 32 de ...0.../12 e ...0.../02.

VII - Nessa medida, foi reconhecido ao Banco Santander Totta S.A., um crédito no montante de 12.374.513,88€, garantido por hipoteca das fracções em causa.

VIII - Admitindo-se a revista ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil, o objecto da revista circunscreve-se, necessariamente, à questão de saber se ocorreu ofensa do caso julgado, como, aliás, vem sendo, repetidamente, afirmado na Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça

IX - Na vénia dos artigos 619º n.º 1 e 628º, ambos do Código de Processo Civil, o caso julgado consiste na impossibilidade da impugnação de uma decisão.

X - De acordo com a al. i) do artigo 577º, em conjugação com os artigos 578º e 576º, todos do CPC, trata-se de uma exceção, de conhecimento que, obsta ao tribunal conhecer do mérito da causa.

XI - À Luz do Acordão do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 2460/15.6T8LOU-C.P1.S1, 7.ª SECÇÃO (CÍVEL), datado de 14-01-2021, o conhecimento do caso julgado pressupõe o confronto de duas demandas judiciais: uma delas já transitada em julgado – com uma tríplice identidade entre ambas, de sujeitos, de pedido e de causa de pedir e, a outra, que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre a objecto em debate).

XII - Rodrigues Bastos, in, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61.“ (...) enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.

XIII - “As excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa, ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”. Vide n.º 1 do art.º 580º do Código de Processo Civil”.

XIV - Como refere António Júlio Cunha, in “Limites Subjectivos do Caso Julgado e a Intervenção de Terceiros” – Fevereiro 2010 – pág. 109: “[…] Os direitos devem ter-se como dependentes sempre que, entre ambos, se verifique uma relação de prejudicialidade, ou seja, desde que um direito (ou a relação que o tem por objecto imediato) se configure como elemento constitutivo, modificativo, ou extintivo de outro (ou outra). Os denominados terceiros juridicamente indiferentes. São abrangidos nesta categoria os terceiros investidos em situações jurídicas (autónomas e não incompatíveis) em relação às quais o direito objeto da lide pode dar causa a um mero prejuízo de facto.”

XV - De harmonia com o prevenido no n.º 1 do art.º 581º do Código de Processo Civil que estatui sobre os requisitos da litispendência e caso julgado, “… repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir”, não eixando de, nos sequentes números do citado normativo, consignar a respectiva previsão quanto à exigida tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir).”.

XVI - “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, ou seja, as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível correspondência física e sendo indiferente a posição que adoptem em ambos os processos.

XVII - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico”, isto é, considera-se que existe identidade quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito impetrado.

XVIII - Nos autos foi junta a reclamação de créditos, cópia de sentença - documento nº 1 - proferida no âmbito do processo nº 1045/12.3... que correu termos na ... Secção da Vara Mista ... proposto por AA, por si e em representação da sua filha menor, BB contra B..., SA, agora insolvente, foi, por considerada confessada a matéria de facto alegada pelo autor na petição inicial nos termos do disposto no arº 484º, nº 1, do CPC, decidido:

“a) Declaramos resolvido o contrato-promessa celebrado em 27 de outubro de 2010 com o Autor e sua ex-esposa, CC, por si e em representação da sua filha menor, BB, e que consta do doc. Nº 1 junto com a PI, em virtude do incumprimento definitivo da sua parte das obrigações que para ele emergiam desse contrato, resolução válida e fundadamente operado pela carta datada de 23 de Fevereiro de 2012 e que consta do doc. 5 junto com a P.I.;

b) Condenamos a Ré a pagar ao Autor, por si e em representação da sua filha menor, uma indemnização, no montante global de €479.000,00 (quatrocentos setenta e nove mil euros) já com juros vencidos contados à taxa legal sobre a importância de €470.000,00 desde 23 de Março de 2012, a que devem acrescer os juros vincendos até efetivo pagamento;

c) Reconhecer na titularidade jurídica do A. e da sua filha menor, BB, um a direito de retenção sobre a fração identificada no ponto 1ª da matéria de facto como garantia do pagamento ao autor daquele crédito indemnizatório”.

Por outro lado, nesta ação não vislumbramos o Banco Santander Totta como parte processual.

XIX - Deste modo, com o devido respeito que muito é, a dita sentença condenatória que reconheceu o direito de crédito de retenção dos Recorrentes, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 1045/12.3... na ... Secção da Vara Mista ..., não produz efeito de caso julgado contra o credor hipotecário, uma vez que este, não foi parte processual na identificada ação.

XX - Sendo certo que, a sentença não põe em causa – nem podia, sob pena de nulidade – o direito do credor hipotecário, o certo é que tal sentença não pode ser indiferente à Recorrida do ponto em que a qualificação do crédito numa eventual graduação afecta a consistência jurídica da sua garantia real em confronto com aqueloutra mais forte que é o direito de retenção conferido ao promitente-comprador.

XXI - A sentença que declara a existência de direito de retenção sobre determinado prédio em acção na qual não interveio o credor hipotecário não constitui caso julgado relativamente a este.” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.02.1995, Processo 085774, in www.dgsi.pt.

XXII - Para que a sentença pudesse produzir o seu efeito útil, concretamente no que se refere ao reconhecimento do direito de retenção e à sua eventual prevalência face à hipoteca, nos termos das disposições conjugadas do art. 755º n.º 1 al. f) e 759º n.º 2 do Código Civil, era necessário que a acção tivesse sido proposta contra o credor com garantia real, a dita identidade de sujeitos, que não foi o caso, como bem sabem os alegados Credores.Por outro lado, fez-se prova de que os Apelados, não juntaram qualquer documento do qual possa sequer aferir-se a existência de um contrato promessa, os termos do mesmo e comprovativo de pagamento de sinal.

XXIII - Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 02.04.2004, in CJ, 2004, 2.º- 8:

“I- A sentença que reconheça um direito de retenção sobre uma fracção autónoma (objecto de um contrato-promessa definitivamente incumprido) não é juridicamente indiferente – face à preferência concedida pelo direito de retenção – ao titular de uma hipoteca sobre tal fracção autónoma.

II- Assim, perante tal “prejuízo jurídico” (decorrente de o credor hipotecário ver colocar-se-lhe à frente um outro crédito com prioridade de pagamento), não faz a sentença, que reconheça tal direito de retenção, caso julgado em relação a todos aqueles, juridicamente interessados, que não hajam tido intervenção no processo em que tal sentença foi proferida.”

XXIV - E ainda os Acórdãos do STJ de 06.12.2009, 20.05.2010 e 20/10/2011, todos in www.dgsi.pt.

XXV - Provado está com o doc. nº 8 (26/03/2018), a carta registada com aviso de receção datada de 23 de Fevereiro de 2012, em que os promitentes compradores procederam à resolução formal do contrato-promessa nos termos dos artºs 432 e ss do Código Civil e em que peticionavam o pagamento de uma indemnização de €470.000,00 (quatrocentos e setenta mil euros).

XXVI - Provado está com o doc. nº 9, a resposta da insolvente, referindo que é convicção que o contrato promessa de compra e venda não se encontra resolvido, ao contrário do que afirma V. Exas” e que se encontram a “diligenciar junto da entidade bancária competente, no sentido de fixar data para a realização da escritura do contrato de compra e venda”.

XXVII - Provado está que, tão só e apenas, se considerou provado que está junto a fls. 3339 a 3340 uma fatura de energia-EDP, Serviço Universal- em nome de CC, Rua ... referente ao período de 2012.01.21 a 2012.02.20, uma fatura de fornecimento de água- Águas ... - em nome de CC, Urb ... referente ao período de 2011.10.20 a 2011.11.17 e uma fatura de gás-Galp-energia - em nome de CC Processo: 1413/12.0... Referência: ......40 Reclamação Créditos-(CIRE) Cardoso, Quinta da ... referente ao período de 18.08.2011 a 19.10.2011.

XXVIII - Provado está que o Tribunal, “… desconhece a que título foram celebrados contratos de fornecimento e cujas faturas são limitadas num período de tempo, se habitavam, ou não, a fracção, ou se apenas a ex-esposa habitava e a que título, até porque o impugnante e a mesma se terão divorciado e aquela cedeu a posição contratual ao mesmo no contrato promessa.”.

XXIX - Provado está que, o crédito dos Recorrentes não pode ser reconhecido, para efeitos de graduação de créditos, como um direito de retenção.

XXX - O credor hipotecário, Recorrido, não interveio na primeira ação, da qual emerge uma sentença condenatória para a insolvente.

XXXI - E, não sendo parte processual, não existe exceção de caso julgado.

XXXII - Por outro lado, não se pode considerar ter existido traditio da coisa, apenas, pela celebração do contrato promessa e o valor entregue, a título de sinal e que também, e, apesar de se provar as faturas de energia, gás e água em nome da ex-esposa do impugnante (e que já não tem a qualidade de promitente compradora e não reclamou créditos), e na ausência de qualquer outra prova, não se sabe a que título foram celebrados contratos de fornecimento e cujas faturas são limitadas num período de tempo, se habitavam, ou não, a fracção, ou se apenas a ex-esposa habitava a que título, até porque o impugnante e a mesma se terão divorciado e aquela cedeu a posição contratual ao mesmo no contrato promessa, aos Recorrentes.

XXXIII - Um dos pressupostos do direito de retenção é a existência de um nexo causal entre o crédito e a coisa: o crédito deve resultar de despesas por causa da coisa ou de danos por ela causados (artº 754º do Código Civil, e diga-se que, conforme invocado pelo credor hipotecário a sentença na qua os impugnantes fundamentam tal direito -sentença judicialnão lhe é oponível.

XXXIV - Mutatis mutandis, não se prova a traditio como pressuposto do direito de retenção.

XXXV - Assim, reconhecesse o crédito por incumprimento definitivo por parte da insolvente e custas, mas não o direito de retenção, pelo que é o mesmo de natureza comum (cfr. art. 47.º, n.º 4, alínea c) e a contrario no art. 48.º, alínea b) do CIRE), nos termos do disposto no art. 48.º, alínea b) do CIRE, de um crédito de natureza subordinada, relativo aos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, constituídos após a declaração de insolvência, que calculados à taxa legal de 4%.

XXXVI - Para a constituição da retenção, confortamo-nos no acórdão de 31 de Outubro de 2010 do Supremo Tribunal de Justiça, o qual, sustenta veementemente que, para o reconhecimento, tanto do crédito, como da garantia alegada, é indispensável que o reclamante exiba sentença que lhe reconheça quer aquele crédito quer esta garantia.

XXXVII - De referir que essa sentença, apenas pode ser considerada se, envolver as partes processuais.

XXXVIII - In casu, a Apelante não foi parte processual, pelo que a sentença não produz efeitos quanto a si.

XXXIX - E sobre o crédito reclamado não existe qualquer crédito de retenção.

XL - Ora assim sendo, os Apelados, não juntaram nos autos contrato ou documento que os investisse na qualidade de proprietários do imóvel.

XLI - Não adquiriram a posse sobre o imóvel em discussão, nos moldes tipificados no artigo 1251 do Código Civil.

XLII - Nessa vertente, não poderá ser aplicado o artigo 755.º do CC ao crédito em causa (mesmo que se aleguem atos consubstanciadores da tradição da coisa, que no caso nem foram invocados nem foram demonstrados) pelo que não existe qualquer direito de retenção.

XLIII - Desde o início do processo de insolvência que os Recorrentes, usam o imóvel, sabendo do estado da liquidação do ativo e de todo o processado inerente aos autos.

XLIV - Entendem os Recorrentes que com a tradição do imóvel, e tendo sempre agido como os seus verdadeiros proprietários, a mesma está investida do “animus” necessário para justificar a existência das suas posses e, que estas, sejam suscetíveis de tutela jurídica.

XLV - Conforme dispõe o art. 1251º do Código Civil “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real.”

XLVL - Ao contrário do que os Apelados afirmam, a posse não configura nenhum direito real de gozo.

XLVII - A posse não é um direito real, mas um mero poder de facto que faz presumir a titularidade do direito existente.

XLVIII - Uma boa sentença deve atender à “…motivação propriamente dita, que exige uma enumeração dos factos provados e não provados, os motivos de facto e de direito fundantes da decisão bem como a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal. Enfim, o dispositivo, que implica, entre outras coisas, a referência às disposições legais aplicáveis e a conclusão (o chamado “silogismo judiciário”). A omissão da motivação, nos aspectos indicados, implica a sanção da nulidade da sentença (artigo 379.º, alínea a), do referido código).

XLIX – Não se compreenderia esta sanção particularmente severa se o legislador não tivesse considerado a motivação como elemento essencial de um processo justo e equitativo.

Vide MANUEL ANTÓNIO LOPES ROCHA, Juiz do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem in Motivação da Sentença.

L - Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “[…] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

LI - A apreciação das provas resolve-se em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “...segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica...”.

LII - A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “...a certeza absoluta, (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)...”, mas tão só, “...de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.”.

LIII - Perante toda esta exposição, claramente de que, não há erro na apreciação da prova oferecida, analisada e ouvida em Tribunal de 1.ª instância.

LIV - Escreve-se no sumário de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum”.

LV - Para se verificar este vício tem pois de existir uma “ (…) incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorrecção susceptível de se verificar, também, quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiencia comum”.

LVI - Este entendimento da jurisprudência é também seguido pela doutrina, como se alcança da transcrição do seguinte texto de Paulo Saragoça da Matta no qual se refere que, ao tribunal de recurso cabe apenas “ (…) aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração”.

LVII - Uma fundamentação com quase 200 páginas, é difícil não conter toda a fundamentação.

LVIII - A Constituição da República Portuguesa dispõe que as decisões dos Tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei (artigo 208.º,n.º 1).

LIX - Manifestamente, a sentença decretada, cumpriu em bom rigor o princípio da correlação ou da congruência, pelo que, é inexistente qualquer excesso de pronuncia. Face ao exposto, deverão as alegações da Apelante subirem ao Supremo Tribunal de Justiça, por existência de controvérsia entre Acórdãos.

LX - Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “[…] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância. “I- A sentença que reconheça um direito de retenção sobre uma fracção autónoma (objecto de um contrato-promessa definitivamente incumprido) não é juridicamente indiferente – face à preferência concedida pelo direito de retenção – ao titular de uma hipoteca sobre tal fracção autónoma.

II- Assim, perante tal “prejuízo jurídico” (decorrente de o credor hipotecário ver colocar-se-lhe à frente um outro crédito com prioridade de pagamento), não faz a sentença, que reconheça tal direito de retenção, caso julgado em relação a todos aqueles, juridicamente interessados, que não hajam tido intervenção no processo em que tal sentença foi proferida.” E ainda os Acórdãos do STJ de 06.12.2009, 20.05.2010 e 20/10/2011, todos in

O Tribunal da Relação não se pronuncia em conformidade, pelo que, jamais poderia ter proferido acórdão de reconhecimento de um crédito de retenção.

Contra-alegou a pugnado pela manutenção do decidido em 2ª instância, apresentando as seguintes conclusões:

1- A Apelante nem de forma rasante cumpre os requisitos e pressupostos legais (e jurisprudencialmente assentes) para que o seu Recurso de Revista Excecional seja admitido;

2- Limitando-se, de forma inaudita e surpreendente (sem adjetivações menos simpáticas) a dizer que se vislumbram nos autos dua decisões completamente contraditórias, a da 1.ª instância e a da 2.ª instância, La Palisse não diria melhor…

3- Não apontando, de forma assertiva e objetiva em todos os seus elementos constituintes um, ou vários, Acórdãos dum Tribunal da Relação ou do STJ que esteja(m) em oposição (formal e material) ao proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra nos presentes autos;

4- Porque, tem de se dizer, ao citar alguns Acórdãos, tal exercício é um ato inútil e totalmente despiciendo para o objeto deste Recurso, como melhor se explicará infra;

5- Não devendo, consequentemente e como é de lei, ser admitido tal Recurso de Revista Excecional;

6- Caso se considere, o que se admite por boa fé e sem reserva mental, que o Recurso da apelante deve seguir a forma comum, porque reúne os requisitos processuais para tal e não está contemplado na previsão legal do art.º 14.º do CIRE, o teor do mesmo mostra-se completamente alheio ao cerne da questão em liça nos autos e que deu azo à prolação do Acórdão pelo TRC;

7- É a própria apelante que circunscreve o seu Recurso à “questão de saber se ocorreu ofensa do caso julgado”, sendo certo que tal questão, o caso julgado proveniente duma decisão proferida sobre a matéria num outro processo, não foi alegada pelos recorrentes nas suas pretensões recursivas e, como não podia deixar de ser, nada consta no Acórdão que ao mesmo faça qualquer menção;

8- Os recorrentes, aqui apelados, alegaram nulidades na sentença da 1.ª instância e pugnaram, ainda, pelo reconhecimento de que houve traditio do imóvel e que nele habitam desde 2010;

9- O TRC decidiu que as nulidades apontadas não se verificaram, mas, alterando a matéria de facto por força da prova produzida e erroneamente apreciada pela 1.ª instância, decretou, erga omnes, que a fração prometida vender foi entregue aos promitentes compradores (os aqui apelados) em dezembro de 2010 (traditio) e que a partir dessa data e na sequência dessa entrega os mesmos passaram a habitar e residir na fração em causa;

10-E por força do sobredito, reconheceu-lhes um crédito de € 479 000 e respetivos juros, classificando-o como garantido por direito de retenção em relação à verba donde consta a fração em causa;

11-Não perceber e entender isto é tomar a nuvem por Juno (por força dum “amor maior”) ou confundir a árvore com a floresta, por força duma “cegueira funcional”;

12-Portanto, caso o Recurso apresentado pelo Banco Santander seja apreciado como Ordinário (comum) está, fatal e inexoravelmente, condenado ao insucesso uma vez que toda a sua alegação recursiva (e a montante o “objeto” que para ele circunscreveu) se mostra desajustada, inopinada e até, sem pretender dar nota de indelicadeza porque o respeito é devido e efetivo, um perfeito non sense jurídico;

13- Concluindo-se que, como irá (e até onde poderá ir) este Venerando Supremo Tribunal de Justiça apreciar “de direito” o Acórdão do TRC, não deixará de considerar que a aplicação silogística do direito subsumível à factualidade assente feita pelo TRC se mostra adequada, fundamentada e sobretudo justa;

14-Devendo o teor de tal Acórdão ser mantido para ser, obrigatoriamente, cumprido pelas partes em todos os seus elementos pertinentes e constituintes, de factum et de iure.

II – FACTOS PROVADOS.

Foi dado como provado:

1. Os presentes autos de insolvência foram instaurados em 29 de Abril de 2012.

2. No dia 7 de Março de 2013, a insolvente deu entrada de um Processo Especial de Revitalização, o qual corre termos no ... Juízo Cível ..., sob o número de processo 829/13.0... (cfr. Apenso B).

3. No âmbito do referido Processo Especial de Revitalização foi, no dia 8 de Março de 2013, proferido despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório, tendo o aludido despacho sido publicado no portal Citius na presente data, dia 11 de Março de 2013 (Cfr. despacho e comprovativo da publicação junto aos Apenso B).

4. Em 12 de Março de 2013 foi proferido nos autos principais despacho do seguinte teor:

Tendo em conta o teor do documento junto aos autos e do requerimento que antecede e dado que o artº 17.º-E 6 do CIRE dispõe que “Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação.”, declaro suspenso o presente processo, dando sem efeito o julgamento marcado para amanhã.

Notifique.”

5. Nos autos principais, a sociedade B..., SA foi declarada insolvente por sentença proferida a 7 de Novembro de 2013, transitada em julgado a 2 de Dezembro de 2013.

6. O relatório previsto no artº 155º, do CIRE e lista provisória de credores foram juntos aos autos principais em 3 de Janeiro de 2014.

7. A lista definitiva de credores reconhecidos foi junta aos autos a 5 de Maio de 2015.

(…) (…)

Quanto à impugnação deduzida por Consulteam – Consultores de Gestão, Lda (agora Santander Totta, S.A.) relativamente ao crédito reconhecido a AA, por si e em representação de sua filha menor, BB

198. Encontra-se junto a fls. 3333 a 3336 denominado Contrato promessa celebrado pelo reclamante AA e pela sua ex-mulher, por si e em representação da sua filha, enquanto promitente-compradores, com a insolvente, como promitente vendedora, em 27 de Outubro de 2010, no qual se comprometiam a celebrar um contrato oneroso de transmissão da nua propriedade e do usufruto das frações E; G6 e G7 e estacionamento designado por P48 de prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ..36 e inscrito na matriz sob o artº ...54 pelo preço de €300.000,00, e tendo ficado acordado que a escritura de compra e venda, a marcar pela primeira outorgante, aqui insolvente, deveria ser celebrada até 30 de Abril de 2011;

199. Na cláusula 4ª do aludido contrato foi estabelecido como valor global da compra e venda prometida da nua propriedade da fracção em causa, o valor de €300.00,00 (trezentos mil euros), sendo que o valor da prometida transmissão do usufruto era fixado em €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) (cfr. fls. 3333 a 3336).

200. Pela mesma cláusula o promitente adquirente da nua propriedade, no caso a filha do reclamante, através dos seus pais (cf. Cláusula 15ª) obrigava-se a pagar à insolvente nos meses de Novembro e Dezembro de 2010, a título de sinal e princípio de pagamento dessa nua propriedade, a importância de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) obrigando-se ainda a liquidar o remanescente do preço no acto da escritura púbica (cfr. fls. 3333 a 3336).

201. O reclamante e a sua então esposa como promitentes adquirentes do usufruto da mesma fracção obrigavam-se a pagar à insolvente nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2011, também a título de sinal e principio de pagamento, a importância de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), sendo que remanescente do preço deveria ser pago no acto da mesma escritura pública (cfr. alíneas a) e b) do nº 2 da cláusula 4º) (cfr. fls. 3333 a 3336).

202. A fls. 3337 a encontra-se um Aditamento a esse contrato promessa acordado entre as partes com a aposição da mesma data do contrato inicial – 27/10/2010 – em que se esclarecia não só que o montante global de €225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros) a pagar a titulo de sinal e principio de pagamento (€150.000,00 correspondente à nua – propriedade e €75.000,00 ao usufruto) seria pago pelo aqui reclamante à aqui insolvente em moeda estrangeira, reais brasileiros no caso, com a entrega imediata de 12 cheques no valor de R$45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) cada um, emitidos para as datas acordadas no contrato promessa, perfazendo os mesmos um total global de R$ 540.000,00 (quinhentos e quarenta mil reais), recebidos pela insolvente (doc.de fls. 3337 que se considera integralmente reproduzido, designadamente quanto aos cheques, valores e datas apostas).

Estabelecia-se complementarmente que a fracção objeto do contrato promessa seria entregue em Dezembro de 2010 aos promitentes compradores por parte da promitente vendedora:

203. Encontra-se junto a fls. 3339 a 3340 uma factura de energia-EDP, Serviço Universal- em nome de CC, Rua ... referente ao período de 2012.01.21 a 2012.02.20;

204. Encontra-se junto a fls.3340 verso uma factura de fornecimento de água-Águas ... - em nome de CC, Urb ... referente ao período de 2011.10.20 a 2011.11.17;

205. Encontra-se junto a fls. 3341 uma factura de gás-Galp-energia - em nome de CC, Quinta da ... referente ao período de 18.08.2011 a 19.10.2011;

206. Encontra-se junto como doc. nº 6 (26/03/2018) carta que refere registada com aviso de recepção datada de 25 de Janeiro de 2012, de AA e CC a notificarem a promitente vendedora para a marcação da escritura que, de acordo com o nº 1 da cláusula 5ª do contrato-promessa de compra e venda, lhe incumbia, tendo ela ficado obrigada a fazê-lo até ao dia 30/04/2011, e a dar o prazo de 15 dias, até ao dia 10 de Fevereiro de 2012, para cumprirem esse contrato procedendo à marcação de escritura…sob pena de “considerarmos incumprida definitivamente da vossa parte a obrigação que para vós decorre do mesmo contrato-promessa”.

207. Encontra-se junta como doc. nº 7 (26/03/2018) resposta da insolvente a essa carta referindo que se encontram a “diligenciar junto do Banco Popular no sentido de realizar, entre outras, a escritura da fracção prometida vender a V. Exas”.

208. E referindo ainda que “E precisamente por não depender da nossa vontade, mas do facto atrás exposto, que não podemos garantir a realização da referida escritura na data de 10 de Fevereiro, por vós pretendida.

Contudo, tudo faremos para que aconteça no prazo indicado, tal como é do interesse de ambas as partes”.

209. Encontra-se junta como doc. nº 8 (26/03/2018) carta que refere registada com aviso de recepção datada de 23 de Fevereiro de 2012, em que os promitentes compradores procederam à resolução formal do contrato-promessa nos termos dos artºs 432 e seguintes do Código Civil e em que peticionavam o pagamento de uma indemnização de €470.000,00 (quatrocentos e setenta mil euros).

210. Encontra-se junta como doc. nº 9 resposta da insolvente referindo que é convicção que o contrato promessa de compra e venda não se encontra resolvido, ao contrário do que afirma V. Exas” e que se encontram a “diligenciar junto da entidade bancária competente, no sentido de fixar data para a realização da escritura do contrato de compra e venda”.

211. Encontra-se junto como doc. nº 10 (26/03/2018) carta resposta do reclamante à carta referida no ponto anterior, dizendo, além do mais, que “para nós deixou de ter qualquer interesse a marcação de qualquer escritura ao andar em questão, dando aqui por reproduzidos os termos da nossa resolução formal do contrato levada a efeito em 23 de Fevereiro de 2012, até porque, as vicissitudes da vossa mora também provocaram o divórcio entre nós, devendo a indemnização a que temos direito servir para nos ajudar a ir cada um para sua casa”.

212. Encontra-se junta com a reclamação de créditos cópia de sentença como documento nº 1 proferida no âmbito do processo nº 1045/12.3... que correu termos na ... Secção da Vara Mista ... proposto por AA, por si e em representação da sua filha menor, BB contra B..., SA, agora insolvente, foi, por considerada confessada a matéria de facto alegada pelo autor na petição inicial nos termos do disposto no arº 484º, nº 1, do CPC, decidido:

a) Declaramos resolvido o contrato-promessa celebrado em 27 de outubro de 2010 com o Autor e sua ex-esposa, CC, por si e em representação da sua filha menor, BB, e que consta do doc. 1 junto com a PI, em virtude do incumprimento definitivo da sua parte das obrigações que para ele emergiam desse contrato, resolução válida e fundadamente operado pela carta datada de 23 de Fevereiro de 2012 e que consta do doc. 5 junto com a P.I.;

b) Condenamos a a pagar ao Autor, por si e em representação da sua filha menor, uma indemnização, no montante global de €479.000,00 (quatrocentos setenta e nove mil euros) com juros vencidos contados à taxa legal sobre a importância de €470.000,00 desde 23 de Março de 2012, a que devem acrescer os juros vincendos até efetivo pagamento;

c) Reconhecer na titularidade jurídica do A. e da sua filha menor, BB, um a direito de retenção sobre a fração identificada no ponto da matéria de facto como garantia do pagamento ao autor daquele crédito indemnizatório”.

213. E referindo que “O divórcio do Autor provocou também a separação de interesses entre ele e a esposa no que concerne ao contrato promessa aqui em causa, tendo esta outorgado um contrato de cessão da sua posição contratual a favor do Autor (cf. Doc. 8 junto com a P.I. e que aqui se por reproduzido e integrado) transmitindo a estes todos os direitos e obrigações que para ela emergiam do mesmo contrato (cf. Cláusula do doc. 8)” e que “A ex-mulher do Autor outorgou uma procuração a favor deste para intervir na defesa dos interesses da filha de ambos, nos termos constantes do documento junto com a PI sob o n. 9, cujo teor aqui se por integralmente reproduzido)”.

214. No montante reclamado é incluído o valor de €1.973,70 de custas (e de parte) com a aludida acção (cfr. documento nº 2 junto com a reclamação de créditos).

215. Em garantia da quantia mutuada de 24.000.000,00€ a insolvente constituiu hipoteca voluntária sobre o prédio urbano descrito na ... CRP sob o nº ..36 a favor do Banco Popular, S.A., tendo sido transmitida para a impugnante Consulteam-Consultores de Gestão, Lda e está regista sob as Ap. 32 de ...0.../12 e ...0.../02.

216. Foi reconhecido à impugnante um crédito no montante de 12.374.513,88€, garantido por hipoteca das fracções referidas.

217. Foram apreendidos seguintes bens: a- Bens imóveis:

(…)

VERBA QUARENTA E UM-Fracção autónoma designada pela letra “E”, composta por T-Quatro, designado por 922, situado no segundo piso, as garagens designadas por G6 e G7 situadas no piso menos um à cota 33.15, e o estacionamento P48 situado no piso menos um à cota 36.75 no Lote n.º 22.9, sito na Quinta da ..., da freguesia de ..., no Concelho ..., e que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia de ... sob o n.º ...54 e que está descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-E.

(…)

218. Foram constituídas e registadas as seguintes hipotecas:

a. a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes hipotecas legais anexo à relação definitiva de credores reconhecidos (cfr. fls.19 a 21):

- Sobre a fracção autónoma “M”, inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ..63 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-M: Registada pela Ap. .18 de 2012/07/03;

- Sobre a fracção “E” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ..63 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-E: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção “M” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...11 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição 4047/19960119-M: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “N” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ....1 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-N: Registada pela Ap. .18 de 2012/07/03;

- Sobre a fracção autónoma “O” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...12 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-O: Registada pela Ap. .18 de 2012/07/03;

- Sobre a fracção autónoma “AC” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...98 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ..............AC: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “AE” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...98 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ..............AE: registada pela Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “AF” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...98 e descrita na ...Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ..............AF: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “X” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...98 e descrita na... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-X: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “H” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...83 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-H: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “H” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...28 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-H: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “J” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...28 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-J: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “L” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...28 e descrita na ...Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............-L: registada pela Ap. .18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “I” inscrita na matriz urbana da freguesia de ... sob o nº ...87 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ..41/20050121-I: registada pela Ap. .18 de 2012/07/03.

- Sobre a fracção autónoma “BA” ” inscrita na matriz urbana da freguesia ... (...) sob o nº .03 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição .............BA: registadas pela Ap. ..58 de 2011/02/14 e Ap..18 de 2012/07/03.

- Prédio rustico inscrito na matriz rústica da freguesia de ... sob o nº ..95 e descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ..........20:: registada pela Ap. .18 de 2012/07/03.

b. Banif, Banco Internacional ..., S.A., actual O..., SA:

- Hipoteca voluntária sobre as fracções “A”, “B” e “C” do prédio urbano que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia de ... sob o nº P ..46, destinados à habitação e descritas na Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ..83, da freguesia de ... ..92 de 2012/05/30;

- Hipoteca voluntária sobre as fracções “A”, “B” e “C” do prédio urbano que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia de ... sob o nº P ..46, destinados à habitação e que está descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ..83, da freguesia de ... ..33 de 2009/03/09;

c. Banco Popular Portugal, S.A., depois Consulteam, Consultores de Gestão, S.A. e agora Banco Santander, S.A., de acordo com o exarado na relação definitiva de créditos reconhecidos de acordo com os respectivos montantes máximos a garantir (Ap. 32 de ...0.../12 convertida em definitivo pela A....0.../02; Ap.18 de 2006/02/09; Ap. 42 de 2007/05/28 e Ap. 2371 de 2011/07/15):

- Garantido: Hipotecas voluntárias s/ Lotes n.º 22.1 a 22.10- Descrição ..28 a ..37, CRP Cª-freg....; s/ fracção I, - Descrição ..41-... CRP ... - freg....; s/ fracção B -Descrição .86 - CRP ..., da freg. ...; s/ fracção H - Descrição ..31- CRP Cª, freg. ...; s/ fracção C - Descrição .82 - ... CRP ... - freg....; s/ fracções C e M - Descrição ..28- CRP Cª -freg....; s/ fracção A - Descrição ..29 - ... CRP ..., freg ...; s/ fracções A e G - Descrição ..30 - ... CRP ..., freg. ....; fracção A - Descrição ..31 - ... CRP ..., freg. ...; s/ as fracções A, I, N, R, Z - Descrição ..33 - ... CRP ... da freg. de ...; s/ as fracções G, I, L, M, R, S, T, V, X, Z e AA - Descrição ..34 -... CRP ... - freg. ...; s/ fracções C, E, L, O -Descrição ..35 - ... CRP ..., freg. ....; s/ as fracções B, C, D, E, I, N -Descrição ..35 - ... CRP ... - freg. ....; s/ fracções E, H, I, L, M, Q, S, T, Z, AA - Descrição ..37 ... CRP ... - freg. de ....

- Garantido por hipotecas voluntárias, sobre os Lotes n.º 22.1 a 22.10 dos prédios descritos na CRP ..., sob os n.º ..28 a ..37, da freguesia de ... e por hipoteca sobre a fracção I, do prédio descrito na ... CRP ..., sob o n.º..41, da freguesia de ...; fracção B, do prédio descrito na CRP de ..., sob o n.º.86, da freg. de ...; fracção H, do prédio descrito na CRP ..., sob o n.º..31, da freg. de ...; fracção C, do prédio descrito na ... CRP ..., sob o n.º.82, da freguesia de ...; fracções C e M, do prédio descrito na CRP ..., sob n.º ..28 da freg. de ...; fracção A, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..29, da freg de ...; fracções A e G, do prédio descrto na ... CRP ... sob o n.º ..30, da freg. de ....; fracção A, do prédio descrto na ... CRP ... sob o n.º ..31, da freg. de ..., fracções A, I, N, R, Z, do prédio descrto na ... CRP ... sob o n.º ..33, da freg. de ...; fracções a, G, I, L, M, R, S, T, V, X, Z e AA, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..34, da freg. de ...; fracções C, E, L, O, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..35, da freg. de ....; fracções B, C, D, E, I, N do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..35, da freg. de ....; fracções E, H, I, L, M, Q, S, T, Z, AA, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..37, da freg. de ....

- Garantido por hipotecas voluntárias, sobre os Lotes n.º 22.1 a 22.10 dos prédios descritos na CRP ..., sob os n.º ..28 a ..37, da freguesia de ... e por hipoteca sobre a fracção I, do prédio descrito na ... CRP ..., sob o n.º..41, da freguesia de ...; fracção B, do prédio descrito na CRP de ..., sob o n.º.86, da freg. de ...; fracção H, do prédio descrito na CRP ..., sob o n.º..31, da freg. de ...; fracção C, do prédio descrito na ... CRP ..., sob o n.º.82, da freguesia de ...; fracções C e M, do prédio descrito na CRP ..., sob n.º ..28 da freg. de ...; fracção A, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..29, da freg de ...; fracções A e G, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..30, da freg. de ....; fracção A, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..31, da freg. de ..., fracções A, I, N, R, Z, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..33, da freg. de ...; fracções a, G, I, L, M, R, S, T, V, X, Z e AA, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..34, da freg. de ...; fracções C, E, L, O, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..35, da freg. de ....; fracções B, C, D, E, I, N do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..35, da freg. de ....; fracções E, H, I, L, M, Q, S, T, Z, AA, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..37, da freg. de ....

- Garantido por hipoteca sobre a fracção I, do prédio descrito na 1ª CRP ..., sob o n.º..41, da freguesia de ...; fracção B, do prédio descrito na CRP de ..., sob o n.º.86, da freg. de ...; fracção H, do prédio descrito na CRP ..., sob o n.º..31, da freg. de ...; fracção C, do prédio descrito na ... CRP ..., sob o n.º.82, da freguesia de ...; fracções C e M, do prédio descrito na CRP ..., sob n.º ..28 da freg. de ...; fracção A, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..29, da freg de ...; fracções A e G, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..30, da freg. de ....; fracção A, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..31, da freg. de ..., fracções A, I, N, R, Z, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..33, da freg. de ...; fracções a, G, I, L, M, R, S, T, V, X, Z e AA, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..34, da freg. de ...; fracções C, E, L, O, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..35, da freg. de ....; fracções B, C, D, E, I, N do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..35, da freg. de ....; fracções E, H, I, L, M, Q, S, T, Z, AA, do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ..37, da freg. de ....

d. Instituto da Segurança Social, IP-Centro Distrital ...

- Garantido por hipoteca legal (Ap. 3727 de 2011/04/20) sobre a fracção autónoma designada pela letra “C” e garagens designadas por G18 e G19 e os estacionamentos designados por P39 e P40, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o nº ...53 e descrito na ... CRP sob a descrição ..35/....

202-A – Na sequência do acordo mencionado na parte final do ponto anterior, a promitente vendedora (a Insolvente) entregou a fracção em causa aos promitentes compradores em Dezembro de 2010;

202-B – Na sequência desse facto, os promitentes compradores passaram a habitar e residir na fracção em causa.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

1 – Dos efeitos de caso julgado da sentença que reconheceu o direito de retenção aos promitentes compradores relativamente à instituição bancária que é titular de uma hipoteca sobre esse mesmo bem e que não foi parte na respectiva acção judicial. Produção de prova nos autos de reclamação de créditos em processo de insolvência quanto aos factos constitutivos do crédito dos reclamantes e da sua natureza enquanto crédito garantido (e não comum).

2 – Poderes do Tribunal da Relação exercidos nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil. Críticas expostas pela recorrente relativamente à reapreciação da factualidade que veio a ser alterada pela 2ª instância, mormente através do aditamento, por si determinado, dos pontos de facto 202º-A e 202º-B.

3 – Do reconhecimento do direito de retenção que garante o crédito dos promitentes compradores devido ao incumprimento definitivo pela promitente vendedora do contrato promessa sub judice. Requisitos legais. Configuração, para estes efeitos, do conceito de tradição da coisa, ínsito no artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil. Da sua aplicação ao caso concreto perante os factos que foram definitivamente dados como provados.

Passemos à sua análise:

1 – Dos efeitos de caso julgado da sentença que reconheceu o direito de retenção aos promitentes compradores relativamente à instituição bancária que é titular de uma hipoteca sobre esse mesmo bem e que não foi parte na respectiva acção judicial. Produção de prova nos autos de reclamação de créditos em processo de insolvência quanto aos factos constitutivos do crédito dos reclamantes e da sua natureza enquanto crédito garantido (e não comum).

A primeira questão que importa abordar e dilucidar na presente revista tem a ver com a força e alcance do caso julgado material que resulta da sentença proferida noutra acção judicial onde se reconheceu aos reclamantes (aí AA.) o direito de retenção sobre a fracção prometida transmitir, ao abrigo do artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil, em virtude do exercício do direito de resolução do negócio por incumprimento definitivo do contrato promessa que havia sido celebrado com a promitente vendedora, a qual veio posteriormente a ser declarada insolvente.

Concretamente, interessa saber se tal decisão transitada em julgado é oponível, ou não, no processo de insolvência da promitente vendedora (e em concreto na sentença de verificação e graduação de créditos), aos restantes credores desta, os quais não foram partes na dita acção, nela não intervindo a título algum, e que, nestes termos, em caso afirmativo, teriam de limitar-se a reconhecer passivamente esse mesmo veredicto e, em especial, a validade da garantia real concedida ao crédito da promitente compradora.

(No sentido dessa oponibilidade, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2007 (relator Ferreira Girão), proferido no processo nº 4484/06).

Vejamos:

Entende-se ser de considerar a inoponibilidade da sentença que, no âmbito do processo nº 1045/12.3..., que correu termos na ... Secção da Vara Mista ..., reconheceu aos promitentes compradores o seu crédito e a inerente garantia real, nos termos do artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil, por não constituir, de facto, caso julgado material relativamente a terceiros interessados, que nela não tiveram nenhuma intervenção, o que implicará, por parte dos mesmos reclamantes, a ulterior necessidade de provar no presente processo de insolvência (e concretamente no apenso de verificação e graduação de créditos) os factos demonstrativos da existência do seu crédito e do direito de retenção que o garanta.

(Sobre questão da extensão subjectiva do caso julgado, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2018 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 687/17.5T8PNF.S1, publicado in www.dgsi.pt).

É aliás o que resulta inequivocamente do disposto no artigo 789º, nº 5, do Código de Processo Civil quando se dispõe que:

“Se o crédito estiver reconhecido por sentença que tenha força de caso julgado em relação ao impugnante, a impugnação só pode basear-se em algum dos fundamentos mencionados nos artigos 729º e 730º, na parte em que forem aplicáveis”.

(Sobre esta temática, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado. Volume II. Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial”, Almedina 2020, a página 195:

“Assim, para efeitos deste nº 5, deve entender-se que não é oponível ao credor hipotecário a sentença proferida em acção declarativa, na qual não interveio, que haja reconhecido o seu crédito (exequendo ou reclamado) e o respectivo direito de retenção sobre o imóvel hipotecado. (...) Proposta a acção executiva pelo credor titular do direito de retenção (ou reclamado na execução de crédito assim garantido), o credor hipotecário, ao reclamar o seu crédito, pode impugnar aquele crédito ou a existência do direito de retenção, sob pena de o mesmo permanecer incólume, verificando-se o efeito cominatório previsto no artigo 791º, nº 4.”.

No mesmo sentido, vide Rui Pinto, in “A Acção Executiva”, AAFDL, 2019, a páginas 824 a 825).

Trata-se aliás de uma posição que se encontra consolidada de forma praticamente pacífica na jurisprudência, não existindo razões bastantes para dela divergir.

(Neste preciso vide o acórdão o Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 2020 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 503/14.0T8CHV-A.G1.S1, publicado in ECLI; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2019 (relatora Maria João Vaz Tomé), proferido no processo nº 6906/11.4YYLSB-A.L1.S2, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Abril de 2018 (relator Joaquim Piçarra), proferido no processo nº 622/08.1TBPFR-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt); os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2018 e 27 de Abril de 2017 (relator em ambos Pinto de Almeida), proferidos nos processos nº 212/14.0T8OLH-AB.E1.S1 e 44/14.5T8VIS.B.C1.S1, publicados in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2015 (relator Silva Salazar), proferido no processo nº 5729/09.5YYPRT-C.P1.S1; o acórdão de 18 de Fevereiro de 2015 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 2451/08.3TBCLD.L1.S1., publicado in www.dgsi.pt; o acórdão de 16 de Dezembro de 2021 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 4684/16.0T8VFX-E.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Assiste, neste ponto, inteira razão à recorrente.

De todo o modo, cumpre não olvidar que, na fase de instrução que teve lugar nos presentes autos, mormente por referência à prova produzida na respectiva audiência de julgamento, bem como na sequência do conhecimento da impugnação de facto apresentada junto do Tribunal da Relação, sempre poderia vir a ser demonstrada a titularidade do mesmo direito de crédito, sendo porventura a materialidade aí provada susceptível de conduzir à qualificação do crédito como garantido por direito real de retenção, nos termos do artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil, não se cingindo, nessa medida, a presente discussão à simples análise da sentença que fora proferida no processo nº 1045/12.3..., que correu termos na ... Secção da Vara Mista ....

Ou seja, verificando-se a inoponibilidade à ora recorrente – enquanto terceiro interessado - do teor da sentença que reconheceu o direito de retenção aos recorridos, tal não implica desde logo que, perante os factos dados como provados nos autos, não se possa eventualmente qualificar o respectivo crédito como garantido ou como crédito comum (tudo dependendo da abordagem jurídica que, a esse mesmo respeito, importará necessariamente prosseguir).

É o que se passará a fazer infra.

2 – Poderes do Tribunal da Relação exercidos nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil. Críticas expostas pela recorrente relativamente à reapreciação da factualidade que veio a ser alterada pela 2ª instância, mormente através do aditamento, por si determinado, dos pontos de facto 202º-A e 202º-B.

Refere, a este respeito, a recorrente nas suas conclusões de revista:

“Não há erro na apreciação da prova oferecida, analisada e ouvida em Tribunal de 1.ª instância.

Escreve-se no sumário de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum”.

Para se verificar este vício tem pois de existir uma “ (…) incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorrecção susceptível de se verificar, também, quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiencia comum”.

Este entendimento da jurisprudência é também seguido pela doutrina, como se alcança da transcrição do seguinte texto de Paulo Saragoça da Matta no qual se refere que, ao tribunal de recurso cabe apenas “ (…) aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração”.

Uma fundamentação com quase 200 páginas, é difícil não conter toda a fundamentação.

(…) Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “[…] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância. “I- A sentença que reconheça um direito de retenção sobre uma fracção autónoma (objecto de um contrato-promessa definitivamente incumprido) não é juridicamente indiferente – face à preferência concedida pelo direito de retenção – ao titular de uma hipoteca sobre tal fracção autónoma”.

Apreciando:

O Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do conhecimento do recurso de apelação interposto pelos reclamantes, reapreciou – como lhe competia - a matéria de facto fixada em 1ª instância, constando a este propósito no acórdão recorrido:

(…) pensamos que a prova produzida fornece elementos bastantes par julgar provado que a Insolvente entregou a fracção em causa aos promitentes compradores em Dezembro de 2010 e que, a partir de então, estes passaram a habitá-la.

Com efeito, resultou provada (cfr. ponto 202 da matéria de facto e documento junto em 26/03/2018) a existência de acordo das partes no sentido de a fracção ser entregue aos promitentes compradores em Dezembro de 2010. Ainda que esse facto não baste, só por si, para concluir pelo efectivo cumprimento desse acordo e, consequentemente, pela efectiva entrega da fracção, a verdade é que existem outros elementos probatórios que apontam, de forma inequívoca, para esse facto, como sejam o facto de os promitentes compradores terem contratado fornecimento de electricidade, água e gás para a fracção em questão (cfr. pontos 203, 204 e 295 e documentos juntos em 26/03/2018) pelo menos a partir de meados de 2011. Refira-se, em relação a esta matéria, que, na nossa perspectiva e ao contrário do que se considerou na decisão recorrida, não assume aqui relevância o facto de os aludidos contratos terem sido celebrados em nome da ex-esposa do Apelante que não reclamou qualquer crédito; à data, ela era – tal como os Apelantes – promitente compradora, era casada com o Apelante e, nessas circunstâncias, a celebração de contratos de fornecimento de electricidade, água e gás por um dos elementos do casal para a casa em questão não deixa de demonstrar que aí passavam a habitar e que, como tal, tinham a disponibilidade material da fracção que lhes havia sido cedida pela promitente vendedora conforme havia sido acordado, sendo irrelevante – para efeitos de existência ou não de tradição da coisa – que, por força de separação ou divórcio, um dos elementos do casal tenha, entretanto, deixado de ali habitar e tenha deixado de ter a posição de promitente comprador por ter cedido ao outro a sua posição contratual. Por outro lado, conforme resulta dos documentos juntos aos autos em 26/03/2018, a correspondência trocada entre os promitentes compradores e a promitente vendedora (correspondência a que se reportam os pontos 206, 207, 208, 209, 210 e 211) foi enviada e expedida de e para a morada que corresponde à fracção em causa (objecto do contrato promessa), sinal de que a fracção estava na efectiva disponibilidade dos promitentes compradores que aí tinham instalado a sua residência. A própria Insolvente reconheceu – na carta correspondente ao documento n.º 9 junto em 26/03/2018 – que havia autorizado “o pleno e total usufruto do apartamento em causa e do seu condomínio” aos promitentes compradores. Esses elementos probatórios permitem-nos concluir, com razoável segurança, que, em conformidade e em obediência ao que havia sido acordado, a fracção em causa foi efectivamente entregue, em Dezembro de 2010, aos promitentes compradores que aí passaram a habitar.

Refira-se, em complemento, que foi essa a morada que os Apelantes indicaram na reclamação de créditos que apresentaram e que o facto de a fracção em questão ser por eles ocupada é claramente referida pela Sr.ª Administradora em vários requerimentos que apresentou no apenso da liquidação do activo (cfr. requerimentos de 13/04/2021, 23/09/2021 e 04/04/2023)”.

Nesta sequência, o Tribunal da Relação, exercendo os seus poderes-deveres consignados no artigo 662º do Código de Processo Civil, alterou a decisão de facto, passando a considerar que se encontrava outrossim demonstrado que:

“202-A – Na sequência do acordo mencionado na parte final do ponto anterior, a promitente vendedora (a Insolvente) entregou a fracção em causa aos promitentes compradores em Dezembro de 2010;

202-B – Na sequência desse facto, os promitentes compradores passaram a habitar e residir na fracção em causa”.

Ora, resulta do disposto nos artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil, bem como do artigo 46º da Lei da Organização Judiciária, que o Supremo Tribunal de Justiça, constituindo um tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito e não de matéria de facto.

O que significa que, perante a prova sujeita à livre apreciação do julgador – sem ocorrer qualquer caso de prova vinculativa, dotada de força probatória plena e estabelecida no âmbito do direito probatório material – a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça torna-se particularmente restrita e mesmo profundamente excepcional.

Desde que não se coloque no âmbito da presente revista a violação pelo acórdão recorrido de normas respeitantes à prova tarifada, com força legalmente vinculativa, encontrando-nos, ao invés, perante prova apreciada livremente pelas instâncias, nos termos gerais do artigo 366º e 369º do Código Civil e 466º, nº 3, do Código de Processo Civil, o juízo de facto autónomo extraído pelo acórdão recorrido está fora do superior controlo por parte do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do que se dispõe nos artigos 662º, nº 4, e 674º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Pelo que o juízo de facto extraído pelo Tribunal da Relação é neste tocante soberano e absolutamente insindicável, carecendo o Supremo Tribunal de Justiça de competência para nele interferir.

(Sobre esta matéria, vide, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2023, subscrito, nessa qualidade, pelo mesmo relator do presente acórdão, proferido no processo nº 1929/20.5T8VRL.G1.S2, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2024 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 11288/16.5T8PRT-A.P2.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2024 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 420/21.7YHLSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2024 (relator Leonel Serôdio), proferido no processo nº 19930/19.8T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Na situação sub judice inexiste alegada pela ora recorrente qualquer violação de norma pertinente ao direito probatório material que tivesse ocorrido no âmbito da reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Pelo que a decisão de facto é, nesses termos e desse modo, definitiva e imodificável, sendo processualmente irrelevante a manifestação (legítima) de frontal discordância da recorrente relativamente ao juízo autónomo de valoração da prova que foi extraído em 2ª instância.

Acrescente-se ainda que a violação dos poderes/deveres consignados no artigo 662º do Código de Processo Civil que, contrariando a regra geral constante do nº 4 da mesma disposição legal, habilita a interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça não abrange a mera sindicância e reapreciação da prova realizada na sequência do conhecimento da impugnação de facto prevista no artigo 640º do Código de Processo Civil.

(Sobre a situação de recorribilidade através de recurso de revista que versa em especial sobre o conhecimento da matéria processual relacionada com a censura quanto ao modo de exercício dos poderes-deveres por parte do Tribunal da Relação – e que rigorosamente nada tem a ver com as particularidades da situação sub judice - vide, entre outros:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2022 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 3714/15.7T8CRA-C1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2022 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 408/18.0T8PVZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2024 (relator António Barateiro Martins), proferido no processo nº 2054/21.7T8BRG.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2024 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 215/18.5T8MCN.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2016 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 907/13.5TBPTG.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2019 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 156/16.0T8BCL.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2019 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 431/14.9TVPRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), proferido no processo nº 284040/11.4YIPRT.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2020 (relatora Rosário Morgado), proferido no processo nº 2882/16.5T8LRA.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 4016/13.9TBVNG.P1.S3, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2023 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 1088/12.7TYLSB-C.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

Não assiste, portanto, qualquer razão à recorrente neste tocante.

3 – Do reconhecimento do direito de retenção que garante o crédito dos promitentes compradores devido ao incumprimento definitivo pela promitente vendedora do contrato promessa sub judice. Requisitos legais. Configuração, para estes efeitos, do conceito de tradição da coisa, ínsito no artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil. Da sua aplicação ao caso concreto perante os factos que foram definitivamente dados como provados.

Nos termos do artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil:

“Gozam de direito de retenção:

(…) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º”.

(Em geral sobre esta matéria vide, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 07A4060, publicado in www.dgsi.pt; de 4 de Março de 2010 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), proferido no processo nº 441/07.2TBPDL, publicado in www.dgsi.pt; de 11 de Maio de 2017 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 1308/10.2T2AVR-R.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

No âmbito do regime insolvencial esse mesmo direito de retenção, referente ao contrato de promessa de compra e venda incumprido definitivamente pela promitente vendedora, sofre eventualmente a limitação expressamente definida pelos acórdãos uniformizadores de jurisprudência nºs 4/2014, de 20 de Março de 2014 e 4/2019, de 12 de Fevereiro de 2019, exigindo-se a prova da qualidade de consumidor, com o âmbito e alcance definido no último destes arestos.

Contudo, importará fazer relevar, no caso concreto, a circunstância de o contrato promessa em apreço haver sido resolvido em data anterior à declaração de insolvência da promitente vendedora, o que significa que o ora reclamante já era então (antes da declaração de insolvência) titular do direito de retenção sobre o montante do sinal, devido em dobro, nos termos gerais do artigo 442º, nº 2, do Código Civil, não se tratando nessa medida de um “um negócio em curso”, nos termos e para os efeitos dos artigos 102º e 106º do CIRE, não lhe sendo aplicável a exigência adicional referida nesses acórdãos uniformizadores de jurisprudência.

Conforme refere sobre esta matéria Maria do Rosário Epifânio, in “Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, Outubro de 2020, 7ª edição, a páginas 215 a 216:

“O artigo 106º (do CIRE) contém uma disciplina particular para a hipótese de promessa de contrato, em que o insolvente seja promitente vendedor (nº 1), e em que, à data da declaração de insolvência, ainda não tenha havido resolução do contrato (pressupõe-se a existência de um negócio em curso. Se o contrato já foi resolvido antes da declaração de insolvência, o crédito indemnizatório resultante da resolução do contrato constituirá, consoante os casos, um crédito que integra a massa insolvente, ou um crédito sobre a insolvência (cuja garantia eventual – direito de retenção ou outra – não será afectada pela declaração de insolvência)”.

No mesmo sentido, escreve Miguel Pestana de Vasconcelos, in “Revista do Direito da Insolvência”, nº 0, Ano de 2016, em artigo subordinado ao título: “O regime insolvencial do contrato promessa de compra e venda”, a páginas 58 a 59:

“Se tiver havido resolução do contrato por qualquer das partes antes da declaração de insolvência, não estamos perante um negócio em curso no sentido do Capítulo IV do CIRE, mas face a um crédito integrado na massa (caso tenha sido o insolvente, antes da declaração de insolvência, a resolver o contrato promessa por incumprimento culposo da outra parte), cujo cumprimento o administrador deve exigir, ou um crédito sobre a insolvência (na hipótese oposta).

Nesta última eventualidade, verificando-se os pressupostos do artigo 755º, nº 1, alínea f), o crédito está garantido, beneficiando de direito de retenção (caso tal não suceda será um crédito comum, ou garantido se beneficiar de outra garantia real) (...) O direito real de garantia não se extingue, mantendo-se. Caberá ao credor, titular do direito de um crédito garantido sobre a insolvência, reclamá-lo (artigo 47º, nº 4, alínea a), do CIRE) no processo insolvencial”.

Ou seja, a resolução do contrato promessa, em virtude do incumprimento definitivo imputável à promitente vendedora, produziu os seus efeitos em data anterior à sua declaração de insolvência, pelo que o negócio jurídico incumprido, do qual resulta o crédito do ora reclamante, se encontrava extinto à data em que foi declarada a insolvência da promitente vendedora.

Logo, nada poderia fazer, quanto ao mesmo, o administrador da insolvência da promitente vendedora, para além do seu simples reconhecimento, com a sua natureza e características próprias.

In casu, apurou-se, com relevo para a apreciação desta temática, a seguinte materialidade, definitivamente fixada pelo Tribunal da Relação de Coimbra:

O contrato promessa de compra e venda foi celebrado em 27 de Outubro de 2010, tendo sido entregue pelos promitentes compradores à promitente vendedora, a título de sinal, a quantia de € 150.000,00, devendo o remanescente do preço ser pago no acto da escritura definitiva que previsivelmente teria lugar no dia 30 de Abril de 2011 (cerca de seis meses depois).

Consta, porém, do texto do aditamento ao mesmo contrato promessa, igualmente datado de 27 de Outubro de 2010, que a fracção prometida vender seria entregue aos promitentes compradores em Dezembro de 2010 (dois meses após a efectivação daquele contrato).

Provou-se ainda que, na sequência do que constava a este propósito do contrato promessa, a promitente vendedora (ora insolvente) entregou, de facto, a fracção em causa aos promitentes compradores em Dezembro de 2010, passando estes a habitá-la, fixando aí a sua residência (cfr. os pontos 200-A e 200-B dos factos dados como provados, os quais resultaram aliás do aditamento ordenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra na sequência da apreciação e procedência da impugnação de facto apresentada pelos apelantes).

No dia 25 de Janeiro de 2012 os promitentes compradores notificaram a promitente vendedora para a marcação da escritura prometida, sob pena de não o fazendo – e em consequência da situação de mora em que a mesma incorrera – procederem à resolução, por incumprimento definitivo, do contrato promessa sub judice.

Não obstante as respostas da promitente vendedora afirmando que pretendia cumprir o contrato promessa, os promitentes compradores enviaram-lhe nova missiva, em 23 de Fevereiro de 2013, resolvendo o contrato promessa (resolução essa que não foi sequer contestada da parte da promitente vendedora na acção declarativa oportunamente interposta com tal desiderato).

A insolvência da promitente vendedora foi declarada em 2 de Dezembro de 2013 (dez meses após a declaração de resolução manifestada pelos promitentes compradores).

Como se salientou supra, a circunstância de no momento da declaração da insolvência já se encontrar extinto pelo exercício do direito resolução fundado em incumprimento definitivo, torna, como se disse, objectivamente inviável qualquer actuação do administrador da insolvência relativamente ao seu cumprimento ou à recusa deste.

(Neste mesmo sentido, vide:

- Fernando Gravato Morais, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 29, Janeiro/Março de 2010, a página 4, onde sublinha o autor: “Verifica a insolvência posteriormente à extinção do contrato, não cabe aplicar o disposto no artigo 106º, dado que o regime, integrado no Capítulo IV, referente aos “efeitos sobre os negócios em curso”, pressupõe que o cumprimento ainda seja possível. Isso se deduz do artigo 106º, nº 2, parte inicial, quando se alude à “recusa de cumprimento (...) pelo administrador da insolvência. Na sequência da declaração de insolvência, o credor pode reclamar o seu crédito e, como titular do direito de retenção, retiraras as vantagens daí inerentes”);

- Gisela César in “Os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa em curso (em particular o contrato promessa no caso de insolvência do promitente vendedor”, 2017, 2ª edição, a página 81, onde se afirma: “(...) para estes efeitos relevam somente os contratos bilaterais que ainda não tenham sido integralmente cumpridos nem pelo credor, nem pelo devedor. E que, acrescentamos nós, ainda possam ser cumpridos, estando claramente excluídos da aplicação deste regime os contratos que tenhamm sido, previamente à declaração de insolvência, resolvidos por uma das partes por incumprimento ou aqueles ainda não resolvidos, mas cujo cumprimento tenha sido impossibilitado por uma das partes”;

- Alexandre Soveral Martins in “Um Curso de Direito da Insolvência”, Almedina 2015, a páginas 163 a 164, onde pode ler-se: “Diferente da hipótese que temos vindo a tratar é a de, antes da declaração de insolvência do promitente vendedor, existir situação de não cumprimento imputável a este último. Nesse caso, nenhuma dúvida temos quanto à aplicação dos artigos 442º, nº 2, 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil. O direito de retenção que já protegia o promitente comprador antes da declaração de insolvência não se extingue com essa declaração de insolvência”;

- José Carlos Brandão Proença, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 22, Abril/Junho de 2008, a página 21; Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, 2013, 2ª edição, página 497; Catarina Serra, in “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina 2021, 2ª edição, a páginas 233 a 234).

Logo, e em suma, sendo a resolução do contrato fundada em incumprimento definitivo da promitente vendedora em momento anterior à sua declaração de insolvência, não é aplicável à qualificação do crédito da recorrente o regime consignado nos artigos 102º a 106º do CIRE.

Sendo ou não consumidor, o promitente comprador em contrato promessa resolvido, por incumprimento definitivo por parte do promitente vendedor, em data anterior à declaração de insolvência deste, existindo traditio, goza do direito de retenção nos termos do artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil, uma vez que o legislador não introduziu qualquer distinção nesta matéria entre consumidores e não consumidores, não sendo de exigir ao reclamante titular do direito de retenção a prova da sua qualidade de consumidor.

(Em geral sobre esta temática, vide ainda Rui Pinto Duarte, in “Curso de Direitos Reais”, Fevereiro de 2007, 2ª edição, páginas 254 a 255).

Sufragando aliás, consistentemente e de forma sistemática, esta posição (não inclusão do contrato promessa incumprido definitivamente antes da declaração de insolvência da promitente vendedora no conceito de “negócio em curso”, nos termos e para efeitos dos artigos 102º a 106º, do CIRE), vide na jurisprudência:

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2022 (relator Barateiro Martins), proferido no processo nº 1/18.2T8STS-C.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2020 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt;

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2020 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 679/14.6TYVNG-C.P1.S1;

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2019 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 882/14.9TJVNF-G.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2020 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt;

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2018 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 25261/15.3T8SNT-L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2018 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo nº 44/14.5T8VIS-C1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 2017 (relator Júlio Gomes), proferido no processo nº 1742/15.1T8VCT.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Julho de 2016 (relator Júlio Gomes), proferido no processo nº 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2017 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo nº 258/13.5TBPTL-C.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Acresce outrossim que, na situação sub judice, verificou-se a tradição da coisa prometida em favor dos promitentes compradores que se encontra prevista e exigida, enquanto seu requisito essencial, para o reconhecimento do direito de retenção que garante o crédito do beneficiário da promessa de transmissão de direito real sobre o imóvel, no artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil.

Com efeito, segundo a materialidade definitivamente dada como provado, o contrato promessa previa expressamente que a fracção prometida fosse entregue aos promitentes compradores em Dezembro de 2010, o que efectivamente sucedeu, passando desde então a constituir a sua residência.

(A propósito do cumprimento (ou não) da exigência da tradição da coisa em favor do promitente comprador vide os seguintes arestos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, onde são abordados os contornos jurídicos essenciais desta mesma figura:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2014 (relator Azevedo Ramos), proferido no processo nº 1729/12.6TBCTB-R.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatizou que:

são três os pressupostos que marcam o direito de retenção:

- a existência de um crédito emergente de promessa de transmissão ou constituição de um direito real, que pode não coincidir com o direito de propriedade;

- a entrega ou tradição da coisa abrangida ou objecto da promessa;

- o incumprimento definitivo da promessa imputável ao promitente, como fonte do crédito do retentor.

Assim, é possível concluir que, radicando o direito de retenção num contrato-promessa, não é necessário que o beneficiário da promessa tenha a posse da coisa objecto do contrato prometido.

É suficiente que a detenha, por simples tradição.

A tradição de que fala a alínea f), do nº 1, do art. 755 do CC não se confunde com a posse e pode existir sem esta.

O conceito de tradição da coisa vem tratado de forma exemplar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-4-2001 (publicado na R.L.J. nº133-367 e segs, com Anotação favorável do Prof. Calvão da Silva, na mesma R.L.J. Ano 133 - pág. 370 e Ano 134 - pág. 21), a propósito de um caso paradigmático, pelo que não resistimos a transcrever o seguinte passo desse douto Acórdão (R.L.J. Ano 133-368):

“A tradição da coisa exprime, na disciplina dos direitos reais, a transmissão da detenção de uma coisa entre dois sujeitos de direito, sendo constituída por um elemento negativo (o abandono pelo antigo detentor) e um elemento positivo, a tradicionalmente chamada apprehensio (acto que exprime a tomada de poder sobre a coisa).

A alínea b) do artigo 1263 do C.C., na esteira de uma velha tradição romanista, confere igual valor à tradição material e à tradição simbólica.

É no elemento positivo da traditio (apprehensio) que se verificam as variações que explicam a distinção entre tradição material e tradição simbólica.

A tradição é material quando, p. ex., o livreiro entrega em mão o livro ao comprador, ou o vendedor de uma casa leva o comprador a entrar nela, abandonando-a de seguida; será simbólica quando o vendedor de um apartamento entrega as chaves ao comprador, ou o vendedor de uma quinta entrega ao comprador os títulos ou os documentos que justificavam o seu direito, ou, como nos antigos costumes, lhe entregava uma porção de terra do prédio ou, p.ex., uma cepa de uma vinha.

A tradição material é, portanto, a realizada através de um acto físico de entrega e recebimento da própria coisa; a tradição simbólica é o resultado do significado social ou convencional atribuído a determinados gestos ou expressões.

A relevância atribuída à tradição simbólica foi a natural consequência de nem sempre a apprehensio poder ser materialmente realizada, por impossibilidade objectiva ou subjectiva, mas o seu uso generalizou-se e diversificou-se de acordo com as necessidades do comércio jurídico.

O valor simbólico de um acto depende, naturalmente, do tipo de coisa que se transmite, como supra ficou exemplificado e explicado.

Mas também a traditio material varia de configuração e intensidade, de acordo com a natureza da coisa alienada.

A chamada traditio longa manu ou traditio oculis et affectu, que exprimiam o consenso das partes junto das coisas transmitidas, com o significado de abandono e apprehensio, sofreu, nos direito romano e comum, uma evolução no seio da tradição material, para formas atenuadas de transmissão da coisa.

A traditio material, suposta pelo legislador, não implica, portanto, um acto plasticamente representável, de largar e tomar, bastando-se com a inequívoca expressão de abandono da coisa e a consequente expressão de tomada de poder material sobre a mesma, por parte do beneficiário”.

No caso dos autos, face aos factos provados nos pontos 11º,12º,15ºe 16º, é de considerar verificados os necessários pressupostos da tradição da coisa.

Com efeito, encontra-se provado, pela cláusula sexta do aditamento de 27-8-2010, constante de fls 21 e segs, efectuado ao contrato promessa de compra e venda inicial, que a promitente vendedora, AA-Investimentos Imobiliários, L.da, transmitiu aos ora recorrentes a “posse” (poder de facto) do andar (3º andar esquerdo) e do parqueamento nº10, objecto do contrato promessa.

Nessa ocasião, a promitente vendedora obrigou-se ainda a efectuar os acabamentos em falta no citado andar e parqueamento, prometidos vender.

Aquando da assinatura do mencionado aditamento, a promitente vendedora entregou aos recorrentes as chaves de acesso ao prédio, sendo que nessa data o aludido andar não tinha, e ainda não tem, porta de entrada nem fechadura.

A partir de então, os recorrentes acederam ao prédio em causa, fazendo uso da chave que lhes foi entregue, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

O acesso ao prédio, onde se localiza o andar e o aparcamento prometidos vender, por parte dos recorrentes, fazendo uso da chave que lhes foi entregue pela promitente vendedora, não pode ser interpretado como um simples acto social de turismo ou recreio, mas antes como a expressão possível de domínio material sobre o espaço de implantação do dito andar e respectivo aparcamento.

O que mostra que a recepção do andar, por banda dos recorrentes, se não resumiu a um simples acordo ou expressão verbal, sem consequências físicas, mas se materializou nos actos de detenção que, até aí, eram possíveis, enquanto aguardavam o seu acabamento final.

A não conclusão da construção não é causa de impedimento ou impossibilidade da tradição do andar, pois a entrega efectuada pela promitente vendedora aos recorrentes foi feita no estado em que o andar se encontrava, para os mesmos recorrentes passarem a ser os seus detentores, e não para de imediato o usarem ou habitarem, embora com a obrigação, para aquela promitente, de ainda efectuar os acabamentos em falta, no mesmo andar e respectivo aparcamento.

Uma vez que o andar não se encontrava apto para a sua habitação, é irrelevante ter ou não ter porta de entrada ou fechadura, pois o importante era ter sido entregue aos recorrentes, como ocorreu, a chave de acesso ao prédio, para estes poderem livremente aceder, como fizeram, ao andar e respectivo aparcamento, cuja detenção lhes foi concedida pela promitente vendedora.

O que está em causa é a detenção da coisa, nas circunstâncias possíveis, face ao estado em que a construção se encontrava, e não a sua posse, bem como a garantia do pagamento de um crédito, e não o uso da coisa, segundo a funcionalidade a que esta se destina.

No caso de promessa de compra e venda de um andar integrado num prédio a submeter ao regime de propriedade horizontal, a tradição exigida para o direito de retenção previsto no art. 755, nº1, al. f) do C.C. não necessita que a construção do andar prometido vender e do prédio em que se insere esteja concluída.

Basta a inequívoca expressão de abandono da coisa, por parte do transmitente, e a consequente expressão de tomada de poder material sobre mesma, por parte do beneficiário, como aconteceu no caso em apreço.

Consequentemente, a tradição do terceiro andar esquerdo e do respectivo parqueamento nº10, ainda que meramente simbólica, efectuada a favor dos recorrentes, é válida e eficaz, integrando o direito de retenção destes, previsto no art. 755, nº1, al. f), do C.C.”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2013 (relator Gabriel Catarino), proferido no processo nº 64/1996-L1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“Resulta, de meridiana compreensão jurídica, que uma posse em nome alheio, como era o caso, só poderia reverter e transmutar-se em posse em nome próprio se os possuidores precários, ou pelo menos com a consciência, demonstrada e evidenciada pela factualidade adquirida, de que os proprietários os não consideravam possuidores em nome próprio ou com possuindo com um animus correspondente a um direito de propriedade. Na verdade, não basta para que se verifique a inversão do título de posse que os próprios ou os vizinhos os tenham como possuidores em nome próprio. Para que esta reversão ou transmutação da intenção de possuir se possa ter por reconhecida, no plano do direito, é necessário que, na atitude reversiva e modificadora do sentido possessório se encontrem engolfados aqueles contra quem a inversão do título se faz. Torna-se necessário que aqueles que deixam de ter o direito saibam, ou compreendam, pela exteriorização dos actos materiais do actual possuidor, que esse direito passou a ser exercitado e dominado por outro. Ao fim ao cabo, o anterior proprietário tem que tomar conhecimento que a partir de determinado momento, e perante a evidência dos actos materiais que lhe são patenteados e que ele reconhece se criou um novo estado jurídico relativamente àquela concreta coisa e que ele aceita esse novo estatuto.

(…) Converge, aliás, a jurisprudência no sentido de que “[A] qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato-promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos, do conteúdo e da execução do respectivo negócio e a menos que dos termos do acordo originário de entrega do imóvel (do negócio e das circunstâncias que rodearam a sua celebração) resulte a intenção de transferir a posse do imóvel (como na situação em que ocorre o pagamento da totalidade do preço aquando da outorga da promessa com entrega subsequente do imóvel), a entrega inicial do imóvel ao promitente vendedor apenas confere a mera detenção ou posse precária (para salvaguarda dos direitos inerentes à promessa) que apenas se converterá em posse correspondente ao direito de propriedade se comprovadamente ocorrer a inversão do título de posse”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2023 (relatora Ana Resende), proferido no processo nº 4183/16.0T8VNG-E.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

Neste aresto foi salientado que “a traditio surge como um poder de facto sobre a coisa que o promitente vendedor confere ao promitente comprador, traduzindo-se num conjunto de actos materiais e simbólicos demonstrativos do controlo da coisa”.

Mais se salientou que “(..) no caso da entrega das chaves do imóvel, enquanto tradição simbólica, não deve entender-se que por si só se consubstancia em tal tradição da coisa, importando sim atender ao respectivo contexto, não só circunstancial, mas sobretudo o que resulta os termos negociados entre as partes”.

No caso concreto, foi negada a existência de traditio na medida em que se provou que as chaves foram “facultadas” para os compradores iniciarem obras no interior, tendo em conta certamente o facto apurado de o imóvel se encontrar em bruto, com divisórias e revestimento em tijolo e cimento, com janelas e divisórias no interior, sem portas, sem armários e exterior por acabar, sem água e sem luz.

A que acresce a circunstância de nada ter sido convencionado no contrato promessa quanto à entrega das chaves, bem como do imóvel, mesmo após o aditamento efectuado.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Fevereiro de 2016 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 135/12.7TBMSF.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salientou que:

“O direito de retenção tem sido concedido aos promitentes-compradores, entendendo-se que a constituição de sinal e a tradição da coisa têm subjacente uma forte confiança na firmeza e concretização do negócio, impondo-se, em consequência, com particular acuidade, defender o mais possível o exato cumprimento do contrato e que a execução específica não resulte inoperante mercê da alienação da coisa a terceiro, quando a promessa se encontre destituída de eficácia real. Nesta sequência, tem-se admitido que existe transmissão da posse do promitente-vendedor para o promitente-comprador, não por via do contrato-promessa mas por força do acordo negocial da traditio e da efetiva entrega da coisa.

Neste caso o promitente-comprador, que recebe a coisa e a usa como se fosse sua, praticando sobre ela os atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, é um verdadeiro possuidor em nome próprio”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2014 (relator João Camilo), proferido no processo nº 986/12.2TBFAF-G.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt., onde se sublinhou que:

“O valor simbólico de um acto depende, naturalmente, do tipo de coisa que se transmite, como supra ficou exemplificado e explicado.

Mas também a traditio material varia de configuração e intensidade, de acordo com a natureza da coisa alienada.

A chamada traditio longa manu ou traditio oculis et affectu, que exprimiam o consenso das partes junto das coisas transmitidas, com o significado de abandono e apprehensio sofreu, nos direitos romano e comum, uma evolução no seio da tradição material, para formas atenuadas de transmissão da coisa.

A traditio material, suposta pelo legislador, não implica, portanto, um acto plasticamente representável, de largar e tomar, bastando-se com a inequívoca expressão de abandono da coisa e a consequente expressão de tomada de poder material sobre a mesma, por parte do beneficiário”.

Fazendo a aplicação destes ensinamentos ao caso em apreço vemos que se provou que o imóvel objecto do contrato promessa em causa foi objecto de uma declaração assinada pela promitente vendedora de entrega do mesmo ao recorrido BB, seu promitente comprador, onde se declara que na data da sua emissão, se faz a entrega do imóvel àquele promitente comprador, investindo-o na respectiva posse e atribuindo-lhe as faculdades de usar, de fruir e de gozar daquele imóvel – facto da al. D.

Além disso, também se apurou que o reclamante BB mostrou o apartamento a pessoas que poderiam estar interessadas em adquiri-lo – facto da al. E.

Por outro lado, o edifício onde se situa a fracção aqui em causa encontra-se ainda em construção, em fase de acabamentos, nomeadamente, sem elevadores, sem água, sem luz, com o chão das partes comuns em cimento, sem portas de entrada no edifício, sem corrimões, sem loiças sanitárias, sem fichas eléctricas, sem torneiras, sem balcões, sem portas nas divisórias internas dos apartamentos, entre outras coisas – facto da al. F.

E ainda se apurou que em 23 de Novembro de 2011, a Insolvente, na qualidade de dona e legitima possuidora da fracção autónoma correspondente ao contrato promessa em referência, declarou e fez a entrega das chaves da referida fracção ao impugnante BB, promitente comprador – facto da al. G.

Com base nestes factos está apurado que se verificou, pelo menos, uma tradição simbólica – com a entrega das chaves - e até se verificou uma entrega material na medida em que ao promitente comprador lhe foram entregues as chaves da fracção e este se apoderou da mesma ao mostrá-la a potenciais adquirentes.

A circunstância de o imóvel ainda não estar apto ao fim a que se destinava – a habitação ou outra utilização lícita – não é impeditiva da tradição do andar pois a entrega foi efectuada no estado em que se encontrava – em construção -, passando o promitente comprador a ser o seu detentor, embora não para de imediato se servir directamente dele, nomeadamente, para o habitar.

A entrega das chaves permitiu que o promitente comprador se servisse do imóvel para a finalidade que então era viável, mostrá-lo a potenciais adquirentes, sendo a detenção limitada ao que era possível no estado de construção do mesmo.

Basta para se verificar a tradição o abandono da coisa por parte do transmitente e a consequente expressão de tomada de poder material por parte do beneficiário, como se deduz dos factos aqui apurados”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2019 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 3595/16.3T8GMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt., onde pode ler-se:

“Tal tradição consiste na cedência da coisa prometida alienar de modo a proporcionar ao beneficiário da promessa o uso e/ou a fruição da mesma, com a amplitude que seja concretamente acordada, podendo reconduzir-se a uma mera detenção por parte daquele beneficiário, configurável, em princípio, com um atípico direito pessoal de gozo[2] ou até mesmo, em casos mais raros, a uma cedência de posse em nome próprio, operando-se uma entrega antecipada da coisa em relação ao contrato prometido.

Na linha do explanado no acórdão recorrido, a tradição ou entrega da coisa prometida alienar, quando, como no presente caso, se trate de prédio urbano, pode manifestar-se através de diversificados modos de comportamento que revelem, à luz da sua significação social, segundo as regras da experiência, uma situação resultante de um elemento negativo traduzido no abandono da coisa pelo seu anterior detentor em correspondência com um elemento positivo consistente na apprehensio da mesma pelo novo detentor.

Nesse tipo de casos, tem sido considerada como tradição simbólica da coisa, por exemplo, a entrega das chaves de um prédio urbano, o que não significa, no entanto, que deva ainda assim ser entendido todo e qualquer ato de entrega de chaves, importando atentar no respetivo contexto, nomeadamente negocial”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2022 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 98/120.9TYVNG-C.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt., onde se refere que:

(…) apesar dessa entrega das chaves, resulta dos factos provados que: AA e BB não vivem nas frações autónomas identificadas nas alíneas f) e r), não fazem aí as suas refeições, nem aí recebem outros familiares e amigos [eee)]; AA, BB e “A..., Lda.”, relativamente às frações identificadas nas alíneas f), r), dd) e qq), não liquidaram IMT [fff)]; e as frações autónomas do prédio urbano descrito na ... Conservatória do Registo Predial de, freguesia ..., com o n.º ...10, não têm licença de utilização [ggg)].

Compreende-se, assim, que o acórdão recorrido tenha classificado a entrega das chaves como um ato isolado, pois foi disso que, de facto, se tratou.

No específico contexto da situação exposta nos autos, a entrega das chaves não teve qualquer sequência ao nível do controlo material das frações por parte dos promitentes-compradores, razão pela qual não se tem por verificada a traditio das mesmas.

Falha, portanto, um dos requisitos da efetivação do direito de retenção (…)”).

No fundo e em suma, no caso que nos ocupa, a tradição da coisa prometida vender aconteceu consensualmente, na sequência da conclusão de um acordo autónomo celebrado entre as partes e consignado, de forma expressa e inequívoca, no aditamento ao próprio contrato promessa, o qual que se concretizou no plano factual em estreita conformidade com essa mesma vontade comum dos celebrantes (mormente da promitente vendedora que desse modo abriu voluntariamente a porta ao pleno exercício dos mais amplos poderes de facto quanto à utilização da coisa à contraparte no negócio).

Sobre este mesma temática vide (versando sobre uma situação factual distinta da presente, sendo, nessa medida, o seu veredicto oposto ao que ora se extrai) o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2024 (relator Luís Correia de Mendonça), proferido no processo nº 1932/19.8T8PDL-K.L2.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde judiciosamente, e com particular e pertinente aprofundamento, se salientou que:

“A circunstância de o promitente comprador ocupar, usar e fruir a coisa não significa que tenha a posse legítima pois uma pessoa pode gozar directamente de poderes imediatos sobre essa coisa independentemente de um direito real, como é o caso do locatário, do comodatário ou do promissário (Ac. STJ de 12.7.2001, Proc. 01B1778 e Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, 49 ss, nota 17).

Sendo assim as coisas, o que pode estar na origem dos poderes da recorrente sobre o ajuizada parcela?

Só aparentemente se poderá dizer que esses poderes derivam do próprio contrato-promessa, porquanto o contrato promessa de compra e venda não é um contrato real, mas pessoal, dele emergindo meras obrigações de prestação de facto.

Teremos de procurar a legitimidade dos poderes do promitente comprador sobre a coisa num título diferente do contrato promessa em si mesmo considerado.

Desde há muito que a jurisprudência chama a atenção para um elemento complementar desse contrato e adjuvante, autonomizando-o.

Assim, por exemplo, o acórdão do STJ de 28.2.1989, Proc. 076991, referiu que «celebrado contrato promessa de compra e venda de determinada fracção de prédio constituído em propriedade horizontal com entrega da mesma ao promitente comprador, a tradição não resulta daquele contrato, que não tem efeitos reais, mas sim do acordado verbalmente entre as partes», doutrina várias vezes repetida ulteriormente, como, entre outros, pelo acórdão de 21.9.1998, Proc. 99B191.

Acordo que na maior parte dos casos se consubstancia na traditio, ela mesma.

Por isso, tanto encontramos acórdãos que doutrinam que «tradição juridicamente significa a entrega material da coisa» (de 23.11.2000, Proc.01B1227), como outros onde se diz que «a traditio é uma convenção autónoma que não se confunde com o contrato-promessa, muito embora o acompanhe com bastante frequência» (de 25.1.2005, Proc.04ª4411).

(…) «não pode entender-se que a tradição anteriormente verificada valha como tradição, quer para efeitos de converter em possuidor do bem, quer para efeitos de aplicação do especial regime de inadimplemento da promessa em que tenha havido tradição da coisa objecto do contrato prometido, e também não se provou [cabia esse ónus à recorrente-artigo 342.º,1CC], nem tal foi alegado, que após a celebração do contrato-promessa as partes tivessem convencionada que o poder da promissária sobre a parcela deixava de ter a sua raiz e fundamento no acordo de cedência, passando a tê-lo no contrato promessa».

(…)

Cita-se habitualmente sobre esta matéria o acórdão do STJ de 19-4-2001 (publicado na R.L.J. nº133-367 e segs, com Anotação favorável do Prof. Calvão da Silva, na mesma R.L.J. Ano 133 - pág. 370 e Ano 134 - pág. 21), designadamente quando esclarece que «a tradição da coisa exprime, na disciplina dos direitos reais, a transmissão da detenção de uma coisa entre dois sujeitos de direito, sendo constituída por um elemento negativo (o abandono pelo antigo detentor) e um elemento positivo, a tradicionalmente chamada apprehensio (acto que exprime a tomada de poder sobre a coisa)»; «é no elemento positivo da traditio (apprehensio) que se verificam as variações que explicam a distinção entre tradição material e tradição simbólica»; «a tradição material é (…) a realizada através de um acto físico de entrega e recebimento da própria coisa; a tradição simbólica é o resultado do significado social ou convencional atribuído a determinados gestos ou expressões»; «a traditio material, suposta pelo legislador, não implica (…) um acto plasticamente representável, de largar e tomar, bastando-se com a inequívoca expressão de abandono da coisa e a consequente expressão de tomada de poder material sobre a mesma, por parte do beneficiário».

Já Manuel Rodrigues Junior, na clássica obra, A Posse (cita-se na edição de Fernando Luso Soares/Almedina, 1980), explicava que a tradição é constituída de «um elemento negativo – o abandono pelo antigo possuidor; e de um elemento positivo – a apprehendio, o acto que denuncia que o novo possuidor adquiriu poder sobre o objecto da posse», lembrava as raízes romanas da tradição real ou própria e da tradição simbólica ou ficta (esta chamada traditio longa manu ou oculis et affectu), fórmulas ainda hoje utilizadas na literatura jurídica, e asseverava que «a vacua possessio [o abandono] é, no direito português, o primeiro elemento material da tradição dos imóveis» (op. cit:203 ss e 216) (sobre a traditio cfr. na doutrina também, Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das Licões ao Curso de 1966-1967, Coimbra, 1967:99 ss., Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Vol. III, 2.ª ed., Coimbra editora, Coimbra, 1984:25).

A doutrina jurídica chama com frequência a atenção para o fenómeno da imaterialização da transferência da posse (cfr. José Oliveira Ascensão, Civil, Direitos Reais, 4.ª ed. Refundida, Coimbra Editora, Coimbra, 1983:118).

Esta evolução torna, não raro, ambíguas as situações de transferência da posse, as quais passam cada vez menos pelo abandono da coisa e subsequente apreensão pelo novo possuidor.

A dogmática «recupera» antigas modalidades de transferência, como a traditio brevi manu que consiste «na conversão em posse de uma situação de simples detenção, por acordo celebrado entre o detentor e aquele em cujo nome possui» (Manuel H. Mesquita, ibidem:102; sobre esta figura aplicada à situação em que o promissário da aquisição do bem já o tem em seu poder antes da conclusão do contrato-promessa, Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, Coimbra, 1999:841)”.

Como se disse supra, no nosso caso concreto, a promitente vendedora aceitou e acordou – autonomamente – no aditamento ao contrato promessa (com a mesma data), e certamente na perspectiva de realização do contrato definitivo no prazo de seis meses, a entrega material da coisa ao promitente comprador, para que dela passasse a dispor, em Dezembro de 2010 (dois meses após o contrato promessa).

E foi nesse específico contexto, revelador do consenso livremente assumido entre os contraentes quanto à tradição da coisa que a fracção foi efectivamente entregue pela promitente vendedora aos promitentes compradores que, a partir daí, passaram, ininterruptamente, a fixar nela a sua residência.

Logo, face à traditio da coisa que foi operada, compete-lhes natural e indiscutivelmente a tutela possessória subjacente ao reconhecimento do seu direito de retenção.

Pelo que improcede o presente recurso de revista, sendo o crédito do recorrente graduado como garantido por direito de retenção, em conformidade com o decidido em 2ª instância, com prevalência sobre os créditos hipotecários que incidem sobre o mesmo imóvel, em conformidade com o disposto no artigo 759º, nº 2, do Código Civil.

Não tem, portanto, fundamento legal a qualificação como comum do crédito do recorrente (determinada em 1ª instância e sustentada na presente revista pela recorrente), emergente de contrato promessa incumprido definitivamente antes da declaração de insolvência do promitente vendedor, tendo, ao invés, tal crédito que ser reconhecido e graduado como garantido por via da titularidade pelo reclamante do direito de retenção, atribuído nos termos do artigo 755, nº 1, alínea f), do Código de Processo Civil, cujos requisitos legais se verificam na íntegra.

Improcede, deste modo, o presente recurso de revista.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Junho de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Luís Correia de Mendonça

Maria Olinda Garcia

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.