Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P1145
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: MEDIDA DA PENA
FINS DAS PENAS
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
CRIME CONTINUADO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PENA ÚNICA
PERDÃO
Nº do Documento: SJ200805290011455
Data do Acordão: 05/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário :

I - Nos termos do art. 40.º do CP, toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, em matéria de culpabilidade, diz o seu n.º 2 que, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
II - Com este preceito fica a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa; a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido.
III -A doutrina vem defendendo que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:
- a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e como limite inferior, o quantum abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229);
- será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social;
- quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.
IV -No crime continuado, a diminuição da culpa relativa à reiteração criminosa, já foi levada em conta pelo legislador, quando retirou a situação global do tratamento próprio do concurso de crimes.
V - Ora, nos limites da culpa suportável pela conduta mais grave, os factos relativos às outras condutas devem ser ponderados para a punição, sob pena de a punição do crime continuado não se distinguir, em nada, da punição dum único crime, assente numa conduta singular; com o que se ignoraria a lesão sucessivamente aumentada dos bens jurídicos violados.
VI -Para proceder ao cúmulo jurídico de penas em concurso de infracções quando só algumas beneficiam de perdão, há que seguir estes passos:
1.° Efectua-se o cúmulo jurídico de todas as penas em concurso, independentemente de alguma delas beneficiarem de perdão e, assim, obtém-se a pena única;
2.° Calcula-se o perdão, após se ficcionar um cúmulo jurídico parcelar das penas que por ele estão abrangidas;
3.° Faz-se incidir o perdão assim calculado sobre a pena única inicial, mas o perdão tem como limite máximo a soma das parcelas das penas “perdoáveis”, tal como encontradas na operação de cálculo dessa pena única inicial – cf. Proc. n.º 2691/07 - 5.ª.
VII - Assim se evitando a eventualidade da pena única aplicada em cúmulo, a que se deduziu o perdão, se vir a revelar inferior a uma pena parcelar, que integra o cúmulo, mas aplicada a um crime que não beneficia de perdão.

Decisão Texto Integral:


AA foi julgada a 30/1/2008 em processo comum e Tribunal Colectivo, no Tribunal Judicial de Vila Franca do Campo (Pº 20/99.6 TBVFC), pela prática de um crime continuado de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. a), com referência ao artigo 202º, al. b), do Código Penal, e condenada na pena de 4 anos e 2 meses de prisão. Como autora material de um crime continuado de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, com referência ao artigo 255º, al. a), do Código Penal, foi condenada na pena de 2 anos de prisão. Em cúmulo, foi condenada na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão. Beneficiou de 1 ano de prisão, nos termos do disposto no artigo 1º da Lei 29/99, de 12 de Maio, pelo que a pena aplicada ficou reduzida para 4 anos e 2 meses de prisão.

I – O RECURSO

Discordando desta decisão, o MºPº veio interpor recurso da mesma para este Supremo Tribunal de Justiça, com o único objectivo de ver alterada a medida da pena aplicada. Concluiu a sua motivação do seguinte modo:

“1- O tribunal "a quo" condenou a arguida pelo cometimento de um crime continuado de burla agravada na pena de prisão por quatro anos e dois meses de prisão;
2- Fundamentou-se o tribunal em circunstâncias que, alega o acórdão, já foram consideradas na tipificação legal do crime;
3- Do elenco dessas circunstâncias elencadas no acórdão, apenas uma delas se refere à agravação do crime de burla;
4- Todas as outras circunstâncias deveriam conduzir a um agravamento da medida da pena;
5- Estas outras circunstâncias serão (que o acórdão alega ter tido em consideração) a forma de actuação; a reiteração da conduta e sua extensão por largo período; os valores muito elevados em causa; a actuação concertada que colocou em perigo o equilíbrio financeiro de muitas pessoas.
6- A pena de prisão a aplicar pelo crime de burla qualificada, no caso concreto agora em apreço, não deveria situar-se abaixo de metade da moldura legalmente prevista, isto é, inferior a cinco anos;
7 - E, nesta sequência, de entre um "quantum" previsto na lei de dois a oito a oito anos de prisão, a pena a aplicar no caso concreto deveria ser, no mínimo, de seis anos de prisão;
8- E, em cúmulo jurídico, a pena unitária deveria ser de sete anos de prisão;
9- É neste quadro de argumentação que se considera que o acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 30°; 71 0; 217 e 218°, todos do Código Penal;
10- O tribunal deveria ter aplicado à arguida uma pena de prisão de seis anos de prisão pelo cometimento de um crime de burla agravada e, em consequência do necessário cúmulo jurídico a operar no caso agora em apreço, uma pena unitária de sete anos de prisão”.

Não houve resposta da arguida.
Já neste Supremo Tribunal, o Mº Pº pronunciou-se pelo provimento do recurso interposto.
Colhidos os vistos, foram os autos levados à conferência (al. c) do nº 3 do artº 419º do C.P.P.).

II – OS FACTOS

No acórdão recorrido foram dados por provados os seguintes factos:

“1º O arguido BB foi funcionário da Caixa Geral de Depósitos adiante designada por C. G. D. , desde 2 de Janeiro de 1980 e até Junho de 1997, altura em que foi suspenso de funções, no âmbito de processo disciplinar que lhe foi instaurado e que culminou no seu despedimento por deliberação de 27-11-97.
2º A referida instituição de crédito criou, no início dos anos 80, uma linha de crédito agrícola a curto prazo destinada à aquisição de novilhas para recria, tendo como limites máximos cumulado e por operação as quantias de, respectivamente, 5.000.000$00 e 2.500.000$00, com um período máximo de um ano para reembolso e pagamento dos juros devidos.
3.º Para aceder a tal tipo de empréstimo, os candidatos tinham de preencher determinados requisitos formais, sem os quais a sua obtenção não era possível.
Assim, era-lhes exigido:
a) o preenchimento de vários impressos/tipo fornecidos pela C. G. D., dos quais deveriam constar as identificações dos candidatos a mutuários e dos respectivos fiadores;
b) a apresentação do bilhete de identidade, bem como dos cartões de contribuinte e de empresário em nome individual;
c) a apresentação de documentos comprovativos dos rendimentos do proponente mutuário e dos fiadores indicados;
d) o preenchimento de um documento com a relação dos bens móveis e imóveis do proponente mutuário e do fiador; e
e) a aposição de assinaturas em todos os documentos por parte das próprias pessoas neles identificadas, as quais teriam de ser depois devidamente reconhecidas, sendo-o as dos mutuários no Notário, em confronto com o respectivo bilhete de identidade, ou no interior da própria C. G. D., em confronto com as existentes nas fichas de assinaturas ou de "modelo 9", correspondentes às contas de depósitos à ordem dos candidatos a tais empréstimos, e as dos fiadores presencialmente no Notário.
4.º Relativamente a tais empréstimos, e no que respeitava à agência da C. G. D. de Vila Franca do Campo, cumpria ao arguido BB, na qualidade de gerente da mesma, aprovar ou não a sua concessão, desde que individualmente não superiores àquele montante de 2.500.000$00, para o que teria de obter igualmente a anuência, com a aposição da respectiva assinatura, do respectivo subchefe administrativo da mesma agência, CC, ou então, conforme aconteceu durante algum tempo, antes de este último ter tomado posse no referido lugar, o próprio chefe de circunscrição ou director regional da C. G. D., DD.
5.º Após concessão de tal tipo de empréstimo, competia ao gerente da agência, o arguido BB, certificar-se da correcta aplicação do dinheiro para o fim para que fora pedido e do posterior controlo relativo ao correspondente reembolso à C. G. D.
6º O DD era gerente bancário e a AA responsável por um Instituto de Línguas
7º A AA propôs-se beneficiar da mencionada linha de crédito para o que angariava propostas para contratos de empréstimo para a aquisição de novilhos para recria.
8º O que fazia mediante a angariação de propostas com as assinaturas dos terceiros candidatos a mutuários e respectivos fiadores devidamente reconhecidas pelas formas acima mencionadas, levando de seguida tais propostas para aprovação ao arguido DD.
9º Logo que o DD ficava na posse da documentação necessária para instruir o processo de atribuição dos aludidos empréstimos, começava por preencher os impressos respectivos, que, geralmente se encontravam assinados em branco, abrindo desde logo “a zeros”, contas de depósito à ordem em nome das pessoas que figuravam como mutuários e reconhecia as assinaturas das mesmas nos contratos pela forma já descrita, ficando a constar, mediante a aposição de um carimbo, “ a assinatura confere com a da ficha mod. 9 arquivada neste cofre” .
10º Seguidamente, o arguido DD autorizava, nos termos já referidos, a concessão de tais empréstimos aos supostos proponentes, em cujas contas à ordem eram creditadas as importâncias mutuadas.
11º Nalguns casos, procedia ele próprio ao levantamento total ou parcial das importâncias depositadas e entregava-as a FF, HH ou II, que, de seguida, providenciavam pela sua entrega, directa ou através de transferências bancárias, à arguida AA.
12º Uma vez na posse das mencionadas quantias, a AA tratava de lhes dar destino, gastando-as em proveito pessoal.
13º O DD, à medida que se iam vencendo os prazos de cumprimento dos contratos já celebrados, transmitia à AA a necessidade de, relativamente a cada um deles, procederem a novas angariações, com vista à rotação de créditos.
14º A AA, para além de intervenções directas na angariação de mutuários e fiadores, dirigia a actividade dos indivíduos que operavam no terreno na angariação de contratos, os HH e II.
15º Os arguidos FF e II, para além de procederem à angariação directa de pessoas para aparecerem como mutuários e fiadores nos aludidos contratos, contratavam igualmente outros indivíduos a quem incumbiam de fazer a abordagem de outras pessoas e de as encaminharem para eles com vista ao mesmo objectivo.
16º A tarefa principal dos colaboradores/angariadores, consistia em arranjar mutuários/fiadores, sem que estes houvessem a noção de contrair ou assegurar o pagamento de qualquer empréstimo, levando-os a assinar impressos por preencher e a ceder os respectivos documentos pessoais ou simplesmente fotocópias dos mesmos, necessários à obtenção por parte da AA dos empréstimos em causa, entregando, nalguns casos, quantias que variavam entre os 5.000$00 e os 10.000$00, como contrapartida das assinaturas e fornecimento da necessária documentação.
17º Os referidos angariadores tinham na sua posse todos os impressos da C. G. D. necessários à candidatura aos empréstimos da linha de crédito para aquisição e recria de novilhas, os quais para o efeito lhes eram fornecidos pela AA e, por vezes, pelo próprio arguido DD.
18º Apesar de tais impressos se encontrarem por preencher, os mesmos haviam sido previamente assinalados com uma cruz, pelo DD, nos locais onde deviam ser assinados.
19º Do conjunto desses impressos, fazia parte o chamado “modelo 5” da C. G. D., que permitia levantar em numerário os montantes dos empréstimos que eram depositados nas contas bancárias abertas em nome das pessoas que constavam neles como mutuárias, e o qual habitualmente o DD utilizava para proceder ele próprio aos levantamentos correspondentes ou para permitir que outros o fizessem.
20º E também uma folha de formato “A4”, assinada em branco, para posterior preenchimento sob a forma de declaração profissional dos respectivos signatários como agricultores.
21º Noutras vezes as pessoas “cediam” as respectivas assinaturas e/ou facultavam documentos pessoais convencidos de que estavam a contribuir para o Instituto de Línguas de Vila Franca do Campo, pertencente à AA.
22º Regra geral, os domicílios dos mutuários e/ou fiadores que ficavam a constar dos impressos em causa diziam respeito a alguns dos arguidos e a pessoas conhecidas dos mesmos.
23º Quanto às pessoas que figuravam como mutuários ou fiadores na documentação destinada aos pedidos de empréstimos em causa, por vezes, as mesmas desconheciam que estavam a ser utilizadas como tal, porquanto as respectivas assinaturas e documentação haviam sido utilizadas pelos arguidos sem o seu conhecimento ou autorização para o fim em causa.
24º Casos houve em que o II e o FF levaram potenciais mutuários/fiadores à presença do DD, no seu gabinete da agência da C. G. D., agência de Vila Franca do Campo, onde este os sossegava quanto às desconfianças que pudessem suscitar sobre os fins enunciados por aqueles angariadores.
25º O DD estava inteirado da forma como eram recolhidas as assinaturas dos mutuários/fiadores pelos demais arguidos.
26º Os GG, HH e o II, pela ordem indicada, foram empregados da AA e, os dois últimos, angariadores de contratos por conta dela.
27º Todos estes colaboradores da AA auferiam mensalmente uma remuneração paga por esta, para além de terem ainda todas as viagens e despesas a cargo da mesma.
28º Os montantes provenientes dos contratos que iam conseguindo angariar, eram pelos mesmos depositados em contas bancárias da AA ou entregues directamente ao lugar onde a mesma se encontrasse, incluindo no estrangeiro.
29º Aqueles colaboradores tinham como tarefa principal angariar pessoas que possuíssem cartões de empresário em nome individual para servirem de mutuários e outras para servirem de fiadores às primeiras, sendo estas condições essenciais para atribuição dos empréstimos por parte do DD.
30º No caso dos angariadores deste grupo, os mesmos normalmente escolhiam como alvo das respectivas abordagens pessoas de baixo nível escolar e económico, às quais diziam, designadamente, que os impressos que pretendiam ver assinados em branco se destinavam a solucionar problemas relacionados com o Instituto de Línguas de Vila Franca do Campo propriedade da AA , ou para que a AA desbloqueasse problemas que tinha na C. G. D. ou para permitir à mesma trazer dinheiro do estrangeiro, conforme instruções da AA.
31º Uma vez que as assinaturas dos fiadores tinham de ser presencialmente reconhecidas, na generalidade dos casos os angariadores tratavam de os conduzir ao Cartório Notarial de Vila Franca do Campo para o efeito, não chegando, por vezes, aqueles a ter sequer a percepção daquilo que tinham assinado.
32º Assinados todos os impressos necessários, os mesmos eram entregues pessoalmente em mão ao arguido DD ou deixados num envelope fechado ao cuidado de alguém para que o entregasse a tal arguido.
33º A partir de determinada altura, o HH e o II passaram a deslocar-se a Lisboa, ao Funchal e até mesmo ao estrangeiro, a fim de irem entregar à AA quantias em dinheiro superiores a 2.500.000$00 de cada vez.
34º A FF foi co-titular de uma conta no BPA, que serviu durante algum tempo para transferir para a AA os dinheiros provenientes dos referidos empréstimos.
35º O FF foi contratado pela AA, no inicio do ano de 1996, para angariar mutuários/fiadores, tratando de todo o processo necessário à obtenção dos empréstimos, como fossem o recebimento dos impressos das mãos do DD, angariação, obtenção de assinaturas naqueles impressos, reconhecimentos notariais, entrega dos impressos na C. G. D., levantamento do numerário e sua entrega à AA.
36º O arguido HH tanto angariou directamente mutuários/fiadores, como teve a colaboração de outros indivíduos para o efeito, designadamente o arguido LL, que, por alturas do verão do ano de 1996, lhe angariou, pelo menos, seis “mutuários” e “fiadores”.
37º Para esse efeito a AA, por intermédio do FF, suportou, pelos menos, o custo de uma viagem de avião Ponta Delgada Lisboa Funchal Lisboa Ponta Delgada, com estadias e alimentação, por ocasião de uma entrega de quantias em dinheiro que o FF foi fazer à AA na cidade de Funchal.
38º O arguido II tanto angariou directamente mutuários/fiadores, como teve a colaboração de outros indivíduos pagando habitualmente 5.000$00 a cada pessoa que assinasse os impressos em branco e lhe facultasse os respectivos documentos pessoais para o efeito.
39º O arguido e seu irmão LL, em data posterior a Janeiro de 1997, indicou-lhe, pelo menos, 4 pessoas.
40º O Paulo Fortuna assinou, a pedido do HH e do II, dois contratos da natureza dos já referidos na qualidade de mutuário, mais concretamente os contratos datados de 03.09.1996 e 24.09.1996, nos montantes de 2.500.000$00 e 2.400.000$00, respectivamente, em que aparece como fiadora MM.
41º A AA havia convencido o DD que conseguiria obter uma carta de crédito de um banco estrangeiro através da qual seria possível liquidar a totalidade da dívida relacionada com os contratos de empréstimo.
42º Entretanto, o DD procedia à rotação de créditos, para ocultar a falta de liquidação dos empréstimos em causa e, dessa forma, obstar a que a C. G. D. accionasse os mecanismos da liquidação coerciva contra as pessoas que neles constavam como mutuárias.
43º A AA obteve da Caixa Geral de Depósitos, a quantia de, pelo menos, 64.140.000$00, montantes titulados pelos contratos abaixo discriminados.
44º Em escrito padronizado da Caixa Geral de Depósitos, com as datas e montantes nos mesmos referenciadas, onde a C.G.D surge como mutuante e como mutuários e fiadores os a seguir identificados, respeitante à linha de crédito para aquisição e recria de novilhas, foram celebrados os seguintes contratos:
45º EE, em 25.11.1996, no montante de 2.500.000$00, apresentando como fiador NN, irmão daquele.
46º O EE foi abordado junto ao respectivo local de trabalho por OO, por incumbência do arguido II, que lhe prometeu 10.000$00 para assinar os impressos, assegurando-lhe que tal não lhe traria qualquer problema.
Obtida a anuência do mutuário, o referido indivíduo conduziu-o até um veículo azul estacionado nas proximidades, pertencente ao referido OO, onde se encontrava o arguido II e onde acabou também por assinar os impressos relativos ao contrato em causa, por preencher e entregar os respectivos documentos pessoais, que lhe foram devolvidos algum tempo depois.
Quanto ao fiador, assinou em tal qualidade a pedido do irmão, o aqui mutuário, deslocando-se a Vila Franca do Campo para reconhecer a respectiva assinatura no Cartório Notarial local, tendo recebido do arguido II a importância de 10.000$00 como forma de pagamento pela respectiva disponibilidade.
47º PP, em 20.08.1996 e 27.08.1996, nos montantes de 2.500.000$00 e 2.400.000$00, respectivamente, apresentando como fiador QQ.
O mutuário assinou os impressos relativos a tal empréstimo depois de ter sido abordado por um tal "Tony", que, com o pretexto de que lhe iria arranjar emprego como pintor para trabalhar na ilha da Madeira, o conduziu ao Centro Comercial ".....", em Ponta Delgada, onde o apresentou a um outro indivíduo que lhe disse pertencer a uma firma de construção civil a operar na ilha da Madeira e que estava a recrutar pessoal para ir trabalhar para lá.
Ficou então acordado novo encontro no mesmo local para o dia seguinte, tendo o mutuário deixado logo com o referido indivíduo os seus documentos pessoais, apresentando-se com o "......." no local no dia seguinte ao referido indivíduo, que estava acompanhado do arguido FF, que os transportou ao Cartório Notarial de Vila Franca do Campo, onde o mutuário assinou vários impressos no convencimento de que os mesmos estavam relacionados com o prometido contrato de trabalho, o mesmo acontecendo, aliás, em relação ao referido "......”, tendo recebido nessa altura os seus documentos de volta.
O mutuário nunca residiu na morada constante dos contratos, nem sequer conhece a pessoa nele indicada como fiador.
A AA pagou ao mutuário 5.000$00 pelo "meio dia de trabalho que perdeu".
48º JJ, em 12.12.1996, no montante de 2.500.000$00, apresentando como fiador RRl.
O mutuário assinou os impressos relativos a este empréstimo depois de o SS, por incumbência do FF, ter ido ao seu encontro pedindo-lhe para assinar tais impressos a troco de 5.000$00.
O arguido QQ explicou ao mutuário que tais documentos "serviriam para levantar dinheiro a uma velhinha" e entregou-lhe a quantia mencionada.
O mutuário nunca morou no domicílio indicado no contrato e não conhece a pessoa nele indicada como fiadora.
49º TT, em 15.01.1997, no montante de 2.400.000$00, apresentando como fiador UU.
O mutuário foi contactado por OO, por incumbência do II, numa altura em que o mutuário andava a trabalhar no arranjo das bermas da estrada por conta da Junta de Freguesia de Covoada. Então, o Dinarte pediu ao mutuário e a alguns colegas de trabalho para se dirigirem a uma viatura onde se encontrava o arguido II, acompanhado de outro indivíduo que não foi possível identificar dizendo-lhes que o mesmo queria falar com eles e propor-lhes um bom negócio, para o que teriam de assinar apenas alguns papéis.
Depois de uma conversa com o mutuário, o arguido II convenceu-o a assinar os referidos impressos a troco do pagamento da importância de 5.000$00.
Na altura foi-lhe pedido o cartão de empresário, que lhe foi devolvido momentos depois.
Não conhece a pessoa que é indicada em tal contrato como fiadora.
50º KK, em 07.10.1996 e 22.10.1996, nos montantes de 2.500.000$00 e 2.400.000$00, respectivamente, apresentando como fiador VV.
O mutuário assinou os impressos relativos a este empréstimo a pedido do arguido FF, quando este lhe foi apresentado por colegas seus no interior do "Solar Açoreano".
Após tal apresentação, dirigiram-se à C. G. D. de Vila Franca do Campo, onde assinou os impressos.
Exibiu na altura os respectivos documentos pessoais, que lhes foram devolvidos na mesma ocasião.
O mutuário nunca morou no domicílio indicado nos contratos em causa.
51º XX, em 09.04.1997, no montante de 2.470.000$00, apresentando como fiador ZZ.
O mutuário assinou os impressos relativos ao contrato em causa a pedido de OO e do arguido II quando andava a trabalhar nas obras do novo Hospital de Ponta Delgada. Então, o OO e o II, dizendo que andavam a trabalhar para o Governo Regional, pediram ao mutuário que assinasse os referidos impressos, por preencher, e lhes facultasse os documentos pessoais respectivos tendo em vista a abertura de um jardim infantil, oferecendo-lhe a quantia de 5.000$00 como compensação.
Porque mutuário não tinha consigo os respectivos documentos, o OO e o II conduziram-no a casa, onde aquele lhes fez entrega dos mesmos, os quais lhe foram devolvidos posteriormente, tendo, então, recebido os prometidos 5.000$00.
O mutuário nunca residiu no domicílio indicado em tal contrato e não conhece a pessoa que nele figura como fiador.
52º AAA, em 30.07.1996 e 02.08.1996, no montante de 2.500.000$00 cada um, apresentando como fiador BBB.
A mutuária assinou os impressos relativos a tais empréstimos na Agência da C. G. D. de Vila Franca do Campo, assinando impressos em branco que ali lhe foram presentes pelo arguido DD para o efeito.
A mutuária foi ali mandada comparecer pela arguida AA com o argumento de que iria apenas assinar os papéis necessários para abrir uma conta onde iriam passar a ser depositados os seus ordenados, dado que na altura era empregada da referida arguida AA no Instituto de Línguas de Ponta Delgada.
A mutuária não conhece a pessoa que surge em tal contrato como fiador.
A morada constante dos impressos em causa era a morada de solteira da mutuária.
53º CCC em 06.12.1996, no montante de 2.500.000$00, apresentando como fiador DDD.
O mutuário assinou os impressos relativos a tal empréstimo no Café ... em Vila Franca do Campo, após várias insistências do aqui fiador DDD seu vizinho, e também do arguido FF, onde este último, depois de lhe pagar "uns copos", lhe fez crer que os papéis, que assinou por preencher, se destinavam "a ajudar uma velhinha que precisava de assinaturas", tendo-lhe oferecido depois a quantia de 5.000$00.
O mutuário nunca residiu na morada constante do contrato.
54º EEE e mulher FFF, em 04.10.1996 e 10.10.1996, nos montantes de, respectivamente, 2.500.000$00 e 2.400.000$00, apresentando como fiador GGG.
O mutuário foi contactado pelo arguido FF, no estabelecimento de café restaurante "Solar Açoreano", onde aquele trabalhava, tendo o arguido dito que a assinatura de tais impressos se destinava a ajudar a abrir uma escola.
Face à dificuldade com que se deparou, nomeadamente para convencer a mutuária mulher a assinar os impressos, o arguido em questão acabou por os conduzir às instalações da C. G. D. de Vila Franca do Campo.
Ali chegados, o arguido GG dirigiu-se para o gabinete do arguido DD, tendo o casal ficado à espera cerca de 15 minutos.
Volvido este tempo, o GG saiu do referido gabinete e mandou entrar o aludido casal, apresentando-o ao DD, que lhes disse que poderiam assinar os papéis, porquanto isso não lhes iria acarretar quaisquer problemas.
Perante isso, os mutuários acabaram por assinar os impressos por preencher e facultaram os seus documentos pessoais ao próprio DD, que de imediato os fotocopiou e devolveu.
Seguidamente, o arguido HH entregou a importância de 5.000$00 a cada um dos elementos do casal
Os mutuários nunca residiram na morada indicada no contrato e não conhecem a pessoa indicada como fiadora.
55º HHH, em 05.07.1996 e 16.07.1996, nos montantes de 2.500.000$00 e 2.410.000$00, respectivamente, apresentando como fiador III.
O mutuário assinou os impressos relativos a tais empréstimos a pedido de MB, a pretexto de que tais papéis se destinavam a solucionar um problema fiscal relacionado com a sua embarcação.
O mutuário foi então conduzido por tal indivíduo à C. G. D. de Vila Franca, onde também se encontrava o indivíduo que aparece como fiador nos aludidos contratos e o arguido DD, tendo assinado os impressos por preencher e facultado os seus documentos pessoais para que lhe fossem tiradas fotocópias na altura.
O mutuário nunca residiu na morada constante de tal contrato.
56º JJJ, em 03.10.1996 e 16.10.1996, nos montantes de 2.500.000$00 e 2.400.000$00, respectivamente, apresentando como fiador KKK.
O mutuário foi contactado pelo arguido HH na própria residência, em Ponta Delgada, que lhe prometeu 5.000$00 para assinar uns papéis para ajudar a abrir uma escola de línguas.
O referido arguido transportou então o mutuário até Vila Franca do Campo no seu próprio veículo, tendo-o acompanhado depois ao gabinete do arguido DD na C. G. D., onde este lhe deu uma quantidade de impressos para assinar em branco, indicando-lhe os locais onde o deveria fazer.
Quando, após os ter assinado, o ofendido pretendeu ler o conteúdo de tais impressos, o arguido B disse-lhe que não valia a pena fazê-lo, pois eram "coisas sem importância".
Seguidamente entregou os seus documentos pessoais ao mesmo arguido B., que os fotocopiou de imediato, devolvendo no mesmo momento os originais ao ofendido.
O mutuário, que na altura tinha apenas 17 anos de idade, regressou de seguida a Ponta Delgada com o arguido HH, na viatura deste, que lhe entregou a prometida quantia de 5.000$00.
O mutuário nunca morou na residência constante dos contratos e não conhece a pessoa ali identificada como sendo o fiador.
57º LLL, em 12.02.1997, no montante de 2.460.000$00, apresentando como fiador MMM.
O mutuário assinou os impressos relativos ao empréstimo em causa a pedido do arguido FF, depois de ter sido encaminhado para o mesmo através de um seu amigo chamado DDD tendo recebido do primeiro a quantia de 5.000$00 e tendo sido informado pelo mesmo que os impressos que assinava tinham por finalidade mandar vir dinheiro do estrangeiro.
O mutuário nunca morou na residência indicada no contrato e não conhecia a pessoa que aparece como fiadora no mesmo.
58º NNN, em 18.03.1997, no montante de 2.400.000$00, apresentando como fiador OOO.
Os impressos relativos a tal empréstimo foram assinados pelo mutuário a pedido do arguido II, seu conhecido desde os tempos da tropa, a troco da quantia de 5.000$00 ou 10.000$00, quando o mesmo apareceu acompanhado de mais dois indivíduos, junto de si na firma "Valux", onde trabalhava na altura, com o pretexto de que tais assinaturas se destinavam à constituição de uma firma por parte do mesmo, para o que necessitava de obter um empréstimo,
A solicitação do II, o mutuário facultou-lhe os respectivos documentos pessoais, dos quais extraiu fotocópias.
O mutuário nunca residiu na morada constante de tal contrato e não conhece sequer a pessoa mencionada no mesmo como sendo fiador.
59º PPP em 23.12.1996, no montante de 2.500.000$00, apresentando como fiador o próprio arguidoHH
O mutuário assinou os impressos relativos a tal empréstimo, a pedido do arguido HH depois de haver sido levado à presença do mesmo por um seu amigo chamado MJ no café "D....." desta vila, tendo para o efeito assinado impressos por preencher e feito entrega dos respectivos documentos, com o pretexto de que lhe viria a ser garantido um emprego na firma de uma senhora que necessitava de transferir dinheiro do estrangeiro para esta ilha para aqui abrir uma firma, sendo esse o objectivo da sua colaboração.
Os documentos do ofendido foram-lhe devolvidos no dia seguinte pelo referido MJ.
O mutuário nunca residiu na morada constante do contrato.
60º QQQ, em 26.11.96, no montante de 2.450.000$00, apresentando como fiador BB.
61ºRRR em 24.09.1996 e 27.09.1996, nos montantes de 2.500.000$00 e 2.400.000$00, respectivamente, apresentando como fiador DDD.
O referido mutuário assinou os impressos relativos ao empréstimo em causa a pedido do arguido HH, com o pretexto de que se destinavam a permitir-lhe "movimentar uns dinheiros", mas que isso não lhe acarretaria qualquer problema.
O referido HH conduziu o mutuário ao gabinete do arguido DD na agência de Vila Franca do Campo da C. G. D., onde foram fotocopiados todos os documentos do mutuário, tendo-lhe sido devolvidos os originais.
O mutuário nunca residiu na morada constante dos impressos em causa e não conhecia a pessoa que nele ficou a constar como fiadora do mesmo.
62º SSS e mulher FF, aqui arguida, em 11.06.1996 e 20.06.1996, no montante de 2.500.000$00 cada uma, apresentando como fiadores TTT e UUU. Este empréstimo reverteu para AA, depois de a FF ter recebido do DD impressos em branco, a mando da AA, para quem trabalhava.
63º VVV, em 30.12.1996, no montante de 2.500.000$00, apresentando como fiador DDD.
Inicialmente o mutuário foi abordado pelo aqui fiador DDD, o qual lhe pediu os respectivos documentos pessoais para auxiliar uns amigos seus em dificuldade.
Facultados tais documentos, o referido DD regressou junto do mutuário cerca de duas horas depois, agora acompanhado pelo arguido HH e outro indivíduo não identificado, tendo o referido arguido dado ao mutuário diversos impressos por preencher, relativos ao contrato em causa, para que ele os assinasse, com o pretexto de que tais assinaturas se destinavam a permitir o levantamento de dinheiro do estrangeiro e entregando-lhe depois 6.000$00 como recompensa.
O DDD assinou tal contrato na qualidade de fiador.
O DDD não sabe ler nem escrever.
Os mutuários nunca residiram na morada constante de tal contrato.
64º XXX, em 02.08.1996 e 08.08.1996, nos montantes de 2.500.000$00 e 2.400.000$00, apresentando como fiadores ZZZ e AAAA, respectivamente.
65º BBBB, em 11.12.1996, no montante de 2.500.000$00, apresentando como fiador RR.
O mutuário assinou os impressos relativos a este empréstimo a pedido do arguido HH no interior do veículo automóvel deste, com o pretexto de se destinarem a permitir o levantamento de dinheiro no estrangeiro, assinando diversos impressos por preencher e facultando-lhe os respectivos documentos pessoais, recebendo depois a quantia de 5.000$00 como forma de compensação.
O mutuário foi apresentado ao arguido por DDD.
O mutuário nunca morou no domicílio constante de tal contrato e não conhecia a pessoa nele mencionada como fiador.
66º A arguida não tem antecedentes criminais.
67º À Caixa Geral de Depósitos não foram restituídos 64.140.000$00 relativos a empréstimos fictícios que comprovadamente resultaram de títulos forjados com a conivência da arguida”.

III – A PENA APLICADA

Extrai-se do acórdão recorrido a seguinte passagem que ilustra o processo de determinação das penas concretas encontradas:

“No presente caso, consideram-se relevantes para a determinação concreta da pena a aplicar à arguida as circunstâncias que seguidamente se enumeram, não se esquecendo que algumas delas foram já consideradas no tipo de crime agravado ou na opção pela pena prisão:
Forma de actuação
Reiteração da conduta e sua extensão por largo período
Valores muito elevados em causa
Actuação concertada que colocou em perigo o equilíbrio financeiro de muitas pessoas
Condição socio-económica da arguida
Ausência de antecedentes criminais
Longo tempo decorrido desde a prática dos factos”.

IV – APRECIAÇÃO

É hoje entendimento uniforme deste S.T.J., bem como da doutrina, que a escolha e medida da pena constituem tarefas cuja sindicabilidade se tem que assegurar, o que reclama que o julgador tenha em conta nessas tarefas a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas, numa aplicação do direito autêntica, e não num exercício do que possa ser apelidado, simplesmente, de “arte de julgar”. Tal não impede que, em sede de recurso de revista para este S.T.J., a controlabilidade da determinação da pena deva sofrer limites.
Assim, podem ser apreciadas “a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais” (…) “E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. Já tem considerado, por outro lado, este Supremo Tribunal de Justiça e a Doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada” (do Ac. deste S.T.J. e 5ª Secção, de 13/12/07, Pº 3292/07, relatado pelo Cons. Simas Santos. Cfr. também Figueiredo Dias in “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 197).

Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta.

Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no artº 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, quando tiver lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido. Quando pois o artº 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele artº 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:

A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. Idem pág. 229).

Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir.

O nº 2 do artº 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

Importa ainda ter em consideração que a arguida praticou cada um dos crimes por que foi condenada na forma continuada. Assim sendo, é de atender a que, de acordo com o artº 79º nº 1 do C.P., “O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação”.
No crime continuado, a diminuição da culpa relativa à reiteração criminosa, já foi levada em conta pelo legislador, quando retirou a situação global do tratamento próprio do concurso de crimes. Ora, nos limites da culpa suportável pela conduta mais grave, os factos relativos às outras condutas devem ser ponderados para a punição, sob pena de a punição do crime continuado não se distinguir, em nada, da punição dum único crime, assente numa conduta singular. Com o que se ignoraria a lesão sucessivamente aumentada dos bens jurídicos violados, aqui o património e credibilidade dos documentos.
Significa então que deve vigorar, no caso, um princípio de exasperação, e não de absorção. Como refere Figueiredo Dias, “Nada impede, pois, que se valore a pluralidade de actos, se disso for caso, face ao limite da culpa e às exigências da prevenção, como factores de agravação” ( in ob. cit. pag. 296).
Isto dito, regressemos ao caso dos autos.
Desde pelo menos Abril de 1996 até Outubro de 1997, envolvendo dezenas de “contratantes” e “fiadores”, a arguida desenvolveu a actividade dada por provada, causando um prejuízo patrimonial global de 64 140 000$00 (319 928,97 €). A ilicitude da conduta é elevada, já que os montantes envolvidos, excedem em muito, o necessário para a qualificação, isto no que respeita ao crime de burla continuada. A culpa é intensa dada a reiteração do comportamento assumido, com dolo directo.

Segundo o acórdão recorrido, acresce que a arguida actuou em conluio com outros e ”colocou em perigo o equilíbrio financeiro de muitas pessoas”.

A confissão parcial dos factos não se mostra de grande relevo, nem existem sinais de arrependimento. A ausência de antecedentes criminais e a condição sócio-económica da arguida tão pouco podem ser tidas por factores atenuativos de monta. E, quanto ao tempo decorrido, desde a prática dos factos, ele ficou a dever-se, em boa parte, às vicissitudes do processo extradicional, já que, tendo-se ausentado a arguida para o Canadá, não pode ser julgada mais cedo, com os restantes arguidos, também envolvidos nos factos.

A prevenção geral positiva reclama, no caso, que a pena não desça de uma medida próxima do meio das molduras, sob pena de se gorar qualquer propósito, de manutenção de confiança no sistema, por parte da população. De notar que a criação de uma linha de crédito agrícola, pela instituição bancária envolvida, funcionando como incentivo à produção pecuária, com a importância que isso tem numa economia como a açoriana, é de louvar, e não pode ficar à mercê de condutas altamente prejudiciais como as que a arguida desenvolveu.

Não se vêm necessidades prementes de prevenção especial, e por isso será aquela “medida média” a nortear as penas parcelares a aplicar, sem que se veja razão suficiente, neste modo de proceder, para distinguir entre a burla e a falsificação. A isto teremos que acrescentar a ideia atrás aflorada de se estar perante insistentes continuações criminosas, que reclamam algum efeito agravativo, para efeitos de medida da pena da conduta mais grave que integra a continuação, sempre obviamente balizada pela culpa.

Daí que se tenha por justa uma pena de cinco anos e seis meses de prisão, no tocante ao crime de burla continuada qualificada, e de um ano e oito meses de prisão, no tocante ao crime de falsificação, cometido também na forma continuada.

Importa agora ver qual a pena a aplicar em cúmulo

O comando do artº 77º, nº 1, do C.P. manda considerar, na medida da pena única a aplicar, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente ( exigências de prevenção especial de socialização).” (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 291).

É patente que, no caso dos autos, o efeito de agravação da pena parcelar mais alta se mostra reduzido, por a burla e a falsificação, sem entrarem em concurso tão só aparente, estarem aqui, apesar de tudo, intrinsecamente associadas, e a reiteração da conduta, por parte da arguida, já estar absorvida pela consideração dos crimes, como continuados.

A pena parcelar mais alta em que a arguida fica condenada é de cinco anos e seis meses de prisão e fixa o limite mínimo da moldura agora a utilizar, sendo o limite máximo marcado pela soma das parcelares, ou seja, sete anos e dois meses (nº 2 do artº 77º do C.P.). Por tudo o que já se disse entende-se que a pena correcta a aplicar em cúmulo se situa nos seis anos de prisão.

Importa, no entanto, continuar a ter em conta o perdão de um ano de prisão, de que a arguida beneficiaria em princípio, de acordo com o nº1 do artº 1º da Lei nº 29/99 de 12 de Maio, no tocante ao crime de falsificação. Na verdade, a al. e) do nº 2 do artº 2º da Lei 29/99 de 12 de Maio refere que não beneficiam do perdão por si concedido, os condenados por crime de burla cometido através de falsificação. No entanto, a arguida foi condenada em concurso efectivo pelo crime de falsificação. E este crime não está incluído no elenco que a lei quis excluir do perdão. É claro que se a condenação tivesse sido pelos crimes de burla e falsificação, em concurso aparente, o perdão não se aplicaria. Mas quando a lei diz que não beneficiam do perdão os condenados pela prática do crime de burla, cometido através de falsificação, está a referir-se ao tipo legal de crime burla, desde que cometido de determinado modo, e a mais nenhum.

Daí que se não possa impedir que em relação a outras condenações, por outros crimes, o perdão actue. Claro que nestes autos as condenações foram concomitantes, mas essa será uma circunstância irrelevante.

Isto mesmo resulta explicitamente do nº 3 do artº 2º da Lei citada quando diz que “A exclusão do perdão prevista no nº 1 e 2 não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo anterior em relação a outros crimes cometidos, devendo, para o efeito, proceder-se a adequado cúmulo jurídico”.

Acresce que, segundo o nº 4 do artº 1º da mesma Lei, “Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única (…)”, o que nos vai colocar ainda outra questão.

Aplicado o perdão de um ano à pena de seis anos de prisão, a arguida ficaria a ter que cumprir cinco anos de prisão, mas se tivesse sido absolvida do crime de falsificação, teria que cumprir a pena aplicada à burla, ou seja, de cinco anos e seis meses de prisão, por não haver lugar a qualquer perdão. A solução para a incongruência (punindo-se a arguida por mais um crime a pena a cumprir é inferior), só pode ser a de se limitar o perdão, pelo acréscimo de pena que, em cúmulo, se soma à pena parcelar mais alta. Segue-se assim, aliás, a jurisprudência plasmada no Acórdão desta 5ª Secção, de 18/10/2007, segundo a qual, “Para proceder ao cúmulo jurídico de penas em concurso de infracções quando só algumas beneficiam de perdão, há que seguir estes passos:1.° Efectua-se o cúmulo jurídico de todas as penas em concurso, independentemente de alguma delas beneficiarem de perdão e, assim, obtém-se a pena única; 2.° Calcula-se o perdão, após se ficcionar um cúmulo jurídico parcelar das penas que por ele estão abrangidas; 3.° Faz-se incidir o perdão assim calculado sobre a pena única inicial, mas o perdão tem como limite máximo a soma das parcelas das penas “perdoáveis”, tal como encontradas na operação de cálculo dessa pena única inicial.” (Pº 2691/07-5 relatado pelo Cons. Santos Carvalho).

No caso vertente, a pena de cinco anos e seis meses de prisão correspondente ao crime de burla qualificada, é exasperada para seis anos, em virtude do concurso com o crime de falsificação. Assim sendo, o perdão que caberia a este crime, e que tem que se aplicar ao cúmulo por força da lei, deixará de ser de um ano e ficará limitado a seis meses.

Acresce que a arguida foi condenada em indemnização a pagar à lesada pelo que o perdão em causa fica condicionado por tal pagamento em noventa dias contados a partir da notificação da presente decisão, tudo nos termos do artº 5º nºs 1 e 2 , da Lei 29/99 de 12 de Maio.

V – DECISÃO

Tudo visto e ponderado se acorda neste Supremo Tribunal de Justiça e 5ª Secção em:

Conceder parcial provimento ao recurso interposto, condenando-se a arguida:
· Pela prática de um crime continuado de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 30º nº 2, 79º, 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. a), 202º, al. b), do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão;
· Como autora material de um crime continuado de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 30º nº 2, 79º, 256º, nº 1, com referência ao artigo 255º, al. a), todos do Código Penal, na pena de um ano e oito meses de prisão.
· Em cúmulo, a arguida é condenada na pena única de seis anos de prisão. Beneficia do perdão de seis meses de prisão, pelas razões constantes do acórdão, a descontar na pena conjunta de seis anos, nos termos do disposto nos artigos 1º nº 1 e 4, 2º nº 2 al. a) e 3, todos da Lei 29/99, de 12 de Maio, e sob a condição resolutiva do pagamento da indemnização em que foi condenada, nos termos do artº 5º deste Lei.
Sem custas


Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Maio de 2008

Souto Moura (relator) **
António Colaço