Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5544/11.6TAVNG.P2.S1-A
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CELSO MANATA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência exige, designadamente, que, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, exista oposição de julgados;
II - Tendo o recurso que deu origem ao acórdão recorrido centrado a sua motivação na questão de se saber se, estando o arguido devidamente notificado, a causa de suspensão prevista no art. 120.º, n.º 1, al. b), do CP se lhe aplica, questão à qual aquele acórdão respondeu afirmativamente, acrescentado que essa suspensão não pode ultrapassar o prazo máximo de 3 anos , in casu, já transcorridos; e o acórdão fundamento decidido que a causa de suspensão retro mencionada cessa com a prolação do despacho de abertura da instrução, não existe identidade das questões apreciadas.
III - Com efeito, o acórdão recorrido não foi confrontado com a questão e, por isso, não se pronunciou expressamente sobre se a prolação de despacho de abertura de instrução faz cessar, ou não, o aludido prazo de suspensão da prescrição do procedimento criminal;
IV - Não havendo expressa oposição de julgados o recurso tem de ser rejeitado.
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO


Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


A - Relatório


A.1. A condenação


AA, arguido e ora recorrente, foi condenado, através de acórdão proferido a 12 de outubro de 2017 pelo Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, pela prática dos crimes a seguir referenciados e nas penas que se passam a indicar:

• Um crime de burla tributária, previsto e punível pelo artigo 87º, nsº1 e 3 do Regulamento Geral das Infrações Tributárias (aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho e doravante designado por “RGIT”), com referência ao artigo 202º, al. b) do Código Penal ex vi da al. d) do artigo 11º do RGIT, na pena de 4 anos de prisão;

• Um crime de burla tributária, previsto e punível pelo artigo 87º, nsº1 e 3 do RGIT, com referência ao artigo 202º, al. b) do Código Penal ex vi da al. d) do artigo 11º do RGIT, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão;

• Em cúmulo jurídico ficou condenado na pena única de 5 anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período, com sujeição a regime de prova e na condição de pagar ao Estado, no prazo de 4 anos, a quantia de €49.751,56.


Inconformado com essa decisão dela recorreu para o Tribunal da Relação do Porto o Ministério Público, sendo que, por acórdão proferido a 10 de março de 2021, tal recurso mereceu provimento ficando o recorrente condenado pela prática dos crimes a seguir referenciados e nas penas que se passam a indicar:

• Um crime de burla tributária especialmente qualificada, previsto e punível pelo artigo 87º, nsº1 e 3 do RGIT, na pena de 4 anos de prisão;

• Um crime de burla tributária especialmente qualificada, previsto e punível pelo artigo 87º, nsº1 e 3 do RGIT, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão;

• Um crime de burla tributária simples, previsto e punível pelo artigo 87º, nº 1 do RGIT, na pena de 9 meses de prisão

• Em cúmulo jurídico ficou condenado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão.


Não concordando com esta decisão dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 17 de fevereiro de 2022, lhe concedeu provimento parcial ao recurso, no que se referia à pena única, que passou a ser de 5 anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período, com sujeição a regime de prova e na condição de pagar ao Estado, no prazo de 5 anos, a quantia de €49.751,56., em prestações mensais de €9.950,31.


A.2. O Recurso de fixação de jurisprudência


Continuando inconformada com a aludida condenação, vem agora a arguida interpor recurso de fixação de jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça, “ao abrigo do disposto no s art.ºs 437º, nº 2 (que remete para o nº1), 3,4 e 5, 438º, n.º 1 e 2, todos do Código de Processo Penal”.


O Recorrente fundamenta o recurso nos termos seguintes (transcrição parcial)


“QUANTO À OPOSIÇÃO DE JULGADOS NA QUESTÃO DE DIREITO


11. No nosso acórdão de 17.02.2022, transitado em Julho, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que, no que diz respeito à contagem dos prazos de prescrição (art.º 120.º do Código Penal) como se pode constatar a fls. 544 e 545 ficou decidido que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da acusação sem que possa ultrapassar os 3 anos, e na contagem efectuada no ponto n.º 7 a folhas 545 referiu-se expressamente que a contagem do prazo de prescrição para um crime de burla agravada é de 10 anos mais 5 anos e ainda mais 3 anos, perfazendo-se 18 anos.


12. Sucede que, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no processo n.º 0741311, datado de 06.06.2007, do Relator Cravo Roxo, decidiu-se que a contagem sobre a suspensão do procedimento criminal quando iniciada com a notificação da acusação termina com a abertura de instrução ou com a notificação do despacho que designa o dia para julgamento.


13. O que significa que entre um acórdão e o outro há uma clara oposição na mesma questão de direito, questão de direito que consiste em saber qual das interpretações do direito se encontra correcta ou mais conforme ao direito. Ou seja, saber se o procedimento criminal se suspende com a notificação da acusação, essa suspensão dos prazos de prescrição termina ou não antes dos 3 anos e/ou se termina com a abertura de instrução e/ou com a data de designação para julgamento.


14. Até hoje, contamos 15 anos desde 2007 e ainda não existe um A.U.J. do Supremo Tribunal de Justiça que tenha vindo unificar a jurisprudência.


15. Uma vez que se encontram ainda imensos processos-crime em curso por factos anteriores à lei penal de 2013 (que criou novos marcos históricos de suspensão do procedimento criminal e modificou e acrescentou razões de novas suspensões dos prazos de prescrição, como por exemplo a suspensão do prazo de prescrição com a notificação do acórdão de condenação proferido em 1.ª Instância, apenas para processos iniciados após 2013), no nosso caso não há alterações legislativas com impacto directo ou indirecto nos acórdãos em confronto, encontrando-se reunidas as condições para serem proferidas Alegações para fixação de jurisprudência.


16. O condenado AA apresenta o presente recurso de fixação de jurisprudência por entender que o seu acórdão está em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto datado de 06.06.2007, do Relator Cravo Roxo, acórdão que se encontra publicado no site www.dgsi.pt, através do seguinte atalho:


http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/0ed4cebde3135078802572f7004ca966?OpenDocument.


17. A Jurisprudência do S.T.J. já definiu que, quando se suscita um recurso de fixação de jurisprudência o condenado não tem que indicar, no primeiro impulso processual, o sentido da jurisprudência a ser fixada.”


Finalmente, porque o recorrente sustenta o seu entendimento, repetidas vezes, no voto de vencido consignado pela Juíza Desembargadora Maria Teresa Coimbra no acórdão proferido a 29 de abril de 2019, no Proc. 570/09.8TAVNF-G.G1, do Tribunal da Relação de Guimarães, passamos a transcrever o seu teor (transcrição parcial):


(…)


“Voto vencida por entender que o procedimento criminal imputado ao arguido prescreveu em 03/01/2018, como deixei dito na decisão sumária que precedeu o presente acórdão e que retomo no voto que agora expresso, com os fundamentos que a seguir exponho.


(…)


É na expressão “estiver pendente” que se concentra a controvérsia. A generalidade da jurisprudência interpreta tal expressão dando-lhe o sentido comum, literal, da linguagem não jurídica. Pendente é interpretado como algo que se mantém no tempo. E nesta conformidade, mantendo-se o processo como, literal e obviamente, se mantém após a acusação, a contagem do tempo pararia durante 3 (três) anos. Só que tal interpretação olvida completamente o que deve entender-se por causa da suspensão. Causa da suspensão, já o vimos, é o obstáculo que impede o procedimento de continuar (“uma vez eliminado o obstáculo, o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr” -F. Dias ob cit § 1149, página 711).


(Para melhor se perceber este entendimento veja-se o tipo de obstáculos que estão previstos nas demais alínea desse artigo 120º do Código Penal: o procedimento criminal não poder iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; vigorar a declaração da contumácia; a sentença não poder ser notificada ao arguido julgado na ausência; o delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas de liberdade).


Cessado o obstáculo, isto é, a causa de suspensão, diz o nº 3 do artigo 120º, do Código Penal - recomeça a contagem.


É evidente que não se ignora a razão pela qual o entendimento de acrescentar 3 (três) anos aos prazos previstos de prescrição do procedimento criminal tem sido adotado: a morosidade dos processos. Mas o prazo de prescrição fixado pelo legislador não pode ser usado para fazer face aos esquecimentos dos processos nas “secretarias sem serem levados ao conhecimento do individuo” (cfr. Atas e Projeto da Comissão de Revisão do Código Penal, Ministério da Justiça, 1993, 107).


Ora, nos presentes autos, após a notificação acusação, não ocorreu nenhum obstáculo que impedisse o processo de prosseguir. Os autos continuaram com a abertura de instrução, depois com a remessa para julgamento após decisão instrutória e depois com a prolação de acórdão. Não há, pois, motivo para considerar, como resulta do despacho recorrido, que o processo teve um obstáculo e por isso ficou parado durante 3 (três) anos (maxime a partir de fevereiro de 2010) e só depois se retomou a contagem.


Interpretar a lei de outro modo, interpretação que, obviamente, se respeita mas da qual se discorda, é esquecer a verdadeira noção da causa de suspensão – algo que impede o processo de prosseguir (“obstáculo”). Ora, se o processo se desenvolve, não se percebe onde está o “obstáculo” que possa ser identificado como causa de suspensão. É que importa não esquecer que a notificação da acusação é causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal (art. 121 nº 1 b) do CPP).


Veja-se, aliás, o exemplo dado pelo Senhor Professor Figueiredo Dias a propósito de como interpretar a suspensão da prescrição do procedimento criminal após a notificação da acusação (Ata nº11 de 16/06/89, ob cit, 107): “Um indivíduo foi acusado e considerado notificado. Tal facto origina a interrupção. Só que ele encontra-se no estrangeiro e não vem ao país. Então como o processo está pendente, o prazo suspende-se pelo período de 3 anos, findo o qual continuará a correr (...)”. Se colocarmos estas afirmações na realidade processual do tempo (só a partir da revisão do Código de Processo Penal operada pelo DL 59/98 de 20/09 e, posteriormente, pelo DL 320-C/2000 de 15/12, se passaram a realizar julgamentos na ausência do arguido, com os contornos permitidos após a revisão constitucional de 1997) – facilmente verificamos que a “pendência” a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 120º do Código Penal pressupõe que o processo não corra por estar impedido de seguir os seus normais e ulteriores termos. E não se afigura correto afirmar que o exemplo dado pelo eminente Professor apenas serve para as situações de contumácia, porque ele distingue claramente as duas realidades ao acrescentar “sendo contumaz, a suspensão permanece”.


(…)


Em face do exposto declararia prescrito o procedimento criminal desde 03/01/2018.


Guimarães, 29/04/2019


Maria Teresa Coimbra””


A.3. O parecer do Ministério Público


Neste Alto Tribunal o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto juntou circunstanciado parecer, no qual conclui pela improcedência do recurso, nos termos adiante expostos (transcrição parcial):


“Como acima ficou dito, no recurso de fixação de jurisprudência, um dos requisitos substanciais é a oposição expressa de julgamento relativamente à mesma questão de direito.


Ora, como vimos, no caso do acórdão recorrido, nas alegações, o arguido entendeu «que a expressão contida na al. b) do n.º 1 do art.º 120.º do C.P. quando preceitua que “o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação” significa que, quando a acusação é proferida e ocorre alguma anomalia na efectivação dessa notificação, ficando, portanto, pendente (por exemplo por não se encontrar o arguido para o notificar), isso importa uma suspensão, que se iniciará com a data em que o M.P. deduz a acusação e cessará quando o arguido notificado da mesma, deixando de estar pendente o procedimento criminal por falta de notificação dessa mesma acusação deduzida.»


No caso, a questão que se colocou – e decidiu - foi, pois, a de saber se, estando o arguido devidamente notificado da acusação, a causa de suspensão do procedimento criminal, prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, se lhe aplicava.


O acórdão recorrido decidiu que, mesmo tendo o arguido sido notificado da acusação, ocorreu tal causa de suspensão do procedimento criminal.


No acórdão fundamento, o objecto do recurso era saber se a causa de suspensão prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal termina com a abertura da instrução ou se, mesmo havendo lugar à instrução, tal causa de suspensão se mantém (com o limite de 3 anos).


O acórdão fundamento decidiu a suspensão do procedimento criminal iniciada com a notificação da acusação, termina com a abertura da instrução.


Em face do exposto, conclui-se que a questão de direito enunciada como sendo objeto de decisões de sentido oposto, não constituiu, no acórdão recorrido, objeto do respetivo recurso e, portanto, não foi esta questão que veio a ser decidida no acórdão recorrido.


Assim, não há oposição expressa de julgamento relativamente à mesma questão de direito.


3. Conclusão


Pronunciamo-nos pela não verificação dos requisitos previstos no artigo 437.º do CPP, motivo pelo qual o recurso extraordinário interposto deve, em conferência, ser rejeitado (artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441º, n.° 1, do C.P.P.).”


A.4. Contraditório do recorrente


Notificado desse parecer, o recorrente apresentou resposta – uma vez mais sem conclusões -, da qual se extrai, com clareza, que a razão da sua não concordância com o Ministério Público reside no seguinte (transcrição parcial):


“2 - Decidiu expressamente o STJ que o prazo da suspensão do procedimento criminal a partir da acusação pendente é de 3 anos, não existindo nenhuma causa que faça cessar essa suspensão da prescrição.


3 - O acórdão fundamento (Ac. do Tribunal da Relação do Porto, que se identificou, datado de 06.06.2007, proc. 0741311), decide expressamente o oposto, a saber:


A suspensão da prescrição do procedimento criminal iniciada com a notificação da acusação termina com a abertura da instrução ou com a notificação do despacho que designa dia para julgamento.


Ou seja,


4 -Entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido há decisões antagónicas e opostas na mesma questão de direito, que é a de se saber o seguinte:


Se, após a notificação de uma acusação criminal, o prazo de suspensão do procedimento criminal plasmado no artigo 120º n.ºs 1 alínea b) e 2 do Código Penal se suspende/termina com a abertura de instrução ou com a notificação do despacho que designa dia para julgamento, consoantes os casos em que tenha havido instrução ou se esse prazo de suspensão só termina ao concluírem-se os 3 anos considerados na norma do artigo 120º n.º 2 do C.P.


5 - O Sr. Procurador Geral Adjunto proferiu um Parecer com o qual não podemos concordar.”


(…)


8 - Não podemos aceitar minimamente essa falta de identidade dos acórdãos em confronto porque deles resulta uma oposição e ambos os acórdãos se referem expressamente à situação da suspensão do procedimento criminal.


9 - Porque de facto há uma evidente e expressa oposição, enquanto no acórdão recorrido desse STJ é proferido o entendimento expresso e manifesto que, o prazo de suspensão de prescrição somado aos prazos normais de prescrição e de interrupção, se adicionam os 3 anos de suspensão ao ponto de o Acórdão do STJ cimentar a seguinte afirmação:


“O «prazo de prescrição absoluta» é assim: 5 anos +3 anos (suspensão, art. 120º/1/b/2 CP + 2 anos e 6 meses (art.º 120º/3, CP) = dez anos e seis meses (…)””


(…)


Ou seja, o recorrente AA invocou expressamente no recurso ao STJ que deu origem ao acórdão recorrido datado de 17.02.2022 (que aqui se encontra em recurso uniformizador) que não existiam 3 anos de suspensão do procedimento criminal, invocando a seu favor que, a correta forma de se interpretar tal normativo do artigo 120º n.ºs 1 alínea b) e 2 do C.P. é sempre no sentido de que, a suspensão cessa assim que deixar de existir qualquer obstáculo (…)


O acórdão recorrido foi perentório em decidir NÃO CONCORDAR com o sentido invocado pelo arguido/recorrente, e de não concordar com o teor interpretativo da declaração de voto vencido descrito no Ac. De 29.04.2019, proferido pela Exma. Sra. Desembargadora Maria Teresa Coimbra.


Aliás, o acórdão recorrido respondeu a essas questões dizendo expressamente que “não vemos como se pode retirar da norma outro sentido senão o que ela literalmente diz – nomeadamente invocando que “que possa ultrapassar 3 anos, e que, nas contagens dos prazos de prescrição foi claríssimo em somatizar literalmente “+3”, podendo ler-se no ponto n.º 7, de folhas 545 do acórdão recorrido, o seguinte:


O «prazo de prescrição absoluta» é assim 10 anos +3 anos (suspensão, art. 120.º/1/b/2, CP) + 5 anos (art. 121.º/3, CP)


(…)


Termos em que, não concordamos com o Parecer proferido pelo Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto nesse STJ, porquanto a divergência quanto à questão de direito em ambos os acórdãos é manifestamente evidente e expressa, decidindo-se opostamente em ambos sobre o “timing” em que, iniciando-se a suspensão da prescrição com a notificação da acusação a suspensão termina, isto é, no acórdão fundamento decidiu-se que cessa/termina [a suspensão] com a abertura de instrução, no acórdão recorrido nunca se cessa até esgotar atingir os 3 anos máximos previstos na norma do n.º 2 do artigo 120º ( e nunca antes),


Devendo concluir-se que estão, de facto, reunidos todos os pressupostos formais e substanciais, determinando-se o prosseguimento o recurso para fixação de jurisprudência o que se invoca e requer. “


A.4.1. Na sequência da respetiva notificação, o recorrente juntou aos autos certidão do acórdão fundamento, com nota de trânsito em julgado, tendo aproveitado para reiterar em termos similares aos acima transcritos, a sua divergência com o Ministério Público.


B - Fundamentação


B.1. Introdução


O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência não visa, prioritariamente, tratar do caso concreto, pretendendo-se, sobretudo, numa atitude de muito maior alcance, evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica1.


Na verdade, através de uniformização da resposta jurisprudencial pretende-se dar um contributo de grande significado para a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais, assim se promovendo a igualdade, a certeza e a segurança jurídicas no momento de aplicar o mesmo Direito a situações da vida que são idênticas.


No sentido atrás assinalado veja-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 20222


“Trata-se de um recurso de carácter marcadamente normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade da aplicação do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei.


Constitui um mecanismo procedimental que visa tutelar, primacialmente, uma vertente objetiva de boa aplicação do direito e de estabilidade jurisprudencial3, firmando um determinado sentido de certa norma ou complexo normativo na sua aplicação a situações factuais idênticas.


Não está em causa a reapreciação da bondade da decisão (da aplicação do direito ao caso) proferida no acórdão recorrido (já transitado em julgado). Trata-se apenas de verificar, partindo de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa.”


Entretanto e como se assinala no Acórdão de 19 de abril de 2017, também deste Supremo Tribunal,4 “o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excecional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objetivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.


Do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”, obstando a que possa transformar-se em mais um recurso ordinário, contra decisões transitadas em julgado.


E esta exigência repercute-se com intensidade especial na verificação dos dois pressupostos nucleares: a oposição dos julgados; e a identidade das questões decididas. Entendendo-se que são insuscetíveis de «adaptação», que poderia pôr em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei5.


Mas também se repercute na constatação dos demais pressupostos substantivos e. bem assim. dos requisitos formais.


Como se referiu e é entendimento jurisprudencial uniforme6, a oposição, expressa, tem de aferir-se pelo julgado e não pelos fundamentos em que assentou a decisão.


E a questão de direito só será a mesma se houver identidade das situações de facto contemplados nas duas decisões7.”


B.2. Pressupostos formais e substanciais


B.2.1. Pressupostos substanciais


Os pressupostos substanciais estão fixados no artigo 437º do Código de Processo Penal, que estabelece o seguinte:


Artigo 437.º


(Fundamento do recurso)


1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.


2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.


3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.


4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.


5 - O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.”


São, assim, pressupostos substantivos deste recurso extraordinário:

i. dois acórdãos do STJ tirados em processos diferentes;

ii. um acórdão da Relação que, não admitindo recurso ordinário, não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ;

iii. proferidos no domínio da mesma legislação;

iv. assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito.


E, como refere no seu acórdão de 9 de fevereiro de 2022 atrás citado, “na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os requisitos materiais ocorrem quando:


- as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;


- as decisões em oposição sejam expressas;


- as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões8.


A contradição das decisões definitivas (transitadas em julgado) tem de ser efetiva e explícita, não apenas tácita.


Os julgados contraditórios têm de incidir sobre a mesma questão de direito. Isto é, a mesma norma ou segmento normativo foi aplicada/o com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes.


Entende-se que assim sucede quando nos dois acórdãos foi decidida a mesma matéria de direito, “ou quando esta matéria constar de fundamentos que condicionam de forma essencial e determinante, a decisão proferida”9.


Têm de aplicar a mesma legislação. O que sucede sempre que, entre os momentos do seu proferimento, não se tenha verificado qualquer modificação legislativa com relevância para a resolução da questão de direito apreciada. A identidade mantém-se ainda que o diploma legal do qual consta a legislação aplicada não seja o mesmo10 ou, tendo sido alterado, a modificação não interfere com o sentido com que foi aplicada nas decisões conflituantes, nem veio resolver o dissídio interpretativo que grassava na jurisprudência dos tribunais superiores.


E julgar situações de facto idênticas, similares ou equivalentes quanto aos efeitos jurídicos produzidos. Mesmo que a diferença factual entre as duas causas, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá que tratar-se de diferenças que não interfiram com o aspeto jurídico do caso11.”


B.2.2. Pressupostos formais


Os pressupostos substanciais específicos12 estão fixados no nºs 1 e 2 do artigo 437º e no nº 5 do artigo 438º do Código de Processo Penal estabelece aquele o seguinte:


“Artigo 438.º


(Interposição e efeito)


1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.


2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”


São, então, pressupostos formais:

i. a legitimidade do recorrente;


(ii) o trânsito em julgado dos acórdãos conflituantes;

ii. interposição no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido;


(iv) a invocação, e junção de cópia, do acórdão fundamento;


(v) justificação, de facto e de direito, do conflito de jurisprudência.


Finalmente e de acordo com jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º5/2006, de 20 de abril de 200613, nesta fase do presente recurso, o recorrente não tem de indicar o sentido da jurisprudência a fixar.


* * * *


B.3. O caso concreto


B.3.1. – (In)existência de oposição de julgados


Como bem ressalta do relatório elaborado, é esta a questão que, com maior acuidade, se coloca nos presentes autos, pelo que por ela começaremos a análise do caso concreto.


B.3.1.1. O Iter processual de cada um dos processos


Acompanhando, de perto, a síntese feita pelo Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto, verifica-se que o percurso processual, as questões apresentadas e as decisões proferidas, em cada um dos processos, foram as seguintes:


B.3.1.1.1.O acórdão recorrido:


Nos presentes autos:


- O arguido e ora recorrente foi condenado, como atrás se deixou consignado, pela prática de crimes de burla tributária especialmente qualificada, p. e p. no artº 87º nºs 1 e 3 do RGIT, e de burla tributária simples, p. e p. no artº 87º nº 1 do RGIT.


- Interpôs recurso para o STJ invocando, designadamente, a prescrição do procedimento criminal alegando que a suspensão da prescrição do procedimento criminal, prevista no art.º 120.º n.º 1 alínea b) do Código Penal, não se lhe aplica na medida em que foi prontamente notificado da acusação pública.


- O recorrente alegou «que o prazo de prescrição é de 5 anos acrescido de metade para a burla tributária simples e de 10 anos acrescido de metade para a burla agravada, não se aplicando a suspensão prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, quando a acusação pública foi notificada ao arguido. Segundo a sua interpretação, a expressão “procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação” significa que há suspensão quando a acusação é proferida e não é possível notificar a mesma ao arguido.» - acórdão recorrido (fls. 542).


Ou seja, segundo o arguido, não se pode interpretar a norma no sentido de ocorrer uma convocação automática de um período de suspensão da prescrição a partir do momento em que é efetuada a notificação da acusação. Pelo contrário, a suspensão só se inicia se ocorrer alguma anomalia na efetivação dessa notificação, ficando, portanto, pendente (por exemplo, por não se encontrar o arguido para o notificar), sendo que, caso tal notificação tenha ocorrida a suspensão deixar de existir, pois deixou de existir qualquer obstáculo a que o processo prossiga.


Por outro lado, nesse mesmo recurso, o arguido invocava ainda a inconstitucionalidade do entendimento segundo o qual ocorre uma convocação automática de um período de suspensão da prescrição, pelo período máximo de 3 anos, a partir do momento em que é efetuada a notificação da acusação, e que tal suspensão só se cessa com o trânsito em julgado da decisão, por violação dos princípios da legalidade e proteção da confiança e da paz jurídica ínsitos nos artigos 1º, 2º, 3º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa. Invocava também a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a suspensão da prescrição se mantém a partir da notificação da acusação e que perdura até ao trânsito em julgado da decisão, independentemente das razões concretas pelas quais o processo não chega ao seu termo e a quem são imputáveis os eventuais atrasos, por violação dos princípios da legalidade e proteção da confiança e da paz jurídica ínsitos nos artigos 1º, 2º, 3º, 18º, 20º, e 29º da Constituição da República Portuguesa, invocando o voto de vencido constante do processo nº 570/09TAVNF-G.G1 doTribunal da Relação de Guimarães.


- O acórdão recorrido, embora anunciando que se ia pronunciar sobre as inconstitucionalidades invocadas14 consignou, a este propósito, o seguinte:


« (…)


Aliás, o recorrente não sustenta o decurso do prazo de prescrição sem mais, alega apenas que omitindo nessa contagem, o prazo de suspensão de três anos, como se entendia na declaração de vencido aposta no ac.de 29.04.2019 do TRG (proc. 570/09.8TAVNFG-G.G1, disponível em www.dgsi.pt), então, no caso aqui em apreço, já teria decorrido o prazo de prescrição. Só que, dizendo o art. 120.º/1/, CP, que «a prescrição do procedimento criminal se suspende (…) durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da acusação (…)», sem que possa «ultrapassar 3 anos» (art. 120.º/2, CP), não vemos como se pode retirar da norma outro sentido senão o que ela literalmente diz. Aliás, o antecedente legislativo (art. 125.º, §4, 1º, CP 1886) e a história das alterações legislativas ao art. 120.º, CP, confirmam o bem fundado da solução normativa que resulta da sua literalidade, como se alcança das Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, Ministério da Justiça, 1993, p. 108 e 109.


7. Os crimes de burla tributária qualificada por que foi condenado AA, são puníveis com pena de prisão de dois a oito anos (art. 87.º/3, RGIT), pelo que o prazo de prescrição é de 10 anos (art. 118.º/1/c, CP). Há causa de suspensão da prescrição (art. 120.º/1/b, CP ex vi, art. 21.º/2/4, RGIT) e causa de interrupção (art. 121.º/1, CP, ex vi, art. 21.º/2/4, RGIT). O «prazo de prescrição absoluta» é assim – 10 anos +3 anos (suspensão, art. 120.º/1/b/2, CP) + 5 anos (art. 121.º/3, CP) = dezoito anos, pelo que mesmo a «burla agravada de 2006» não está notoriamente prescrita.»


B.3.1.1.2.O acórdão fundamento:


No Proc. nº 502/99.0TAPVZ:


- Houve acusação do Ministério Público na qual se imputava a prática, em coautoria material e na forma continuada, de:

- um crime de abuso de confiança fiscal, previsto no Art.º 24º, nº 5, do D.L. nº 20-A/90, de 15 de janeiro (RJIFNA), com a redação que lhe foi dada pelo D.L. 394/93, de 24 de novembro.;

- um crime de fraude fiscal, previsto no Art. 23º, nº 1 e nº 2, alíneas a) e e), nº 3, alínea a) e f) e nº 4, do citado RJIFNA.

- Os arguidos foram notificados da acusação e requereram oportunamente a abertura da fase de instrução.


- Foi proferida decisão instrutória, na qual se decidiu que todos os crimes acusados se encontravam prescritos, pelo que foi ordenado o arquivamento dos autos.


- Desse despacho que conheceu da prescrição, recorreu o Ministério Público, por considerar que nele não se atendeu à causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal que tem lugar com a notificação aos arguidos da acusação. O Ministério Público sustentou que a suspensão do procedimento iniciada com a notificação da acusação aos arguidos manteve-se por 3 anos não tendo terminado com a abertura da instrução.


- O acórdão fundamento veio a decidir o seguinte:


«Na tese do recorrente, o despacho não teve em conta o prazo de suspensão decorrente da notificação da acusação aos arguidos, pelo que os crimes só prescreveriam em 28 de Agosto de 2009 quanto ao crime de abuso de confiança fiscal e em 13 de Junho de 2010 quanto ao crime de fraude fiscal.


Na tese do despacho sob recurso, não tendo havido outra causa de suspensão, para além da notificação da acusação, o prazo de suspensão, acrescido de metade, já se encontra esgotado.


E com efeito, o Ilustre recorrente não teve em conta que a suspensão iniciada com a notificação da acusação aos arguidos (facto ocorrido nos dias 16, 17 e 20 de Março de 2001, respectivamente) terminou com a abertura da instrução e no dia desse acto processual: tal acto processual tem a virtualidade de terminar a suspensão, tal como o teria a notificação do despacho que designa dia para julgamento.


Como se vê, o prazo de 5 anos, acrescido de metade e do período de suspensão (que não chegou, ao contrário do que se defende, aos 3 anos limite), já correu totalmente.


Assim sendo, sem necessidade de maiores discussões, o despacho sob censura apreciou com toda a profundidade a questão, analisou com clareza e correcção a lei aplicável e os prazos, quer de suspensão, quer de interrupção da prescrição, quer ainda as datas em que tais prazos terminaram, aplicando correctamente a legislação respectiva.


O que equivale a dizer que o procedimento criminal, em relação a todos os arguidos e relativo aos crimes acusados, está prescrito, sendo o recurso improcedente.»


B.3.1.2. Apreciação


Passando à apreciação do caso em apreço começamos por transcrever, antes de mais, a al. b), do nº 1 e o nº 3 do artigo 120º do Código de Processo Penal:


“1 A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: (…)


b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;


2 – No caso da previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar os dois anos.”


Perante esta norma, a questão colocada a este Supremo Tribunal de Justiça pelo recorrente foi – como já se deixou repetidamente consignado - a de se saber se a circunstância de o arguido ter sido notificado conduz a que não se possa contar o prazo de suspensão previsto no artigo 120º, nº 1, al. c), consignando o recorrente concordância com esta tese, já que, na sua perspetiva, a suspensão só deve ocorrer caso a notificação da acusação ao arguido não possa realizar-se.


E, perante esta concreta questão, o acórdão recorrido respondeu negativamente, afirmando que a suspensão se inicia após a notificação do despacho de acusação ao recorrente, sem que possa ultrapassar o prazo máximo de 3 anos15.


Já no acórdão fundamento, o que o Tribunal da Relação do Porto afirmou foi que o prazo de suspensão - iniciado com a notificação do despacho de acusação ao arguido – termina com a prolação do despacho de abertura da fase de instrução.


Ou seja, no recurso que deu origem ao acórdão recorrido não foi suscitada a questão de se saber se a prolação do despacho de abertura da fase de instrução faz com que termine o prazo de suspensão, iniciado com a aludida notificação, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça sobre ela não se pronunciou expressamente.


Com efeito, o Acórdão recorrido somente se pronunciou expressamente sobre o termo inicial do aludido prazo de suspensão.


E, relativamente ao termo final, apenas referiu que esse prazo de suspensão não pode ultrapassar os 3 anos, tendo decidido que tal prazo já tinha decorrido.


B.3.1.3. Conclusão


Face ao exposto, porque as questões jurídicas colocadas aos e analisadas pelos acórdãos, recorrido e fundamento, foram diversas, não pode, nos termos supra referidos, considerar-se existir, entre os mesmos e nos termos supra referidos, oposição de julgados.


E, não existindo oposição de julgados, há que rejeitar o recurso, nos termos do disposto na segunda parte, do nº 1 do artigo 441º do Código de Processo Penal.


Perde, por isso, interesse, a análise da verificação dos demais pressupostos processuais.


B.4. Tributação


Ao abrigo do disposto no artigo 513º do Código de Processo Penal e dos artigos 1º, 2º e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro), o Recorrente tem de pagar custas judiciais, cuja taxa de justiça varia, in casu e face à Tabela Anexa III ao aludido Regulamento, entre 1 e 5 unidades de conta.


Face ao exposto, tendo em conta a pouca complexidade da decisão, vai condenado em 2 (duas) unidades de conta


Por outro lado, a rejeição do recurso implica ainda a condenação da recorrente no pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC (que não são meras custas judiciais, tendo antes natureza sancionatória), por força do disposto no artigo 420º, nº 3, aplicável ex vi art. 448º, ambos do Código de Processo Penal.


Com efeito, são cumulativas a condenação em custas do incidente e em multa, no caso de pedido manifestamente infundado, pois elas visam propósitos diferentes: uma tributa o decaimento num ato processual a que deu causa e a outra castiga a apresentação de requerimento sem a prudência ou diligência exigíveis (Salvador da Costa, As custas Processuais, Coimbra: Almedina, 6.ª ed., 2017, p. 86).


Atendendo, por um lado, à pouca complexidade do objeto da decisão e, por outro, à manifesta improcedência do recurso, considera-se ajustado fixar essa importância em 3 (três) unidades de conta.

C – Decisão

Por todo o exposto, decide-se rejeitar o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência interposto AA, devido a inexistência de oposição de julgados, nos termos do disposto no artigo 441, nº 1, do Código de Processo Penal.


Vai o recorrente condenado no pagamento das custas do processo, com taxa de justiça fixada em 2 (duas) U.C., a que acrescem 5 (cinco) U.C., nos termos do artº 420º, nº. 3 e 448º do Código de Processo Penal.


Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada


(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)


Os Juízes Conselheiros,


Celso Manata (Relator)


Jorge Gonçalves (1º Adjunto)


Albertina Pereira (2ª Adjunta)


____________________________________________

1. Ac. STJ, de 23/07/2016, proc n.º 2023/13.0TJLSB.S1 in www.dgsi.pt↩︎

2. Proc 2004/19.0PAVNG.P1-A.S1 in www.dgsi.pt↩︎

3. Ac. n.º 75/2020 do Tribunal Constitucional, www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200075.↩︎

4. Proc. 175/14.1GTBRG.G1-A.S1 in www.dgsi.pt↩︎

5. Ac. STJ de 6/4/2016, Proc. 521/11.0TASCR.L1-A.S1↩︎

6. Ac. STJ de 11/01/2017, proc. 133/14.6T9VIS.C1-A.S1, www.dgsi.pt.↩︎

7. Neste sentido Ac. STJ de 12/1/2017, proc. 427/13.GAARC.P1-A.S1, www.dgsi.pt/jstj.↩︎

8. Ac. STJ, de 9-10-2013, 3ª secção proc. 272/03.9TASX, in www.dgsi.pt/jstj.↩︎

9. Miguel Teixeira de Sousa, Sobre a constitucionalidade da conversão do valor dos assentos - apontamentos para uma discussão, 1996, pág. 56↩︎

10. M. Teixeira de Sousa, ob. e loc. cit.↩︎

11. Ac. STJ de 28-05-2015, 5ª secção, proc. 6495/12.2TBBRG.G1-A.S1, in www.dgsi.pt/jstj.↩︎

12. No sentido de que, a estes requisitos específicos, acrescem os requisitos formais gerais de qualquer recurso↩︎

13. Publicado no Diário da República, I Série-A, de 6 de junho de 2006↩︎

14. Com efeito a fls. 542 nele se escreveu o seguinte:

“Questões suscitada pelo recurso do arguido AA:

g) Alteração substancial dos factos;

h) inconstitucionalidades;

i) alteração da qualificação jurídica;

j) Pena única.”↩︎

15. Note-se, a este último propósito e desde logo, que o acórdão do S.T.J. refere que a suspensão não pode ultrapassar 3 anos e não que tem a duração de 3 anos, como refere o Recorrente.↩︎