Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAMALHO PINTO | ||
Descritores: | REVISTA EXCECIONAL REFORMA DE ACÓRDÃO | ||
Data do Acordão: | 07/03/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA EXCEPCIONAL | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Sumário : |
I- A reforma da decisão, prevista no art. 616.º, n.º 2, al. a), do CPC, tem como objectivo a reparação de lapsos manifestamente óbvios na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos em que o julgador tenha ocorrido; II- Por outro lado, a previsão da alínea b) desse n.º 2 reporta-se à existência, no processo, de meios de prova dotados de força probatória plena que, por si só, “impliquem necessariamente decisão diversa da proferida” e pressupõe que o juiz os haja desconsiderado por manifesto lapso. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 989/20.3T8BGC.G1.S2 Revista Excepcional Autora / recorrida: AA Ré / recorrente: Azeitedouro, S.A.. Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: Proferido o acórdão deste STJ que deliberou indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pela Ré/ recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação, veio a mesma “deduzir RECLAMAÇÃO da sobredita decisão, a qual deverá ser apreciada pela CONFERÊNCIA, nos termos do artigo 616.º, n.º 2, alíneas a) e b) e artigo 666.º do CPC, ex vi artigo 685.º do mesmo diploma legal”. Formulando as seguintes conclusões: 1ª O douto Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de que ora se reclama, decidiu não admitir o recurso de revista excecional. 2ª Decisão com a qual a Recorrente/Reclamante não pode concordar, por entender ter existido erro na qualificação jurídica dos factos, tendo cumprido o ónus de alegação e que constam do processo documentos que, só por si só, implicam necessariamente decisão diversa da que antecede, daí que deva ser a presente Reclamação aceite, nos termos e para os efeitos dos arts. 616.º, n.º 2, alíneas a) e b) e 666.º do CPC, ex vi art. 685.º do mesmo diploma legal 3ª Portanto incorreu o douto tribunal em violação dos artigos 672º, nº 1, alíneas a), b) e c) e nº 2, alíneas a), b) e c) ambos do Código de Processo Civil e 351º do Código de Trabalho. 4ª Está a Recorrente em absoluto desacordo com o Ponto I e II do sumário constante do douto Acórdão, uma vez que esta cumpriu de forma cabal o ónus de alegação das razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para melhor aplicação do direito; das razões pelas quais os interesses são de particular relevância, bem como os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada. 5ª No entender da Recorrente/Reclamante a decisão ora reclamada não apreciou corretamente os fundamentos da revista, já que existe oposição valorável e verificável para efeitos da admissão da revista excecional, entre o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação e o Acórdão- fundamento citado. 6ª A Reclamante alegou que considera que o Acórdão do Tribunal de Relação de Guimarães está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 1668/16.1T8MTS. P1, de 13-03-2017, em que é relatora PAULA LEAL DE CARVALHO. 7ª EM primeiro lugar, deverá se atender ao sumário do acórdão-fundamento supracitado, que esclarece que: “I- Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador/ motorista que, fazendo o transporte de utentes (doentes) da Ré, recebeu destes determinados pagamentos pelo serviço prestado pela Ré não lhe tendo, todavia, feito a entrega dos valores recebidos. II-Tal comportamento, independentemente dos montantes em causa, é suscetível de abalar a confiança da Ré na idoneidade, honestidade e probidade do comportamento do A., confiança esse pilar indispensável à possibilidade/ exigibilidade de a Ré manter a relação laboral, pelo que, pela sua gravidade, consubstancia justa causa de despedimento.”. 8ª Resulta também do acórdão fundamento que na apreciação da justa causa, “…deverá ser analisado o comportamento do trabalhador, no quadro de gestão da empresa, tendo em atenção as consequências resultantes da infração cometida, a natureza das funções exercidas, a antiguidade do trabalhador na empresa, os seus antecedentes disciplinares e tudo o mais que no caso se mostre relevante para aferir da impossibilidade prática da manutenção do vinculo, ou seja, se no confronto entre a premência da desvinculação do empregador, se considera preponderante o interesse do empregador por a continuidade da relação laboral representar uma insuportável e injusta imposição”. 9ª O acórdão fundamento, clarifica ainda que, “tal atuação do autor, que reteve os valores pertencentes à sua entidade empregadora é não só contrária às regras relativas ao exercício da sua função, como é contrária ao dever de lealdade e de boa-fé a que estava obrigado perante a sua entidade empregadora, como ainda contrária à preservação da capacidade financeira e do bom nome da ré perante os seus sócios e utentes, constituindo nessa medida ilícito disciplinar por violação dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprir as ordens do empregador respeitantes á execução do trabalho, de guardar lealdade ao empregador, de promover e executar os atos tendentes á melhoria da produtividade do empregador e de não lesar patrimonialmente o empregador (cfr. arts. 126º e 128º, nº 1, al. c), e), f) e h) do Código do Trabalho). 10ª Pois bem, transpondo esta posição do acórdão mencionado para o caso aqui em discussão, em boa verdade, não está em causa o concreto valor retido pela Recorrida (ainda que de valor muito elevado), mas antes todo o comportamento e atitudes adotadas ao longo da relação laboral. Está em causa uma atuação lesiva da empregadora, causando-lhe um prejuízo patrimonial, pelo menos correspondente ao montante de que a Recorrida se apropriou, suscetível de um elevado grau de censura, por revelar uma certa maneira de ser da recorrida, aproveitando-se do exercício das suas funções para obter para si a disponibilidade de quantias que sabia que não eram suas, em detrimento dos interesses da Recorrente/Reclamante. 11ª Os deveres que foram violados são estruturantes da relação de trabalho enquanto relação bilateral recíproca, pelo que fundamenta a justa causa para o despedimento da trabalhadora, conforme o preceituado pelo artigo 351º, nº1 e 2, alíneas a), d) e e) do Código do Trabalho, estando em harmonia com a decisão do acórdão fundamento. 12ª É irrelevante a circunstância de falta de controlo da Recorrente, de desorganização nos métodos ou procedimentos adotados, pois que isso não constitui causa justificativa para que a Recorrida tenha feito suas quantias que sabia pertencerem à Recorrente. 13ª A conduta da Reclamada é subjetivamente grave, pois esta não poderia deixar de saber que recebeu quantias que sabia não serem suas ou, pelo menos e ainda que não tenha atuado com o intuito de delas se apropriar, atuou de forma gravemente negligente ao ter descurado a rápida e pronta entrega das mesmas à Reclamante. 14ª Com efeito, não se concorda com o douto Tribunal quando refere que a “Recorrente limita-se a transcrever o sumário e parte da fundamentação do acórdão fundamento. Quer isto dizer que a Recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto na al.c ) do nº2 do artº 672º do CPC, ao não indicar minimamente quais os “aspetos de identidade que determinam a contradição alegada”. 15ª Antes pelo contrário, ficou claramente demonstrado que o Acórdão de Relação está em contradição com outro, já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. 16ª A Reclamante também cumpriu de forma cabal o ónus de alegação, estabelecido nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil. 17ª Assim, para efeitos do artigo 672º, alínea a) do CPC, o conceito de relevância jurídica implicará que a questão suscitada apresente um caracter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações. Por seu turno, para efeitos da alínea b) do presente artigo, o conceito de particular relevância social implica que devam ser considerados interesses importantes da comunidade e valores que se sobrepõem ao mero interesse das partes. 18ª Ora, in casu, discute-se uma questão de notória complexidade e particular relevância jurídica e social, alicerçada na base da confiança existente entre as partes, que suporta qualquer vínculo laboral. 19ª A confiança entre o empregador e o trabalhador constitui um papel fundamental nas relações de trabalho, tendo em consideração a forte componente fiduciária daquelas, sendo certo que a relação jus-laboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança na/da pessoa contratada. 20ª Apurar se essa confiança foi quebrada e se, consequentemente, existiram motivos justificadores de justa causa de despedimento, apurar se se verificou algum tipo de comportamento infracional continuado por parte da trabalhadora e até mesmo se, face a essa relação laboral de há muitos anos, houve algum tipo de “aproveitamento” é algo que requer um especial esforço interpretativo e cuja apreciação pelo Supremo se mostra necessária para uma melhor aplicação do direito. 21ª Ademais, é do entendimento da Reclamante que cabe recurso da decisão do Tribunal de Relação, pois este é um caso em que poderá haver um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular. 22ªTodas as situações jurídicas aqui indicadas pela Reclamante apresentam um carácter paradigmático, exemplar e transponível para outras situações, pois estamos perante interesses com forte impacto social e com relevância para a comunidade em geral. 23ª Dito isto, entende a Recorrente/Reclamante que cumpriu de forma cabal o ónus de alegação das razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para melhor aplicação do direito; das razões pelas quais os interesses são de particular relevância, bem como os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, estando preenchidos os pressupostos das alíneas do nº 1 e do nº2 do artigo 672º do CPC. 24ª A justa causa do despedimento pressupõe uma ação ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal está sujeito. 25ª Nas relações jurídicas de trabalho subordinado, o trabalhador deve atuar de boa-fé no exercício do seus direitos e no cumprimento dos seus deveres, sendo que, com a ideia de boa-fé estão interligadas as ideias de fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos. 26ª O juízo de censura dirigido ao trabalhador deverá ser tanto mais severo quanto mais elevado for o grau de confiança estabelecido entre as partes, objetivado nas funções confiadas ao trabalhador na respetiva estrutura organizativa da empresa. 27ª Lidando a Recorrida /Reclamada com dinheiro, exige-se uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade, de cooperação, idoneidade e boa-fé na execução das suas funções, algo que, in casu, acabou por não se verificar. 28º Na audiência de discussão e julgamento, refere a Recorrida/Reclamada que apenas cumpriu ordens da administração, dando a entender que a Reclamante, na pessoa do seu legal representante, deu ordens para prejudicar a própria empresa. 29ª Na realidade, não se compreende a decisão tomada pelo douto Tribunal de 1ª instância e pelo Tribunal da Relação, ainda para mais quando existem provas documentais juntas aos autos que apontam em sentido contrário. 30ª O legal representante da Recorrente, porque pretendia desfazer toda e qualquer dúvida, decidiu comparar, nomeadamente, os montantes recebidos dos produtores e depositados pela Reclamada exclusivamente na conta da Reclamante (no Novo Banco), com as vendas de garrafões e azeite adicional aos produtores. 31ª Resultou dessa auditoria que na campanha de 2018/2019 foram depositados no Novo Banco, nesse período, quase €4.700,00; na campanha de 2019/2020 também efetuada pela Reclamada, mas com a obrigatoriedade, devido à pandemia Covid 19, de os produtores levarem azeite exclusivamente em garrafões vendidos pela Reclamada para evitar contágios, depositaram-se no Novo Banco quase €7.800,00; na campanha de 2020/2021, já efetuada sem a Reclamante e mantendo-se a obrigatoriedade de os produtores levarem o azeite exclusivamente em garrafões vendidos pela Reclamante depositaram-se no Novo Banco cerca de € 21.000,00, ou seja, 269% mais que no ano anterior. 32º Tudo isto, foi devidamente junto aos autos, toda esta prova documental, onde se verifica as disparidades encontrados, cálculos efetuados e demais procedimentos, mas que, salvo o devido respeito não teve em consideração a prova. 33ª As instruções dadas pelo legal representante da Reclamante à Reclamada eram no sentido de não ser prejudicado o Lagar, nem serem prejudicados os produtores. 34ª Só se a Reclamante fosse totalmente acéfala ou demente é que daria ordens à Reclamada para, numa primeira fase enganar os produtores, fazendo-os crer que as análises à azeitona eram feitas, quando não eram e, numa segunda fase, aquando do levantamento do azeite, dar não a todos, mas apenas a alguns, azeite em excesso que não lhes pertencia, auto prejudicando-se propositadamente. Mas depois, num debate de consciência dava à recorrida um plafond de 2000 e tal litros de azeite (coincidentemente igual ao desvio) para que esta pudesse compensar os produtores que antes houvera engano. 35ª Não se compreende como é que pode o Tribunal da Relação referir ser parca a prova produzida/junta, quando os documentos juntos aos autos, aliado às declarações de parte do legal representante sustentam integralmente a tese da Reclamante. 36ª Aliás, do próprio acórdão resulta ainda que existiram disparidades em relação à média do lagar e às quantias entregas, mas acaba por concluir que a prova é insuficiente. 37ª A prova que entendemos existir e ter sido feito, e que não foi considerada pelo Tribunal, é de que nunca o legal representante da Reclamante deu instruções para a Reclamada atribuir esse rendimento segundo o tipo de produto, rendimento dos anos anteriores, conhecimento que ela tinha da variedade da azeitona com mais ou menos rendimento, estado de maturação, localidade de onde provinha e data da apanha/ entrega ao lagar. 38ª Tais critérios foram unilateralmente utilizados pela Recorrida e mais não são do que uma determinação da própria Recorrida. 39ª Demonstrou-se que a Reclamada assinou guias manuais com valores totalmente díspares daqueles que os produtores/agricultores tinham direito a levar, segundo a listagem efetuada pelo legal representante da Reclamante- e está tudo junto aos autos. 40ª Demonstrou ainda que nem as guias manuais, nem as informáticas, nem o Livro de Bordo batiam certo com as faturas, o que poderia ter resultado em graves repercussões fiscais negativas para a Reclamante/Recorrente- e está tudo junto aos autos. 41ª Demonstrou-se também, e está documentalmente provado, com os correspondentes extratos bancários da conta da Reclamante no Novo banco, que durante os períodos de entrega de azeite e venda sobretudo de azeite da maquia aos produtores que os valores que a Reclamante recebeu e depositou foram totalmente díspares em 2019 e em 2020, altura em que reclamada ainda era funcionária da Reclamante, dos ocorridos em 2021, em que a Reclamada já havia sido despedida. 42ª Foi documentalmente comprovada a imparidade de 4076 litros de azeite, razão pela qual não se compreende como pode fundamentar o Tribunal a sua decisão dizendo que a prova foi parca, já que se demonstrou e está junto aos autos que a Recorrida locupletou-se à custa da Recorrente o valor global de €8.037,80. 43ª Comprovou-se que a Reclamada desviou e ficou na sua posse com o dinheiro proveniente da venda de, pelo menos,1394 garrafões de azeite e não fez a respetiva fatura, nem esse dinheiro entrou nas contas da empresa. 44ª O próprio Tribunal admite existir alguma disparidade “…em relação á referenciada média do lagar, a título de exemplo, as quantidades entregues referidas em 36,40,70, 83, 86 a 88, 89, 91, 105, 108, 111, 117, 118”, motivo pelo qual não se compreende como pode ter confirmado a sentença recorrida. A Autora não respondeu. x Decidindo: Embora nunca utilize o termo “reforma”, a reclamação da Recorrente invoca expressamente o disposto no artº 616º, nº 2, als. a) e b), do CPC, onde se estabelece: “(…) 2- Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. (...)” Como se sabe, a regra é o esgotamento do poder jurisdicional com a prolacção da decisão (n.º 1 do artigo 613.º do CPC), pelo que a reforma desta apenas é possível nos casos expressamente tipificados na lei. Como resulta da formulação legal, o erro na interpretação de uma norma não constitui fundamento de reforma nos termos e para os efeitos desse artº 616º, nº 2, al. a), do CPC, onde apenas se prevê o erro na determinação da norma aplicável, o erro na qualificação jurídica de factos e a presença no processo de meios de prova impositivos de diferente decisão. Ora, é entendimento deste Supremo Tribunal que a reforma da decisão, prevista no art. 616.º, n.º 2, al. a), do CPC, tem como objectivo a reparação de lapsos manifestamente óbvios na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos em que o julgador tenha ocorrido – cf., nomeadamente, os acórdãos, de 07-07-2021, proc. n.º 3931/16.2T8MTS.P1.S1, e de 11-10-2022, proc. n.º 638/19.2T8FND.C1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt. Só o erro manifesto (i.e. grosseiro, palmar) do julgador na eleição da norma aplicável pode servir de fundamento à reforma da decisão. Trata-se, em suma, de um total desacerto na eleição do regime jurídico aplicável que seja atribuível a evidente inconsideração do julgador, revelador de um menor zelo no estudo do processo ou de falta de cuidado na preparação da decisão1. No acórdão reclamado não existem, a nosso ver, tais lapsos manifestos, o erro de interpretação, nem tão pouco qualquer erro na qualificação jurídica, sendo que a Reclamante nem sequer concretiza, na sua argumentação, em que é que se traduziram esses erros manifestamente óbvios. Por outro lado, a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 616.º do Código de Processo Civil reporta-se à existência, no processo, de meios de prova dotados de força probatória plena que, por si só, “impliquem necessariamente decisão diversa da proferida” e pressupõe que o juiz os haja desconsiderado por manifesto lapso. Ora, na presente reclamação a Recorrente não faz a mínima menção a qualquer desses meios de prova. Dito isto, é por demais evidente que o que a Reclamante vem apresentar é tão só a sua discordância ao relação ao decidido. A Ré- reclamante pode não concordar com o decidido, mas essa ausência de concordância não constitui, de per si, fundamento de reforma do citado acórdão nos termos e para os efeitos do artº 616º, nº 2, do CPC. A Reclamante discorda da fundamentação adoptada no acórdão. Está no seu direito, mas não é através da reforma do acórdão que poderá ver vingar a sua tese. Para isso é que servem os recursos, independentemente de os mesmos serem admissíveis no caso concreto. Já ensinava o Prof. Alberto dos Reis (CPC Anotado, vol. V, pag. 151) com os pedidos de aclaração e de reforma e com as arguições de nulidade o que muitas vezes se visa é a alteração da sentença. E, como se decidiu nos acórdãos do STJ de 9 de Junho de 2005, Proc. N° 05B1422, e de 11 de Fevereiro de 2004, Proc. N° 0351784, ambos in www.dgsi.pt., “sob a capa da reforma da sentença ou do acórdão, não se pode aceitar no nosso ordenamento jurídico um "recurso esdrúxulo" - nas palavras de Amâncio Ferreira, in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 6ªa ed., pág. 62 -, porque este incidente nada tem a ver com uma mera discordância em relação à decisão, ou com o inconformismo perante a solução jurídica dada ao caso, pois o "error in judicando", só pode ser motivador dos recursos, mas não da reforma”. Na verdade, o incidente de reforma da decisão não se destina a veicular a discordância em relação ao julgado ou a demonstrar a existência de “error in judicando” não constituindo, pois, como que um sucedâneo do recurso, no contexto do qual se possam reverter pretensos erros de julgamento antes cometidos. Ora, no caso concreto, é isto que se passa: a Ré - reclamante pretende, única e exclusivamente, a alteração do decidido no acórdão. A realidade é que denota, claramente, que não concorda com a decisão e sua fundamentação, e com o pedido de reforma mais não visa do que alterar o julgado. x Decisão: Termos em que se acorda em indeferir a reclamada reforma do acórdão sob censura. Custas pela Reclamante, com 3 UC de taxa de justiça. Lisboa, 03/07/2024 Ramalho Pinto (Relator) Mário Belo Morgado Júlio Gomes
Sumário (da responsabilidade do Relator).
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1. Tratam, vg., de casos de aplicação de norma já revogada, de omissão de aplicação de norma existente ou na qualificação de factos com ofensa de princípios gerais de direito, como apontam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª Edição, pág. 742.↩︎ |