Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16969/23.4T8LSB-C.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
INSOLVÊNCIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
IDENTIDADE DE FACTOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
ACÓRDÃO RECORRIDO
ACORDÃO FUNDAMENTO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I- Nos termos plasmados no nº. 1 do art. 14º do CIRE, no processo de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo jurisprudência com ele conforme.

II- A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis e contraditórias.

Decisão Texto Integral: Processo nº. 16969/23.4T8LSB-C.L1.S1

Acordam em Conferência na 6ª Secção do STJ

1-Relatório:

TRICANA - TAPEÇARIA REGIONAL DE COIMBRA, S.A, foi declarada insolvente por sentença de 12.07.2023, transitada em julgado.

A devedora apresentou um plano de insolvência, o qual foi admitido, nos termos do artigo 207.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.

Foi convocada assembleia de credores para discussão e votação da proposta de plano de insolvência.

O plano foi favoravelmente votado por credores com € 2 038 790,03 dos créditos reconhecidos na lista do artigo 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Votaram contra a proposta de plano de insolvência credores que representam € 1 698 999,94 dos créditos reclamados, sendo o credor Banco Comercial Português, SA, um dos que votou desfavoravelmente.

Na Assembleia para discussão e votação da proposta de plano de insolvência estiveram presentes credores, os quais representavam 3.737.789,97 dos créditos reclamados.

O Plano de Insolvência foi votado em Assembleia pelos credores.

A deliberação de aprovação da proposta de plano de insolvência foi objeto de publicação nos termos do disposto no artigo 213.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.

O credor Banco Comercial Português, S.A., apresentou pedido de não homologação do Plano de Insolvência.

Foi proferida sentença, com o seguinte teor a final:

«Pelo exposto:

Homologo por sentença, nos termos dos artigos 214.º e 215.º, a deliberação da Assembleia de Credores que aprovou, nos seus precisos termos o plano de insolvência apresentado pela sociedade comercial TRICANA - TAPEÇARIA REGIONAL DE COIMBRA, S.A., pessoa coletiva ...41, com sede na Avenida ...».

Inconformados, apelaram os credores Banco Santander Totta, SA. e o credor Banco Comercial Português, SA.

A insolvente respondeu aos recursos.

Foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa, com o seguinte teor na sua parte dispositiva:

«Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar procedentes as apelações e, em consequência, revogando a sentença proferida, passam a proferir a seguinte decisão

- Nos termos do art. 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa não se homologa o plano de insolvência apresentado pela insolvente TRICANA - TAPEÇARIA REGIONAL DE COIMBRA, S.A. e, em consequência, determina-se o prosseguimento dos autos para liquidação».

Inconformada interpôs a insolvente recurso de revista para este STJ., concluindo as suas alegações:

I- Tanto quanto se conhece, não foi proferido qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência conforme com a decisão ora recorrida, pelo que nada obsta à interposição do presente Recurso de Revista Excepcional, que se sustentará no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/06/2013 (doravante “acórdão-fundamento”), que se encontra em oposição com a decisão recorrida e que cumpre todos os requisitos da Revista Excepcional, à luz do citado artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, conforme se exporá:

- Cfr. Doc. 1

II. Tanto no recurso que deu origem ao acórdão-fundamento como nestes autos, a discussão prende-se com a mesma questão de direito: a circunstância de os créditos garantidos ou privilegiados ficarem submetidos a regime idêntico ao dos créditos comuns pode constituir, per se, violação ao princípio da igualdade?

III. No acórdão-fundamento (proferido no domínio da mesma legislação), a Relação de Coimbra decidiu que não; na decisão ora recorrida, entendeu o tribunal a quo que sim. Encontram-se verificados todos os pressupostos da revista excepcional, devendo o recurso ser admitido.

IV. Ainda que não se verificassem os pressupostos da revista excepcional, sempre teria de ser admitido o recurso de revista, em face da não verificação, no caso vertente, de dupla conformidade de decisões.

V. Impõe-se, por isso, uma interpretação abrogante do artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, na parte em que veda o direito ao recurso de acórdão proferido pelos Tribunais da Relação, nos casos em que não exista dupla conforme, sob pena de ofensa a um direito básico da parte processual, como é o direito ao recurso, com a inerente violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, que abrange o direito de recurso - INCONSTITUCIONALIDADE que aqui se argui e impõe ao julgador que se abstenha de aplicar o artigo 14.º, n.º 1 do CIRE na parte referida.

VI. No caso sub judice, entendeu o tribunal a quo que o facto de nos termos do plano de insolvência, os credores privilegiados e garantidos verem ser-lhes aplicadas as mesmas condições que os credores comuns (quanto à percentagem de redução de créditos e prazo de pagamento) violaria, per se, o princípio da igualdade.

VII. No caso que deu origem ao acórdão-fundamento, a alteração ao plano proposta pela Insolvente resumia-se “a sujeitar os créditos dos ex-trabalhadores ao mesmo período de carência a que estavam sujeitos os créditos comuns.”

VIII. Ora, no caso sub judice, também os créditos privilegiados e garantidos, por um lado, e os comuns, por outro, ficam sujeitos a regime idêntico, nos termos do plano em crise, o que não representa qualquer violação ao princípio da igualdade.

IX. Isto porque, conforme o douto acórdão-fundamento, o facto de os créditos assumirem diferente natureza não obriga ao tratamento diferenciado.

X. A única imposição que, neste âmbito, decorre do princípio da igualdade é a de que os créditos privilegiados não fiquem sujeitos a um regime mais desfavorável do que os créditos comuns (o que não sucede no caso em apreço!),

XI. E já não a de que os créditos privilegiados tenham, necessariamente, de beneficiar de um tratamento mais favorável face aos comuns.

XII. O princípio da igualdade, na sua dimensão material, determina que créditos de diferente natureza podem ser tratados de forma distinta, mas não que têm de ser tratados dessa forma,

XIII. No acórdão recorrido, o tribunal a quo parte do pressuposto de que os créditos privilegiados devem ser tratados de forma diferente relativamente aos comuns e que, assim, só será admissível o contrário caso sejam apresentadas razões objectivas que justifiquem o tratamento idêntico de créditos de diferente categoria/natureza.

XIV. Em sentido diverso, ínsito ao acórdão-fundamento encontra-se o pressuposto – que a Recorrente subscreve - de que os créditos privilegiados não têm de ser tratados de forma diferente relativamente aos comuns e que, daí partindo, é a divergência de tratamento que reclama a apresentação de razões objectivas que a justifiquem.

XV. Assim, ao contrário do exposto no acórdão recorrido, nada impunha que o plano de insolvência justificasse, com razões objectivas, o tratamento idêntico de credores privilegiados/garantidos e comuns,

XVI. Uma vez que o tratamento idêntico de credores privilegiados/garantidos, por um lado, e comuns, por outro, não constitui qualquer violação do princípio da igualdade, conforme resulta do acórdão-fundamento.

XVII. Pelo que o plano de insolvência em crise em nada fere o citado princípio.

XVIII. Deve, assim, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, fazendo prevalecer a posição vertida no douto Acórdão da Relação de Coimbra, junto como fundamento da presente Revista, repristine a sentença proferida em primeira instância, que homologou o plano de insolvência apresentado pela aqui Recorrente.

Acresce que,

XIX. Conforme já referido, o tribunal a quo determinou a não homologação do plano, com fundamento na violação do princípio de igualdade, pelo facto de os credores garantidos/privilegiados serem, nos termos do plano, tratados da mesma forma que os credores comuns.

XX. Mas, também neste âmbito, é manifesto que o plano não viola o princípio da igualdade, uma vez que garante que aqueles credores não ganharão menos do que em caso de liquidação; aliás, ganharão mais, conforme se exporá:

XXI. Quanto ao credor Banco Comercial Português, S.A, o respectivo crédito ascende a 1 238 904.57€ (um milhão duzentos e trinta e oito mil novecentos e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), sendo que, do valor total reclamado, 841.057,74 € (oitocentos e quarenta e um mil e cinquenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos) encontra-se garantido por hipoteca constituída sobre um dos imoveis da Devedora, o prédio urbano destinado a armazém para fins industriais, de rés-do-chão e logradouro, sito em ... (Zona Industrial), lote ..., freguesia e concelho de ... sob a ficha ...41 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...68.º.

XXII. A aqui Recorrente requereu uma avaliação do imóvel junto de perito qualificado, idóneo e imparcial, Exmo. Sr. Eng. AA que conclui que o valor de mercado do imóvel será de apenas 320 000.00 € (trezentos e vinte mil euros).

XXIII. Ora, equacionando a fase de liquidação, por norma, os bens são colocados à venda por 85% do valor de mercado ou do valor patrimonial tributário, dependendo qual deles é o valor mais elevado.

XXIV. De todo o modo, e apesar de o valor mais elevado ser o valor patrimonial tributável, para efeito de simulação de liquidação e rateio pelos credores, consideraremos primeiramente o valor de mercado e de seguida o valor patrimonial tributário.

XXV. Neste primeiro caso, o imóvel seria colocado à venda por 272.000,00 € (duzentos e setenta e dois mil euros) – valor mínimo,

XXVI. Assim, o preço mínimo do imóvel garantido corresponderá a apenas 22% do valor do crédito do Banco Comercial Português, S.A

XXVII.O que significa que o plano de insolvência apresentado pela Devedora–e aprovado pela maioria dos seus credores - é, na realidade, mais favorável do que o cenário da liquidação!, já que o plano prevê o pagamento de 51% da dívida, o que corresponde a 631 841,33 €!

XXVIII. Mas mesmo assumindo o valor patrimonial tributário por ser o valor mais elevado – nos termos e para os efeitos do artigo 812.º, n.º 3 do Código Processual Civil, o imóvel seria colocado à venda por 402 693,82€ (quatrocentos e dois mil seiscentos e noventa e três euros e oitenta e dois cêntimos) – valor mínimo.

XXIX. O preço mínimo do imóvel garantido corresponderá a apenas 47% do valor da garantia do Banco Comercial Português, S.A.

XXX. Na perspectiva de que o valor total seria atribuído ao Banco Comercial Português, S.A, em sede de rateio, o que conforme demonstraremos, não será o caso, mesmo 20 assim, o plano de insolvência é mais favorável do que o cenário da liquidação.

XXXI. E importa ainda realçar que, em qualquer uma das perspetivas adotadas supra, o valor da liquidação do imóvel responde por outras dividas, tais como dívidas da massa insolvente, dividas às Finanças de IMI relacionadas com o imóvel garantido, dividas laborais dos trabalhadores que nele exercem atividade nos termos e para os efeitos do artigo 333.º n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.

XXXII. E atente-se que o valor dos créditos privilegiados ascende a 303 252,61€ (trezentos e três mil duzentos e cinquenta e dois euros e sessenta e um cêntimos)!

XXXIII. Pelo que o valor total da liquidação do imóvel nunca será distribuído na sua totalidade pelo credor garantido, mas apenas em parte.

XXXIV. Para além do imóvel hipotecado a favor do Banco Comercial Português, S.A, existem também um imóvel sito em ... hipotecado à S..., S.A. -que o credor Recorrente não teve em consideração – e cujo valor patrimonial tributário se fixa em 121960,28.

XXXV. Ora, na mesma linha de raciocínio supra exposto, tendo em conta que o valor total do crédito da S..., S.A. é de 1 227 959.98 € (um milhão duzentos e vinte e sete mil novecentos e cinquenta e nove euros e noventa e oito cêntimos),

XXXVI. A venda do imóvel pelo seu valor base, que corresponderá previsivelmente a 85% do seu valor de mercado, só faria face a cerca de apenas 10% do crédito da S..., S.A.

XXXVII. Enquanto o plano de insolvência apresentado pela Devedora prevê o pagamento de 51% da divida, isto é: 613 979,99 € (seiscentos e treze mil novecentos e setenta e nove euros e noventa e nove cêntimos)!

XXXVIII. Uma vez mais, o plano proposto pela Devedora é mais favorável do que a prossecução dos autos para a fase de liquidação inerente ao processo de insolvência.

XXXIX. O credor recorrente refere ainda que a Insolvente é proprietária de “um stock valorizado em cerca de 3,15 milhões de euros”.

XL. Relativamente a essa matéria, a Insolvente concorda com o entendimento do Exmo. Sr. Administrador da Insolvência vertido no Relatório do Administrador previsto no artigo 155.º e que foi junto aos autos: “No que toca aos stocks (tapetes e carpetes) – onde se concentra a maior parte do património da insolvente, sublinhe-se que são “bens” com características muito singulares e com um mercado muito próprio, pelo que em venda” forçada” a mesma será bastante lenta e com assinalável redução de preço, caso contrário não será possível escoar estes bens.”

XLI. Pelo que, salvo melhor opinião, a venda ao “desbarato” do stock da insolvente não será de todo vantajosa para os seus credores,

XLII. Bem pelo contrário, dado que, previsivelmente e em conformidade com o entendimento do Sr. Administrador da Insolvência, o produto da venda dos bens não satisfazia a totalidade do valor dos créditos e muito dificilmente satisfaria mais de 50%.

XLIII. Uma vez mais, a homologação do plano apresentado será sempre mais favorável.

XLVIII. O tribunal a quo argumenta que os credores privilegiados/garantidos, nos termos do plano de insolvência, são objecto de um tratamento desfavorável porque pretensamente violador do princípio da igualdade;

XLV. No entanto, entre os cenários em perspectiva – homologação do plano ou 22 liquidação - é, como se demonstrou, a decisão de não homologação que implica um tratamento mais prejudicial ao interesse dos referidos credores.

XLVI. Assim, não pode colher o argumento desenvolvido pelo tribunal a quo, não se verificando qualquer violação do princípio da igualdade.

XLVII. No caso dos trabalhadores, no sentido da inexistência de qualquer violação dos princípios da igualdade e do best interest test, pode salientar-se, ainda, a circunstância de o carácter privilegiado dos seus créditos só se aplicar quanto aos imóveis em que tivessem laborado que fossem propriedade da aqui Recorrente,

XLVIII. O que não sucede no caso vertente, uma vez que os trabalhadores desenvolviam a sua actividade em imóvel arrendado por aquela.

XLIX. Assim, mesmo pela via da liquidação, a hipotética satisfação dos créditos dos trabalhadores seria, igualmente, efectuada em condições de igualdade relativamente aos demais credores, designadamente, os comuns.

L. Em face do exposto, não se verificando qualquer violação do princípio da igualdade, cabia ao tribunal a quo manter a decisão de homologação do plano, proferida em primeira instância.

Nestes termos, e nos melhores de direito que a V/Exas. aprouver integrar, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser o acórdão recorrido revogado e substituído por outro que, fazendo prevalecer a posição vertida no douto Acórdão da Relação de Coimbra, junto como fundamento da presente Revista, repristine a sentença proferida em primeira instância, que homologou o plano de insolvência apresentado pela aqui Recorrente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi apreciada a questão sobre a não admissibilidade do recurso, dando-se cumprimento ao disposto no nº. 1 do art. 655º do CPC.

A recorrente veio reafirmar a sua anterior argumentação, no sentido da sua admissão.

Foi proferida decisão singular, a julgar findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto.

A recorrente apresentou reclamação para a conferência.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:

A matéria de facto delineada nas instâncias foi a seguinte:

Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir e como decidiu o tribunal a quo, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido, encontrando-se ainda provado, face ao teor do Plano de Insolvência apresentado pela devedora, com as modificações introduzidas em 09/06/2023, o seguinte:

1- Do Plano de Insolvência apresentado pela devedora/insolvente, com as modificações introduzidas em 26/10/2023, alterações essas notificadas aos credores, por anúncio no portal citius, consta:

“(…)

1. Apresentação da Empresa

(…)

1.4 Actividade Comercial

A atividade comercial da Tricana desenvolve-se nas seguintes áreas: comercialização de todo o tipo de Tapetes: persas, orientais, contemporâneos, personalizados, e outros não especificados; comercialização de Alcatifas; produção e comercialização de tapetes de Arraiolos; serviços de restauro, cuidados de manutenção e limpeza; serviço de aplicação dos produtos comercializados; comercialização de outros produtos de decoração tais como pavimentos e relvas sintéticas.

A reestruturação interna efetuada desde 2017, com a entrada em funções do novo Administrador, levou ao encerramento de várias lojas, e à procura de melhores localizações, para as lojas dos principais centros geográficos. De salientar o resultado já positivo nos exercícios de 2021 e 2022, não obstante as dificuldades existentes.

Em simultâneo existiam 14 lojas em território nacional e 3 armazéns.

- Lojas: ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ....

- Armazéns: ..., ... e ....

Atualmente existem cinco lojas: 2 em ..., 1 em ..., 1 no ... e 1 no ...; e dois armazéns: ... e ....

A loja sita na Avenida ... foi distinguida com a atribuição da distinção de um estabelecimento comercial como Lojas com História assente na verificação de critérios previamente definidos no Regulamento Municipal de atribuição da distinção Lojas com História e o Regulamento do Fundo Municipal Lojas com História da Câmara Municipal de ....

(…)

1.7. Património

O património imobiliário da Tricana é composto atualmente por 3 imóveis: 2 sitos em Miranda do Corvo e 1 sito no Cacém, onde funcionam atualmente os serviços administrativos e os serviços de restauros. Um dos imóveis de Miranda do Corvo é atualmente utilizado como armazém e para serviços de limpeza. O valor patrimonial dos imóveis de Miranda do Corvo é de aproximadamente 483 mil euros e o imóvel do Cacém tem um valor patrimonial aproximado de 120 mil euros. Sobre estes imóveis recaem ónus a favor do Banco Millennium BCP e do Novo Banco respetivamente.
(…)

4. PLANO DE RECUPERAÇÃO

4.1. Objetivos e estratégias a implementar

A proposta do plano de recuperação aqui apresentado tem como finalidade expor um conjunto de medidas necessárias à manutenção da atividade, sob a administração da devedora.

A restruturação interna já implementada permitiu reduzir substancialmente os custos de operação da empresa, contudo só será possível a recuperação do passivo e continuidade da atividade, com a concretização de um conjunto de medidas, com as seguintes linhas orientadoras:

a) Reestruturação do passivo, através de perdão de 49% da divida consolidada à data da homologação do presente plano, com exceção da Autoridade Tributária, por imperativo legal, o que permitirá à Tricana a manutenção da sua atividade, melhorar a sua autonomia financeira, e alterar os seus capitais próprios de forma significativa, permitindo-se assim recorrer a benefícios/incentivos, que até à data não pode recorrer por não ser elegível.

Neste sentido ressalva-se que a empresa ficou impedida de recorrer a quaisquer apoios atribuídos no âmbito do Covid-19, tendo apenas beneficiado das moratórias.

Ainda assim a empresa conseguiu sempre cumprir com os seus compromissos mensais, não criando nova divida.

b) Reestruturação do passivo, através de perdão total de divida dos créditos subordinados.

c) Renegociação do pagamento do passivo, condicionando o pagamento dos créditos às capacidades da empresa, de acordo com a calendarização apresentada no presente plano.

d) Redução do endividamento e custos financeiros, através da renegociação da divida com os credores.

e) Os valores de compras relativos a produtos de encomendas, serão sempre pagos com as quantias recebidas a título de adiantamento dos clientes.

f) Continuação da formação interna da equipa de vendas, por forma a garantir o atendimento de excelência nas lojas tradicionais e promovendo a venda de outros produtos e serviços.

g) Continuação do incremento do Departamento dos Serviços de Limpeza e Restauros, que devido ao nosso alto nível de especialização e exclusividade, tem crescido significativamente nos últimos anos, adjudicando contratos com diversas entidades, publicas e privadas.

h) Melhoramento do posicionamento no mercado profissional com o relançamento do Departamento "Business to Business". Este é um mercado que apresenta significativos sinais de retoma, nomeadamente por parte das empresas de construção, reabilitação e decoração.

i) Manutenção da faturação mínima alcançada nos últimos anos antes da pandemia, através da continuação da promoção de um atendimento de excelência nas lojas tradicionais e provendo a venda de produtos e serviços. É igualmente importante deter a exclusividade de comercialização de algumas marcas e estar atento a todos os produtos novos que surgem no mercado, que são rapidamente procurados por profissionais e particulares.

j) Remodelação do site da Tricana e manutenção permanente da loja online, procurando a comercialização a clientes internacionais.

A ideia base consiste na elaboração de um plano que preveja uma forma de liquidar os créditos aos seus credores, através da reestruturação de divida, que contemple um alargamento dos prazos de pagamento e os termos em que serão efetuados os reembolsos dos créditos.

Perspetivamos que os credores deem o seu acordo a que sejam consolidados os créditos para prazos compatíveis com as capacidades da empresa em libertar fundos, permitindo à empresa fazer face aos compromissos assumidos.

Assim sendo, o pagamento aos credores será efetuado com recurso a fundos próprios, obtidos com rendimentos gerados pela manutenção em atividade da empresa, reestruturando o passivo.

Estado — Fazenda Nacional e Segurança Social

A divida existente à Fazenda Nacional diz respeito ao Processo de Execução Fiscal com o número ...93 do ano de 2000, com a quantia exequenda de 28.425,65 euros, atenta a anulação parcial que ocorreu recentemente em resultado de produção de efeitos de contencioso judicial. Este processo tem já associado um plano prestacional em vigor, que atendendo ao regime aplicável aos créditos fiscais, será efetuado em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, e serão mantidas as garantias existentes, nos termos do n° 13 do artigo 199 do CPPT.

Não existem atualmente valores em dívida à Segurança Social.

4.2. Medidas necessárias à execução

A execução do presente plano pressupõe a necessidade de cumprimento do plano de pagamentos a ele subjacente, dando cumprimento ao princípio da igualdade material entre os credores.

Adicionalmente é indispensável que os credores envolvidos mantenham a sua confiança na atividade económica da empresa.

4.3. Pressupostos do Plano

4.3.1 Pressupostos das projeções financeiras

(…)

4.3.2. Pagamentos

a) Valores de dívida

Propõe-se uma reestruturação do passivo através de um perdão de dívida de 49%.

Juros vencidos, comissões de garantias bancárias e outros valores similares, vencidos até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da aprovação do Plano de Recuperação, serão reestruturados nas mesmas condições da restante dívida.

Juros vincendos, após o trânsito em julgado da sentença homologatória da aprovação do Plano de Recuperação, serão pagos em prestações mensais, postecipadas, vencendo-se a primeira no último dia do mês seguinte a contar da referida data, e serão contados às seguintes taxas:

- Créditos garantidos: Euribor a 6 meses, acrescida do spread de 0,75%, ao longo de todo o período de execução do Plano;

- Restantes créditos: Euribor a 6 meses, acrescida do spread de 0,75% ao longo de todo o período de execução do Plano;

b) Prazo de pagamento:

a) Propõe-se o pagamento em dez anos;

b) As prestações de pagamento terão o seguinte escalonamento:

b. 1) Créditos garantidos: do primeiro ao décimo ano de execução do Plano, o capital será amortizado em prestações mensais, postecipadas, com o valor crescente calculado em taxas médias sobre o capital inicial, da seguinte forma:

b. 2) Restantes créditos: do primeiro ao décimo ano de execução do Plano, o capital será amortizado em prestações mensais, postecipadas, com o valor crescente calculado em taxas médias sobre o capital inicial, da seguinte forma:
 c) Aos créditos comuns sob condição - créditos que se encontram dependentes da execução (ou não) de garantia bancária - Art. 47.°, n.° 4, alínea c) e art. 50.° do CIRE- aplicam-se as mesmas condições que aos credores que detêm as garantias bancárias.

(…)”

Na decisão singular foi explanado o seguinte:

«Pretende a recorrente que seja revogado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e se repristine a sentença proferida na 1ª. instância, que homologou o plano de insolvência, invocando oposição com o acórdão relatado em 25-6-2013 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, já transitado em julgado.

Ora, tratando-se de uma decisão proferida nos próprios autos de insolvência, o regime dos recursos será regido pelo previsto no art. 14º, nº. 1 do CIRE.

Nos termos plasmados neste preceito legal, no processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo jurisprudência com ele conforme.

Como se escreveu no Ac. do STJ, de 19-12-2023, in http://www.dgsi.pt.«A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias».

A contradição de julgados exige, assim, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais, sendo as soluções em confronto, divergentes e no domínio da mesma legislação.

A exigência de identidade do núcleo essencial das situações de facto é fundamental, pois, inexiste conflito jurisprudencial quando a diversidade de soluções jurídicas alcançadas para a composição dos interesses em litígio, num e no outro caso, assentam em diferenciações relevantes da matéria litigiosa, decorrendo a diversa solução adotada nos dois acórdãos de particularidades da matéria de facto subjacente aos litígios ( cf. neste sentido acórdão do STJ de 02.10.2014, Processo n.º 68/03.0TBVPA.P2.S1-A).

Como referem Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3º Vol. (3ª edição) pág. 282, “a integração da previsão da norma que é objeto de interpretações ou aplicações divergentes faz-se com factos de certo tipo e não de qualquer tipo (…) não basta uma oposição sobre a interpretação abstrata de normas jurídicas, pois está em causa a solução de casos jurídicos, por definição concretos.”

Com efeito, para se verificar uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento, é necessário que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes ou equivalentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o núcleo factual essencialmente idêntico ou equivalente, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória.

Só há uma verdadeira contradição entre os acórdãos, quando a questão essencial, que constituiu a razão de ser e objeto da decisão, foi resolvida de forma frontalmente oposta na decisão em confronto.

Assim, para haver oposição de julgados, para efeitos do recurso de revista, no âmbito do art. 14º do CIRE, exige-se a verificação dos seguintes pressupostos:

- Verificação de uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada por alguma das relações ou pelo STJ, que serve de contraponto e de fundamento à admissibilidade da revista;

- A existência da efetiva contradição de acórdãos, ou seja, deve estar-se perante uma oposição frontal e tal oposição frontal deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos (sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo);

- Dever a contradição dos acórdãos verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico.

- Não haver acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ).

Aditar-se-á, ainda, a título exemplificativo, a seguinte jurisprudência do STJ, in www.dgsi.pt:

Ac. do STJ, de 09.03.2021:

«Duas decisões só são divergentes quanto à mesma questão fundamental de direito se têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – são análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, e que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso (isto é, que integre a ratio decidendi dos acórdãos em confronto».

Acórdão do STJ de 26.05.2021:

«A oposição jurisprudencial que releva para efeitos da aplicação do regime de recursos especial do art. 14º, nº 1, do CIRE é a que se manifesta em decisões divergentes que tenham por base situações de facto análogas ou equiparáveis, subsumíveis a um mesmo quadro normativo, e em que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso.

Ac. do STJ de 08.02.2022:

«A admissibilidade do recurso de revista, restrita e atípica, previsto no art. 14º, nº 1, do CIRE implica que o recorrente tem o ónus de demonstrar que a diversidade de julgados a que respeitam os acórdãos em confronto é consequência de uma interpretação divergente da mesma questão fundamental de direito na vigência da mesma legislação, conduzindo a que uma mesma incidência fáctico-jurídica tenha sido decidida em termos contrários.

As decisões dos acórdãos em confronto entendem-se como divergentes se se baseiam em situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo - tendo em vista os específicos interesses das partes em conflito - são análogas ou equiparáveis, pressupondo a oposição jurisprudencial (frontal e expressa, por regra) uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, sendo que, nesse contexto, a questão fundamental de direito (ou questões fundamentais) em que assenta(m) a alegada divergência sobre a aplicação de determinada solução legal assume(m) um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso».

Ac. do STJ. de 5-7-2022:

«As decisões dos acórdãos em confronto entendem-se como divergentes se se baseiam em situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em vista os específicos interesses das partes em conflito – são análogas ou equiparáveis, pressupondo a oposição jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, sendo que, a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência sobre a aplicação de determinada solução legal assume um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso».

Ac. do STJ. de 31.1.2023:

«Não se verifica a oposição de acórdãos exigida pelo art. 14.º, n.º 1, do CIRE, quando a concreta diferença de sentido decisório entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento assenta na existência de bases factuais tipologicamente distintas, e não na existência de alguma diversidade interpretativa de qualquer norma do CIRE».

Ora, colocados entre parâmetros, analisemos a situação concreta.

No acórdão recorrido foi analisado se foi violado o princípio da igualdade, atento o tratamento conferido a credor beneficiário de garantia e aos credores comuns.

Diz-se no acórdão recorrido que: «A devedora/insolvente propõe o pagamento nas mesmas e exactas condições aos credores garantidos por hipoteca, entre eles o recorrente BCP e aos credores privilegiados – trabalhadores - e aos demais credores, todos comuns.

A questão colocada é, assim, a de saber se o princípio da igualdade não só obriga ao tratamento por igual de situações iguais, como também ao tratamento desigual de situações desiguais.

O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções. Aliás, admite-as, quando se trata de situações desiguais.

No caso concreto, diferentemente do que se passa quando aplicamos o princípio na sua pureza, a própria lei estabelece causas de diferenciação (cfr. nº2 do art. 604º do CC e 47º do CIRE) que nos permitem balizar as igualdades e as diferenças, como as garantias, e privilégios creditórios. É por isso que a específica manifestação do princípio da igualdade que se concretiza no princípio par conditio creditorum é, no domínio concursal, “uma técnica de organização do concurso de credores.” [32 Catarina Serra em Tutela…, pgs. 93 e 94].

E não é por, em regra, estarmos a apreciar tratamentos desiguais de credores em situações idênticas fundados em razões objetivas que nos impede de aplicar aqui o reverso do princípio e apontar que tratar da mesma forma credores em situações objetivamente diferentes é também violador do princípio da igualdade.»

Conforme invocou o apelante Banco Comercial Português, SA, que votou contra a aprovação do plano, deste não consta qualquer justificação para que o seu crédito – garantido por hipoteca sobre o imóvel utilizado pela devedora como armazém e cujo valor patrimonial é de € 473.757,44 – receba o mesmo tratamento que os créditos comuns. O crédito reconhecido a este credor na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do artº 129º do CIRE ascende a € 1.238.904,57, incluindo juros.

Ser um credor garantido, incidindo a garantia sobre o imóvel da titularidade da devedora de valor mais elevado, não pode deixar de ser considerado objectivamente diferente de ser um credor comum. Significa que aquele credor tem o direito de ser pago preferencialmente pelo valor da coisa sobre a qual recai a garantia com preferência em relação aos credores comuns – cfr. art. 686º do CC.

O mesmo que se encontra previsto relativamente a este credor sucede com os trabalhadores cujos créditos se encontram reconhecidos na lista supra referida como beneficiando de privilégio.

Estes credores ficam sujeitos exactamente ao mesmo regime dos créditos comuns - tal como estes credores, vêem os seus créditos reduzidos em 49% e serão pagos, quer em termos de capital, quer de juros, igualmente no mesmo prazo, sem qualquer diferenciação relativamente aos credores comuns e sem que conste do plano qualquer razão justificativa para tal tratamento.

Até podem existir razões objectivas para que o credor recorrente Banco Comercial Português, que beneficia de hipoteca nos termos referidos, esteja a ser tratado, rigorosamente, como se fosse um credor comum. Mas não constam do acordo».

No acórdão fundamento, a questão suscitada não emerge do mesmo núcleo factual, não sendo idêntico o tratamento jurídico a adotar.

Com efeito, diz-se naquele acórdão: «A alteração ao plano que está aqui em causa apenas afecta os créditos privilegiados (ex-trabalhadores) e afecta-os a todos da mesma forma.

E, não obstante o facto de essa alteração implicar para esses credores um tratamento mais desfavorável do que aquele de que beneficiavam pelo plano anterior, nem por isso se poderá afirmar que é violado o princípio da igualdade, já que, para este efeito, o que importa considerar é o tratamento que mereceram estes credores no confronto com os demais.

Ora, se é certo – como dissemos – que esta alteração afecta igualmente todos os credores privilegiados, parece-nos, por outro lado, que a diferença de regime a que ficaram submetidos encontrará a sua justificação na diferente natureza dos créditos, não podendo, sequer, afirmar-se que, por força desta alteração, esses credores ficaram submetidos a um regime mais penalizante ou desfavorável do que os credores comuns.

(…)

O crédito do B... não foi tratado, todo ele, da mesma forma, sendo que, ao que decorre do relatório do Administrador, uma parte desse crédito reporta-se a um contrato de locação financeira (que terá como objecto as instalações da Insolvente) e a outra parte reporta-se a um contrato de financiamento. A primeira parte foi considerada como “crédito garantido” e a segunda parte foi tratada como “crédito comum”.

O crédito “garantido” do B... foi, efectivamente, tratado de forma mais favorável do que os créditos dos ex-trabalhadores e essa diferenciação acentua-se com a alteração ao plano que estamos a apreciar. Mas nem por isso se poderá concluir pela violação do princípio da igualdade, na medida em que os aludidos créditos não estão exactamente na mesma situação, já que o crédito do B..., sendo um crédito garantido, reporta-se a um contrato de locação financeira que tem como objecto as instalações da Insolvente e esta circunstância sempre poderá justificar o seu tratamento mais favorável, com vista a assegurar o cumprimento do contrato e a manutenção das instalações que, naturalmente, serão essenciais à sua actividade. Aliás, os credores privilegiados (ex-trabalhadores) aceitaram o tratamento mais favorável que era dado ao B... no plano de insolvência inicial, já que votaram a favor da sua aprovação. E, se é certo que a alteração ao plano ora proposta acentua essa diferença de tratamento (que não foi aceite pelos ex-trabalhadores), a verdade é que não nos parece que tal alteração comporte uma violação do princípio da igualdade, na medida em que, atendendo às circunstâncias supra descritas, não será possível afirmar que esses credores estejam em idêntica situação e que não se justifique a diferença de tratamento que emerge daquela alteração.

Por outro lado, os credores privilegiados não ficam sujeitos – em função daquela alteração – a um regime mais desfavorável do que os credores comuns, designadamente, o B... (no que respeita ao crédito referente ao contrato de financiamento), já que, apesar de aquela alteração aproximar os credores privilegiados dos credores comuns, parece-nos que, apesar de tudo, ainda beneficiam de um regime mais favorável relativamente ao B....

De acordo com o plano inicial, o regime fixado para os ex-trabalhadores já coincidia com o regime fixado para os credores comuns nos seguintes pontos: amortização da dívida em 3 anos (25% no primeiro ano e 37,5% no segundo e terceiro ano) em pagamentos semestrais e perdão de juros vencidos e outros encargos. Importa notar que o crédito comum do B... já estava sujeito a um regime mais desfavorável já que a amortização da dívida era feita em 6 anos. Tais regimes divergiam, porém, no período de carência de um ano que estava previsto para os credores comuns (incluindo o B...) e ao qual não estavam sujeitos os ex-trabalhadores.

A alteração ao plano que é proposta pela Insolvente resume-se, na prática e em termos gerais, a sujeitar os créditos dos ex-trabalhadores ao mesmo período de carência a que estavam sujeitos os créditos comuns.

Importa notar que, ao contrário do que parece ter considerado a decisão recorrida, os créditos dos ex-trabalhadores continuam – com aquela alteração – a ter um tratamento mais favorável do que o crédito comum do B..., já que este será pago em seis anos e aqueles em três anos, sendo que esse tratamento diferenciado encontra justificação na diferente natureza dos créditos.

Mas, com essa alteração, os créditos dos ex-trabalhadores ficarão submetidos, na prática, ao mesmo regime que vigora para os créditos comuns (com excepção do B..., como vimos). Ora, se ficam sujeitos a regime idêntico, não nos parece que exista qualquer violação do princípio da igualdade. Atendendo à diferente natureza dos créditos (privilegiados e comuns), poderia admitir-se – sem qualquer implicação com o princípio da igualdade – que os privilegiados merecessem tratamento mais favorável (como acontecia, aliás, com o plano inicial). Mas isso não significa que os créditos – dada a diferente natureza – tivessem que merecer, necessariamente, esse tratamento diferenciado, sob pena de violação daquele princípio. O princípio da igualdade impõe, naturalmente, que, sem prejuízo da existência de razões objectivas que o justifiquem, os créditos privilegiados não fiquem sujeitos a um regime mais desfavorável do que os créditos comuns, mas a mera circunstância de os créditos privilegiados e os créditos comuns ficarem sujeitos a regime idêntico não nos permite concluir, de forma automática, pela violação daquele princípio.

Ora, o tratamento diferenciado e mais favorável do crédito do B... referente ao contrato de locação financeira – que é acentuado com a alteração ao plano, mas que já existia no plano inicial que havia sido aprovado com o voto dos ex-trabalhadores – não comporta qualquer violação do princípio da igualdade, dadas as razões supra mencionadas. Por outro lado, os créditos dos ex-trabalhadores continuam sujeitos a um regime mais favorável do que o crédito comum do B... (situação que já decorria do plano inicial e que não foi objecto de qualquer alteração. E, não obstante a alteração, os créditos privilegiados (dos ex-trabalhadores) não ficam sujeitos a regime mais desfavorável do que os créditos comuns; antes ficam sujeitos a regime idêntico, o que também não comporta qualquer violação do princípio da igualdade, porquanto esse princípio não impõe que os créditos de diferente natureza tenham que ser, necessariamente, tratados de forma diversa.

Não nos parece, pois, que a alteração ao plano proposta pela Insolvente e aprovada em assembleia de credores implique com o princípio da igualdade.

Da análise em confronto, do acórdão fundamento e do acórdão recorrido, não se evidência a existência de decisões divergentes, subsumíveis a um mesmo quadro normativo, nem assentes em idêntica situação factual.

Apesar de ambos se prenderem com o princípio da igualdade dos credores, o certo é que o seu cerne é diferente, não podendo ser apreciada a revista, no âmbito do art. 14º do CIRE, já ela de si excecional.

De igual modo, não existe violação do art. 20º da CRP.

Efetivamente, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

À recorrente, não lhe foi negado qualquer direito, sendo que neste particular, a jurisprudência constitucional tem entendido que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso ou ao chamado duplo ou triplo grau de jurisdição».

Atento o supra explanado, não assiste razão à reclamante.

Sumário:

- Nos termos plasmados no nº. 1 do art. 14º do CIRE, no processo de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo jurisprudência com ele conforme.

- A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis e contraditórias.

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em conferência julgar improcedente a reclamação.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em duas Ucs, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie.

Notifique.

Lisboa, 12-11-2024

Maria do Rosário Gonçalves (Relatora)

Ricardo Costa

Luís Correia de Mendonça