Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5753/21.0T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: OFENSA DO CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
BENFEITORIAS
RECONVENÇÃO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
AUTOR
CASO JULGADO MATERIAL
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I – Na expressão caso julgado cabem, em rigor, a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respetivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado.

II – A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.

III – O direito a benfeitorias, ainda que emergente da relação jurídica complexa em que radica o direito à restituição da coisa, traduz-se num direito de crédito distinto deste direito à restituição e que pode ser acionado tanto por via de ação autónoma como, facultativamente, por via reconvencional nos termos do art. 266.º/2/b, do CPCivil.

IV – A não invocação do direito a benfeitorias por via de reconvenção em ação declarativa em que se pretenda a restituição da coisa não fica alcançada, de forma excludente, pelos efeitos do caso julgado material, negativos ou positivos, nos termos previstos nos artigos 619.º/1, e 621.º do CPCivil, decorrentes da condenação nessa restituição, nem tão pouco abarcada pela preclusão dos meios de defesa prescrita no artigo 573.º do mesmo Código.

Decisão Texto Integral:
RECURSO DE REVISTA1,2,3,4,55753/21.0T8GMR.G1.S1


RECORRENTES6 AA;

BB.

RECORRIDAS7 CC;

DD;

EE.



***


SUMÁRIO8,9


I – Na expressão caso julgado cabem, em rigor, a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respetivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado.

II – A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.

III – O direito a benfeitorias, ainda que emergente da relação jurídica complexa em que radica o direito à restituição da coisa, traduz-se num direito de crédito distinto deste direito à restituição e que pode ser acionado tanto por via de ação autónoma como, facultativamente, por via reconvencional nos termos do art. 266.º/2/b, do CPCivil.

IV – A não invocação do direito a benfeitorias por via de reconvenção em ação declarativa em que se pretenda a restituição da coisa não fica alcançada, de forma excludente, pelos efeitos do caso julgado material, negativos ou positivos, nos termos previstos nos artigos 619.º/1, e 621.º do CPCivil, decorrentes da condenação nessa restituição, nem tão pouco abarcada pela preclusão dos meios de defesa prescrita no artigo 573.º do mesmo Código.



***

ACÓRDÃO10



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

CC, DD, e EE, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo a condenação destes a:

a) Reconhecer que foram os pais das autoras quem, no ..., fez a construção e posteriores obras de alteração da casa que compõe o prédio urbano, inscrito na matriz de ... sob o artigo 303, descrito nos n.ºs 4 e 7 da Petição Inicial pagando todos os custos da construção e obras de alteração;

b) Reconhecer que o custo da construção e das obras de alteração, atualizado de acordo com as taxas de inflação, importa em € 108 188,05;

c) Reconhecer que o acréscimo do valor que a construção e as obras de alteração trouxeram ao denominado “...”, importa em € 63 255,20;

d) Pagar à herança de FF e de GG, representada pelas ora autoras e irmã, o valor de € 63 255,20, a título de indemnização, por benfeitorias úteis realizadas no imóvel identificado no n.º 2 da Petição Inicial, ou, subsidiariamente, por aplicação do instituto do enriquecimento sem causa;

e) Pagar juros de mora, calculados sobre aquela quantia de € 63 255,20, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento.

Foi proferida sentença em 1ª instância, julgando procedente a ação e, em consequência:

a) Declarou que foram os pais das autoras, CC, DD, EE e HH, quem fez a construção referida no ponto 4 dos factos provados e as posteriores obras de alteração referidas nos pontos 21 a 23 dos factos provados, que integram o prédio referido no ponto 30 doas factos provados, pagando todos os custos da construção e obras de alteração;

b) Declarou que o acréscimo do valor que a construção e as obras de alteração trouxeram ao prédio, importa, pelo menos, em € 63 255,20;

c) Condenou os réus, AA e BB, a pagar às autoras, na qualidade de herdeiras de FF e de GG, o valor de € 63 255,20, a título de indemnização, por benfeitorias úteis realizadas no imóvel identificado no ponto 30 dos factos provados, acrescida dos juros de mora, vencidos desde a data da citação e vincendos até efetivo e integral pagamento, sobre o capital de € 63 255,20, à taxa legal de 4% ao ano.

Os réus interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que negou provimento ao recurso e, confirmou a decisão recorrida.

Inconformados, vieram os réus interpor recurso de revista (excecional), deste acórdão, tendo extraído das alegações11,12 que apresentaram as seguintes


CONCLUSÕES13:


i. Da admissibilidade da revista excecional com fundamento na alínea a) do nº1, do art.672º do CPC:

1- A relevância jurídica prevista no art. 672.o, no 1, a), do CPC, pressupõe uma questão que apresente manifesta complexidade ou novidade, evidenciada nomeadamente em debates na doutrina e na jurisprudência, e onde a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça possa assumir uma dimensão paradigmática para casos futuros.

2- É sabido que existe uma grande discussão à volta da tão controversa figura processual da exceção de caso julgado/autoridade de caso julgado, nomeadamente quanto à verificação da tríplice identidade dos sujeitos, de pedido e de causa de pedir a que alude o art. 580º do CPC.

3- O mesmo se diga relativamente à questão da prescrição, ou seja, a jurisprudência também não se afigura consentânea, sobre qual é o prazo aplicável para reclamar a indemnização pelas benfeitorias, se é o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art. 482º do CC, uma vez que a obrigação de indemnização pelas benfeitorias está sujeita ao regime legal do instituto do enriquecimento sem causa, ou se é o prazo ordinário de 20 anos, estabelecido no art. 309º do CC, como é um direito de natureza creditória.

4- Já quanto ao cálculo do valor da indemnização pelas benfeitorias úteis, parece-nos óbvio que, a jurisprudência vem entendendo que se deve optar pelo menor de entre o valor despendido com a construção e obras subsequentes e o valor que as mesmas acrescentaram ao imóvel, porém, afigura-se uma questão de elevado grau de complexidade, pela controvérsia que gera na jurisprudência, a tese de que deve ser considerada a compensação legal da desvalorização monetária, como entendeu o acórdão recorrido.

5- Daí o recurso à revista excecional, uma vez que a relevância jurídica, decorre desde logo, da necessidade de, sobre a matéria em causa, termos definida posição desse Venerando Tribunal

6- E, daí, a admissibilidade de revista excecional com fundamento no art.672º, nº1, a) do CPC.

Se assim não se entender,

ii. Da admissibilidade da revista excecional com fundamento na alínea b) do nº1, do art.672º do CPC:

7- Os interesses de particular relevância social respeitam a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com maior ou menor repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, angústia, insegurança, intranquilidade, alarme, injustiça ou indignação.

8- No fundo, trata-se de saber se a presente ação (segunda ação), no que diz respeito aos sujeitos processuais e à causa de pedir, configura/consubstancia ou não uma repetição da causa que foi decidida/julgada na primeira ação.

9- Por outro lado, quanto à prescrição, importa apurar qual o prazo aplicável para obter o valor das benfeitorias, se o prazo de prescrição é de 3 anos previsto no art. 482º do CC, ou se é o prazo ordinário de 20 anos estabelecido no art. 309º do CC.

10- E ainda, revela-se essencial perceber qual o cálculo do valor da indemnização a receber pelas benfeitorias úteis, uma vez que a jurisprudência vem entendendo que deve ser o menor de entre o valor despendido com a construção e obras subsequentes e o valor que as mesmas acrescentaram ao imóvel, se também deve ser ponderada a compensação legal da desvalorização monetária.

11- Se as questões essenciais suscitadas pelos recorrentes prendem-se com saber se houve ou não violação dos seus direitos de defesa e de acesso ao direito, constitucionalmente consagrados como direitos fundamentais, julgando não verificadas as exceções dilatórias de caso julgado/autoridade de caso julgado e de prescrição, bem como da indemnização a atribuir pelas benfeitorias úteis, tal situação reveste as características acima indicadas, originando que tenha de se considerar os interesses em causa como assumindo particular relevância social por a violação daqueles direitos poder implicar ultrapassagem dos precisos limites do caso concreto.

12- E, daí, a admissibilidade de revista excecional com fundamento no art.672º, nº1, b) do CPC.

iii. DO DESPACHO SANEADOR:

a) Caso julgado e/ou força e autoridade de caso julgado/preclusão da defesa

13- A lei processual civil define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado – arts. 619º, nº1, e 628º, ambos do CPC.

14- Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”).

15- A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida.

16- A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

17- Objetivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sore a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado.

18- Do ponto de vista subjetivo, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram, embora se possa projetar, conforme o caso, na esfera jurídica de terceiros.

19- Temporalmente, o caso julgado é limitado ao encerramento da discussão em 1ª instância, implicando a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões que, apesar de anteriores àquele momento, não foram – podendo ter sido – suscitadas no processo com decisão transitada. A referência temporal do caso julgado consubstancia, deste modo, um momento preclusivo.

20- Correlacionada com o caso julgado, mas dele independente, surge a figura da preclusão decorrente das normas constantes dos artigos 564.º, alínea c), e 573.º do CPC, nas quais se institui o réu no ónus da oportuna dedução de todos os meios de defesa que considere ter ao seu dispor no confronto da pretensão do autor, sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras que corram entre as mesmas partes.

21- Há uma dialética entre o ónus da concentração e da preclusão, o qual demanda que sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado.

22- Em regra, a preclusão emerge da omissão da prática de um ato no momento legal ou judicialmente fixado, dizendo-se, por isso, que a preclusão é temporal. Mas também se divisam casos em que a preclusão resulta da não realização do ato no processo adequado, ainda que respeitando o prazo para a sua prática, o que se tem denominado preclusão espacial, designadamente em matéria de efeitos da citação, quando o artigo 564.º, alínea c), do CPC determina que a citação do réu o inibe de propor uma ação destinada à apreciação da questão jurídica colocada pelo autor.

23- Revertendo ao caso dos autos verificamos que, correram entre os ora Réus, ali Autores, e os ora Autores (e seus antecessores) ali Réus, diversas ações, designadamente, os processos nº ..., que correu pelo...º Juízo Cível de ...; nº 405/05.0...

– ...ª Vara Mista de ...; nº 609/2014.5..., Instância Central de ... – ...ª Secção – J....

24- Considerando a instauração de tais ações de reivindicação, em que as Autoras (e seus antecessores) eram então Réus, e em cuja reconvenção invocavam a propriedade por usucapião e acessão imobiliária sobre o mesmo prédio, poderiam e deveriam igualmente exercer o direito a que ora se arrogam, fundado no instituto do enriquecimento sem causa a título subsidiário, pois conheciam todos os seus elementos constitutivos.

25- Com efeito, deveriam as Autoras (e seus antecessores) nas ditas ações terem deduzido toda a defesa possível, inclusive, o pedido de indemnização ora peticionado.

26- Como preceitua o art. 489º, nº 1, do CPC, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão.

27- Assim, cabia às Autoras, Rés nas ditas ações, em face da factualidade que já era conhecida na ocasião em que apresentaram as suas contestações naquelas ações, invocar o direito às benfeitorias em sede de reconvenção.

28- Qualquer direito que as Autoras pudessem (eventualmente) ter de benfeitorias extinguiu-se quando nas ditas ações, optaram por apenas pedir reconvencionalmente o direito de propriedade por usucapião e acessão imobiliária, não tendo cumulado nesse pedido – em cumulação objetiva subsidiária – o pedido de pagamento das benfeitorias.

29- Com esse procedimento, entendem os Réus/recorrentes, que as Autoras /recorridas renunciaram tacitamente ao exercício do direito às benfeitorias.

30- Não temos dúvidas de que que os Autores vieram reeditar uma relação material controvertida que foi definitivamente julgada nas outras ações supra melhor identificadas, acrescentando-lhe novos argumentos em sua defesa, ocorrendo uma relação de prejudicialidade entre as ações aqui em confronto.

31- Se os Autores omitiram parte da sua defesa no momento próprio (quando deduziram reconvenção naqueles outros processos), fica precludido o direito e o fazer mais tarde no processo ou em outros processos, pois tem a ver com a estratégia de defesa a gizar no momento.

32- Assim, verifica-se a preclusão do direito de defesa que as Autoras/recorridas pretendem fazer valer nesta ação, preclusão esta que está já coberta pela autoridade do caso julgado.

Contudo e sem prescindir,

b) Da prescrição

33- No caso de assim não se entender, sempre se dirá que, o direito à indemnização e restituição por enriquecimento sem causa já prescreveu.

34- Contrariamente ao defendido pelo Tribunal recorrido, o prazo de prescrição aplicável é do art.482º do CC, ou seja, três anos e não o de vinte anos.

35- Com efeito, o alegado direito das Autoras já poderia ter sido exercido a partir do términus das ações, supra melhor identificadas, mormente, da sentença de 6.11.2002, da ação ..., da decisão do STJ, datada de 16.04.2013 da ação nº 405/05.0..., e após a citação das AA. para contestarem a ação nº 609/2014.5... – J..., sentença que transitou em julgado em 21.12.2015, momentos em que as AA. tiveram conhecimento do direito que lhes compete e da pessoa do responsável e em que lhes foi reclamada a entrega do imóvel, tendo decorrido mais de 19, 8 e 6 anos.

36- No caso em apreço, a presente ação do enriquecimento sem causa, foi intentada em 03.11.2021, pelo que, o prazo de três anos sobre a data do trânsito em julgado já havia decorrido quando a mesma foi intentada.

37- Assim, a exceção de prescrição deve ser julgada procedente.

iv. Do recurso de direito: do valor da indemnização

38- A finalidade da lei, ao conferir ao possuidor o direito de levantamento das benfeitorias úteis (jus tollendi) quando não haja detrimento para a coisa, consiste em evitar o locupletamento e, ao mesmo tempo, prejuízos ao titular do direito sobre coisa. Havendo detrimento, o titular do direito é obrigado a indemnizar o possuidor. Esta mesma solução se aplicará ao caso da impossibilidade material do levantamento das benfeitorias, sob pena de locupletamento do titular do direito.

39- Nos termos do artº 479º, nºs 1 e 2, a indemnização fundada no enriquecimento sem causa deve corresponder ao valor daquilo que o titular do direito sobre a coisa obteve à custa do empobrecido, não podendo exceder a medida do locupletamento à data em que o enriquecido foi citado para a restituição ou teve conhecimento da falta de causa para o enriquecimento (artºs 479º, nºs 1 e 2, e 480º).

40- Como refere a jurisprudência e doutrina tradicional, o possuidor só tem direito ao menor dos dois valores: custo real das benfeitorias e o valor objetivo atual;

41- Pois que a medida dessa diferença entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias na data da restituição e o valor da mesma coisa com as benfeitorias na mesma data corresponde ao valor que o enriquecido obtém à custa do empobrecido (art. 479º nº1 CC).

42- A medida do enriquecimento (e do correlativo empobrecimento) é, portanto, dada pela diferença, reportada esta ao momento em que a restituição deveria ter lugar, entre o valor (hipotético) que o prédio teria sem quaisquer benfeitorias e o valor (real e objetivo) que tem com as mesmas benfeitorias.

43- Este enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias decorrente de despesas realizadas por outrem gera, portanto, a obrigação de restituir o valor que essas despesas acrescentaram».

44- No caso em apreço, resulta provado o valor da benfeitoria realizada – 21 496,39€ (1496,38€ + 20 000,00€) -, resultando ainda que o valor da parcela de terreno onde a mesma se encontra implantada é de 1393,11€.

45- Acresce que, também resultou provado que o valor da construção em Abril de 2016 é de 65 636,00€ (pese embora as Autoras apenas tenham peticionado o montante de 63 255,20€, valor a que o Tribunal está adstrito), pelo que é fácil de concluir que os Réus enriqueceram apenas na respetiva diferença, ou seja, em 61 862,09€ (63 255,20€-1393,11€).

46- Ao condenar os Réus a pagar às Autoras o montante de 63 255,20€ (valor que as Autoras peticionaram e que o Tribunal não pode condenar em quantidade superior), não está a decidir corretamente, pois nem sequer está a deduzir ao valor da construção o valor do terreno.

47- Assim, têm as Autoras o direito a receber dos Réus a sua quota-parte do custo das benfeitorias que realizaram, considerando-se que o seu empobrecimento total corresponde ao montante que com elas gastaram (21.496,39€), por ser este o menor dos dois valores.

48- Neste sentido, jurisprudência - Ac. do STJ, de 22.03.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 336/13.0TBTVD.L1.S1, onde se lê que, na «determinação do valor indemnizatório, a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 479., n.º 1, por força do artigo 1273.º, n.º 2, do CC, a medida de restituição deve ser estabelecida na base de dois limites: o custo da benfeitoria, correspondente ao empobrecimento de quem a suportou e o enriquecimento do titular da coisa benfeitorizada, correspondente à valorização incorporada.

Tal não significa que a medida de enriquecimento não possa equivaler ao custo da das benfeitorias; mas pode ser inferior, nunca podendo ser superior a esse custo».

49- O douto despacho saneador e a douta sentença, decidindo como decidiram, violaram, frontalmente, o disposto nos artigos 489º, nº1, 564º c), 573º, nº1, 580º, 581º, 619º, nº1 e 628º todos do CPC e artigos 479º, 482º e 1273º do CC.

50- Pelo que, deve ser proferido douto acórdão que revogue o douto despacho recorrido, julgando procedentes as exceções de caso julgado/autoridade de caso julgado/preclusão do direito e de prescrição, ou se assim não se entender, condenar os Réus a pagar às Autoras, pelas benfeitorias úteis realizadas no imóvel o montante de 21 496,39€, por ser o menor dos dois valores a ponderar, com as legais consequências.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue procedentes as exceções de caso julgado/autoridade de caso julgado/preclusão do direito e de prescrição, ou no caso de assim não se entender, condenar os Réus a pagar às Autoras, pelas benfeitorias úteis realizadas no imóvel o montante de 21 496,39€, por ser o menor dos dois valores a ponderar, com as legais consequências14

As recorridas contra-alegaram, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.

Pela Formação a que alude o art. 672º/3, do CPCivil, foi proferido acórdão que admitiu o recurso de revista (excecional) interposto pelos recorrentes/réus.

Colhidos os vistos15, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO16,17

Emerge das conclusões de recurso de revista (excecional) apresentadas por AA e BB, ora recorrentes, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão18:

1.) Saber se estão verificados os requisitos da exceção dilatória de caso julgado/autoridade de caso julgado/preclusão da defesa19.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

1- As Autoras, juntamente com sua irmã, HH, são as únicas herdeiras de FF e GG, falecidos em ....06.2013 e ....10.2021, respetivamente.

2- A mãe das Autoras, GG, e suas irmãs, II, JJ e KK, foram comproprietárias de diversos imóveis, entre os quais, o prédio rústico, denominado “...”, situado no lugar da ..., freguesia de ..., com a área de 6.700 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...98 de ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 17.

3- Em 17 de Agosto de 1970, aquelas II, JJ e KK declararam autorizar que os pais das Autoras construíssem uma casa no citado “...”.

4- A casa referida em 3 trata-se de um edifício de cave e rés-do-chão, destinado a habitação e arrumos, com duas divisões na cave e quatro divisões (três quartos e uma sala), cozinha, despensa e casa de banho no rés-de-chão, com a área coberta de 83m2, com um jardim murado à frente, com a área de 1m2.

5- O qual tinha, nas traseiras, umas escadas de acesso à cozinha, com um lanço.

6- A construção desse prédio foi licenciada ao falecido FF, pelo Alvará de Licença de Construção n.º ...12, emitido em 13 de Novembro de 1970.

7- Tendo, em 28 de Julho de 2011, sido emitido o Alvará de Autorização de Utilização n.º ...26/11, também em nome de FF.

8- O edifício referido em 4, bem como uma área descoberta de 300 m2, foram inscritos na respetiva matriz urbana sob o artigo 303 e descritos na Conservatória do Registo Predial de... sob o n.º ...60 de ..., na sequência da Ap. ...02, pela qual os pais das Autoras inscreveram em seu nome a aquisição da propriedade dos mesmos, por usucapião, descrição predial que foi inutilizada em 3.07.2013, na sequência de cancelamento da referida inscrição.

9- Foi naquele edifício que os pais das Autoras sempre instalaram a sua casa de morada de família, pois sempre ali viveram, desde que, em 1980, regressaram de França.

10- Daí que também o tenham dotado das infraestruturas de abastecimento de eletricidade e de água, saneamento e calcetamento do acesso.

11- Por escrito particular por todos assinado, os pais das Autoras, bem como II, JJ e KK declararam acordar na divisão dos prédios que detinham em compropriedade.

12- Por isso, os pais das Autoras sempre se convenceram que o “...” lhes seria adjudicado.

13- As comproprietárias KK e JJ vieram a instaurar uma ação de divisão de coisa comum, proc. ..., que correu seus termos pelo ....º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de ....

14- O que fizeram contra a mãe das aqui Autoras e contra a Ré mulher, na qualidade de única herdeira da comproprietária II.

15- Nesse Proc. ..., a Ré mulher, em 28 de Maio de 2002, licitou o prédio rústico denominado “...”, referido em 2.

16- Nos autos referidos em 14 foi proferido despacho pelo qual foi indeferida reclamação aí apresentada pela aqui Ré mulher, na qual esta requeria a avaliação da casa de habitação construída no prédio referido em 2, nesse despacho se consignando que “não tinha o Sr. Perito que avaliar o prédio urbano construído no imóvel, porque estes, nestes autos, não é objeto da divisão de coisa comum que se pretende realizar”.

17- Na ação de divisão de coisa comum referida em 14 foi proferida sentença em 6.11.2002, já transitada em julgado, tendo o prédio rústico denominado “...” sido adjudicado aos aqui Réus.

18- Em 25 de Outubro de 2002, os pais das Autoras, no Primeiro Cartório Notarial de ..., perante três testemunhas, declararam ser, com exclusão de outrem, donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto de casa de cave e rés-do-chão com logradouro, com a superfície coberta de 83m2 e descoberta de 300m2, sito no lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do poente com caminho público e dos restantes lados com FF, omisso na Conservatória e inscrito na matriz predial sob o artigo 303 em nome do outorgante marido, por lhe ter sido doado há mais de 20 anos, sem qualquer título, pela pai da aí outorgante mulher, LL, já falecido.

19- Os Réus, em Abril de 2005, intentaram contra os pais das aqui Autoras uma ação que, com o n.º 405/05.0..., correu seus termos pela ....ª Vara Mista de ..., onde peticionavam a declaração de nulidade ou inexistência da referida escritura e a condenação dos aí réus a reconhecerem que os aí autores tinham direito a adquirir a casa daqueles, com a área de 83 m2, construída no interior do ..., mediante o pagamento de € 20.000,00.

20- Os então réus apresentaram contestação com reconvenção, onde, além do mais, pediram a condenação dos aí autores a reconhecerem-nos como donos e legítimos possuidores do prédio urbano referido em 18, por o terem adquirido por usucapião.

21- No decurso da ação mencionada em 19, mais precisamente em finais do ano de 2006, os pais das Autoras ainda procederam à realização de obras de alteração da casa, licenciadas por Alvará de Licença Administrativa n.º ...44, emitido em 18 de Dezembro de 2006.

22- Essa obras consistiram em substituição da canalização, substituição da instalação elétrica, substituição de portas interiores e exteriores, substituição de janelas e persianas, substituição da louça sanitária, azulejo e tijoleira da casa de banho, polimento e envernizamento do taco, construção de um novo muro, encimado com grade, e colocação de novo portão de entrada.

23- Sendo que, à semelhança do que aconteceu em 1970, pagaram todas as despesas com a realização da obra, compra de materiais, honorários de projetistas e engenheiros e do próprio empreiteiro.

24- Por sentença de 15.03.2012, proferida na ação n.º 405/05.0..., foi decidido o seguinte:

“a) julgar a ação parcialmente procedente, declarando que a escritura de justificação notarial referida em I.3. contém declarações falsas e, em consequência, declarar nula tal escritura e ordenar o cancelamento da inscrição e do registo de aquisição efetuado, na Conservatória do Registo Predial, com base nessa escritura, mediante a inscrição G-1 e com a Ap. ...02 sob o prédio n.º ...002, absolvendo os Réus do mais que vinha peticionado;

b) condenar os Autores a pagar aos Réus a quantia de € 50.278,08 (cinquenta e nove mil, duzentos e setenta e oito euros e oito cêntimos), a título de indemnização pela benfeitoria realizada pelos Réus no ... ou ... e julgar, no mais, improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver os Autores dos pedidos reconvencionais”.

25- Inconformados com o decidido, os aí autores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 20.11.2012, julgado improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

26- Visando a revogação do acórdão referido em 25, os aí autores apresentaram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual decidiu absolver os aí autores do pedido reconvencional.

27- No processo referido em 14, todas as instâncias deram como provados, entre outros, os seguintes factos:

“1. O prédio rústico, situado no lugar da ..., freguesia de ..., desta comarca, denominado ... ou da ..., com a área de 6.700 m2, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob o n.º ...98/... e inscrito na matriz sob o artigo 17º, a favor dos Autores, pela inscrição “G” – alínea A. dos Factos Assentes (F.A.).

2. Os Autores adquiriram tal prédio por lhes haver sido adjudicado na ação de divisão de coisa comum, que correu termos pelo ...º Juízo Cível desta comarca de ... sob o n.º ... – alínea B. dos F.A..

3. Os RR., por escritura do justificação notarial, outorgada no primeiro Cartório Notarial de ..., em 25 de Outubro de 2002, a fls. 81 a 82 v., do Livro n.º ...-11, na presença das testemunhas identificadas, declararam ser, com exclusão de outrem, donos e legítimos possuidores do prédio urbano, composto de casa de cave e rés do chão com logradouro, com a superfície coberta de 83 m2 e descoberta de 300 m2, sito no lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar de poente com caminho público e dos restantes lados com FF, omisso na Conservatória e inscrito na matriz predial sob o artigo 303 em nome do Réu marido – alínea C. dos F. A..

(…)

9. A casa referida em 3. está construída dentro do prédio identificado em 1 - resposta ao artº 1º da B.I.

(…)

14. II, KK e JJ autorizaram que os Réus construíssem uma casa no ... ou ... e que os Réus aí mandaram edificar uma casa de cave e rés-do-chão, com um pequeno jardim murado à frente, em 1970 - resposta ao artº 16º da B.I.

15. Esse edifício tem, no rés do chão, 3 quartos, sala, cozinha, despensa e sanitário e nas traseiras tem umas escadas com um lanço que vão terminar no referido “... ou ...”, por onde sempre se processou o acesso à loja do mesmo edifício existente na cave e que tem uma porta - resposta ao artº 1º da B.I

16. Os Réus construíram a identificada casa expensas suas - resposta ao artº 17º da B.I.

17. Em 1983, os Réus fizeram inscrever o prédio referido em 3. nas Finanças, dele pagando as respetivas contribuições - resposta ao artº 19º da B.I.

18. Tendo detido e fruído materialmente, desde 1970, o edifício referido em 14. e 15., colhendo os seus rendimentos e dele retirando todas as utilidades e suportando todos os encargos e contribuições a ele inerentes - resposta ao artº 20º da B.I.

19. Ininterruptamente, com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém - respostas aos artºs 21º e 23º da B.I.

20. Os Réus pensaram que o ... ou ... seria para eles - resposta ao artº 24º da B.I.

21. Os Réus foram autorizados a construir a casa no aludido ... (…) - resposta ao artº 25º da B.I.

(…)

23. A casa referida em 3. tem uma área de implantação de 80,08 m2 e uma área de construção de 121,66 m2 - resposta ao artº 29º da B.I.

24. A casa referida em 3. tem um valor atual de € 61 200,00 – resposta ao artº 31º da B.I.

25. O prédio identificado em 1. Tem o valor atual de € 67 900,00 - resposta ao artº 32º da B.I.

26. Em 1971, quando a construção da aludida casa foi concluída, valia € 1255,64 – resposta ao artº 33º da B.I..

27. Nessa ocasião, o campo valia € 1393,11 – resposta ao artº 34º da B. I.”

28- Consta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido em 26 o seguinte: “os RR. - reconvintes não formularam qualquer pedido de condenação dos AA. – reconvindos no pagamento de qualquer indemnização: tão só o reconhecimento da respetiva titularidade do direito de propriedade sobre determinado prédio urbano, por via da respetiva aquisição originária, por usucapião, bem como reconhecimento da respetiva aquisição originária, por acessão industrial imobiliária, sobre o logradouro do mesmo prédio. Assim, vedada estava ao Ex.mo Juiz da 1ª Instância a condenação dos AA. - reconvindos no pagamento de qualquer indemnização aos RR. – reconvintes, que não o peticionaram, ainda que subsidiariamente, para a hipótese de improceder a correspondente pretensão alicerçada nas sobreditas causas de pedir”.

29- Correu termos, pela Instância Central de ..., ....ª Secção Cível, J..., ação declarativa comum com o n.º 609/2014.5..., em que os aqui Réus pediram o reconhecimento da propriedade do prédio referido em 2, que a casa e terreno de logradouro referidos em 18 são parte integrante desse prédio e a condenação das aqui Autoras, bem como da mãe e da irmã destas, a restituírem aos primeiros, devoluta de pessoas e coisas, a referida casa e o referido terreno de logradouro.

30- Por sentença proferida no processo referido em 29, datada de 16.11.2015 e transitada em julgado, foi declarado declarou que os aqui Réus são proprietários do “...”, formado por uma parte urbana e por uma parte rústica, sendo a urbana composta por uma casa de dois andares, com a área coberta de 83 m2 e descoberta de 300 m2, inscrita na matriz sob o artigo 303, e foram condenadas as aqui Autoras, mãe e irmã, a entregar a casa e terreno de logradouro supra descritos, no prazo de 30 dias.

31- A construção da casa de habitação referida em 4 foi levada a cabo pelos pais das Autoras, FF e GG em 1970.

32- Com a construção referida em 31, os pais das Autoras despenderam a quantia de Esc. 300 000$00, correspondente a € 1496,39, e com as obras referidas em 21 a 23 despenderam € 20 000,00.

33- O valor da construção, em Dezembro de 2022, com todas as suas infraestruturas, é de € 76 000,00, sendo de € 65 636,00 em Abril de 2016.

34- A construção edificada pelos pais das Autoras aumentou o valor do “...” na medida referida em 33.

35- O levantamento dessa construção causa detrimento ao prédio onde se encontra implantada.

36- O custo necessário para a execução das respetivas obras, com todas as suas infraestruturas, em Dezembro 2022, seria de € 97 356,00.

37- As obras realizadas pelos pais das Autoras já sofreram deterioração pelo uso, considerado no valor referidos em 34.

38- Tendo os Réus demolido as escadas de acesso à cozinha e seus patamar e gradeamento, bem como removido e tapado a porta de acesso do exterior a essa divisão.

39- Os Réus colocaram 14 focos embutidos no teto, colocaram novos móveis de cozinha, substituíram a porta referida em 38 por uma janela com vidro duplo e edificaram um muro de suporte e vedação com 12 metros de comprimento e 1,5 metros de altura.

40- As obras referidas em 39 têm um custo atual, incluindo materiais, mão de obra e IVA, de, respetivamente, € 700,00, € 750,00, € 400,00, e € 800,00.

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

- Artigo 10.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “por volta de 1985”.

- Artigo 14.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “pretendendo, já, apoderar-se do prédio contruído pelos pais das Autoras”.

- Artigo 42.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “que à data de 1970, não excedia Esc. 279 293$48, ou € 1393,11 €”.

- Artigo 43.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “€ 63 255,20 (59 278,08 €, atualizados por via da taxa de inflação), sendo que o valor do terreno é de € 72 455,59 (67 900,00 €, atualizado por via da dita taxa)”.

- Artigo 44.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “há cerca de 1 ano, os Réus acabaram por a destinar ao mercado do arrendamento, pela renda de 420,00 € mensais”.

- Artigo 49.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “€ 108 188,05 (84 808,47 € + 23 379,58 €)”.

- Artigo 32.º da Contestação – Na parte em que se diz “As (…) obras realizadas no dito prédio foram efetuadas sem a autorização dos (…) proprietários”.

- Artigo 33.º da Contestação – “E sem o respetivo licenciamento, sem o respetivo alvará de construção, sem para o efeito estarem autorizados pela entidade administrativa – Câmara Municipal de ...”.

- Artigo 1.º do Requerimento com a ref.ª ...83, de 19.05.2022 – Na parte em que se diz “Alteraram e renovaram a eletricidade e a pichelaria do interior da casa (…) colocaram cozinha nova e os seus apetrechos (…) Janelas novas (…) Muros (…) e estacionamento para veículos”.

- Artigo I do Requerimento com a ref.ª ...96, de 25.05.2022 – “A entrega do imóvel, descrito nos n.ºs 4 a 7 da petição inicial, foi efetuada em data que não podem precisar, mas que situam em finais do mês de Abril de 2016”.

2.3. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso20 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER SE ESTÃO VERIFICADOS OS REQUISITOS DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DE CASO JULGADO/AUTORIDADE DE CASO JULGADO/PRECLUSÃO DA DEFESA.

Os recorrentes alegaram que “correram entre os ora Réus, ali Autores, e os ora Autores (e seus antecessores) ali Réus, diversas ações, designadamente, os processos nº ..., que correu pelo ...º Juízo Cível de ...; 405/05.0... –...ª Vara Mista de ...; 609/2014.5..., Instância Central de ... – ...ª Secção – J..., tendo-se discutido no processo nº ..., uma ação de divisão de coisa comum do prédio em causa nos presentes autos, e nos processos 405/05.0... e 609/2014.5..., ação de reivindicação do aludido prédio e respetivo logradouro”.

Mais alegaram que “no processo 405/05.0..., os ora Autores, ali Réus, não pediram a título subsidiário, uma indemnização por benfeitorias e no processo 609/2014.5..., apesar de ser aventada a possibilidade de reclamar benfeitorias, o certo é que, a reconvenção foi julgada inepta nessa parte”.

Alegaram ainda que “a instauração de tais ações de reivindicação, em que as Autoras (e seus antecessores) eram então Réus, e em cuja reconvenção invocavam a propriedade por usucapião e acessão imobiliária sobre o mesmo prédio, poderiam e deveriam igualmente exercer o direito a que ora se arrogam, fundado no instituto do enriquecimento sem causa a título subsidiário, pois conheciam todos os seus elementos constitutivos, isto é, deveriam as Autoras (e seus antecessores) nas ditas ações terem deduzido toda a defesa possível, inclusive, o pedido de indemnização ora peticionado”.

Assim, concluíram que “não podem as Autoras efetuar agora os pedidos de indemnização por benfeitorias ou por enriquecimento sem causa, sendo que a pretensão claudica com fundamento no efeito preclusivo do caso julgado, por ter-se de considerar que as sentenças nas aludidas ações, resolveu definitivamente o litígio, não podendo este ser reaberto”.

Vejamos a questão.

As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal – art. 576º/2, do CPCivil.

As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgadoart. 580º/1, do CPCivil.

Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anteriorart. 580º/2 do CPCivil.

Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedirart. 581º/1 do CPCivil.

A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratiqueart. 621º, do CPCivil.

Caso julgado

O caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o trânsito em julgado da decisão judicial por condição21.

Nesta vertente, o caso julgado compreende limites (subjetivos e objetivos): pressupondo o caso julgado uma repetição de causas, a repetição pressupõe, por sua vez, identidade dos sujeitos, identidade do pedido e identidade da causa de pedir (art. 581.º do CPC).

Reportando-nos aos autos, “as ações antes propostas reportaram-se a uma divisão de coisa comum (do bem em causa nos autos – a ...) e à reivindicação do prédio (as 405/2005 e 609/14), não tendo sido pedida, em nenhuma delas – nomeadamente na que correu termos sob o nº 405/05.0..., designadamente, a título subsidiário, uma indemnização por benfeitorias”.

Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “o pedido de indemnização por benfeitorias em nenhum momento foi objeto do litígio, nem, mesmo, no processo em que os aqui Apelantes pediram a entrega do prédio (Proc n.º 609/2014.5..., que correu seus termos pela Instância Central de ..., ...ª Secção Cível, J...). Com efeito, nessa ação (P. 609/14.5...), onde são autores os ora réus, AA e BB, e são rés, entre outras, as ora autoras (CC, DD e EE), verifica-se que os ora réus pediam aí o reconhecimento de que o logradouro que ali identificam integra o prédio rústico onde foi construída a moradia cujo valor aqui se reclama a título de benfeitoria. Ora, da análise das causas de pedir e pedidos dessas ações e da causa de pedir e pedidos da presente ação, constata-se que não existe identidade de pedidos, nem poderá afirmar-se que qualquer das decisões anteriores impede a declaração do direito aqui reclamado, por haver prejudicialidade lógica. Por isso, está arredada a existência da alegada exceção de caso julgado oponível à presente ação, isto é, que obste ao conhecimento do mérito da causa”.

Temos, pois, que os pedidos deduzidos na presente ação, não só são diferentes dos pedidos formulados nas ações ..., 405/05.0... e 609/2014.5..., como assentam em diferentes causas de pedir, inexistindo, por isso, identidade objetiva entre as ações.

Concluindo, as decisões proferidas nas ações ..., 405/05.0... e 609/2014.5..., não constituem caso julgado relativamente à presente ação.

Por outro lado, não se apresentando as decisões finais proferidas nas ações ..., 405/05.0... e 609/2014.5..., como prejudiciais em relação à presente ação e inexistindo identidade objetiva entre estas ações, pois, além de ser manifesta a inexistência de identidade de pedidos formulados nas mesmas, encontram-se invocados na presente ação factos constitutivos diversos dos invocados naquelas ações, impõe-se concluir também que os pedidos formulados pelas autoras não estão cobertos pelos efeitos da autoridade de caso julgado material decorrente daquelas decisões, não estando, também por isso, o tribunal impedido de apreciar e julgar tais pedidos.

Autoridade de caso julgado/Preclusão dos meios de defesa

Na expressão caso julgado cabem, em rigor, a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respetivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado22.

O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577º/i, segunda parte, 580º e 581º. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior23.

A autoridade de caso julgado tem o efeito de impor uma decisão e por isso constitui a “vertente positiva” do caso julgado. Diversamente da exceção de caso julgado, a autoridade de caso julgado funciona independentemente da verificação daquela tríplice identidade, mas nunca pode impedir que se volte a discutir e dirimir aquilo que ela não definiu.

É certo também que a “autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu”, por falta de “um pronunciamento judicativo24.

Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – que é o problema dos limites objetivos do caso julgado –, temos de reconhecer que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.

Efetivamente, a decisão não é mais nem menos do que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem – precisamente, os fundamentos – e aos quais se refere.

O pedido tem um elemento material e um elemento processual: o primeiro consiste, na maioria dos casos, na afirmação duma situação jurídica atual, que lhe constitui o conteúdo; o segundo consiste na solicitação duma providência processual para tutela dessa situação jurídica, constituindo a sua função. Ambos os elementos delimitam o conteúdo da sentença de mérito, mas é sobre o elemento material do pedido que se forma o caso julgado25.

Caracterizando-se a autoridade do caso julgado, pela insusceptibilidade de impugnação de uma decisão em consequência do carácter definitivo decorrente do respetivo trânsito, designadamente por via de recurso, se essa autoridade vem a ser posteriormente colocada numa situação de incerteza, pelas mesmas partes, seja em processos diferentes, seja no mesmo processo, então será possível ocorrer ofensa do caso julgado formado na ação anterior.

Ora, o objeto do presente recurso prende-se em saber se as decisões proferidas nos processos ..., que correu pelo ...º Juízo Cível de ...; 405/05.0..., que correu pela ...ª Vara Mista de ... e, 609/2014.5..., que correu pela Instância Central de ... – ...ª Secção – J..., instauradas pelos ora réus contra as ora autoras, constitui caso julgado obstativo da instauração e/ou do conhecimento de mérito da presente ação.

Isto porque, no processo 405/05.0..., as ora autoras, ali rés-reconvintes, não formularam contra os ora réus, ali autores–reconvindos, qualquer indemnização por benfeitorias, e no processo 609/2014.5..., apesar de ser aventada a possibilidade de reclamar benfeitorias (as mesmas que aqui se pedem), a reconvenção foi julgada inepta nessa parte.

Assim sendo, não tendo as autoras formulado nessas ações qualquer pedido a título de indemnização por benfeitorias ou por enriquecimento sem causa, poderão fazê-lo agora?

Isto é, o direito exercitado pelas autoras através da presente ação, encontrar-se-á precludido pelo facto de nos processos 405/05.0... e 609/2014.5..., não terem deduzido tais pedidos?

Pensamos que não.

Se é certo estar o princípio da preclusão ligado ao efeito do caso julgado formado pela decisão proferida num processo anterior, ou seja, no sentido de que o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível, porém, o âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu.

Com efeito, enquanto relativamente ao réu, o art. 573º, do CPCivil, impõe, no seu nº 1, que o mesmo deve concentrar toda a defesa na contestação, só podendo fazê-lo em momento posterior nos casos de defesa superveniente, nos termos do seu nº 2, sobre o autor não recai um ónus de concentração de todos os fundamentos na dedução de um pedido, evitando-se a multiplicação de ações por outros tantos fundamentos, pois não só o direito vigente não prevê, quanto a ele, esse ónus, como essa falta de concentração, não é suscetível de se traduzir em má fé, a não ser nos casos em que se reconduza a alguma das hipóteses previstas no art. 542º, do CPCivil26,27,28.

Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada.

Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir.

Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são suscetíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado.

Mas está precludida a invocação pelo autor de factos que visam completar o objeto da ação anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência, incidindo a preclusão apenas sobre os factos complementares ou sobre as qualificações jurídicas que o objeto alegado pode comportar e que não foram utilizadas pelo tribunal29,30,31,32.

O autor não tem, no processo civil português, o ónus de alegar todas as possíveis causas de pedir do pedido que formula.

Quer isto dizer que o ónus de concentração que vale para o réu quanto à matéria de defesa não vale para o autor quanto às várias causas de pedir e é isso que justifica que, não tendo obtido a procedência da ação com base numa causa de pedir, o autor possa propor uma nova ação na qual venha a invocar uma diferente causa de pedir33,34,35,36.

Temos, pois, que o único ónus de concentração exigido ao autor assenta no «ónus de alegação de todos os factos que se referem à causa de pedir invocada na ação»37.

Conforme entendimento do tribunal a quo “os aqui autores estariam sempre, como reconvintes naquele processo 405/05.0..., na posição de “autores” da contra-acção, pelo que não era exigível que concentrassem todas as possíveis causas de pedir e respetivos pedidos na ação proposta”.

Com efeito, o direito a benfeitorias, ainda que emergente da mesma relação jurídica complexa em que radica o direito à restituição da coisa, traduz-se num direito de crédito distinto deste direito à restituição e que pode ser acionado tanto por via de ação autónoma como, facultativamente, por via reconvencional nos termos do art. 266º/2/b, do CPCivil38.

A não invocação do direito a benfeitorias por via de reconvenção em ação declarativa em que se pretenda a restituição da coisa não fica alcançada, de forma excludente, pelos efeitos de caso julgado material, negativos ou positivos, nos termos previstos nos arts. 619º/1, e 621º do CPCivil, decorrentes da condenação nessa restituição, nem tão pouco abarcada pela preclusão dos meios de defesa prescrita no art. 573º do mesmo Código, dado, neste caso, não se tratar dum meio intrínseco ao direito à restituição da coisa39,40.

Porém, se lançar mão desse fundamento em reconvenção, sobre a decisão de mérito nesse âmbito proferida afigura-se que recairá o efeito de caso julgado material nos termos gerais.

Concluindo, a não invocação do direito a benfeitorias como fundamento da reconvenção não fica alcançada pelo caso julgado ou pelo efeito preclusivo dos meios de defesa não deduzidos41,42.

Deste modo, não se verifica qualquer exceção de caso julgado, nem qualquer autoridade de caso julgado decorrente das decisões finais proferidas nos processos 405/05.0... e 609/2014.5..., que seja preclusiva do conhecimento do objeto da presente ação.

Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de revista (excecional), há que confirmar o acórdão recorrido.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pelos recorrentes (na vertente de custas de parte, por outras não haver43), porquanto a elas deram causa por terem ficado vencidos44.

Lisboa, 2024-07-0245,46

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Pedro de Lima Gonçalves) – 1º adjunto

(Jorge Leal) – 2º adjunto

_____________________________________________

1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎

2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎

3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎

4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎

5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎

6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎

10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎

11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎

12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎

13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

14. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎

15. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

16. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎

17. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎

18. “Admite-se na Formação do Supremo Tribunal de Justiça o recurso de revista excecional, quanto à questão da autoridade do caso julgado” – Acórdão da Formação do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2024.↩︎

19. Tendo o recurso sido interposto ao abrigo do fundamento especial previsto no artigo 629º/2/a, do CPC (ofensa do caso julgado), o objeto do recurso terá se se circunscrever à questão de saber se ocorre a alegada ofensa do caso julgado – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-04-20, Relatora: CATARINA SERRA , https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

20. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

21. RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, p. 2.↩︎

22. A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação que nesta há de ser proferida – LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª ed., p. 599.↩︎

23. RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, p. 6.↩︎

24. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2017-12-12, Relator: ISAÍAS PÁDUA, https://www.dgsi.pt/jtrc.↩︎

25. LEBRE DE FREITAS, Um polvo chamado autoridade do caso julgado, p. 695.↩︎

26. Deve refutar-se a aparente desigualdade entre o réu – que tem de concentrar todos os fundamentos da defesa na contestação – e o autor – que não tem de alegar todas as possíveis causas de pedir sustentadoras do pedido. É que as posições das partes são distintas. Com efeito, estando as exceções compreendidas no objeto do processo definido pelo pedido delimitado pela respetiva causa de pedir, a regra da concentração da defesa é imposta pela segurança do caso julgado. O mesmo não pode afirmar-se a propósito da causa de pedir. Acresce que o poder conferido ao réu de, em reconvenção, deduzir um pedido de apreciação negativa do direito do autor, baseado na negação de outra possível causa de pedir, restaura a igualdade das partes – LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2018, p. 56.↩︎

27. O princípio da concentração da defesa faz impender sobre o réu o ónus de, na ação, apresentar, contra a pretensão do autor, todos os fundamentos que com ela possam colidir, impondo-se-lhe também o ónus de reconvir, dado que o pedido reconvencional não poderá ser formulado fora desse processo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-09-05, Relator: JÚLIO GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

28. A inobservância do princípio da concentração dos meios de defesa (impugnações e exceções) na contestação tem por consequência a preclusão ou perda do direito do réu, salvo os casos de defesa superveniente legalmente admitidos (art. 489.º do Código de Processo Civil) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2014-05-13, Relatora: CLARA SOTTOMAYOR, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

29. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª Ed., Lisboa, 1997, págs. 585 e 586.↩︎

30. Segundo o direito pátrio, o autor não tem, com efeito, o ónus de alegar todas as possíveis causas de pedir do pedido que formula. Como o ónus de concentração que impende sobre o réu quanto à matéria de defesa (art. 573.º, n.º 1, do CPC) não vale para o autor quanto às várias causas de pedir, não tem lugar a preclusão. Assim se compreende que, não tendo obtido a procedência da ação com base numa determinada causa de pedir, o autor possa propor uma nova ação em que invoque diferente causa de pedir – RUI PINTO, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar Online, novembro de 2018.↩︎

31. Na verdade, em lugar da adoção da teoria da individualização, o direito positivo parece ter consagrado a teoria da substanciação. Deste modo, a ação real ulterior será diferente sempre que seja diferente o facto constitutivo invocado enquanto acontecimento concreto. No nosso ordenamento jurídico, à luz da ideia de substanciação, não basta que o autor indique o pedido com todas as possíveis causas de pedir, pois é necessário que baseie a situação jurídica alegada em factos integrantes da matéria de facto da causa, factos que individualizam a pretensão. Assim, uma vez afirmada a titularidade de um direito, não podem ser consideradas no processo todas as causas possíveis de aquisição (de modificação ou de extinção) do direito, ficando o autor salvo de, mais tarde, propor nova ação em que alegue uma causa de pedir que não tenha sido efetivamente considerada na ação anterior – REMÉDIO MARQUES, Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p.443.↩︎

32. O autor não está sujeito a qualquer ónus de concentração de todas as possíveis causas de pedir na ação que seja proposta, o que está de acordo com o princípio do dispositivo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-04-30, Relator: FERNANDO SAMÕES, https:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎

33. TEIXEIRA DE SOUSA, Preclusão e caso julgado, versão “05.2016”, in www.academia.edu, fls. 20.↩︎

34. Do principio da preclusão resulta que recaindo sobre o réu o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegando os factos que sirvam de base (constitutivos) a qualquer exceção dilatória ou perentória (salvo os que forem supervenientes), todos os meios de defesa não invocados nesse momento ficam prejudicados, não podendo voltar mais tarde a ser alegados – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 158/59.↩︎

35. Para o réu vencido a condenação do pedido determina a preclusão de alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos, como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido, “preclusão” essa que resulta de dois mecanismos processuais distintos – RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, p.42.↩︎

36. O principio da concentração da defesa na contestação determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada, e tampouco o pode fazer em (i) ação autónoma ou em (ii) reconvenção, porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade – RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, p.42.↩︎

37. O autor de uma ação de indemnização tem o ónus de indicar todos os danos sofridos, não podendo vir a intentar uma nova ação destinada a obter a reparação dos danos não invocados (mas invocáveis) na ação anterior. Se esta preclusão não for respeitada, a exceção de caso julgado obsta à admissibilidade da segunda ação – RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018.↩︎

38. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-06-08, Relator: TOMÉ GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

39. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-06-08, Relator: TOMÉ GOMES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

40. Seja como for, não se divisa base legal que imponha a invocação do direito a benfeitorias como fundamento da oposição à execução de entrega de coisa certa sob pena de preclusão desse direito, como também não se impõe a sua dedução por via reconvencional em sede de ação declarativa. De resto, a defesa por reconvenção é, em regra, de natureza facultativa, como decorre do disposto no n.º 1 do art.º 266.º correspondente ao anterior 274.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-06-08, Relator: TOMÉ GOMES, https: //www.dgsi.pt/jstj.↩︎

41. Ante a inexistência de identidade entre a causa de pedir invocada pelo autor na ação nº 8241/15, estruturada a partir da aquisição do direito de propriedade sobre as frações reivindicadas, e a presente ação baseada no enriquecimento se causa, seja de concluir, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, que nada obrigava o autor a peticionar, a título subsidiário, naquela ação, os pedidos ora formulados nas alíneas a) a d) da petição inicial, não se verificando qualquer efeito preclusivo decorrente do caso julgado anterior relativamente a estes mesmos pedidos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-12-16, Relatora: ROSA TCHING, https://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

42. O caso julgado negativo (improcedência) não preclude – contrariamente ao caso julgado positivo (procedência) – a propositura de ação subsequente fundada em diferente causa de pedir. Em consequência, o julgamento improcedente de uma ação, onde a autora invocava a sua qualidade de locatária financeira para obter a condenação da seguradora no pagamento dos danos produzidos na máquina locada, não impede o julgamento de uma segunda ação, onde a autora invoca a sua qualidade de proprietária (por ter pago a totalidade das rendas e valor residual) e formula pedido idêntico ao anterior – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-10-08, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

43. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎

44. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎

45. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

46. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎