Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12699/18.7T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA intentou ação declarativa comum contra, Banco BIC Português, SA. pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de €9.291,43, e vincendos desde a citação até integral pagamento, à taxa supletiva legal para as operações comerciais.

Articulou, com utilidade, que no final de abril de 2007, subscreveu, após contacto telefónico, nesse sentido, de um funcionário do Réu, Obrigações denominadas “SLN - Rendimento Mais 2004”, tendo-lhe sido garantido, por aquele funcionário, o retorno das quantias investidas, o que não sucedeu. Naquela altura, não foi entregue ao Autor a nota informativa da operação. O Autor não teria subscrito aquelas obrigações se soubesse o risco inerente às mesmas. Conclui pela procedência da demanda.

2. Regularmente citado, o Réu/Banco BIC Português, SA. apresentou contestação, onde suscitou as exceções de ineptidão da petição inicial e de prescrição, e impugnou parte da factualidade alegada na petição inicial.

3. Foi realizada audiência prévia, onde o Autor se pronunciou sobre as exceções deduzidas e onde foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e relegando, para final, o conhecimento da exceção de prescrição, tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

4. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença, que julgou improcedente a exceção de prescrição e a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização, a quantia de €50.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde 30 de setembro de 2015.

5. Na sequência de recurso de apelação desta sentença, interposto pelo Réu, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação que decidiu anular a sentença recorrida, “determinando, em consequência, que os autos baixem à 1ª instância, a fim de que aí seja ampliada a matéria de facto, de modo a que à discussão da causa seja trazida a pertinente factualidade alegada pelo Autor na petição inicial referente à invocada existência de nexo de causalidade entre a alegada violação do dever de informação, a subscrição do produto financeiro em causa nos autos e os danos sofridos (concretamente, os factos invocados nos arts. 1º, 2º, 66º e 68º a 85º daquele articulado - com exclusão do que consubstanciar, nestes artigos, afirmações conclusivas, irrelevantes para a acção e/ou matéria de direito); devendo o julgamento a efectuar cingir-se apenas à produção probatória citada, sem prejuízo “da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições”; e, após, ser prolatada nova sentença, na qual deverá figurar resposta à matéria factual omitida”.

6. Notificados para se pronunciarem sobre a questão de “saber se já está ou não” o tribunal da 1ª instância “em condições de proferir nova sentença”, as partes declararam considerar que aquele tribunal está em condições de proferir nova sentença.

Nesta sequência, o Tribunal da 1ª instância proferiu sentença que julgou improcedente a exceção de prescrição e a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização, a quantia de €50.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde 30 de setembro de 2015.

7. Inconformado com tal sentença, o Réu interpôs apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo enunciou: “Pelo exposto, acordam as juízas desta ... Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, quer quanto à impugnação da matéria de facto, quer quanto ao mérito da causa, confirmando-se integralmente a sentença recorrida. Custas pelo apelante.”

8. É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, que o Réu/Banco BIC Português, SA. se insurge, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões:

“1. A sentença recorrida conclui erradamente que o Banco-R. prestou informação falsa e omissa ao A. A propósito da venda de Obrigações SLN 2006, por este instrumento financeiro não ser isento de risco – não ser tão seguro quanto um Depósito a Prazo - e por não ter capital garantido!

Todavia,

2. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso por não ser um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos, e por não ser previsível qualquer risco de liquidez porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2006) e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão!

3. Resta, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito correspondente à possibilidade de incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

4. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

5. E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial. Impor a advertência de um tal risco geral importaria necessariamente o reconhecimento de uma capitis diminutio dos clientes, uma quase inimputabilidade ou incapacidade, impondo ao intermediário financeiro a obrigação de informação de uma evidência.

Por outro lado,

6. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! Ou seja, o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma!

7. A verificação do evento em 2016 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006! Pelo contrário,

8. Em 2006, a SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio!

9. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN, e sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco – risco de reembolso de um Depósito a Prazo!

10. Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

11. E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD)como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo.

12. É que se por um lado, à data, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta,

13. Por outro, nenhum cliente, e o A. certamente, efectuava os seus depósitos fiados na garantia do FGD.

14. Ou seja, a segurança que o A., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais!

15. Era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações – razão por que dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.

16. A afirmação de que a aplicação era isenta de risco, se levada literalmente, apenas poderia prevalecer no já referido caso de se resumir o declaratário não a uma pessoa financeiramente inapta, mas juridicamente incapaz! É que essa afirmação implicaria que alguém acreditasse – como se fosse possível! – que seria possível estabelecer uma qualquer relação jurídica sem risco.

17. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! Tanto assim que os pressupostos de nacionalização do Banco, no Dec. Lei 62-A/2008 d e11 de Novembro são exactamente os previstos para insolvência do Banco - a SLN insolveu, é certo... mas o Banco também! E antes, muito antes!

18. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ já citados, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017,

19. No caso, inclusivamente, reforçada pelo facto de a sociedade emitente ser a sociedade-mãe do Banco.

20. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido - veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses.

21. Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.

Acresce que,

22. Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

23. A menção do artº 312 nº 1 al. e) do CdVM aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

24. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

25. Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

26. Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

27. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

28. A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

29. Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

30. É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

31. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

32. O Banco-R. forneceu ao A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

33. O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

34. Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido o A.

35. A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artº 314º e 312º do CdVM.

Por outro lado,

36. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e o dano!

37. Todavia, além da demonstração da causalidade “mecânica” entre o imputado facto ilícito e o dano, importaria a demonstração de que aquele mesmo ilícito é, em geral, adequado à produção daquele dano - o que, neste caso ficou por demonstrar!

38. Pelo contrário, dos factos provados, e concretamente das relações de domínio entre a SLN e o Réu, resulta uma segurança, uma garantia de natureza patrimonial àquele bom reembolso.

39. No caso, o Banco terá prestado um serviço de recepção e transmissão de ordens por conta de terceiros, pelo qual terá recebido ordem de subscrição de Obrigações e a terá encaminhado por forma a garantir a efectiva titularidade pretendida pelos seus clientes. O Banco Recorrido nada tem que ver com a emissão de títulos propriamente dita, mas apenas com a intermediação financeira que permitiu a respectiva subscrição! Já o dano dos Recorrentes corresponde à falta de reembolso, na respectiva data de vencimento, daquela emissão de obrigações, por parte da SLN.

40. Estamos, portanto, perante duas relações contratuais distintas – uma em que o Banco teria praticado o suposto ilícito, e outra onde o A. sofreu o seu dano!

41. A formulação negativa da teoria da causalidade adequada faz sentido apenas e só para o incumprimento da prestação principal de um contrato - em que a causalidade entre o ilícito e o dano resulta da identidade entre o dano e a prestação incumprida. Neste cenário percebe-se que se diga que apenas a verificação de uma circunstância excepcional afastaria a relação causal. Todavia, o mesmo não se diga no caso do incumprimento de uma prestação acessória, como é o dever de informação num serviço de intermediação financeira de recepção de ordens, e muito menos no âmbito de uma relação contratual complexa em que o incumprimento de uma obrigação acessória de um contrato (de intermediação financeira) pode implicar um dano no âmbito de outro contrato (da emissão obrigacionista).

42. Ou seja, a determinação de causalidade adequada depende, outrossim, da verificação de um nexo causal mecânico concreto entre o facto ilícito e o dano, por um lado, mas simultaneamente, de um nexo de adequação abstracto entre os mesmos eventos.

43. Não se vislumbram no elenco de factos provados, quaisquer factos capazes de determinar qualquer adequação à produção do dano pela conduta do R. - ao invés, genericamente, sempre se dir-se-á que as relações de domínio societárias entre a SLN e o R. eram, efectivamente, de molde a criar uma fundada e acrescida confiança na segurança das obrigações, e que por isso mesmo um normal investidor não teria problemas em subscrever as mesmas.

Acresce que,

44. O facto provado 11, único que pode fundar a causalidade sustentada pela decisão recorrida, não se refere à pessoa do A., antes expressando a convicção do funcionário bancário sobre o A., o que poderia relevar para efeitos de culpa, mas não de estabelecimento de um nexo causal. A causalidade, ainda que na vertente mecânica, ou strictu sensu, deveria fundar-se na efectiva convicção e vontade do A. Por causa da informação que recebeu do R., e não na convicção de um terceiro sobre essa vontade.

45. Não resulta pois dos factos provados qualquer base factual que sustente a verificação de um nexo causal!

Por fim, e em bom rigor,

46. A origem do dano do A reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrente é alheio!

47. Não podemos, por tudo o que vimos de expor, deixar de concluir que não apenas o Banco-R. não praticou qualquer acto ilícito, como mesmo que o houvesse praticado, tal qual identificado pelas instâncias, e ele nunca seria causal relativamente ao dano alegado.

48. Além das normas já referenciadas, incorreu a decisão recorrida em violação do disposto no art.º 563º do Código Civil.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e, em consequência, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas. JUSTIÇA!”

9. O Recorrido/Autor/AA apresentou contra-alegações, aduzindo as seguintes conclusões:

“A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

B. Ao contrário do que pretende o Banco recorrente, e como bem entendeu o tribunal a quo, no caso dos autos o que está em causa é uma responsabilidade civil pré contratual, derivada do facto de o Banco réu ter seduzido o autor, recorrendo á mentira e ao embuste sobre as características do produto financeiro que pretendia impingir-lhe.

C. Afigura-se como um facto público e notório o modus operandi do Banco réu nas relações que mantinha com os seus clientes.

D. Tal modus operandi, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.

E. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros,

F. O que na realidade não era verdade e, como da simples leitura do mesmo se retira, o douto acórdão recorrido assim também o considerou.

G. Ficou plenamente demonstrado e provado nos autos que ao autor foi dito que o produto financeiro SLN RENDIMENTO MAIS 2004 era semelhante a um depósito a prazo.

H. Foi enganosa a informação prestada pelo BIC ao autor acerca das características do produto financeiro SLN RENDIMENTO MAIS 2004.

I. Do mail junto como Doc. 11 da petição inicial, se conclui que os próprios funcionários do Banco recorrente admitem terem sido eles próprios levados a enganar os clientes.

J. O mail junto como Doc. 10 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco, que consistia em seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse e está em sintonia com os depoimentos das testemunhas, traduzindo-se num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.

K. O facto fundamental e incontornável dos autos é que o produto financeiro aqui em apreço era apresentado aos clientes como se de um depósito a prazo se tratasse, um produto garantido pelo Banco.

L. O Banco devia ter informado o autor que se tratava de obrigações subordinadas, explicando em que consistia a subordinação, que o Banco se limitava a colocá- las no mercado e que o produto em causa em nada era semelhante a um depósito a prazo e não era sequer adequado ao seu perfil de investidor.

M. O D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, é uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se limitou a concretizar melhor uma das soluções de direito possíveis que já decorriam da lei anterior e que, como tal se integra na lei interpretada.

N. Os factos provados em 1.ª instância demonstram que foi por via do ardil, da astúcia e do engano que o Banco recorrente, por intermedio dos seus funcionários da agência de ... (...), levou o autor a subscrever uma obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004, que hoje não tem qualquer valor transacionável e que nunca foi reembolsada.

O. O dano do recorrido é evidente e ostensivo.

P. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Q. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que lhe é censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.

R. O Banco réu não logrou provar que informou o autor, nos termos que lhe eram legalmente impostos, acerca das características das Obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004.

S. Dos documentos n.º 6, n.º 7, n.º 10 e n.º 11 da petição inicial e da matéria de facto provada extrai-se que o Banco recorrente violou de os deveres de lealdade, diligência, transparência, boa-fé e de informação a que estava adstrito.

T. O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.

U. O Banco recorrente atuou de forma ilícita e não ilidiu, antes confirmou, a presunção de culpa que sobre si impedia.

V. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e os danos que o autor reclama salta á vista, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (produto semelhante a um depósito a prazo), que acabou por adquirir a obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 dos autos.

W. Se tivessem sido previamente explicadas ao autor as características da obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 que este veio a subscrever, ou se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa do produto, nomeadamente quanto ao reembolso antecipado, que a obrigação era apenas assumida pela SLN e que, no caso de insolvência da SLN, o pagamento do capital investido ficaria subordinado ao prévio reembolso de todos os credores não subordinados, tendo apenas prioridade sobre os acionistas da SLN, como se infere das aludidas notas informativas sob as epígrafes “Reembolso Antecipado”; “Liquidez” e “Subordinação”, o autor nunca teria aceitado tal subscrição.

X. O contrato de conta bancária constitui o contrato bancário primogénito; é ele que inaugura, através da celebração de um contrato de abertura de conta, a relação obrigacional que é a relação jurídica bancária.

Y. O contrato de abertura de conta está na origem de uma relação obrigacional complexa, consubstanciada na existência de um conjunto de direitos subjetivos (em sentido amplo) e os deveres jurídicos ou de sujeições que advêm de um mesmo facto jurídico.

Z. Emerge daquele contrato-quadro um feixe de deveres de proteção, a cargo do intermediário financeiro, que se desdobram e autonomizam dos deveres acessórios de conduta e que têm por finalidade conservar a atual situação jurídica dos bens de ambos os sujeitos da relação obrigacional complexa, tutelando-os contra ingerências externas lesivas na sua pessoa, na sua propriedade ou no seu património.

AA. O dever de conhecimento do cliente encontra-se relacionado com o denominado princípio da proporcionalidade inversa consagrado no n.º 2 do artigo 312.º do CVM, relativamente aos deveres de informação.

BB. Tal princípio baseia-se na necessidade de tratamento diferenciado entre investidores, com vista à superação de inevitáveis desigualdades informativas e à possível reposição de uma tendencial igualdade.

CC. Havendo uma ligação especial entre o intermediário financeiro e a prossecução dos referidos deveres de proteção, formam-se por causa disso os denominados círculos de diligência devida.

DD. No âmbito da responsabilidade o intermediário financeiro, cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte daquele demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

EE. O autor, para além de ser um investidor não qualificado, era um cliente conservador, não disposto a apostar em produtos de risco e que confiava no seu gerente de conta relativamente aos produtos que lhe eram fornecidos e às informações que este lhe prestava.

FF. Sendo o autor um investidor não qualificado, as informações a prestar sobre o produto que lhe estava a ser apresentado, tinham de ser completas, atuais e verdadeiras, incluindo informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando o produto ou serviço envolva risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado.

GG. O Banco réu não só prestou informações falsas e omitiu informações relevantes e essenciais para conhecimento do tipo de produto em causa, como desvalorizou por completo a informação de que o mesmo seria um produto reembolsável a 10 anos, dando a entender ao autor que este poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, o que, como ora se sabe, não correspondia, de todo, à verdade.

HH. O autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto com risc exclusivamente Banco.

II. Quanto maior for a complexidade do negócio, mais completa deve ser a informação a disponibilizar ao investidor; de igual modo, quanto maior for o risco envolvido no negócio em causa, maior deve ser o rol de elementos informativos a disponibilizar ao investidor.

JJ. O escopo do n.º 1 do artigo 304º-A do CVM é a recuperação normativa da tutela do cliente – materializada, na fixação de deveres específicos no quadro da conduta devida e consagrada na fase da responsabilidade civil do prestador do serviço financeiro perante o cliente.

KK. O n.º 1 do artigo 314.º do CVM encerra uma cláusula geral de responsabilidade civil a cargo do intermediário financeiro, pela violação dos deveres que sobre ele impendem no exercício da sua atividade – princípio geral de ressarcibilidade dos danos – abarcando quer a responsabilidade delitual quer a responsabilidade contratual.

LL. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor. Isto, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso. A lei estabelece uma presunção de culpa do devedor: portanto, sobre ele recai o ónus da prova.

MM. No domínio da responsabilidade por factos ilícitos culposos contratuais, o facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais.

NN. A conduta do intermediário financeiro negligentemente inadimplente revestirá, necessariamente, a violação de um dever específico de conduta profissional devida.

OO. Quanto à culpa do intermediário financeiro, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil, consagrando um padrão de conduta profissional diligentíssima.

PP. A presunção de culpa do intermediário financeiro projeta implicações ao nível da relação de causalidade.

QQ. O Banco recorrente não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele impendia e os factos dados como provados deixam demonstrada a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações prestadas ao autor.

RR. O Banco recorrente, através dos seus funcionários, promoveu uma campanha agressiva de angariação de investidores, numa atividade de canibalização de depósitos.

SS. Tratou-se de técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência dos clientes a determinados produtos de risco que nunca subscreveriam se tivessem conhecimento de todas as caraterísticas dos produtos.

TT. As orientações e comunicações internas existentes no Banco réu e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

UU. O Banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.

VV. Tais informações são insuficientes, omitindo informação relevantíssima quanto às caraterísticas do produto financeiro onde iam ser investidas as poupanças do autor e são dadas de modo a induzi-lo em erro, ao insistirem na equiparação das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 a simples depósitos a prazo, sem o alertarem para as respetivas diferenças.

WW. O dever de informar torna-se muito mais operacional quando tenha estrutura obrigacional, devido à tutela da confiança.

XX. As consequências advenientes da proteção da confiança tanto podem consistir na preservação da posição nela alicerçada como num dever de indemnizar.

YY. O Direito português exprime a tutela da confiança através da manutenção das vantagens que assistiriam ao confiante, caso a sua posição fosse real.

ZZ. O dano indemnizável na responsabilidade bancária por informações abrangerá sempre o interesse contratual negativo, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.

AAA. Para efeito de imputação dos danos, o n.º 2 do artigo 304.º do CVM contém igualmente uma presunção de culpa e de causalidade.

BBB. Tendo em conta que entre o comportamento do intermediário financeiro e os danos sofridos pelo investidor medeia um facto do seu foro interno, isto é, a sua vontade, facilmente nos apercebemos da especial dificuldade de prova nesta matéria.

CCC. Perante a incontroversa omissão de um dever informativo, cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância de tal omissão na produção dos danos sofridos pelo credor, sob pena de se alimentar uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios, situação que o legislador de todo não visou, neste segmento económico de forte regulação do mercado.

DDD. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

EEE. O princípio da boa-fé, tal como está consagrado no instituto da culpa in contrahendo, faz deste o instrumento ideal para operar a proteção do contraente mais débil, uma vez que irá vincular mais fortemente o contraente mais forte.

FFF. No caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido pelo autor.

GGG. Os factos dados como provados confirmam que a vontade do autor foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco réu.

HHH. A atividade profissional é um ponto de conexão idóneo para a imputação de danos enquanto preenche critérios gerais a atender no juízo de distribuição dos riscos relevantes como o da introdução ou controlabilidade de um risco, o da capacidade para a sua absorção ou repercussão e o do saber quem tira o primordial proveito da fonte do perigo.

III. Em casos como a da responsabilidade do intermediário financeiro por informação incompleta ou enganosa, a responsabilidade pela confiança representa o único modo de enquadrar dogmaticamente concretas soluções e regimes previstos, uma vez que a proteção da confiança corresponde a um princípio ético-jurídico que, por estar firmemente radicado na ideia de Direito, não pode deixar de transpor o umbral da juridicidade.

JJJ. Há imposições tão fortes da Justiça que não as acolher significaria negar o próprio Direito, a sua razoabilidade e a sua racionalidade; imposições que se sentem de modo particular quendo não há alternativa prática que evite, para além do tolerável, a ameaça de ficar por satisfazer uma indesmentível necessidade de tutela jurídica. Nestes imperativos indeclináveis e indisponíveis se situa certamente o pensamento de que quem induz outrem a confiar, deve (poder ter de) responder caso frustre essa confiança, causando prejuízos.

KKK. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do C. Civil.

LLL. O autor foi desapossado da quantia de 50.000,00€ em troca de um produto financeiro que nunca teria adquirido, não fossem as informações enganosas prestadas pelo Banco réu, enquanto intermediário financeiro.

MMM. Ficou demonstrado nos autos que o Banco réu estava obrigado a prestar informação respeitante ao instrumento financeiro em causa, de forma completa, verdadeira, atual, clara e objetiva (art.º 7.º, n.º 1 do CVM), e não o fez; estava obrigado a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e a observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência, e não o fez (art.º 304.º, n.ºs 1 e 2 do CVM); tinha o dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão por parte do autor esclarecida e fundamentada, sobretudo por estar perante um investidor não qualificado, nomeadamente as relativas aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art.º 312.º, n.º 1 e n.º 2 do CVM), e também não o fez.

NNN. Está demonstrado nos autos e é um facto notório (que não carece de alegação nem de prova) que as contas da SLN eram falsificadas desde o ano 2000.

OOO. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de, já em 2007, a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN serem falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

PPP. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações como a dos autos.

QQQ. Se uma norma de proteção procura reagir contra uma possibilidade de pôr em perigo típica e se, em violação dessa norma, ocorrer um prejuízo do género que a norma visa impedir, é de considerar, em primeira aparência, uma relação causal entre a violação da norma de proteção e o prejuízo.

RRR. Todos estes princípios, derivados do princípio fundamental da boa-fé, levaram não só a doutrina a defender a responsabilidade civil dos Bancos, nomeadamente na veste de intermediários financeiros, quando desrespeitassem tais deveres gerais, como o próprio legislador (artigos 304.º; 312.º e 314.º do CVM).

SSS. Pelo que terá o Banco Réu que responder pela violação dos deveres de informação previstos no artigo 312.º do CVM.

TTT. A jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal tem também perfilhado esta posição, nomeadamente, entre outros, nos Acórdãos de 17.03.2016, (Maria Clara Sottomayor), de 10.04.2018, (Fonseca Ramos), de 18/09/2018, (Salreta Pereira), de 18/09/2018, (Maria Olinda Garcia), de 25.10.2018, (José Manuel Bernardo Domingos) e de 26.03.2019 (Alexandre Reis).

UUU. Quanto à causalidade, ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar, a presunção de culpa do artigo 799.º envolve uma presunção de causalidade.

VVV. Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações de que impliquem uma projeção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei certeza quanto á sua ocorrência.

WWW. Para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco réu traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o autor não teria subscrito aquela aplicação financeira se o dever de informar tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei ou seja de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita.

XXX. No caso dos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão. O que está em causa é uma situação hipotética.

YYY. O douto acórdão deste Colendo Supremo Tribunal de 25/10/2018 é demonstrativo de que, no âmbito da responsabilização do intermediário financeiro por violação dos deveres de informação, não podem ter aplicação as regras gerais do artigo 563.º do Código Civil, sob pena de incorrermos em prova diabólica.

ZZZ. A quantificação do dano faz-se indagando qual o valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.

AAAA. Ficou demonstrada a existência de um conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, uma vez que o BPN e a SLN tinham por Presidente do Conselho de Administração o recentemente falecido BB.

BBBB. Os autos são reveladores de intermediação excessiva, pois a atividade demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.

CCCC. Não foram violados quaisquer preceitos legais.

DDDD. Impõe-se a total improcedência do presente recurso e a confirmação do douto acórdão recorrido.

Termos em que deverão V/ Exas. manter na íntegra o douto acórdão recorrido, julgando o presente recurso totalmente improcedente, por não provado, com o que farão, como é timbre deste Colendo Supremo Tribunal, a já costumada JUSTIÇA!”

10. Remetidos os autos à Formação, foi proferido acórdão a admitir a revista excecional.

11. Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

12. Os autos para uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. já transitaram em julgado.

13. Foram dispensados os vistos.

14. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos provados:

“1 - A totalidade do capital social do BPN era, antes da nacionalização, detida pela BPN, SGPS, S.A e a totalidade do capital social desta era, por sua vez, detida pela SLN.

2 - O A. era cliente do BPN.

3 - O A. tinha um perfil conservador no que concerne ao investimento das suas economias, o que era do conhecimento do funcionário do BPN que lhe apresentou o produto denominado SLN Rendimento Mais 2004.

4 - O funcionário do BPN que apresentou o produto SLN Rendimento Mais 2004 ao A. disse a este que era um produto garantido pelo banco e que era tal qual um depósito a prazo.

5 - O A. autorizou a operação, tendo, no dia 4 de Maio de 2007, sido debitada na sua conta a quantia de € 50.000,00 para compra do produto denominado SLN Rendimento Mais 2004, obrigação com maturidade a 27 de Outubro de 2014.

6 - A SLN pagou os juros ao A. até 30 de Setembro de 2015.

7 - O A. ainda não foi reembolsado do capital.

8 - Em Novembro de 2008, o A. soube que tinha sido enganado.

9 - O A. autorizou a operação por ter confiança no que o funcionário do BPN lhe dizia.

10 - Não foi dada ao A. a nota informativa da operação.

11 - O funcionário do BPN tinha perfeita consciência que o A., se o tivessem elucidado sobre as características do produto, não teria autorizado a operação.

12 - Nunca passou pela cabeça do A. - nem tal lhe foi alvitrado - que o prazo para o reembolso era Outubro de 2014.”

Factos não provados

“1 - O BPN instruiu os seus funcionários para venderem o novo produto como sucedâneo de um mero depósito a prazo que podia ser movimentado sempre que o respetivo titular o desejasse.

2 - O BPN instruiu os seus funcionários para não entregarem aos clientes a nota informativa.

3 - O funcionário do BPN informou o A. que a única forma de obter liquidez antes da data do reembolso era vender a obrigação, endossando-a a um terceiro.

4 - Foi assegurado ao A. que se tratava de uma obrigação a dez anos e que este poderia, querendo, resgatá-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.”


II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, aliás, não mereceu censura, mantendo-se inalterada), concluiu, no segmento decisório, pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância que julgou improcedente a exceção de prescrição e a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização, a quantia de €50.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde 30 de setembro de 2015.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo.

Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração entre o Autor/AA e o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. (que além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu violou, quanto ao Autor, deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por estes, do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respetiva atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, atual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta, ao cabo e ao resto, no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 314º do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via de recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os factos adquiridos processualmente.

“1 - A totalidade do capital social do BPN era, antes da nacionalização, detida pela BPN, SGPS, S.A e a totalidade do capital social desta era, por sua vez, detida pela SLN.

2 - O A. era cliente do BPN.

3 - O A. tinha um perfil conservador no que concerne ao investimento das suas economias, o que era do conhecimento do funcionário do BPN que lhe apresentou o produto denominado SLN Rendimento Mais 2004.

4 - O funcionário do BPN que apresentou o produto SLN Rendimento Mais 2004 ao A. disse a este que era um produto garantido pelo banco e que era tal qual um depósito a prazo.

5 - O A. autorizou a operação, tendo, no dia 4 de Maio de 2007, sido debitada na sua conta a quantia de €50.000,00 para compra do produto denominado SLN Rendimento Mais 2004, obrigação com maturidade a 27 de Outubro de 2014.

6 - A SLN pagou os juros ao A. até 30 de Setembro de 2015.

7 - O A. ainda não foi reembolsado do capital.

8 - Em Novembro de 2008, o A. soube que tinha sido enganado.

9 - O A. autorizou a operação por ter confiança no que o funcionário do BPN lhe dizia.

10 - Não foi dada ao A. a nota informativa da operação.

11 - O funcionário do BPN tinha perfeita consciência que o A., se o tivessem elucidado sobre as características do produto, não teria autorizado a operação.

12 - Nunca passou pela cabeça do A. - nem tal lhe foi alvitrado - que o prazo para o reembolso era Outubro de 2014.”

Factos não provados

“1 - O BPN instruiu os seus funcionários para venderem o novo produto como sucedâneo de um mero depósito a prazo que podia ser movimentado sempre que o respetivo titular o desejasse.

2 - O BPN instruiu os seus funcionários para não entregarem aos clientes a nota informativa.

3 - O funcionário do BPN informou o A. que a única forma de obter liquidez antes da data do reembolso era vender a obrigação, endossando-a a um terceiro.

4 - Foi assegurado ao A. que se tratava de uma obrigação a dez anos e que este poderia, querendo, resgatá-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros”.

Daqui resulta ser o Autor/AA titular de uma obrigação subordinada, na qual foi aplicada as suas poupanças sem estar devidamente esclarecido acerca das suas características, a qual não era adequada ao seu perfil de investidor, avesso ao risco, sendo que se ao Autor tivesse sido dada completa informação sobre as características do produto financeiro que lhes foi proposto, lhes tivesse mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, o Autor não o teria adquirido, só o tendo feito porque o funcionário do Banco, Réu lhe disse que era um produto garantido pelo banco e que era tal qual um depósito a prazo, autorizando a operação por ter confiança no que o funcionário do Banco, Réu lhe dizia, sendo que o funcionário do Banco Réu tinha perfeita consciência de que se tivesse elucidado sobre as características do produto, o Autor não teria autorizado a operação.

Está, pois, adquirido processualmente que o Autor não possuía conhecimento sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, as obrigações subordinadas, e não sabia avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficou convencido de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto do Banco, garantido e assegurado pelo Banco/Réu.

Esta declaração, para com este Autor, deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - .

A declaração só pode significar que o Banco/Réu assumiu um compromisso perante o Autor, seu cliente, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro. É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O Banco/Réu incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do Autor, enquanto investidor e cliente, de tal sorte que o Banco/Réu, ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo do seu cliente, aqui Autor, não cuidou de proceder com boa-fé.

Assim, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil, e o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se o Autor, acaso tivesse sido informado das verdadeiras características do produto que adquiriram, a troco da entrega de dinheiro a que procedeu, se não o teria efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pelo Autor, necessário se torna que este demonstre o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao Autor, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o Autor não teria investido naquela aplicação financeira.

Ou seja, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever o produto financeiro, se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o dinheiro investido.

Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, concluímos que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever aquele produto financeiro (compra da obrigação subordinada) se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corria o risco de perder o seu dinheiro, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pelo Autor.

Em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos consignados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se a revista, mantendo-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de outubro de 2022


Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes