Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS | ||
Descritores: | ATIVIDADE BANCÁRIA ASSÉDIO MORAL CATEGORIA PROFISSIONAL ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO BOA -FÉ DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Data do Acordão: | 07/03/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Sumário : |
I- A mudança para categoria profissional inferior à inicialmente atribuída, por decisão do empregador, sem o acordo do trabalhador, é ilegal. II- Num contexto de assédio moral, de despromoção e transferência ilegais constitui procedimento ilícito por parte do empregador invocar um acordo sobre a “Isenção de Horário de Trabalho”, para justificar a retirada do subsídio de isenção de horário de trabalho, por violação do princípio da boa-fé, consagrado no artigo 126.º do Código do Trabalho. III- É adequada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 25.000,00 a um trabalhador a quem o empregador, num contexto de assédio moral, de despromoção ilegal, de transferência ilícita e de esvaziamento completo de funções, com a finalidade de o obrigar a cessar o contrato de trabalho, lhe causaram desonra, constrangimento e perturbação, bem como com uma dificuldade acrescida em cumprir as obrigações hipotecárias assumidas com o próprio empregador. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 629/22.6T8PRT.P1.S1 Recurso de revista Relator: Conselheiro Domingos José de Morais Adjuntos: Conselheiro José Eduardo Sapateiro Conselheiro Mário Belo Morgado Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I. – Relatório 1. - AA intentou acção com processo comum contra Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A., pedindo: “a. deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor uma indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais que lhe foram provocados, no montante de € 25.000,00, nos termos do disposto nos art. 29º, n.º 4 e art. 28º do Código do Trabalho; b. deve a Ré ser condenada a repor ao Autor o corte unilateral que mensalmente efetuou a partir de 01.11.2021 da verba paga como isenção de horário de trabalho (com o valor mensal de € 984,95) e a reconhecer que esse valor integra a sua remuneração base e como tal condenada a pagar os valores vencidos e vincendos; c. deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor o valor de € 14.881,00, a título de despesas decorrentes da transferência do posto de trabalho do Autor de ... para o ..., no valor mensal de € 647,00, correspondentes ao período compreendido entre fevereiro de 2020 e dezembro de 2021, bem como as despesas mensais, no mesmo valor, desde aquela data até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos, acrescido de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento; d. deve a Ré ser condenada a repor ao Autor a atribuição e utilização de telemóvel, viatura automóvel e cartão de combustível com plafond mensal de € 250,00, e e. deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor, a título de atribuição e utilização de viatura automóvel e cartão de combustível, o valor global de € 14.400,00, correspondente ao período compreendido entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021 (24 meses x € 600,00), bem como o valor mensal de €600,00 desde aquela data até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento;”. 2. - A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção. 3. - Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “(J)ulga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência julga-se ilícita a alteração das funções do A. para assistente operacional e a sua transferência para as instalações da R. no ... e, em consequência, condena-se a R. no pagamento ao A. da quantia de € 984,95 (novecentos e oitenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos) a título de complemento de retribuição, por isenção de horário de trabalho, desde que o A. o deixou de auferir – Novembro de 2021 incluído – até ao presente, mantendo-o daqui para o futuro. À indicada quantia acresce ainda a condenação da R. a repor a utilização ao A. de viatura automóvel compatível com o exercício de funções de gestor de clientes, com o respectivo cartão de combustível com plafond compatível com as deslocações a efectuar pelo demandante e ainda no pagamento da quantia, a liquidar em momento posterior, correspondente aos danos patrimoniais sofridos pelo A. com a deslocação que teve de efectuar entre a sua residência em ... e o seu posto de trabalho no ..., desde Fevereiro de 2020 e até Dezembro de 2021. Mais se condena a R. a pagar ao A. a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da conduta da R. Às quantias acima indicadas acrescem ainda os respectivos juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de citação e dos vincendos até integral pagamento.”. 4. - Por acórdão de 27.11.2023, o Tribunal da Relação do Porto decidiu: “I) Intercalar nos factos provados um ponto 17-a) com a redação supra exposta e aditar um ponto 35) aos factos provados com a redação também supra exposta; II) Considerar que se verificou uma situação de assédio moral nos termos supra expostos. III) Revogar a sentença recorrida na parte em que: a) condenou a Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 984,95 (novecentos e oitenta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos) a título de complemento de retribuição, por isenção de horário de trabalho, desde que o Autor o deixou de auferir – novembro de 2021 incluído – até ao presente, mantendo-o daqui para o futuro; absolvendo-se a Ré desse pedido. IV) Manter, no mais, a sentença recorrida.”. 5. - O Autor interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese: A) Com o presente recurso solicita-se a V. Exas, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, a apreciação das seguintes questões de Direito: I) A Recorrida podia fazer cessar a isenção de horário de trabalho? II) Em que situações a isenção de horário de trabalho faz parte da retribuição? III) O acórdão do Tribunal da Relação violou os artigos 119º, 120, n.º 4, 129º. al. d) e o art.º 258º todos do Código de Trabalho; IV) O quantum indemnizatório por assédio moral; V) A indemnização devida pelos danos da al. e) da P.I. B) Ficou provado que: 1º) No ano de 1998, face à excecional prestação e desempenho do Autor no Banco, o então Diretor Comercial do Finibanco, Sr. Dr. BB, com o conhecimento e anuência do Sr. Dr. CC, então Administrador do Pelouro Comercial do Banco, atribuiu ao Autor isenção de horário de trabalho, o que o Autor aceitou. 2º) Desde 1998 até 2021, ou seja, durante 23 anos o Autor recebeu isenção de horário de trabalho a título de complemento de retribuição 3º) E que, ao longo desses 23 anos a remuneração por IHR foi sempre paga pela Ré em 14 meses por ano, tendo sido considerada para efeitos de cálculo e pagamento dos subsídios de férias e de Natal”. C) Só por estes motivos, ou seja, pelo facto de o Recorrente receber há mais de 23 anos um valor alegado de isenção de horário de trabalho, que era atendido para o cálculo do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, que era pago 14 meses, por ano, e há mais de 23 anos, de forma mensal e ininterrupta, regular e periodicamente, deveria ter sido entendido que integrava a retribuição. (…). G) A decisão da Relação sub iudice, de que se recorre, interpretou incorretamente o disposto no art.º 258º do Código de Trabalho – dado que ficou provado que o Recorrente passou a receber desde 1998 isenção de horário de trabalho como contrapartida da excecional prestação e desempenho no Banco. (art.º 17º dos factos assentes). H) Tendo o Recorrente adquirido o direito de receber um valor mensal desde 1998 até 2021 (data em que lhe foi retirada) como contrapartida do seu trabalho: da sua excepcional prestação e desempenho na sua actividade, presume-se tratar-se de retribuição, tendo o Tribunal da Relação violado o disposto nos art.º 258º, 120º, n.4 e 129º al. d) do Código de Trabalho. J) Pelo exposto estando provado e assente que o motivo da concessão ao Recorrente do valor apelidado de isenção foi a sua excepcional prestação e desempenho no Banco e não o modo especifico como a actividade foi exercida, pelo venerando Tribunal da Relação, foi feita uma errada interpretação do conceito de retribuição, violando a decisão de que se recorre o disposto nos arts.º 120º, n. 4, 129º al. d) e 258º do C.T. K) O Recorrente que desde 1998 recebe, todos os meses, ininterruptamente, um valor de retribuição apelidado de isenção de horário de trabalho, que é pago 14 meses por ano, que é atendido para a fixação e determinação do valor do subsidio de férias e de Natal, que orientou a sua vida em função dessa remuneração, que contraiu empréstimos no Banco em função desse vencimento, que não saiu da instituição quando recebeu outros convites de trabalho porque recebia esta retribuição, não lhe pode ver retirada parte da retribuição. L) Mais, a alegada isenção de horário de trabalho foi-lhe retirada no âmbito dos comportamentos descritos sob os n.ºs 23 a 30 dos factos assentes, no âmbito de um processo de perseguição e assédio em que lhe retiraram todos os direitos, carro, combustível, computador, cartão, telefone fixo e móvel, e parte do salário entre outros comportamentos cadenciados e com ordem cronológica devidamente identificada, em suma, o motivo da retirada da isenção foi penalizar o Trabalhador e perturbá-lo, o que determinou a condenação da empregadora por assédio moral ao Recorrente. M) O Tribunal da Relação entendeu que pelo facto de o Trabalhador ter assinado um acordo de isenção de horário de trabalho em 11.04.2005, e os documentos 8 a 12 da contestação (declarações de concordância com isenção de horário de trabalho) poderia ser-lhe retirado o valor pago a título de isenção. (…). P) O Tribunal a quo entendeu, contrariamente ao Tribunal de primeira instância que o pedido formulado na al. e) da P.I. não é uma duplicação do pedido formulado na al. c) mas erradamente não condenou a Recorrida no pagamento da respetiva indemnização. Q) o pedido formulado na al. e) da P.I. tem que ver com os prejuízos sofridos pela privação da utilização da viatura (atendendo a que, desde 1998, o Trabalhador sempre utilizou a viatura atribuída pela Recorrida para fins profissionais e pessoais) e pela privação da utilização do cartão de combustível no valor mensal de 500,00 € até 2012 e de 250,00 € a partir de 2012, como referido nos artt.º 3º, 4º e 5º da P.I. R) Ora o pedido da al. e) da P.I. tem um valor económico equivalente ao valor mensal da prestação de um carro e do aludido plafond de 250,00 € mensais. O STJ não pode reapreciar a matéria de facto mas pode outrossim, com base no art.º 412º do C.P.C. e 607º, nº.4 in fine, ambos do C.P.C., condenar a Recorrida no valor peticionado de 600,00 € mensais (sendo o valor de 250,00 € de plafond e 350,00 € de uma prestação mensal devida pela utilização de um carro, de acordo com as regras da experiência comum e atendendo ao histórico dos carros que ao Recorrente sempre foram atribuídos desde 1998 até lhe ter sido retirado o veículo no âmbito do assédio moral em 2020). S) Atendendo a que o Tribunal da Relação considerou ex-novo, “que se verificou uma situação de assédio moral” entendemos ter sido erradamente fixado o valor de indemnização em € 10.000,00 (dez mil euros), quantia que se considera insuficiente e violadora do disposto no art.º 496º do C.C. 6. - A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso. 7. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido “de que o recurso do autor merece provimento parcial quanto à 2.ª questão, nos termos acima indicados, e de que deve ser julgado improcedente quanto às duas outras questões, mantendo-se, relativamente a estas, o acórdão do Tribunal “a quo”.”. 8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), cumpre apreciar e decidir. II. - Fundamentação de facto. Nas Instâncias foi proferida a seguinte decisão de facto: Factos provados: 1) O Autor é bancário de profissão; 2) Trabalhador dependente da Ré, o Autor foi admitido ao serviço desta instituição em 04/04/2011, proveniente do Banco Finibanco, onde havia sido admitido em 24/07/1995, com a categoria de administrativo, no grupo I, nível 4 de acordo com o ACTV para o Sector Bancário em vigor – cfr. contrato de trabalho que aqui se junta como documento 1 e se dá por integrado para os devidos efeitos. 3) Ao longo dos anos, o FINIBANCO e a Ré sempre aplicaram o ACTV do Sector Bancário, nas sucessivas redações que assumiu, e a Ré também o novo Acordo que acabou de assinar com a FEBASE e que foi pulicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 8, de 28/02/2017 (doravante designado ACT), tudo com a aceitação do Autor, tendo a remuneração mensal do Autor sido sucessivamente atualizada com os valores dos níveis 9, 10, 11, 12, 13 e 14 dos aludidos Acordo Coletivos. 4) Tendo também a(6) retribuição por isenção de horário de trabalho assumido diferentes e crescentes valores ao longo do percurso profissional do trabalhador na instituição bancária: a) em 1998 - foi atribuída ao Autor a retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia; b) em 2001 - foi atribuída ao Autor a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia quando o Autor passou a integrar a categoria correspondente ao nível 12 do ACT; c) em 2005 - foi atribuída a retribuição correspondente a € 837,00 mensais e, d) em 2021, tal retribuição encontrava-se fixada em € 984,95 mensais. [(6) Retirou-se a palavra “referida” que se encontrava entre “a” e “retribuição”, porque nos pontos anteriores não está referida a “retribuição por isenção de horário de trabalho” [teve na base o alegado no artigo 13º da PI, havendo referências a essa retribuição nos artigos precedentes, mas tal não acontece com o ponto 4) dos factos provados, donde se concluir que houve lapso decorrente do uso de meios informáticos, designadamente das funções “copiar” e “colar”]. 5) À data, o Autor exercia funções como Gestor de Cliente Empresas na D..., contava já com 24 anos de antiguidade, não tinha antecedentes disciplinares e nunca antes lhe havia sido instaurado um processo disciplinar. 6) Após a conclusão do processo disciplinar, em setembro de 2019, o Autor regressou ao seu posto de trabalho no departamento de empresas do Banco em ... (local onde exercia funções antes do referido processo disciplinar). 7) Em novembro de 2020, o Autor recebeu um telefonema da sua Chefia, responsável regional, a informar que lhe seria retirado o telemóvel, o que se concretizou em dezembro de 2020. 8) O Autor à data da interposição da presente ação não tinha no seu atual posto de trabalho um telefone fixo. 9) Em finais de junho de 2021, o Autor recebeu um novo telefonema da sua chefia dando-lhe conta que iria ser contactado pela Direção de Gestão de Pessoas (DGP) da Ré para “negociar” uma rescisão mútua amigável do seu contrato de trabalho. 10) No dia 29 de julho de 2021, o Autor foi contactado pela Ré no sentido de ser alcançada uma rescisão por mútuo acordo do contrato de trabalho, a qual não aceitou. 11) Dias depois, a 05 de agosto, o Autor foi convidado a ir ao gabinete da Chefia a fim de lhe ser transmitido que a isenção de horário de trabalho, à data, no valor mensal de € 984,50, lhe iria ser retirada – o que sucedeu. 12) O Autor remeteu à Ré a comunicação junta à PI como doc. nº 12, cujo o teor se dá aqui integralmente por reproduzido(7). [(7) Constava que a Ré remeteu a carta que constitui o doc. 12 junto com a PI ao Autor, mas tal carta foi remetida pelo Autor (através da sua mandatária) à Ré, como é dito no artigo 37º da PI, donde se ter retificado, porque só pode ser lapso.]. 13) O Autor foi admitido no Finibanco a 24/07/1995 e transitou para a Ré a 04/04/2011. 14) Em 1998, três anos após a sua admissão no Banco, como compensação pelo seu trabalho e reconhecimento pelos ótimos resultados no exercício das suas funções, o Autor adquiriu a categoria de Gerente no então Banco Finibanco, tendo-lhe sido atribuída a utilização de viatura automóvel. 15) Ao longo dos anos, a referida viatura automóvel foi sendo substituída pela entidade patronal do Autor a cada cinco anos: primeiramente foi atribuída ao Autor uma viatura de marca e modelo Fiat Punto, de seguida, um Nissan Almera, um Peugeot Sw308 e, por último, um Renault Clio. 16) Naquela data, em 1998, foi igualmente entregue e concedido ao Autor a utilização de um cartão de combustível, cujo plafond variou entre os € 500,00 mensais (em 1998, pelo Finibanco), os € 300,00 mensais (em 2009, pelo Finibanco) e os € 250,00 mensais (já em 2012, pela Ré), e que desde então o Autor sempre utilizou, com o devido consentimento do referido Banco e da aqui Ré, para uso profissional ou pessoal. 17) Ainda no ano de 1998, face à excecional prestação e desempenho do Autor no Banco, o então Diretor Comercial do Finibanco, Sr. Dr. BB, com o conhecimento e anuência do Sr. Dr. CC, então Administrador do Pelouro Comercial do Banco, atribuiu ao Autor isenção de horário de trabalho, o que o Autor aceitou. 17-a) Em 11/04/2005 o ex Finibanco e o Autor subscreveram acordo com o seguinte teor: (Documento n.º 12 junto com a contestação). 18) Ao longo dos anos a remuneração por IHT(8) foi sempre paga pela Ré em 14 meses por ano, tendo sido considerada para efeitos de cálculo e pagamento dos subsídios de férias e de Natal. [(8) Constava IHR, mas era lapso, que já constava do artigo 10º da PI que lhe serviu de base, pois é óbvio que se reporta a Isenção de Horário de Trabalho (cfr. artigo 9º da PI)]. 19) Em 25 de fevereiro de 2019, a Ré instaurou um processo disciplinar contra o Autor com vista ao seu despedimento com justa causa e sem direito a qualquer compensação ou indemnização. 20) No seguimento deste procedimento e no período compreendido entre março e setembro de 2019, o Autor foi suspenso do exercício das suas funções e totalmente afastado do seu posto de trabalho. 21) Durante cerca de seis meses, o Autor esteve suspenso das suas funções e foi submetido ao processo disciplinar. 22) O referido processo disciplinar ilibou o Autor de todas as acusações proferidas contra si e em consequência, foi o mesmo arquivado, sem aplicação de qualquer sanção. 23) Cerca de três meses depois, em janeiro de 2020, a Ré retirou ao Autor a utilização de viatura automóvel bem como o cartão de combustível que lhe haviam sido atribuídos desde 1998, como se disse, quando assumiu a categoria profissional de Gerente. 24) No mês seguinte, a 12 de fevereiro de 2020, após a divulgação de uma reportagem televisiva no canal ... (que versava sobre os mesmos factos do processo disciplinar instaurado pelo Banco onde se concluiu pela inocência do Trabalhador, mas que o Banco omitiu à estação televisiva), a Ré colocou unilateralmente o Autor a exercer funções no centro de empresas no ... com o objetivo de afastar o impacto da referida reportagem na opinião pública sobre o Banco, situação esta que ainda se mantém, tendo o mesmo passado a exercer funções de assistente operacional, de carácter administrativo sem qualquer contacto direto com os clientes, dando apoio aos gestores de clientes. 25) O Autor foi deslocado pela Ré para um local de trabalho a mais de 50 quilómetros da sua residência e do seu anterior posto em .... 26) Com esta transferência do local de trabalho e, em função da distância entre a cidade de ..., onde reside, e a cidade do ..., onde diariamente passou a ter de se deslocar, o Autor foi obrigado a suportar custos mensais acrescidos de valor não apurado. 27) Em março de 2020, o Autor foi contactado pela sua atual chefia no Banco para assinar um documento que permitisse destituí-lo das suas funções comerciais, o que recusou, continuando a constar no organigrama da Ré como gestor de empresas no centro de empresas do .... 28) Em dezembro de 2020, a Ré retirou ao Autor o telemóvel, instrumento de trabalho de que dispunha desde 1998 para uso profissional e pessoal. 29) Desde a data da sua transferência para o centro de empresas no ..., entre fevereiro de 2020 e maio de 2021, o Autor não teve um posto de trabalho, telefone e computador fixos, apenas podendo trabalhar em postos de outros Colegas que se encontram ausentes ou em regime de teletrabalho. 30)(9) Em 20 de agosto de 2021, no período de gozo de férias do Autor, a Ré comunicou, por escrito, ao Autor a cessação do pagamento da quantia referente a isenção de horário de trabalho e em novembro de 2021, a Ré deixou de pagar ao Autor a retribuição adicional no valor mensal de € 984,50, o que se mantém até à presente data. [(9) Retirou-se a expressão «nesse mesmo mês», pois pressupunha o encadeamento com o ponto anterior e tal não sucede, decorrendo ser lapso [na verdade, teve por base o alegado no artigo 36º da PI que estava encadeado com o artigo 35º da PI, mas o constante desse artigo 35º da PI ficou a constar do ponto 11) dos factos provados, não tendo, assim, sentido a expressão inicial deste ponto 30) dos factos provados, donde se ter retirado]. 31) Em função dos rendimentos salariais que auferia, em 2017, o Autor celebrou um contrato de mútuo com hipoteca com a Ré para aquisição da sua única habitação e casa de morada de família, no valor de € 175.000,00. 32) À data do referido empréstimo, o Autor recebia mensalmente (14 meses por ano) um salário ilíquido aproximado de € 3.500,00, a que acrescia a concessão ao Autor de um cartão mensal de combustível previamente pago, bem como a atribuição e uso de viatura automóvel e telemóvel, tudo a cargo da Ré. 33) Atualmente, face à transferência do local de trabalho para o ..., os custos associados a esta transferência e os sucessivos cortes salariais que a Ré tem vindo a efetuar ao trabalhador (retirada da utilização de viatura automóvel e de telemóvel, de cartão com plafond mensal e da importância mensal denominada de IHT), o Autor ficou, deduzidas todas despesas, com um rendimento disponível mensal inferior a € 2.000,00. 34) O Autor teve a progressão na carreira, desde a sua admissão ao então FINIBANCO, que se encontra descrita nas suas fichas individuais juntas aos autos como documentos 1 e 2 da contestação, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido. 35) Com os comportamentos da Ré descritos nos pontos anteriores, o Autor passou a sentir-se constrangido e perturbado pela Ré no seu posto de trabalho. – Aditado pela Relação Factos não provados: a) A decisão de atribuição ao Autor de complemento por isenção de horário de trabalho visou complementar a retribuição global mensal do Autor e não retribuir o modo específico de prestação do seu trabalho. b) Com a transferência do seu posto de trabalho para o ..., o Autor passou a suportar custos adicionais, a saber (em termos médios): i) combustível (€ 325,00); ii) portagens (€ 90,20); iii) parque de estacionamento (€ 100,00 no ...); iv) refeições fora de casa, em cantina dos serviços sociais (€ 132,00), tudo no valor apurado de € 647,00/mês (em média), e que antes o Autor não tinha de suportar. c) À data, não existia uma verdadeira situação de isenção de horário de trabalho nem existia para tal a competente autorização da Inspeção de Trabalho, a qual era obrigatória naquela época. d) A dita importância mensal, de isenção de horário de trabalho (IHT) apenas tinha o nome, o que o Autor e entidade empregadora acordaram. e) O Autor era muito considerado e respeitado por todos os Colegas e pelos Clientes do Banco, pelo que foi, com enorme espanto e, diga-se, vergonha perante os Colegas e Clientes do Banco, que o Autor recebeu a notícia de instauração do referido processo disciplinar e tomou conhecimento do teor da nota de culpa contra si deduzida. f) O Autor despendeu no âmbito do procedimento disciplinar mais de 200 horas na análise de documentos, preparação e elaboração de resposta e inquirição morosa de diversas testemunhas, tendo todas confirmado a resposta à nota de culpa apresentada pelo Autor. g) No processo disciplinar ficou provada a inocência do Autor e o seu desfecho revelou um notório processo intencional de prejudicar, sem motivo, o Autor, o que este nunca compreendeu. h) Durante a sua vida profissional, o Autor nunca sequer equacionou mudar de entidade empregadora com base no pressuposto que a sua retribuição era composta também pela retribuição adicional por IHT, sendo parte integrante da sua retribuição, não obstante ter tido diversas propostas para mudança de instituição bancária. i) Mais ainda, o Autor sente-se perseguido, constrangido e perturbado pela Ré no seu posto de trabalho, vive na incerteza e angústia de não saber onde a entidade empregadora o irá colocar ou para onde o irá transferir (a sua transferência para o ... era alegadamente temporária e já dura há mais de dois anos) ou o que mais lhe retirará da sua retribuição mensal. j) A transferência do posto de trabalho do Autor, de ... para o ..., foi efetuada por acordo com o mesmo, o mesmo sucedendo relativamente à cessação das suas funções como gestor de clientes ao serviço da aqui Ré. III. - Fundamentação de direito: 1. - O objecto do recurso de revista: O Autor recorrente suscita a apreciação das seguintes questões: I) A Recorrida podia fazer cessar a isenção de horário de trabalho? II) Em que situações a isenção de horário de trabalho faz parte da retribuição? III) O acórdão do Tribunal da Relação violou os artigos 119º, 120, n.º 4, 129º. al. d) e o art.º 258º todos do Código de Trabalho; IV) O quantum indemnizatório por assédio moral; V) A indemnização devida pelos danos da al. e) da P.I. 2. - Questão prévia. 2.1. - Nas conclusões 1.ª a 5.ª das contra-alegações, a Ré alega que “O douto Acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido e com a mesma fundamentação, o pedido que o ora Recorrente suscita no ponto IV)” - “o Quantum indemnizatório por assédio moral” -, “razão pela qual o recurso não deve ser admitido, neste particular, por se ter formado dupla conforme”. 2.2. - Na sentença da 1.ª instância pode ler-se: “(…). Já quanto ao assédio moral invocado pelo A. quanto às propostas que lhe foram apresentadas no sentido de se proceder à rescisão por mútuo acordo do seu contrato de trabalho, se entende que o mesmo não ficou demonstrado, dado que as mesmas se inserem no programa levado a cabo, como se tornou facto notório, por várias instituições bancárias que têm vindo a proceder a uma redução substancial dos seus quadros, quer por força da redução do número de balcões, quer por alterações na forma de exercer a actividade bancária, que cada vez mais depende de ferramentas digitais e menos da intervenção de meios humanos, pelo que conclui que a R., de acordo com a matéria factual dada como assente, não actuou para com o A. de forma diversa da que ocorreu com outros colaboradores.”. (negritos nossos) 2.3. - No Acórdão recorrido foi consignado: “(…). Dito isto, há que ver a factualidade assente, e, assim, in casu temos a seguinte sucessão de factos (cronologicamente): − em 2019 instaurou procedimento disciplinar ao Autor com vista ao seu despedimento, estando o Autor suspenso do exercício das suas funções de março a setembro, altura em que foi arquivado sem aplicação de qualquer sanção disciplinar [pontos 6) e 19) a 22) dos factos provados]; − em janeiro de 2020 a Ré privou o Autor da utilização da viatura automóvel (atribuída desde 1998) e cartão de combustível, como vinha fazendo [pontos 14) e 23) dos factos provados]; − em fevereiro de 2020, a Ré mudou o local de trabalho do Autor para mais de 50 km de distância do anterior posto de trabalho/residência do Autor, passando a exercer funções de assistente operacional [pontos 24) e 25) dos factos provados], que já se viu ter sido de forma ilícita; − em março de 2020, o Autor foi contactado para assinar documento que permitisse destituí-lo das suas funções comerciais, o que recusou [ponto 27) dos factos provados]; − em dezembro de 2020, a Ré privou o Autor do telemóvel de que dispunha [ponto 28) dos factos provados]; − entre fevereiro de 2020 e maio de 2021, o Autor, no novo local de trabalho, não teve um posto de trabalho, telefone e computador fixos, apenas podendo trabalhar em postos de outros colegas que se encontram ausentes ou em regime de teletrabalho [ponto 29) dos factos provados]; − em julho de 2021, o Autor foi contactado no sentido de “negociar” rescisão amigável do contrato de trabalho, o que não aceitou [pontos 9) e 10) dos factos provados]; − em agosto de 2021, foi comunicada ao Autor a cessação do pagamento da quantia referente a isenção de horário de trabalho, que se concretizou em novembro [ponto 30) dos factos provados, (…). Importa esclarecer que a reportagem televisiva referida no ponto 24) dos factos provados não justifica a mudança do local de trabalho do Autor, parecendo ter sido um pretexto. (…). Assim, ainda que a instauração de procedimento disciplinar que culminou em arquivamento fosse, só por si, completamente inócua, se atentarmos na sucessão de factos que se lhe seguiu, constante dos factos provados que acabámos de sintetizar, todos conjugados, somos forçados a concluir que a Ré não queria o Autor nos seus quadros, tentando criar uma situação que levasse o Autor a aceitar a sua saída. Ou seja, a factualidade provada evidencia que Ré, no mínimo, previu estar a criar uma situação assediante, e com isso se conformou. Em suma, não se corrobora de todo a argumentação do tribunal a quo, e em face do acabado de expor concluímos estar demonstrada uma situação de assédio moral, procedendo o recurso do Autor nesta parte.”. (negritos nossos) Assim, na parte do decidido pelo Tribunal da Relação, a Ré recorrida decaiu, pelo que, não só não existe a alegada dupla conforme, como se verifica o trânsito em julgado do Acórdão recorrido na parte em que concluiu – ao contrário da 1.ª instância - pela existência do assédio moral praticado pela Ré sobre o Autor, entre 2019 e novembro de 2021. Na verdade, como decorre das suas contra-alegações, a Ré recorrida não requereu a ampliação do âmbito do recurso de revista, prevista no artigo 636.º, n.º 1, aplicável por força do artigo 679.º, ambos do CPC, o que permitiu o trânsito em julgado do Acórdão recorrido na parte em que concluiu pela existência do assédio moral praticado pela Ré. Como também transitou em julgado, com o mesmo fundamento, a parte do Acórdão recorrido que confirmou a sentença da 1.ª Instância, relativamente, à “ilícita a alteração das funções do A. para assistente operacional e a sua transferência para as instalações da R. no ...”; e “a repor a utilização ao A. de viatura automóvel compatível com o exercício de funções de gestor de clientes, com o respectivo cartão de combustível com plafond compatível com as deslocações a efectuar pelo demandante e ainda no pagamento da quantia, a liquidar em momento posterior, correspondente aos danos patrimoniais sofridos pelo A. com a deslocação que teve de efectuar entre a sua residência em ... e o seu posto de trabalho no ..., desde Fevereiro de 2020 e até Dezembro de 2021.”. 3. - Da cessação da isenção do horário de trabalho 3.1. - Ao contrário do decidido na 1.ª Instância, o Acórdão recorrido, invocando o Acórdão de 27.03.2017 do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 606/13.8TTMTS.P1, confirmado pelo Acórdão do STJ de 01.03.2018, processo n.º 606/13.8TTMTS.P1.S2, ambos in www.dgsi.pt, considerou lícita a cessação da isenção de horário de trabalho, em novembro de 2021, com o consequente não pagamento ao Autor da retribuição adicional no valor mensal de € 984,50 – cfr. ponto 30 dos factos dados como não provados. [No referido Acórdão do STJ de 01.03.2018, foi consignado: “O facto de se ter considerado que foram atribuídas à autora, de forma ilícita, funções não correspondentes à sua categoria profissional, não significa que a cessação do regime de isenção de horário de trabalho, operada pela empregadora, e o consequente não pagamento da remuneração especial acordada para o efeito, tenha sido contaminada por essa ilicitude, derivando daí a obrigação de indemnizar.”]. 3.2. - Acontece que, no caso sub judice, não só se verifica a violação do artigo 119.º do CT/2009, como a violação do artigo 29.º do mesmo diploma. 3.2.1. - O artigo 29.º - Assédio – do CT/2009 estatui: “1 - É proibida a prática de assédio. 2, 3 – (…). 4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.”. O artigo 28.º - Indemnização por acto discriminatório – estabelece: “A prática de acto discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.”. 3.2.2. - O artigo 119.º - Mudança para categoria inferior – do CT/2009 estatui: A mudança do trabalhador para categoria inferior àquela para que se encontra contratado pode ter lugar mediante acordo, com fundamento em necessidade premente da empresa ou do trabalhador, devendo ser autorizada pelo serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral no caso de determinar diminuição da retribuição.”. 3.2.3. - Por sua vez, o artigo 126.º - Deveres gerais das partes - determina: “1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações. 2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.”. É consabido que o princípio da boa-fé se assume como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico, apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração Pública e dos sectores privado e cooperativo - cfr. artigo 82.º da Constituição da República Portuguesa -. Um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da protecção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança. E a exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao princípio do Estado de Direito. Em anotação ao artigo 119.º do CT/2003 - actual artigo 126.º CT/2009 -, in Código do Trabalho anotado, de Pedro Romano Martinez e Outros, pode ler-se: “No n.º 2 encontra-se, pois, uma concretização exemplificativa da actuação da boa-fé que é imposta às partes. O trabalhador deve colaborar com o empregador na obtenção da maior produtividade na empresa; o empregador deve colaborar na promoção humana, profissional e social do trabalhador”. Júlio Gomes, in “Direito do Trabalho”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 268, escreve que “o princípio da boa fé na execução do contrato implica o respeito pela personalidade e pela individualidade da contraparte, com a sua vida privada e pessoal, a sua liberdade de expressão, a sua integridade física e moral”. E na pág. 560 acrescenta: “Pela nossa parte, julgamos que a ocupação efectiva representa um dos múltiplos afloramentos da necessidade de que o contrato de trabalho seja executado de boa fé, também pelo empregador, de onde resulta o imperativo de considerar a prestação de trabalho de modo diferente de qualquer mercadoria.”. 3.3. - No caso sub judice, a Ré não alegou, nem muito menos provou, qualquer acordo com o Autor para passar de Gerente bancário para Assistente operacional - categoria inferior -, sendo certo que, em março de 2020, o Autor recusou assinar um documento que permitia destituí-lo das suas funções comerciais. Como a Ré também não alegou nenhum dos requisitos previstos no artigo 120.º do CT que sustentassem a tese da mobilidade funcional, isto é, a Ré não alegou, nem muito menos provou, qual o interesse da empresa que exigia a deslocação do Autor para um local de trabalho a mais de 50 quilómetros da sua residência e do seu anterior posto em .... Como afirmado no Acórdão recorrido “a reportagem televisiva referida no ponto 24) dos factos provados não justifica a mudança do local de trabalho do Autor, parecendo ter sido um pretexto.”. Deste modo, a mudança de “Gerente bancário” - com a inerente retirada: (i)da remuneração por IHT paga em 14 meses por ano; (ii)da utilização de viatura automóvel; (iii)do cartão de combustível e (iv)do telemóvel que lhe haviam sido atribuídos desde 1998 - para “Assistente operacional”, sem “um posto de trabalho, telefone e computador fixos, apenas podendo trabalhar em postos de outros Colegas que se encontram ausentes ou em regime de teletrabalho”, constituiu, no contexto do comprovado assédio moral, uma despromoção ilegal e um esvaziamento completo de funções, claramente vexatórios e humilhantes para o Autor, já que a finalidade última, para a Ré, era, tão só, a cessação do seu contrato de trabalho, mesmo sem aparente fundamento legal, sendo certo que nos termos do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”. Assim, neste contexto de assédio moral, de despromoção e transferência ilegais constitui um procedimento ilícito por parte da Ré invocar o acordo sobre a “Isenção de Horário de Trabalho”, celebrado pelas partes em 11 de abril do 2005 - cfr. ponto 17-a) dos factos dados como provados - para justificar a retirada do subsídio por isenção de horário de trabalho, por clara violação do princípio da boa-fé, consagrado no citado artigo 126.º do CT/2009, nos termos supra expostos. Na verdade, a Ré não só despromoveu ilegalmente o Autor, como ilicitamente o transferiu e lhe retirou o posto de trabalho de “Assistente operacional”, apenas podendo trabalhar em postos de outros Colegas que se encontrassem ausentes ou em regime de teletrabalho, como forma de o coagir à cessação do seu contrato de trabalho. 4. - Dos danos não patrimoniais Os danos não patrimoniais são compensáveis quando, pela sua natureza e gravidade mereçam a tutela do direito, conforme o disposto no citado artigo 28.º do CT. De acordo com o artigo 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 499, “O Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (…).”. São quatro os requisitos para a tutela dos danos não patrimoniais: (i) comportamento ilícito e culposo do agente; (ii) existência de danos; (iii) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (não bastando um mero incómodo); (iv) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja, daquele, consequência. Por sua vez, a gravidade deve ser aferida por um padrão objectivo e não por critérios subjectivos, cabendo ao tribunal a sua avaliação. No cálculo da indemnização, o n.º 3 do artigo 496.º do C. Civil, manda recorrer a critérios de equidade, tendo-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica, bem como a do lesado e às demais circunstâncias que o justifiquem (cf. artigo 494.º, n.º 1 do C. Civil) e seu montante deve ser proporcional à gravidade do dano, fazendo-se uma criteriosa ponderação das realidades da vida e da justa medida das coisas. Atendendo a que a culpa da Ré se reveste de particular gravidade, não apresentando qualquer justificação minimamente plausível para coagir o Autor à cessação do seu contrato de trabalho, decorridos 23 anos de serviço e pouco tempo depois de terem celebrado um contrato de mútuo com hipoteca para aquisição da sua única habitação e casa de morada de família (do Autor), no valor de € 175.000,00; e considerando que a situação económica das partes não é sequer comparável - a Ré é uma instituição bancária e o Autor é um mero empregado bancário -, e tendo a Ré ao seu dispor mecanismos legais para fazer cessar o contrato de trabalho do Autor, como por exemplo, através do mecanismo de despedimento por extinção do posto de trabalho ou de despedimento colectivo, que não utilizou -, o recurso ao assédio moral, à despromoção e transferência ilícitas, e ao esvaziamento completo de funções – uma humilhação grave perante os colegas de trabalho - causaram desonra, constrangimento e perturbação ao Autor, que justificam a indemnização por tais danos não patrimoniais no montante de € 25.000,00. [cfr., em situação com alguma similitude à dos autos, Acórdão do STJ de 06.05.2020, Proc. n.º 10302/18.4T8LSB.L1.S1,in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:10302.18.4T8lSB.L1.S1; e o Acórdão do STJ de 08.02.2024, proc. n.º 1868/21.2T8CTB.C1.S1, in www.dgsi.pt]. IV. - Decisão Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social: 1. - Julgar procedente o recurso de revista do Autor e revogar o acórdão recorrido quanto ao ponto III) da parte decisória; 2. - No mais, manter o decidido, repristinando a decisão da 1ª Instância. Custas a cargo da Ré. Lisboa, 03 de julho de 2024 Domingos José de Morais (Relator) José Eduardo Sapateiro Mário Belo Morgado
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