Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2363/21.5YIPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
DECLARAÇÕES DE PARTE
PROVA TABELADA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DA RELAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 07/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - O desvalor da nulidade substancial da decisão, decorrente de uma omissão de pronúncia, só se verifica no caso de abstenção, injustificada, de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados, pelo que aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento - e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão.

II - A falta de competência funcional do Supremo para controlar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa apenas comporta duas excepções: a ofensa de uma disposição legal que exija certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.

O réu, AA, interpôs recurso ordinário de apelação da sentença da Sra. Juíza de Direito do Juízo de Competência Genérica de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, que julgou improcedente o pedido reconvencional que deduziu contra a autora, Silva & Póvoa, Lda., e o condenou a pagar a esta a quantia de € 31 945,77, acrescida de juros civis, vencidos e vincendos, à taxa supletiva, desde a interpelação para pagar a 28.10.2020, até integral pagamento, relativa ao preço de um contrato de empreitada, concluído entre ambos, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outra que absolva o Réu, e condene a Autora no pedido reconvencional e como litigante de má-fé nos exactos termos peticionados, tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:

“A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto e de direito, ao decidir como decidiu os factos considerados como provados sob os números 1.°, 2.°, 3.° e 5.°, e errou ao não valorar como devia o depoimento das testemunhas BB, CC e, consequentemente, não devia valorar positivamente o depoimento das demais testemunhas e do legal representante da Autora, os quais depoimentos não são credíveis, e estão em manifesta contradição. Assim:

O Tribunal "A quo" deveria ter dado como provado que:

1. A Autora não realizou qualquer obra e/ou reparação na moradia do Autor.

2. O Réu nada deve à Autora.

3. O Réu jamais aceitou as facturas.

4. Nunca foi interpelado para proceder ao respectivo pagamento.

5. A Autora deve ao Réu a quantia de Euros: 3.600,00.

6. A Autora apenas propôs a presente acção após ser interpelada pelo Réu para proceder ao pagamento das quantias que a mesma se arrogava ter direito.

7. Não foi dada pelo Réu qualquer ordem para a execução dos trabalhos, nem o mesmo assinou qualquer guia de remessa e /ou factura.

8. Ao decidir como decidiu o douto Tribunal "a quo" cometeu um erro notório na apreciação da prova carreada para os autos, designadamente, da prova documental e testemunhal, dando como provados factos, e outros como não provados, que se consideram incorrectamente julgados, tudo sem esquecer uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, enfermando pois a douta Sentença também de vício que acarreta a sua nulidade

9. A douta Sentença proferida pelo Tribunal "a quo" não se encontra devidamente fundamentada, ou seja, peca por uma incorrecta interpretação e análise crítica da prova produzida em Audiência de Julgamento, de acordo com o princípio de livre apreciação da prova e em absoluta inobservância dos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, nomeadamente, quanto aos factos dados como provados e não provados, à sua fundamentação, à convicção formada e à aplicação do direito, enfermando, consequentemente, de erro no julgamento da matéria de facto ao decidir como decidiu.

10. A douta Sentença proferida pelo Tribunal "a quo" não fez uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada e não provada, pelo que, obviamente, devia ter decidido de forma diversa.

11. O Tribunal "a quo" ao não fazer uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada violou os princípios do direito probatório.

Porém, o Tribunal da Relação do Porto, desatendeu a arguição da nulidade da sentença, por contradição intrínseca e por falta de fundamentação, negou provimento à impugnação da decisão da matéria de facto e concluiu pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

O réu interpôs deste acórdão, recurso ordinário de revista, normal ou comum – no qual pede que seja proferida douta decisão que o revogue e, consequentemente, que revogue também a decisão proferida em 1.ª instância e o absolva - tendo rematado a sua alegação, com as conclusões seguintes:

1. Foi proferido Acórdão pelo Douto Tribunal da Relação do Porto, nos autos à margem referenciados, segundo o qual se propugnou, em síntese, pela improcedência da nulidade, da “nulidade da sentença com fundamento na alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil”, e da impugnação da matéria de facto, arguidas pelo ora Recorrente.

2. Salvo o devido respeito que é muito, o Venerando Tribunal da Relação do Porto na sua douta decisão incorre manifestamente em omissão de pronúncia e claro erro na apreciação critica da prova e consequente aplicação do direito.

3. Com efeito, o Venerando Tribunal da Relação do Porto não efetuou uma criteriosa análise da matéria de facto.

4. O que desde logo decorre do segmento da valoração das declarações do legal representante da Recorrida, como melhor se alcança das transcrições juntas aos autos e que por uma questão de economia processual aqui se dão por integradas e reproduzidas.

5. O qual depoimento não merece qualquer credibilidade.

6. No caso “sub judice”, a apreciação da questão em apreço não se prende apenas com uma «melhor aplicação do direito», mas com uma «correcta aplicação do direito»;

7. O que salvo o devido respeito o Venerando Tribunal da Relação do Porto não fez.

8. O recurso visa apenas eventuais erros, cometidos na decisão recorrida;

9. Não pretende o ora Recorrente a realização de um novo julgamento, mas tão só e apenas a apreciação da matéria de facto com base nos meios de prova ---- testemunhal ---- que, no entender do recorrente, não foram tidos em consideração pelo tribunal;

10. Ou seja visa apenas, a reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, no segmento relativo aos pontos provados e formação da sua convicção e análise crítica da mesma, que o recorrente considerou incorrectamente julgados e impunham e impõem decisão diversa;

11. Pelo supra alegado e constante dos autos, o douto Acórdão recorrido incorreu em omissão pronúncia pelo que é nulo, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 615.º, ambos do Código de Processo Civil;

12. O Venerando Tribunal da Relação do Porto, no modesto entendimento do Recorrente, não efectuou correctamente a devida análise crítica das provas;

13. Donde decorre que, face à prova constante dos autos, o Venerando Tribunal da Relação do Porto incorreu numa errada apreciação da matéria de facto e de direito.

14. O Recorrente considera que o seu recurso de apelação por inteiro e as suas alegações foram completa e irremediavelmente ignoradas pelo acórdão do Tribunal da Relação de Porto;

15. Como antecedentemente se alegou, o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto incorre em omissão de pronúncia e claro erro na apreciação e valoração critica da prova produzida e aplicação do direito ao caso concreto e que só podem conduzir à procedência do presente recurso, sendo o mesmo (Acórdão) nulo.

Não foi oferecida resposta.

Por acórdão de 8 de Abril de 2024, o Tribunal da Relação do Porto deliberou, em conferência, julgar improcedente a arguição da nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão que julgou o recurso de apelação.

2. Delimitação do âmbito objectivo do recurso e enunciação das questões concretas controversas.

Como o âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, são apenas duas as questões concretas controversas que importa resolver (art.º 635.º nºs 2, 1ª parte, e 3.º a 5.º, do CPC): as de saber se o acórdão impugnado se encontra ferido com o desvalor da nulidade substancial resultante de uma omissão injustificada de pronúncia e se incorreu, no tocante à decisão da matéria de facto, impugnada no recurso de apelação, num error in iudicando, por erro em matéria de provas.

A resolução da primeira questão, importa, naturalmente, a ponderação da causa de nulidade do acórdão por uma omissão infundamentada de pronúncia; a segunda, a determinação da competência funcional ou decisória do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão da quaestio facti das instâncias.

3. Fundamentos.

3.1. Fundamentos de facto.

Para o conhecimento do objecto da revista relevam, apesar da índole estritamente procedimental de alguns deles, os factos seguintes:

1. O Tribunal da 1.ª instância decidiu a matéria de facto nestes termos:

A) FACTOS PROVADOS.

Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados os seguintes factos:

1. A Autora, no exercício da sua actividade, acordou com o Réu, realizar, a pedido deste, as seguintes obras na moradia pertencente ao R., sita na R. ..., em ..., ...:

- recuperar as paredes exteriores e pinturas, com fornecimento de materiais e aplicação (esmalte Robbialac), pelo custo de €6.200,00;

- recuperar e pintar a vedação e portões exteriores, com fornecimento de materiais e aplicação (esmalte Robbialac), pelo custo de €3.835,00;

- reparação da piscina, fornecimento de materiais e aplicação (produtos de limpeza e diluentes), pelo custo de €2.750,00;

- fornecimento e aplicação de pavimento em volta da piscina (mosaico, cimento cola, massa de rejuntar e verniz de protecção), pelo custo de €5.785,00;

- Aluguer de andaimes, com o custo de €1.560,00;

Custo total de €20.130,00, mais IVA.

2. A Autora, no exercício da sua actividade, acordou com ainda o R., realizar, a pedido deste, as seguintes obras na moradia pertencente ao R. sita na R. ..., em ..., ...:

- reparação das portas interiores e substituição de 5 portas por novas (verniz, lixa e aplicação), com o valor de €2.489,00;

- colocação de azulejo e mosaico no WC do piso superior (39 m2 de azulejo, 12 m2 de mosaico e materiais de cimento cola e rejuntamento), com o custo de €2.232,00;

- pinturas de interiores paredes e tectos (15 baldes primário, 15 baldes de tinta Robbialac, lixas e aplicação), com o custo de €4.048,00.

Custo total de €8.769,00, mais IVA.

3. O A. realizou na moradia do R. as obras discriminadas nas facturas n.º ...21, emitida a 1.10.2020, no valor de €24.759,90, e na factura n.º ...22, emitida em 06/10/2020 no valor de €10.785,87, cujos trabalhos e respectivas facturas foram aceites pelo Réu.

4. O Réu pagou por conta das obras o valor de €3.600.

5. A A. interpelou o R. para proceder ao pagamento das referidas facturas pelo menos a 28.10.2020.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem outros factos provados para além dos supra descritos ou que estejam em contradição com eles, designadamente, não se provou que:

1) A A. facturou os serviços constantes dos orçamentos para, dessa forma, obter do R. um adiantamento sobre tais serviços, que o R. não aceitou fazer e não estava acordado.

2) O Requerido chegou ainda a proceder, a pedido daquela, ao pagamento do IVA liquidado nas facturas (num total de Euros: 3.600,00).

3) Tendo, posteriormente, solicitado, mas sem sucesso, a emissão das correspondentes Notas de Crédito para anulação daquelas facturas”.

2. O acórdão impugnado depois de observar que o recorrente fundamentava a sua pretensão recursória nos depoimentos prestados pelas testemunhas BB e CC, invocando erro de julgamento ao não valorar tais depoimentos e ao valorar positivamente o depoimento das demais testemunhas e do legal representante da Autora que, no seu entender, não são credíveis e estão em manifesta contradição, notou que aquele se insurgia, quanto à inclusão, na matéria de facto provada, dos factos ínsitos nos pontos 1, 2, 3 e 5, a saber:

1. A Autora, no exercício da sua actividade, acordou com o Réu, realizar, a pedido deste, as seguintes obras na moradia pertencente ao R., sita na R. ..., em ..., ...:

- recuperar as paredes exteriores e pinturas, com fornecimento de materiais e aplicação (esmalte Robbialac), pelo custo de €6.200,00;

- recuperar e pintar a vedação e portões exteriores, com fornecimento de materiais e aplicação (esmalte Robbialac), pelo custo de €3.835,00;

- reparação da piscina, fornecimento de materiais e aplicação (produtos de limpeza e diluentes), pelo custo de €2.750,00;

- fornecimento e aplicação de pavimento em volta da piscina (mosaico, cimento cola, massa de rejuntar e verniz de protecção), pelo custo de €5.785,00;

- Aluguer de andaimes, com o custo de €1.560,00.

Custo total de €20.130,00, mais IVA.

2. A Autora, no exercício da sua actividade, acordou com ainda o R., realizar, a pedido deste, as seguintes obras na moradia pertencente ao R. sita na R. ..., em ..., ...:

- reparação das portas interiores e substituição de 5 portas por novas (verniz, lixa e aplicação), com o valor de €2.489,00;

- colocação de azulejo e mosaico no WC do piso superior (39 m2 de azulejo, 12 m2 de mosaico e materiais de cimento cola e rejuntamento), com o custo de €2.232,00;

- pinturas de interiores paredes e tectos (15 baldes primário, 15 baldes de tinta Robbialac, lixas e aplicação), com o custo de €4.048,00.

Custo total de €8.769,00, mais IVA.

3. O A. realizou na moradia do R. as obras discriminadas nas facturas n.º ...21 emitida a 1.10.2020, no valor de 24.759,90€, e na factura n.º ...22, emitida em 06/10/2020 no valor de 10.785,87€, cujos trabalhos e respectivas facturas foram aceites pelo Réu.

5. A A. interpelou o R. para proceder ao pagamento das referidas facturas, pelo menos, a 28.10.2020.

Pretende, ainda, o Recorrente, ver carreados para os factos provados a seguinte matéria de facto:

1. A Autora não realizou qualquer obra e/ou reparação na moradia do Autor.

2.O Réu nada deve à Autora.

3. O Réu jamais aceitou as facturas.

4. Nunca foi interpelado para proceder ao respectivo pagamento.

5. A Autora deve ao Réu a quantia de € 3.600,00.

6. A Autora apenas propôs a presente acção após ser interpelada pelo Réu para proceder ao pagamento das quantias que a mesma se arrogava ter direito.

7. Não foi dada pelo Réu qualquer ordem para a execução dos trabalhos, nem o mesmo assinou qualquer guia de remessa e /ou factura.

2. O acórdão recorrido, despois de rejeitar, por irrelevância, a impugnação da matéria de facto no tocante ao ponto 6 das conclusões do recurso de apelação, de reproduzir um passo da fundamentação da decisão da matéria de facto da 1.ª instância relativa às declarações do recorrente e de declarar que concordava com a apreciação crítica feita pelo Tribunal a quo daquelas declarações, procedeu à reponderação ou reavaliação das provas nos termos seguintes:

Declarou AA: “eu não tenho nada contra o senhor [DD]; “não tenho nada contra a sociedade [autora]”. Referiu posteriormente que “foi reclamado um prazo de execução de uma obra que devia ter sido feito, esse prazo não foi feito e eu tomei a iniciativa de mandar uma carta, neste caso pedi ao advogado que me representa para mandar uma carta à empresa a solicitar que rapidamente concluíssem a obra e passado dois dias tinha uma carta com uma injunção como resposta”. Consta, ainda, das suas declarações que apresentou “uma participação-crime…contra a Silva & Póvoa”.

De tais declarações resulta, de forma clara, a existência de conflito entre autora e réu e que se encontra espelhado nas cartas juntas aos autos com a oposição.

Sobre os acontecimentos trazidos aos autos pela autora [trabalhos alegadamente executados no prédio então do réu que motivaram a elaboração da factura nº...21, emitida a 1/10/2020, no valor de €24.759,90; e a factura n.º ...22, emitida em 06/10/2020, no valor de €10.785,87; cujo pagamento é peticionado], referiu AA que “primeiro, as obras não foram executadas; segundo, foi-me informado um orçamento; e terceiro, efectuei um pagamento por conta porque era hábito esse senhor constantemente me solicitar pagamentos adiantados”. Reafirmou “Tomei conhecimento de um orçamento … que não foi adjudicado”. Perguntado “o senhor diz que entregou este valor por conta destas obras?”, respondeu “Sim. Correcto”. Previamente, referiu o réu AA que, em seu nome, não tinha estabelecido qualquer relação com DD/sociedade autora, mas, apenas, entre esta sociedade e as empresas que possui.

À luz do crivo das regras da experiência comum, não é plausível um pagamento efectuado a título de adiantamento de obras que não foram adjudicadas. Confrontado com a falta de lógica da sua resposta, o réu alterou a sua versão, respondendo, então, “como sabe, nessa data tinha relações comerciais com essa entidade [a autora], como andava constantemente a pedir dinheiro emprestado e adiantamentos dei-lhe mais um adiantamento”. Perguntado “Por conta dessa obra?”, respondeu, contrariamente ao que tinha afirmado e reafirmado, “Não sei se está por conta dessa obra … não lhe posso precisar se foi por conta dessa obra, em concreto, ou se foi por conta de outras obras em concreto porque nesse momento, andavam várias obras a serem executadas em meu nome”. Perguntado “no nome do senhor ou das empresas que tinham vários negócios em curso?”, respondeu “Das empresas. Exactamente, tínhamos vários negócios em curso. Não me posso recordar disso, não me recordo”, ou seja, o declarante apresentou uma segunda versão quanto à finalidade da entrega da quantia de €3.600,00.

Ocorre que nem a primeira versão, nem a segunda versão, ambas apresentadas em audiência, coincidem com a versão apresentada no articulado. Na oposição, o réu alegou que o pagamento da quantia de €3.6000,00 destinava-se ao pagamento do IVA referente às facturas emitidas pela autora com os nºs 221 e 222 1. Porém, conforme é referido na decisão recorrida, o valor do IVA referente às facturas nº221 e nº 22, não perfaz a quantia de €3.600,00.

Em segundo lugar, em audiência, o réu afirmou que o “orçamento … não foi adjudicado” à autora. Porém, na oposição, o réu alegou que “chegou a negociar” com a autora a realização de trabalhos”, refutando, apenas, a execução de tais trabalhos.

Em terceiro lugar, referiu o réu que com o surgimento de um comprador interessado na compra do imóvel, no estado em que o mesmo se encontrava, perdeu interesse nas obras.

Para a apreciação crítica das declarações prestadas pelo réu mostra-se necessário ter presente o sucedâneo de factos: (i) a escritura de compra e venda foi outorgada em 15 de Outubro de 2020; (ii) as facturas têm a data de 1/10/2020 e 6/10/2020. Assim, na versão do réu, as obras não foram iniciadas e, mesmo assim, após a emissão das facturas, efectuou o pagamento de quantia a título de adiantamento, sabendo, em 6/10/2020, que não tinha interesse nas obras pois, existia um comprador interessado na compra do imóvel, no estado em que o mesmo se encontrava, sem quaisquer obras, comprador com o qual outorgou a escritura de compra e venda em 15 de Outubro de 2020?! Como é manifesto, não se mostra plausível tal versão dos factos.

A perplexidade que a versão do declarante suscita motiva a questão avançada pelo Tribunal a quo “então porque é que pagou o valor do IVA relativamente a facturas para a realização de obras que já não pretendia que fossem feitas?”. Sabendo que o comprador estava interessado no imóvel, pelo preço publicitado, sem exigir quaisquer obras, o declarante procede a um adiantamento do custo das obras que, segundo a sua versão, não foram, nem seriam realizadas?!

Em quarto lugar, o réu referiu ter solicitado a devolução da quantia de €3.600,00. Inquirido sobre a existência de documento comprovativo de assim ter procedido, o declarante referiu tê-lo feito verbalmente. Não existe qualquer documento, nomeadamente email ou carta, a solicitar a devolução dessa quantia. No entanto, referiu o declarante que “Em termos financeiros, tudo o que foi feito, foi escrito”. Se assim procedia, qual a razão para a devolução da quantia de €3.600 ter sido feita verbalmente e não por escrito? Mais. Recebido os email’s de 28 e 31 de Outubro de 2020 com as facturas e orçamentos, o réu não apresentou resposta, exigindo a restituição da quantia que havia pago?!

Em quinto lugar, o declarante justificou as obras orçamentadas do seguinte modo: “era para melhorar em termos de aspecto a casa, mas como foi vendida não fiz as obras”. Referiu que o imóvel foi a sua habitação durante 15, 18, 20 anos e que a mesma só foi objecto de obras “há 10 ou 15 anos atrás, quando comprei…”, acrescentando “terei feito obras quando comprei”. Quando vendeu, o imóvel “estava exactamente igual” ao que consta nas fotografias. Confrontado com a circunstância de as fotografias revelarem uma habitação que não apresenta sinais de necessitar de qualquer pintura, de qualquer reparação de portas, respondeu “tem toda a razão, é verdade. Por isso, nós queríamos melhorar a casa para tentarmos encontrar ainda um melhor valor possível que pudesse ter a casa”.

Se a casa estivesse “nova”, como afirmou, qual a razão para pedir orçamento para pintura de todas as paredes e tectos, substituição de portas e colocação de azulejos, obras no valor de quantia superior a €30.000?

Convoca-se o depoimento prestado pela testemunha EE, comprador do imóvel, em 15 de Outubro de 2020. Sobre a pintura das paredes exteriores, a testemunha EE referiu que “está em relativamente bom estado, a pintura está, o exterior”; “não tem dez anos”; “não é uma pintura que tenha muitos anos”; “a fachada da casa, vê-se que não é uma fachada muito antiga, mas também não tem, não parece que tenha sido pintada há pouco tempo; “não é uma pintura que tenha muitos anos”; o que não é compatível com obras feitas há 10/15 anos. Relativamente à pintura das paredes interiores, a testemunha EE referiu que “quando fui ver a casa parecia tudo muito bem, mas ao retirar os móveis…” “via-se bem as marcas” dos móveis. Do depoimento da testemunha EE resulta que o portão e gradeamento encontravam-se “em bom estado”, não é uma pintura que tenha muitos anos. Sobre o mosaico em volta da piscina, referiu a testemunha EE que “parece relativamente antigo, não parece novo”; feita a pergunta “parece antigo?”, respondeu “é difícil perceber…”, o que não é compatível com obras feitas há 10/15 anos.

De harmonia com as declarações prestadas pelo réu, só efectuou obras quando comprou o imóvel, extraindo-se do depoimento da testemunha EE que o estado do imóvel evidencia obras realizadas em data mais recente.

O email de 28 de Outubro e o email de 31 de Outubro foram enviados ao réu, por solicitação deste. Consta do email de 31 de Outubro, “Junto em anexo os orçamentos conforme solicitado”. Com o email de 28 de Outubro, foram enviadas as facturas. À luz do crivo das regras da experiência comum, caso não tivessem sido efectuadas obras, qual o propósito de o réu solicitar o envio das facturas emitidas por referência aos dois orçamentos? Recebido o email de 28 de Outubro, enviado por FF (documento não impugnado) com as duas facturas, o réu nada disse. À luz das regras da experiência comum, é plausível o recebimento de um email com duas facturas para pagamento, seguido do email contendo os dois orçamentos, e não ser o mesmo objecto de resposta, nomeadamente a solicitar esclarecimentos sobre a razão para a emissão dessas facturas e para estar a ser exigido o pagamento das quantias delas constantes, caso nenhum trabalho houvesse sido feito?

Perante tais contradições e incongruências, nenhuma credibilidade merecem as declarações prestadas pelo réu.

O conhecimento da testemunha GG, contabilista certificada, advém de o exercício das suas funções para “V..., Lda.”, sociedade da qual o réu é legal representante, e da elaboração da declaração de IRS do réu.

Referiu a testemunha GG que, no âmbito das relações comerciais entre a autora e “V..., Lda.”, DD tinha por hábito solicitar adiantamentos. A circunstância de DD ter por hábito pedir adiantamentos no âmbito das obras que lhe eram adjudicadas não nos permite aferir se as obras a que respeitam as facturas nº ...21 e ...22, emitidas pela autora, foram ou não executadas. Em rigor, sobre a execução, ou não, de tais obras, o depoimento da testemunha GG decorre do que lhe foi transmitido pelo próprio réu.

Vejamos. Referiu a testemunha GG que está encarregue do IRS do réu. Ao se aperceber de duas faturas nº ...21 e nº...22, no E-Factura, questionou o réu sobre as mesmas, tendo este lhe dito que tinha sido elaborado o orçamento de obras, mas estas não tinham sido realizadas.

Perguntado à testemunha GG, “a senhora sabe se foram lá feitas algumas obras pelo Silva & Póvoa, no ano de 2020?”, respondeu “isso, eu penso que não, eu penso que não, isto pelo facto de quando eu meti o IRS não terem surgido, só por isso. Que eu saiba que tenham lá feito obras não, mas é assim, mas isso só o AA é que pode dizer”.

Esclareceu a testemunha que “a nível de pagamentos, toda a situação é resolvida entre os dois [DD e o réu], não é comigo”.

Como refere o Tribunal a quo, “A declaração de IRS de 2020 é feita em 2021 e, nessa data, é manifesto que as relações entre a A. e o R. estavam totalmente deterioradas, com a apresentação da A. logo em Janeiro de 2021 da injunção que deu origem à presente acção e com a apresentação da oposição por parte do R. logo em Fevereiro desse ano. Portanto, se em Fevereiro o R. apresentou uma oposição à injunção, alegando que não foram realizadas quaisquer obras, seria no mínimo estranho que, apesar dessa oposição, viesse a incluir tais facturas no seu IRS com despesas a abater ao valor das mais-valias a pagar ao Estado pela venda da referida moradia. Mas isso permite ao Tribunal concluir que a A. não realizou tais obras? Evidentemente que não. É absolutamente inócuo e não permite qualquer conclusão, apenas se podendo extrair que o R. se recusa a pagar tais facturas”.

Prestou depoimento DD, pai da sócia gerente da autora e encarregado de obras desta sociedade, advindo o seu conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs da circunstância de os negócios e contactos com o réu, serem efectuados consigo. Do seu depoimento decorre que em Agosto de 2020 [embora tenha referido que os orçamentos foram solicitados em Agosto/Setembro, confirmou os orçamentos juntos aos autos datados de 2 e 15 de Agosto de 2020 – documento nº7 junto com a oposição: orçamento nº 118, datado de 2 de Agosto de 2020, com o valor de €20.130,00; e documento nº8 junto com a oposição: orçamento nº 120, datado de 15 de Agosto de 2020, com o valor de €8.769,00], pelo réu foi-lhe solicitada a elaboração dos dois orçamentos que estão juntos aos autos, referentes à realização de obras de reabilitação da sua moradia, sita em ..., e que consistiam em “várias pinturas, interiores e exteriores, da casa”, “portas”, “colocação de azulejos nas paredes da casa de banho”, pintura dos gradeamentos, substituição de algumas portas e recuperação de outras, envernizamento de portas, recuperação da piscina, ou seja, limpeza e pintura do interior da piscina e pavimento do exterior. Mostrados os orçamentos juntos, confirmou o seu teor. Explicou que “houve um orçamento no dia 2, acho que de Agosto…E que o Sr. AA mandou avançar. Como é hábito, com o Sr. AA, eu começo as obras e ele depois, no sábado, arranja-me dinheiro, etc., etc., e vamos continuando. Depois, pediu-me mais obras, fizemos outro orçamento; depois, mais uns dias à frente, e continuámos com os trabalhos”.

Referiu que as obras se iniciaram em “Agosto e Setembro” e demoraram cerca de “mês e meio, quase dois” meses, tendo sido entregue durante o final de Setembro/início de Outubro; foi estipulado o pagamento da quantia de “três mil e qualquer coisa euros”, para “nós iniciarmos os trabalhos”, pagamento que foi efectuado. O custo das obras é o constante das facturas. Foi acordado o pagamento do preço faseadamente: ao sábado, encontrava-se com AA e acertava com este “as contas conforme os trabalhos fossem feitos”.

Referiu DD que as facturas [documentos juntos com o requerimento de 12/3/2021: facturas emitidas por SILVA & PÓVOA, LDA., n.º ...22 e n.º ...21] foram por si entregues, pessoalmente. “E depois mandámos por email, porque ele [o réu] disse que não as tinha e a minha esposa mandou-as por e-mail”, o que se mostra corroborado pelos email’s de 28 de Outubro de 2020 e de 31 de Outubro de 2020 – não impugnados – e pelo depoimento de FF que explicou em que contexto enviou tais email’s.

Referiu que “aos sábados, muitas vezes trabalhamos”; e aos feriados, “às vezes trabalha-se; se não forem feriados religiosos, os empregados querem trabalhar”. Se forem feriados religiosos, “normalmente, alguns não trabalham, depende”. Invocou o Recorrente a existência de contradição entre o depoimento e a guia datada de 15 de Agosto, mas sem razão porquanto, do depoimento de DD não resulta que todos os trabalhadores não prestam trabalho em feriado de natureza religiosa.

Negou a existência de pedido de reembolso da quantia paga a título de adiantamento.

Rejeitou que a presente acção tenha sido proposta como retaliação do recebimento das cartas juntas com a oposição, referindo “essa carta que está aí, deve ter sido a gota de água para a gente rebentar com tudo e esquecermo-nos do que estávamos a trabalhar com ele. Eu suspendi todos os trabalhos com ele e as obras, porque não me conseguia entender com ele (…).Em Agosto, nós tínhamos três obras em curso com eles, e estávamos para começar outras”.

Declarou que na obra, estiveram três trabalhadores, “HH, II e JJ”, embora não de forma continuada, uma vez que a autora tinha outros trabalhos em curso. Explicou DD que é o responsável pelas obras e acompanha a execução de todas; HH “faz tudo” e é o responsável pelas pinturas e aplica azulejo; KK também pinta e aplica azulejo; JJ é servente e “ajuda, [vai] buscar caixas ou latas de tinta, limpa, varre, pinta”. Acrescentou “são todos pedreiros e fazem todos os trabalhos”.

Alega o Recorrente que nenhum trabalhador executou trabalhos de carpintaria e assentamento de azulejos o que o Tribunal não poderia ter ignorado. Invoca, ainda, a folha dos funcionários (documentos juntos com o requerimento de 9/6/2021). A circunstância de constar da folha de funcionários e da Segurança Social que os três trabalhadores possuem a categoria de “pedreiro”, em nada afecta o depoimento prestado por DD ou o depoimento prestado pelas testemunhas HH, II e JJ. De forma clara, as testemunhas HH, II e JJ, explicaram [corroborando o que foi transmitido por DD] que têm a categoria de pedreiro mas realizam trabalhos diversos nas obras, desde pintura, reparação de portas e colocação de mosaico e de azulejos.

Referiu DD que não assinou os avisos de recepção referentes às cartas que foram juntas com a oposição [documentos nºs1, 2 e 3 juntos com a oposição: carta datada de 4 de Janeiro, remetida pelo Ilustre Mandatário do réu, à autora, com aviso de recepção (documentos nºs2 e 3), sendo o assunto “contrato de empreitada – Edifício ... – ...”; documentos nºs 4, 5 e 6 juntos com a oposição: carta datada de 4 de Janeiro, remetida pelo Ilustre Mandatário do réu, à autora, com aviso de recepção (documentos nºs 5 e 6 – aviso assinado com data de 5/1/2021, tendo a assinatura os dizeres “DD”), sendo o assunto “contrato de empreitada – Edifício ...”] admitindo, no entanto, que tais cartas foram recepcionadas por si. Este é um dos pontos invocados pelo Recorrente para concluir que não merece credibilidade o depoimento de DD. Porém, não lhe assiste razão. O depoimento de DD foi corroborado, nesta parte, pelo depoimento da testemunha FF que explicou em que termos assinou tais avisos.

Sobre a entrega de materiais, declarou DD que era feita por si: “normalmente, quando levo os materiais não levo ninguém, sou eu que levo as carrinhas, sou eu que as entrego e deixo nas obras”. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, este depoimento não se mostra em contradição com os depoimentos prestados pelas testemunhas HH e KK. Referiu HH que quem levava o material, “somos nós, na carrinha, ou às vezes, é o patrão”. II respondeu que quem levava os materiais para a obra “era o meu patrão, o Sr. DD”. Em suma, ambos transmitiram que DD transportava o material para a obra.

Para entrar na residência, DD referiu que “nós tínhamos uma chave da propriedade, das portas para trabalhar”. Este depoimento foi corroborado por HH e II. A testemunha II referiu “O Senhor AA entregou uma chave que era para a gente lá ir (…). Quem costumava abrir a porta era DD. Os materiais eram levados pela parte da frente e a chave tinha o Sr. DD”.

DD descreveu o imóvel do seguinte modo: embora sem certeza, referiu serem duas as casas de banho [contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Recorrente, não se vislumbra qualquer incongruência ou contradição no depoimento pelo facto de o depoente não ter certeza no número de casas de banho; basta atentar nas declarações do Réu que habitou o imóvel durante 18-20 anos e declarou não se recordar qual o soalho da sala]; os quartos era três, mas sem certeza; tinha uma sala. Foram pintados os tectos e as paredes de todas as divisões; nas casas de banho, foram pintados os tectos e colocados azulejos nas paredes. As portas interiores eram castanhas. O piso da sala era em madeira. Declarou não saber como eram as casas de banho por “não ter mexido nisso”.

É certo que DD não descreveu pormenorizadamente todo o interior do imóvel. Porém, contrariamente ao invocado pelo Recorrente, entende-se que não é exigível a um encarregado de obras que se recorde das características da casa de banho de um imóvel, das portas e de todas as divisões e características das mesmas no qual foram executadas obras há dois anos, considerando que o seu trabalho, ao longo de dois anos, pressupõe a passagem por várias residências. Se se recordasse com exactidão, indiciaria o recurso a auxiliares de memória em momento prévio à prestação de depoimento.

A testemunha FF é mãe das duas sócias da autora. Embora sem qualquer vínculo, declarou ajudar na actividade da autora, na parte administrativa, passando “a limpo”, os orçamentos, nomeadamente os que foram, posteriormente, enviados por email, ao réu. O seu conhecimento quanto à adjudicação dos trabalhos, ao réu, advém do que lhe foi transmitido pelo seu marido, DD. Em rigor, o conhecimento do que foi acordado entre o réu e DD, advém do que lhe foi transmitido por este. No entanto, o seu depoimento assumiu particular relevância no que respeita ao facto constante do ponto 5 pois, foi quem procedeu ao envio, por email’s, ao réu, dos orçamentos e das facturas. Pese embora o interesse no desfecho da acção – relação matrimonial com DD e mãe da sócia gerente da autora -, a testemunha, com simplicidade e de forma clara e objectiva, prestou todos os esclarecimentos que lhe foram solicitados, mostrando-se corroborado o seu depoimento, quanto ao facto ínsito no ponto 5, com a prova documental – documentos juntos a fls. 202 a 204. Pelo exposto, merece credibilidade o seu depoimento.

Em audiência, foram inquiridas as testemunhas HH, II e JJ, cujo conhecimento advém da circunstância de serem trabalhadores da autora, tendo declarado que, no exercício das respectivas funções, executaram trabalhos no prédio do réu.

Entende o Recorrente que os depoimentos prestados por estas testemunhas não merecem credibilidade porquanto, não conseguiram descrever com precisão, as características do seu imóvel. Ora, não é exigível a um trabalhador na área da construção civil que, no exercício das suas funções, executa trabalhos, em diversas habitações, reserve na sua memória, a imagem perfeita de uma das habitações na qual executou trabalhos há dois anos. À luz das regras da experiência comum, é plausível que as testemunhas que pintaram as paredes interiores e tectos das divisões de uma residência, não se recordem da cor das paredes de todas essas divisões ou do tipo de soalho que as mesmas possuíam. Importa ter presente, conforme referido, que o réu que usufruiu do imóvel durante cerca de 15/18/20 anos, quando inquirido sobre o soalho da sala, declarou não se recordar. Se a pessoa que residiu no imóvel durante 15/18/20 anos, não consegue indicar ao tribunal qual o soalho da sala [declarou “a zona da sala tem um flutuante, não tenho a certeza se é vinílico ou se é flutuante, não me lembro na altura o que é que meti], é exigível a um trabalhador que permaneceu alguns dias, no interior da residência, durante os meses de Agosto e Setembro de 2020, a recordação, em 2022, das características do imóvel? Entende este tribunal que não.

Em segundo lugar, conforme já explicitado, a circunstância de constar na folha dos funcionários a categoria de “pedreiro”, em nada afecta o depoimento prestado por DD ou o depoimento prestado pelas testemunhas HH, II e JJ. De forma clara, as testemunhas HH, II e JJ, explicaram [corroborando o que foi transmitido por DD] que têm a categoria de pedreiro mas realizam trabalhos diversos nas obras, desde pintura, reparação de portas e colocação de mosaico.

Estas testemunhas depuseram de forma clara e coerente, não se vislumbrando qualquer motivo para não conferir credibilidade aos respectivos depoimentos. De forma simples, mas objectiva, responderam a todas as perguntas que lhes foram dirigidas, esclarecendo quais os trabalhos que executaram e em que partes do imóvel, mantendo sempre o sentido das respostas inicialmente dadas, pese embora a insistência nos mesmos pedidos de esclarecimentos.

A testemunha HH declarou que é pedreiro, esclarecendo que “faço tudo, desde pinturas”. Trabalha para a sociedade Silva & Póvoa Lda., há três ou quatro anos. Conhece o Réu AA por, no exercício das suas funções para a autora, ter executado trabalhos no prédio daquele, sito em .... Referiu que os trabalhos foram por si executados durante duas ou três semanas, localizadas entre Agosto/Setembro do ano de 2020.

Sobre os trabalhos executados nessa casa, declarou a testemunha “fizemos muita coisa, desde pinturas, arranjamos portas”; “algumas portas já eram brancas e outras eram da cor da madeira”, “pusemos azulejos numa casa de banho, eu pus alguns, mas depois tinha que fazer outras coisas e alguém teve de ir acabar”; pintou o gradeamento. Explicou que, nessa obra, trabalhou consigo, JJ e II, tendo o seu trabalho sido essencialmente de pintura de paredes do interior e trabalhos na casa de banho, localizada no primeiro andar, esclarecendo que para pintar, não foram retirados os móveis, tendo a casa sido “toda” pintada. Foram reparadas portas e outras, foram substituídas. Após a resposta “fizemos pinturas e arranjamos portas”, foi-lhe dirigida a pergunta “De que cor pintaram, a testemunha respondeu “branco”.

Pela testemunha EE foi referido que retirados os móveis, as paredes apresentavam as marcas daqueles, o que se mostra conforme ao depoimento prestado pela testemunha HH que referiu ter pintado a sala sem ter tirado qualquer móvel. EE disse que as portas eram brancas, corroborando o depoimento prestado por HH que referiu que as portas eram de madeira e outras brancas e que pintaram as portas de branco’’.

Referiu HH que o imóvel tem dois andares, mas não realizou trabalhos na cave; a iluminação encontra-se embutida; a casa de banho é normal, não existindo qualquer divisória entre a sanita e as demais louças sanitárias; o pavimento era em madeira; o chão da sala era em madeira, parquet; a casa tinha uma churrasqueira e uma piscina, na parte de trás. Mostradas as fotografias, disse “eu acho que não é essa [casa]; os móveis não são”, o que justificou, referindo “andei lá umas semanas, duas ou três semanas”, entre Agosto e Setembro do ano de 2020.

A testemunha II declarou que é pedreiro e que trabalha para a sociedade Silva & Póvoa, Lda., há dois anos, fazendo, nessa empresa “de tudo, um pouco”. Trabalhou na obra de ..., no Verão, Agosto/Setembro, pouco depois de ter entrado para a empresa. Executou trabalhos de pintura, tectos, na casa de banho, no gradeamento e em portas.

A testemunha II, à semelhança da testemunha HH, referiu que foi feita a reparação de portas e que umas, eram “castanhas e outras, brancas”; pintaram por dentro, pontos interiores e por fora, pintaram os tectos; executaram trabalhos nas casas de banho, esclarecendo que existem duas no interior da residência. Inquirida sobre o que repararam, nas casa de banho, respondeu “o mosaico, os azulejos que é 20 por 20”; os azulejos eram claros, não tenho … já lá vai tantos anos e a gente anda para aqui e para acolá que as coisas começam a se esbater…”.

Explicou que AA “entregou uma chave que era para a gente lá ir”; “quando comecei lá não tinha móveis”. Quem costumava abrir a porta era DD. Feita a pergunta, “Quem é que levava os materiais para a obra?”, respondeu “era o meu patrão, o Sr. DD” [tal como referira a testemunha HH]; os materiais eram levados pela parte da frente e a chave tinha o Sr. DD”.

Declarou que, na obra, esteve a trabalhar consigo HH, esclarecendo que “normalmente era sempre a gente, os dois, que lá andávamos a fazer os trabalhos”, “mas como a gente não está sempre na mesma obra”, não se recorda se foi feita alguma interrupção no trabalho.

Descreveu o imóvel da seguinte forma: tem dois andares; “tem a parte de cima e tem aquele para baixo que chamam-lhe a cave”; na “parte de trás tem lá uma piscina também”; o pavimento dos quartos é de madeira, parquet; as outras partes é em mosaico.

Sobre os trabalhos que executou, declarou “andei na base de pinturas, assentei alguns azulejos e pronto, fez-se as pinturas das paredes, dos tectos (…).Pintei os quartos”; “andei nas casas de banho”, sendo o “azulejo clarinho”. Não fez trabalho de substituição de portas.

Explicou, ainda, que os andaimes “só são montados quando se vai (…)pintar”, iniciando-se os trabalhos com as pinturas do interior.

A testemunha JJ declarou que é pintor e trabalha para a autora Silva & Póvoa Limitada, há quatro anos. Pintou as grades e portões da entrada da residência do réu, bem como o exterior da casa. A parte exterior foi toda pintada por si, tendo demorado cerca de três semanas/um mês. Nunca entrou dentro da habitação. Os trabalhos foram executados entre Agosto e Setembro de 2020 e foram executados em simultâneo com outras obras em curso. Inquirida “como entrava na casa ?”, declarou que “O Sr. DD abria o portão com um controlo remoto” [o réu referiu que o portão abria através de controlo remoto].

Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, entendemos que os depoimentos prestados por estas testemunhas mostram-se consistentes e apresentam coerência entre si, conforme se explicou.

A questão coloca-se na análise comparativa entre tais depoimentos e o depoimento prestado por BB.

A testemunha BB tem conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs por ter visitado o imóvel, na última semana de Agosto de 2020, acompanhado da testemunha CC, colaboradora da sociedade de mediação imobiliária, e de ter adquirido esse imóvel, ao réu, por escritura pública outorgada em 15 de Outubro de 2020.

Explicou a testemunha BB que residia em Luxemburgo e decidiu vir para Portugal. Tomou conhecimento do imóvel através de uma amiga que trabalha numa agência de mediação imobiliária, “A...”, em .... Veio a Portugal, no mês de Agosto e, na última semana desse mês, foi ver o imóvel. Declarou a testemunha EE que quando adquiriu o imóvel, em 15 de Outubro de 2020 [documento junto em 4/3/2021], o seu estado era exactamente o mesmo em que se encontrava quando o foi ver, na última semana de Agosto de 2020.

Do depoimento prestado por DD, HH, II e JJ resulta que as obras foram executadas entre Agosto e Setembro mas não de modo contínuo por, então, se encontrarem em curso várias obras.

A testemunha EE visitou o imóvel, pela primeira vez, na última semana de Agosto de 2020, e referiu não existir cheiro de tinta, não viu quaisquer sinais de que o imóvel estivesse em remodelação ou tivesse existido, há pouco tempo, alguma remodelação do mesmo.

Decidiu o Tribunal a quo que “Apesar desta testemunha referir que não lhe pareceu que a moradia que adquiriu tivesse sido intervencionada, o seu depoimento não nos convenceu, nem foi capaz de abalar os depoimentos credíveis das testemunhas HH, II, JJ (sobretudo, quando conjugados com outros elementos, como o facto de ter sido enviado um e-mail ao R. junto a fls. 202 e 203, e cujo teor não foi impugnado, e não ter existido qualquer resposta a esse email”.

Analisando, de forma pormenorizada, o depoimento prestado pela testemunha EE, concorda-se com o Tribunal a quo quando refere que este depoimento não abala “os depoimentos credíveis das testemunhas HH, II, JJ.

Vejamos.

Sobre a pintura das paredes interiores, a testemunha EE referiu que “quando fui ver a casa parecia tudo muito bem, mas ao retirar os móveis..., o interior estava em mau estado, tive de pintar, tendo esclarecido a razão: “nós éramos para fazer negócio com os móveis incluídos e ao final não conseguimos entender-nos nos valores e o Sr. AA tirou os móveis poucos dias antes de tomar posse da casa…E via-se bem as marcas… onde estavam os móveis, via-se bem. Tive de pintar a casa, antes de meter os meus móveis tive de pintar a casa no interior. E isso ocorreu em todas as divisões”.

A testemunha HH referiu que o seu trabalho foi essencialmente pintura do interior e trabalhos na casa de banho, localizada no primeiro andar, esclarecendo que para pintar, não tiraram os móveis, tendo a casa sido “toda” pintada.

Sobre as portas, a testemunha EE referiu que são “brancas”, esclarecendo “agora se foi há pouco tempo ou muito tempo não sei, mas elas foram lacadas a branco que não era a cor original delas”. AA disse que as portas interiores eram de madeira e outras de madeira e de vidro. A testemunha HH declarou que existiam portas brancas e portas de cor da madeira e que nas portas pintadas foi aplicada tinta de cor branca.

No que tange à casa de banho, referiu a testemunha EE que os azulejos “são antigos, sim, isso nota-se”. Ao analisar as fotografias do interior da residência, a testemunha identificou a casa de banho localizada no piso inferior, esclarecendo que na existente no piso superior, a sanita está separada da restante louça sanitária.

Sobre a pintura exterior, a testemunha EE referiu que “está em relativamente bom estado”. Inquirida se “parecia assim novinha, pintada mesmo há pouco tempo?”, a testemunha respondeu “não é uma pintura que tenha muitos anos, mas não há nada que indique que foi pintada o ano passado, por exemplo, ou há 2 anos”. Inquirida “é uma pintura que podia ter um mês ou dois?”, respondeu “Não, desconfio, muito dificilmente”.

No que tange aos portões e gradeamento, a testemunha EE referiu que estão em bom estado, não conseguindo dizer se foram alvo de obras em momento próximo à aquisição do imóvel.

Relativamente à piscina, disse a testemunha EE que o mosaico precisa de ser “melhorado” mudado; a “piscina (…) está muito utilizada” e precisa de intervenção “urgente”, esclarecendo “até foi lá um senhor dar um orçamento agora e diz que a piscina tem mais de 20 anos que ninguém lhe mexeu”. Sobre o mosaico a ladear a piscina, referiu que “parece relativamente antigo, não parece novo”. Perguntado “parece antigo?”, respondeu “É difícil perceber”.

Referiu a testemunha EE que “viu andaimes, bastante antigos”, no exterior da habitação, colocados no interior de uma espécie …. De uma gaiola de pássaros muito antiga”, com aspecto de estarem lá “há muito tempo abandonados”.

Em suma, do depoimento da testemunha EE não é possível afirmar que não foram pintadas as paredes do interior ou que não foram pintados o gradeamento e portão ou que não foi colocado mosaico na piscina.

A testemunha CC, colaboradora da sociedade de mediação imobiliária, tem conhecimento dos factos sobre os quais depôs por ter acompanhado a testemunha EE aquando da visita ao imóvel. Pese embora a testemunha tenha referido duas visitas, do depoimento da testemunha EE resulta ter feito uma visita, apenas, e localizada na última semana de Agosto de 2020.

Explicou a testemunha que a sociedade para a qual trabalha mediou a venda da moradia em ...; a testemunha não era a angariadora mas, por os compradores serem seus clientes, acompanhou-os na visita à moradia. Declarou não se recordar quanto tempo a moradia esteve à venda, através da imobiliária para a qual trabalha. Os clientes “vieram cá no Verão, por isso há de ter sido para aí em Agosto, quando vimos a moradia, e sei que escriturámos a moradia em Outubro”. A primeira vez que visitou a moradia foi com os clientes, referindo “a casa estava normal”. Perguntado se existiam evidências de estarem a decorrer obras em curso, a testemunha respondeu que não, não existia andaimes, nem pessoas a trabalhar no local. Inquirida sobre as paredes, declarou “que me lembre, não”, “não tenho essa noção” o que justificou por ter feito a visita com os clientes que “eram pessoas conhecidas e fomos aos pormenor e não vi assim nada”. “Havia marcas, a casa estava mobilada”. Nada lhe chamou a atenção. Por referência à parte exterior, referiu que “uma parte da churrasqueira” estava “um bocadinho danificada”, “não tinha assim nada de novo”, “Era uma casa que se mantinha minimamente limpa, que ele tinha sempre o jardim minimamente arranjado, mas de obras exteriores também não, tanto que a piscina precisava de obras e já foi feito a posteriori, “julgo que fosse a tela”, “mas foi (…) quem a comprou que já fez a obra”. A circundar a piscina tinha azulejo (...), mas não era assim muito recente. Perguntado “não era?” respondeu “julgo que não, não sei, não tenho esse pormenor …não consigo lembrar a cem por cento tudo”.

Inquirida sobre alguma “coisa que estivesse estragada” e que o cliente tenha feito menção, a testemunha respondeu “era a churrasqueira” e “era também a situação … uns vinhos que escorreram para o cerâmico da garagem, estava o vinho entranhado no cerâmico…”.

Perguntado “Foi detectado algo que precisasse de reparações ?”, respondeu “Não, não muitas…notava-se que a casa estava bem mantida”. Perguntado “E casas de banho ou alguma coisa que fosse…?”, completou a testemunha “Danificado também julgo que não (…). Não, se não tínhamos reparado…”, acrescentando que não foi referido pelo comprador qualquer coisa que necessitasse de reparação.

Inquirida se houve alguma alteração ou se existia alguma coisa que desse “a entender (…) a existência de obras?”, a testemunha respondeu “É assim, eu só posso deduzir que nas visitas que fiz, que foi quando eu conheci a casa, em Agosto…Eu antes, não tinha a cliente, não tive a casa, que eu não sou angariadora. Não conheci a casa antes. Conheci a casa no dia com o meu cliente. E não vejo que tivesse havido qualquer tipo de alteração ao imóvel”.

Em suma, a testemunha declarou ter feito duas visitas ao imóvel, localizadas no mês de Agosto, acompanhando EE, embora por esta testemunha tenha sido referida uma visita, apenas, localizada na última semana de Agosto. Assim, não é possível a testemunha saber se alguma obra foi efectuada em data anterior ou posterior à data da visita ou das visitas. Em segundo lugar, o seu depoimento consiste, essencialmente, em suposições (“julgo”, “só posso deduzir”).

A análise crítica e concatenada das declarações do réu e dos depoimentos prestados é efectuada com base nas regras da experiência comum. Na valorização judiciária dos depoimentos, além da razão de ciência, da espontaneidade dos depoimentos, há que ter atenção ao raciocínio, às lacunas, às hesitações, à linguagem, ao tom de voz, aos tempos de resposta, às coincidências e as contradições, às circunstâncias, ao tempo decorrido, ao contexto sócio- cultural e às pausas dos depoentes.

Tudo isso foi atendido e ponderado, em ordem a aceitar um sentido e a versão dos factos vertida na matéria de facto provada e não a explicação apresentada pelo réu AA que, pelas razões já expostas, não mereceram credibilidade as declarações pelo mesmo prestadas.

Os depoimentos prestados pelas testemunhas HH, II, JJ mostram-se pormenorizados e contextualizados. Com uma linguagem simples, de forma clara, objectiva e contextualizada, cada trabalhador da autora explicou quais os trabalhos que executou no imóvel do réu. E fizeram-no, de forma consistente. A audição da gravação permite-nos constatar a forma como estas testemunhas prestaram os esclarecimentos solicitados pelo Ilustre Mandatário do réu. As respostas foram imediatas, firmes e contextualizadas. Contrariamente ao invocado nas conclusões recursórias, não se vislumbra qualquer contradição nos depoimentos de tais testemunhas, nem entre os depoimentos de todos os trabalhadores. Como referido pelo Tribunal a quo “os depoimentos das testemunhas HH, II, JJ (trabalhadores da A.) foram credíveis e coerentes, demonstrando conhecimento dos factos (descreveram correctamente, no essencial, a tipologia da moradia, o número de divisões, algumas características próprias daquela – cores e materiais - e ainda a forma de se abrir os portões – através de um comando – o que coincidiu com o que foi referido pelo próprio R. e com as fotografias que foram juntas aos autos)”.

As lacunas quanto à descrição do soalho do imóvel ou das cores de todas as divisões ou até da disposição da louça sanitária da casa de banho do piso superior, verificadas nos depoimentos prestados pelas testemunhas HH, II e JJ e no depoimento de DD, são compreensíveis, à luz do crivo das regras da experiência comum, conforme já referido. Invoca o Recorrente a contradição do depoimento prestado por DD por referência à assinatura aposta nos avisos de recepção que se mostram juntos com a oposição. DD rejeitou ser de sua autoria tais assinaturas. O seu depoimento foi corroborado pelo depoimento prestado pela testemunha FF que explicou ter sido quem escreveu o nome que consta desses avisos, no espaço para colocação da assinatura do destinatário e como o fez. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, não existe contradição entre o depoimento das testemunhas JJ, II e HH e o depoimento de DD, quanto ao modo de entrada na residência. Decorre do depoimento das três testemunhas que nenhuma delas teve acesso a qualquer chave mas, apenas, DD. Decorre, ainda, do depoimento das testemunhas que entravam na residência pela porta existente na frente da casa. DD disse possuir as chaves da porta. JJ referiu que o portão era aberto por controlo remoto. O Réu confirmou que a residência tinha “um comando eléctrico”. Considerando que era DD quem abria a porta não é exigível aos trabalhadores o conhecimento quanto ao modo de abertura da porta. Não existe qualquer contradição entre o depoimento prestado por HH quando refere que “os móveis não foi a gente que os tirou, pelo menos eu não”. A testemunha referiu ter pintado as paredes interiores com os móveis colocados, tendo a testemunha EE declarado que o negócio era para ser efectuado, incluído os móveis, mas não houve acordo nessa parte; quando retirados os móveis, existia diferença entre a pintura da parede que se encontrava tapada pelos móveis e a parede a descoberto o que corrobora o depoimento da testemunha HH. No que tange ao pavimento, DD disse que “havia uma parte em madeira e outra em mosaico. As casas de banho, essas coisas todas, cozinha … Na sala, era madeira. com excepção das casas de banho, era de madeira…Eu penso que era de madeira”. Invoca o Recorrente que este depoimento se mostra em contradição com a realidade física do imóvel, como decorre das fotografias. A este propósito, convoca-se os depoimentos prestados pelas testemunhas EE, HH [“o pavimento da sala era em parquet, madeira”] e de II [o soalho dos quartos era em madeira e da sala em parquet]. Sendo esta a prova, encontram-se demonstrados os factos ínsitos no ponto 3 da matéria de facto considerada provada, não se encontrado provado que a autora não realizou qualquer obra e/ou reparação na moradia do réu ou que este não tenha dado ordem para a execução dos trabalhos.

Relativamente aos factos ínsitos nos pontos 1 e 2, conforme consta da sentença recorrida, na fase dos articulados, o réu admitiu que foram remetidos, a seu pedido, dois orçamentos para a realização de obras na moradia (documentos n.º 7 e 8 juntos com a oposição; artigo 10º da oposição). Em audiência, DD confirmou que foram elaborados, a pedido do réu AA, os orçamentos juntos aos autos, e este referiu ter solicitado, àquele, o orçamento para a realização de obras no seu imóvel, sito na Rua ..., em ... e que tomou conhecimento dos orçamentos, rejeitando, apenas, a subsequente realização dos trabalhos orçamentados por ter surgido um comprador interessado na aquisição do imóvel, no estado em que o mesmo se encontrava. A testemunha FF, mulher de DD, referiu ter “passado a limpo” os orçamentos que, depois, foram entregues, em mão, ao Réu, por DD – facto por este confirmado – e, posteriormente, procedeu ao envio, àquele, por email, dos dois orçamentos, depoimento que se encontra corroborado pelos emails de 28 e 31 de Outubro.

Sobre a entrega das duas facturas ao réu, referiu DD que “as entrego, sempre, pessoalmente. E depois mandámos por email, porque ele disse que não as tinha e a minha esposa mandou-as por e-mail… A um sábado, pediu-nos as faturas, estava eu no escritório no dele, telefonei para a minha esposa… Foi enviado por email… E o orçamento, duas vezes”.

A testemunha FF explicou o contexto em que enviou os dois emails. Declarou que enviou, por email, o orçamento. Explicou que “depois da obra concluída, foram feitas as facturas, entretanto, eu por acaso lembro-me que … isto houve várias situações de várias obras, mas neste concreto eu estava em casa e o meu marido telefonou-me porque estava presente com o Sr. AA… Entretanto o Sr. AA até pediu e eu até enviei por email, novamente, os orçamentos e novamente, as facturas (…). Foi uma quarta-feira lá para o final de Outubro e, depois, no sábado seguinte porque o meu marido foi lá pedir, ver se recebia … e então, o meu marido ligou-me e disse «olha, envia já as facturas porque o AA, mais uma vez, está aqui a dificultar as coisas». Enviei -lhe logo por email [email de 28 de Outubro] e, depois, no sábado seguinte… O Sr. AA como não tinha as facturas e queria conferir, no sábado seguinte, o meu marido voltou lá porque o Sr. AA marcou com ele… E disse «Olha agora tens de me enviar os orçamentos porque ele diz que não pode conferir as facturas porque também já não sabe dos orçamentos». Isto era normal”…Enviei por email para o Sr. AA. Explicou a testemunha que não houve resposta a tais email’s, pelo que não se encontra demonstrado que o réu não tenha aceitado as facturas ou que nunca tenha sido interpelado para proceder ao respectivo pagamento.

Sendo esta a prova, encontra-se demonstrado o facto ínsito no ponto 5 da matéria de facto provada.

Repare-se que as facturas foram emitidas com data de 1 e 6 de Outubro de 2020, ou seja, doze e nove dias antes da outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel. Caso o réu não tivesse adjudicado tais trabalhos à autora, como referiu em audiência, ao receber os email’s com os orçamentos e as facturas, as regras da experiência comum ditam que, no mínimo, teria respondido, questionando a autora sobre a razão da emissão de tais facturas, a razão do envio de tais facturas e a razão da cobrança do valor das facturas.

Como bem refere o Tribunal a quo, à luz do crivo das regras da experiência comum, não é plausível que o réu tenha entregado a quantia de €3.600,00, alegadamente para pagamento do IVA das facturas (versão constante da oposição), facturas estas emitidas em 1 e 6 de Outubro de 2020, caso tivesse - na sua versão - desistido das obras, quando o comprador aceitou adquirir o imóvel.

Sobre o alegado pedido de restituição da quantia de €3.600,00, a prova cinge-se às declarações do réu e do depoimento de DD. Conforme foi explicado, as declarações prestadas pelo réu não merecem credibilidade. Não existe qualquer documento demonstrativo da solicitação da restituição da quantia de €3.600,00. Assim, sendo esta a prova produzida, não se encontra demonstrado que o réu tenha solicitado a devolução da quantia de €3.600, em data prévia à reconvenção.

Resulta do exposto que não se encontra demonstrado que:

- a autora não realizou qualquer obra e/ou reparação na moradia do réu;

- o réu não tenha aceite as factura;

- o réu não tenha sido interpelado para proceder ao pagamento das facturas;

- o réu não tenha dado ordem para a execução dos trabalhos.

Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto.

3. O acórdão impugnado observou, por último que o Recorrente fundou a sua pretensão de revogação da sentença na alteração da decisão da matéria de facto, não tendo aduzido qualquer argumento estritamente jurídico para infirmar a decisão recorrida com base nos factos considerados provados pelo Tribunal da Primeira Instância, que as conclusões delimitam o objecto do recurso e balizam o âmbito do conhecimento do Tribunal pelos fundamentos aduzidos, excepto tratando-se de questões de conhecimento oficioso e que, assim, não existindo qualquer outro fundamento invocado pelo Recorrente para a revogação da decisão recorrida, improcede o recurso, confirmando-se, na íntegra a decisão recorrida, incluindo na parte respeitante à apreciação do incidente de litigância de má fé, considerando que nenhuma alteração foi introduzida na decisão da matéria de facto.

3.2. Fundamentos de direito.

3.2.1. Nulidade substancial do acórdão recorrido.

O valor jurídico negativo da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia resulta da abstenção, injustificada, de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados. O tribunal deve, realmente, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução encontrada para outras (art.ºs 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal deve, pois, examinar toda a matéria de facto e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou dos pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. A nulidade que o recorrente assaca ao acórdão impugnado resulta da infracção deste dever (art.º 615.º c), 1.ª parte, ex-vi art.º 666.º, n.º 1, do CPC).

Mas a propósito desta causa de nulidade da decisão há que ter presente o seguinte: não existe omissão de pronúncia, mas um error in iudicando, se o tribunal não aprecia uma qualquer questão com o argumento, por exemplo, de que ela não foi invocada ou de que não tem o dever de sobre ela se pronunciar: aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento – e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão. Efectivamente, uma coisa é o tribunal deixar de se pronunciar sobre uma questão, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.

Além disso – como este Supremo Tribunal tem reiterado, firme e consistentemente – há que fazer um distinguo entre questão que deve ser decidida e considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentar o seu ponto de vista: desde que decida a questão posta, o tribunal não tem de se ocupar nem está vinculado a apreciar os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão2.

No caso do recurso de apelação que tenha por objecto, principal ou concorrente, a impugnação da decisão da matéria de facto da 1.ª instância, por erro em matéria de provas, o Tribunal da Relação deve proceder, no tocante a cada um dos enunciados de facto que o recorrente reputa de mal julgados, à apreciação das provas que, segundo o impugnante, foram erroneamente valoradas ou apreciadas – apreciação que pressupõe o conhecimento do seu conteúdo, a determinação da sua relevância e a sua valoração (art.ºs 640.º, n.º 1, a c), e 662.º, n.º 1, do CPC). Esta valoração pressupõe, no caso de o facto ou factos deverem ser julgados não provados, a apreciação dos meios de prova que se mostraram inconclusivos ou que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impediram uma convicção sobre a sua veracidade.

O desvalor da nulidade por omissão de pronúncia, assenta, no ver do recorrente, na circunstância de o seu recurso de apelação por inteiro e as suas alegações terem sido completa e irremediavelmente ignoradas pelo acórdão do Tribunal da Relação de Porto. Abstraindo do carácter patentemente genérico da arguição, este fundamento do recurso é exasperadamente injusto e infundado.

Como linearmente decorre das alegações produzidas pelo recorrente no seu recurso de apelação, eram três os fundamentos desse recurso: a nulidade substancial da sentença impugnada, o error in iudicando por erro na avaliação das provas – de longe o fundamento mais conspícuo – e, por último, um erro na subsunção, i.e., no juízo de integração dos factos na previsão da norma aplicável ao caso concreto, violação da lei substantiva que, porém, radicava no erro de julgamento, daqueles factos, em consequência do equívoco na apreciação das provas.

Uma leitura ainda que pouco atenta do acórdão impugnado, mostra, concludentemente, que apreciou, de modo esgotante, todos os fundamentos do recurso de apelação, que decidiu, por inteiro, de modo exaustivo – não interessando para o caso, se bem se mal - qualquer das questões correspondentes. Exaustão que é particularmente evidente no tocante ao fundamento principal ou nuclear do recurso de apelação: o erro da decisão da quaestio facti, por erro na avaliação ou apreciação das provas. É certo que o acórdão recorrido rejeitou e, portanto, não apreciou, a impugnação da decisão da matéria de facto quanto a um ponto, com o fundamento – aliás, correcto – da sua irrelevância para a decisão da causa, segundo o único enquadramento jurídico exacto do seu objecto. Mas, como se observou, esta atitude do acórdão impugnado não se resolve numa omissão de pronúncia, dado que esta consiste numa abstenção não fundamentada de julgamento – e não numa fundamentação, ainda que errada, para não conhecer de certa questão. Àparte aquele ponto de facto, a Relação pronunciou-se, expressa e extensivamente, sobre todos os demais enunciados de facto que o recorrente reputava de mal julgados e sobre todas as provas cuja força persuasiva o mesmo recorrente achava que a 1.ª instância tinha avaliado errónea ou imprudentemente.

De resto, a arguição da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia quando referida à impugnação da decisão da matéria de facto da 1.ª instância nem sequer é intrinsecamente coerente: se, de harmonia com a alegação do recorrente, a Relação não efectuou correctamente a análise crítica das provas e errou na apreciação da matéria de facto é, porque, afinal não se absteve, injustificadamente, de se pronunciar sobre a questão correspondente e, portanto, o problema não é de omissão de pronúncia sobre esse objecto – mas de error in iudicando da questão correspondente.

Da nulidade substancial do acórdão impugnado por uma omissão de pronúncia é coisa de que, em boa verdade, não se pode falar.

Maneira que há que concluir pela improcedência deste fundamento do recurso.

3.2.2. Erro de julgamento da questão de facto por erro em matéria de provas.

Segundo o recorrente o Tribunal da Relação do Porto não efectuou a correcta e devida análise crítica das provas e incorreu num claro erro na valoração crítica da prova produzida; o recorrente visa, com o recurso de revista a apreciação da matéria de facto com base nos meios de prova – testemunhal – que, no seu entender, não foram tidos em consideração pelo tribunal.

Este fundamento do recurso é, também, manifestamente improcedente.

O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista e, portanto, não controla a decisão da questão de facto e não revoga por erro de facto, controlando apenas a decisão de direito e só revogando por erro de direito, limitação que é justificada pela função de harmonização jurisprudencial sobre a interpretação e aplicação da lei que é característica e própria dos tribunais supremos (art.ºs 46.º da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e 682.º, n.º 1, do CPC). Por isso que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não constitui objecto idóneo do recurso de revista, salvo os casos de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, portanto, exceptuados os casos de prova necessária, i.e., em que a lei exige certo meio de prova para se poder demonstrar o facto probando, ou de prova legal ou tarifada, quer dizer, em que a lei impõe ao juiz a conclusão que há-de tirar do meio de prova, respectivamente (art.ºs 364.º, 393.º do Código Civil, 568.º, d), 574.º, n.º 2, in fine, 607.º, n.º 5, 2.ª parte, e 674.º, n.º 3, do CPC).

O Supremo Tribunal de Justiça está, pois, vinculado aos factos fixados pelas instâncias e, como consequência dessa vinculação, está adstrito a uma obrigação negativa: a de não poder alterar, salvo em casos excepcionais, essa matéria (art.º 682.º, n.º 2, do CPC). Estas vinculações implicam que não pode controlar a apreciação da prova, porque uma vinculação à matéria de facto averiguada nas instâncias e a proibição de a alterar, implicam, necessariamente, a impossibilidade – e mesmo a desnecessidade – de controlar a sua apreciação. Em especial, o Supremo não pode controlar a prudência ou a imprudência da convicção das instâncias sobre a prova produzida, sempre que se trate de provas submetidas ao princípio da liberdade de apreciação, i.e., que assenta na prudente convicção que o tribunal tenha adquirido das provas produzidas (art.º 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC). Trata-se de jurisprudência absolutamente firme ou acorde3.

O Supremo dispõe, decerto, de competências de controlo sobre o uso – ou uso incorrecto - ou não uso pela Relação dos seus poderes específicos sobre a matéria de facto: o poder de correcção da decisão recorrida; o poder de controlo dos meios de prova; o poder de anulação da decisão recorrida (art.º 662, n.ºs 1, a), e 2, a), c) e d), do CPC). A apreciação da prova é matéria de facto e está excluída da competência do Supremo, mas as condições que justificam a alteração da decisão da 1.ª instância são matéria de direito e, por isso, susceptíveis de ser apreciadas no recurso de revista. O controlo do Supremo sobre a decisão da Relação sobre a matéria de facto obedece a este parâmetro: a Relação tem o dever de fazer um juízo autónomo sobre a prova produzida na 1.ª instância e é em função desse juízo que deve confirmar ou revogar a decisão recorrida. Realmente, se a Relação tem o dever de proceder ao exame crítico das provas - novas ou mesmo só renovadas – que sejam produzidas perante ela e de formar, relativamente às provas submetidas à sua livre apreciação, uma convicção prudente sobre essas provas – não há razão bastante – legal ou sequer epistemológica - para que não proceda àquele exame e à formulação desta convicção - e à sua objectivação - no caso de reapreciação das provas já examinadas pela 1ª instância (art.º 607.º, nº 5, ex-vi art.º 663.º, nº 2, do CPC). O controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1ª instância exige, realmente, que a Relação construa – autonomamente, embora com os limites decorrentes da sua vinculação à impugnação do recorrente - não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente. O Supremo pode controlar se a Relação formou a sua própria convicção sobre a prova.

A prova que, no ver do recorrente, tanto a 1.ª instância como a Relação, apreciaram imprudentemente e que pretende que seja reponderada ou reapreciada – a prova testemunhal - é uma prova livre, ou seja, uma prova que é livre – mas prudentemente – apreciada pelo tribunal (art.º 396.º do Código Civil). O mesmo sucede, aliás, com a prova por declarações de parte (art.º 466.º, n.º 3, do CPC). Decerto que a convicção, assente nestas provas pessoais de livre apreciação sobre a realidade ou inveracidade dos factos não é – não deve ser - uma convicção irracional e anímica – ex setentia animi – mas antes uma convicção alcançada com o uso da prudência, i.e., da faculdade de decidir de forma correcta, uma convicção que, sendo subjectiva é também objectiva devendo assentar num conjunto de razões que permitam afirmar que os factos cujo correcção do julgamento o recorrente controverte no recurso, se verificaram ou não. A verdade oferecida pela prova, dado que é alcançada por aplicação das normas e técnicas que valem no processo é, sempre, uma verdade contextual, obtida nas condições que a relação processual permite. Verdade que, todavia, é obtida no exercício de uma liberdade para a objectividade e não aquela que permite uma intime conviction, meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objectividade, uma verdade que transcenda a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros, pois tal só pode ser a verdade do direito e para o direito.

Simplesmente, a valoração que a Relação fez destas provas – e a convicção autónoma que delas adquiriu – dado que não constitui um erro em matéria de direito probatório, está subtraída, por inteiro, à competência decisória ou funcional do Supremo.

De outro aspecto, é patente que a Relação exerceu, impecavelmente, o seu poder-dever de correcção da decisão da matéria de facto da 1.ª instância, dado que procedeu ao exame crítico esgotante das provas que o recorrente reputava de mal apreciadas e construiu, de modo autónomo, uma convicção própria – e exaustivamente fundamentada - sobre essas provas que, sendo coincidente com a do decisor da 1.ª instância, determinou a improcedência da impugnação correspondente. De resto, summo rigore, este último problema não se coloca verdadeiramente na espécie do recurso, dado que, na lógica argumentativa do recorrente, o caso não é, no fundo, da ausência, no acórdão recorrido, de uma apreciação crítica das provas e de construção de convicção autónoma sobre essas provas – mas de erro na valoração ou aferição dessas provas, com os erros consequenciais da decisão da matéria de facto e da questão de direito.

Em absoluto remate: dado que está vedado ao Supremo o conhecimento do – eventual – erro na valoração das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas dispondo de competência funcional ou decisória para controlar a actuação da Relação nos casos de prova vinculada ou tarifada, ou seja, quando está em causa um erro de direito, outra coisa não resta que concluir também pela improcedência deste fundamento da revista.

E face aos factos materiais apurados pelas instâncias é irrecusável que o recorrente concluiu com a recorrida um contrato de empreitada – que consiste no contrato de troca para a prestação de obra, pelo qual uma das partes – o empreiteiro – se obriga em relação à outra o dono da obra – a realizar certa obra mediante um preço (art.º 1207.º do Código Civil). Como também é incontroverso, de um aspecto, que o recorrente e a recorrida, figuram, nesse contrato, nas posições jurídicas de dono da obra e de empreiteiro, respectivamente e, de outro, que o recorrente não realizou, na íntegra, de modo que se presume imputável a uma culpa sua, a obrigação de pagamento do preço que para si emerge desse mesmo contrato, constituindo-se, no tocante à prestação pecuniária correspondente na situação de mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos resultantes do atraso do cumprimento, indemnização que, face à natureza pecuniária da obrigação, consiste nos juros – civis – legais, contados desde a data da constituição em mora (art.ºs 799.º. n.º 1, 804.º, n.ºs 1 e 2, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Constatações que vinculam a conclusão que as decisões – aliás, acordes – das instâncias são, também no plano da aplicação das regras jurídicas aos factos, inteiramente correctas. Só o não seriam se acaso a decisão da matéria de facto devesse ser modificada no sentido propugnado pelo recorrente o que, pelas razões apontadas, se mostra inteiramente excluído.

Importa, pois, julgar o recurso improcedente.

Dos fundamentos expostos, que justificam a improcedência do recurso, extraem-se, como proposições conclusivas mais salientes, as seguintes:

- O desvalor da nulidade substancial da decisão, decorrente de uma omissão de pronúncia, só se verifica no caso de abstenção, injustificada, de conhecimento de questões suscitadas pelas partes ou de pedidos por elas formulados, pelo que aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento – e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão;

- A falta de competência do Supremo para controlar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa apenas comporta duas excepções: a ofensa de uma disposição legal que exija certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

O recorrente sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-o objectivamente responsável pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se a revista e, consequentemente, confirma-se o acórdão nela impugnado.

Custas pelo recorrente.

2024.07.02


Henrique Antunes (Relator)

Pedro de Lima Gonçalves

Nelson Borges Carneiro

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1. Consta da oposição:

“12º. E que, no seu interesse faturou ao Requerido, tendo em vista obter deste um adiantamento sobre tais serviços, adiantamento que o Requerido não aceitou fazer e não estava acordado.

13.º Todavia, o certo é que a Requerente acabou por não executar tais trabalhos.

14.º O Requerido, ora Reconvinte, chegou ainda a proceder, a pedido da Requerente, ao pagamento do IVA ali liquidado, no montante de Euros: 3.600,00, como melhor consta do Requerimento de Injunção…”.↩︎

2. Por último – e por todos – o Ac. do STJ de 08.02.2024 (995/20).↩︎

3. V.g., Acs. do STJ de 14.07.2023 (19645/18), 03.11.2021 (4096/18), 14.12.2016 (2604/13), 12.07.2018 (701/14) e 12.02.2019 (882/14).↩︎