Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DO CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | RECURSO PENAL DUPLA CONFORME CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS IRRECORRIBILIDADE REJEIÇÃO DE RECURSO ARGUIÇÃO DE NULIDADE ACORDÃO DA RELAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 09/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I. Visto o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível por confirmar a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade) e, inclusivamente, ter reduzido a pena (de 8 anos de prisão) imposta ao recorrente para 7 anos e 6 meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes cometido em coautoria. II. Considerando o disposto no art. 400.º n.º 1, al. f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale assim para toda a decisão, considerando o quantum da pena em que foi condenado na Relação. III. Do exposto resulta não ser recorrível em mais um grau, o acórdão confirmatório in mellius aqui em questão, conforme decorre do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP. IV. As nulidades invocadas de acórdão da Relação não integram pressuposto de admissibilidade de recurso em mais um grau, para o Supremo Tribunal de Justiça. As nulidades previstas no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPP só podem ser conhecidas oficiosamente pelo STJ, se este Tribunal tiver de julgar recurso de acórdão da Relação que seja recorrível nos termos do disposto nos artigos 432.º n.º 1 alínea b) e 400.º n.º 1 do CPP, o que não é este o caso. Assim, as nulidades que se pretendam imputar a acórdão da Relação que não seja recorrível tem de ser arguidas atempadamente perante o próprio tribunal que proferiu a decisão visada. V. Portanto, não pode o recorrente pretender uma terceira apreciação de questões colocadas em ação penal (v.g. no que se relaciona com a reapreciação da respetiva matéria de facto, erro notório na apreciação da prova, errada avaliação da prova, violação da livre apreciação da prova, violação do in dubio pro reo, omissão de diligências de prova que considera essenciais, falta ou deficiente fundamentação, erro na condenação, erro na qualificação jurídica), nos casos em que há limitações legais e, em que a decisão é irrecorrível. VI. Rejeitado o recurso para o STJ, igualmente é inadmissível o requerimento formulado do seu julgamento em audiência (art. 411.º, n.º 5, CPP), uma vez que este pressuporia a admissão e conhecimento do recurso por este Tribunal, o que não sucede, como se viu. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 189/19.5JELSB do Juízo Central Criminal de ..., ... 6, comarca de Lisboa Norte, por acórdão de 25.11.2022, entre outros, o arguido/recorrente AA, nascido em ........1980, foi condenado, além do mais, como coautor, na forma consumada, de um crime tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º e Tabela I do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 8 (oito) anos de prisão. 2. Tendo o mesmo arguido (entre outros) recorrido, por acórdão do TRL de 22.11.2023, foi decidido conceder parcial provimento ao seu recurso, sendo alterada decisão recorrida no que lhe diz respeito apenas quanto à medida da pena, a qual foi reduzida, e, consequentemente, foi o mesmo arguido AA condenado na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, sendo no mais mantido o mais decidido no Acórdão recorrido (portanto, inclusive quanto às demais questões por si suscitadas - v.g. relacionadas com a decisão sobre a matéria de facto do acórdão da 1ª instância, erro na apreciação da prova, sobre nulidades invocadas relativas ao mesmo acórdão da 1ª instância, falta de fundamentação da decisão, omissão de diligência, formação da convicção, violação do in dubio pro reo, preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do crime pelo qual foi condenado - assim sendo confirmado no mais o decidido no acórdão da 1ª instância, mesmo quanto aos demais arguidos, com ressalva da ordem dada pela Relação da devolução de um relógio apreendido a um outro arguido). 3. Entretanto, dois dos arguidos cujos recursos foram julgados improcedentes (que tinham sido condenados em penas inferiores a 8 anos de prisão), arguiram a nulidade do referido acórdão da Relação, com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 379.º, n.º 1, al. a) e al. c), 425.º, n.º 4 e 428.º do CPP, mas por acórdão do TRL de 13.07.2023 foi julgada improcedente a arguição da nulidade do acórdão datado de 23.05.2023, decidindo-se nada haver a alterar naquela decisão. 4. Notificado do acórdão da Relação de Lisboa de 23.05.2023, não se conformando com o ali decidido, em 9.06.2023 o arguido AA veio apresentar recurso para o STJ, formulando as seguintes conclusões1: A. O Acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 379.º, por não conter todas as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º, ambos do Código de Processo Penal e na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º, ex vi artigo 340.º, n.º 1, ambos do mesmo diploma legal. B. Porque o acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar. C. A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art. 379º, nº1, do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do art. 425º, nº 4, do mesmo compêndio normativo). D. No entanto, o tribunal de 1ª instancia não o fez, relegou para final a sua apreciação e afinal não fez qualquer referência na sentença. E o Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acordão, não se pronunciou sobre a OMISSÃO DE PRONUNCIA, conforme foi requerido e alegado, mas sim sobre a necessidade da diligência, objecto diferente do que constava do Recurso. E. É desta OMISSÂO por lapso ou outro, que constitui uma NULIDADE Insanável de que se Recorre. F. No referido Acórdão, sem ter em conta os princípios constitucionais da defesa, respetivamente, a inconstitucionalidade que foi suscitada pelo Recorrente no seu recurso, violando o Tribunal “a quo” princípios constitucionais. G. Concretamente, os artigos 20.º, 32.º, 202.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa, por omissão do dever de fundamentação e por omissão da produção de prova que revelava fundamental para a descoberta da verdade material. H. Ora, salvo sempre o devido respeito, verifica-se que o acórdão recorrido deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, nos termos dos artigos 379.º, 1.º, al. a) e c), 425.º n.º 4 e 428.º, todos do Código de Processo Penal. I. O aqui recorrente, suscitou e levantou diversas questões sobre a detenção em flagrante delito, reveja-se, J. Principalmente quando subsiste uma dúvida insanável, porquanto: “- Todos os arguidos são unanimes em afirmar que se estavam a ir embora; K. O arguido AA até já estava dentro da viatura, (conforme facto 70, dado por assente), como o próprio Inspetor-Chefe BB afirmou, facto assente e que se dá por integralmente reproduzido; L. Como está dado por assente, o Inspetor-chefe BB deu ordem para avançar com receio de que se repetisse uma situação anterior ocorrida num armazém (E........., segundo disse), em que a Polícia Judiciária ficou mal vista por não ter atuado com rapidez; M. É fácil concluir que o motivo da detenção não foram os movimentos dos arguidos, mas sim o receio da Polícia Judiciária e do seu Inspetor-Chefe de voltar a fazer “má- figura.” N. Nunca se deu como facto assente e provado o que foi confirmando pelo Inspetor-Chefe BB que decidiu atuar, mesmo sem garantias de que iam dirigir-se para o interior do armazém, conforme resulta do seu depoimento. O. Perante todo o exposto, o Tribunal da Relação limitou-se a dizer que o arguido estava a cometer um crime, sem qualquer sustentação fáctica que sustente a presente decisão! P. A omissão de uma diligência que se revelava fundamental para a descoberta da verdade. Q. Numa interpretação direta da letra da lei, o dever de fundamentação das decisões judiciais é um imperativo constitucional em consequência dos princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efetivo direito de defesa consagrado no artigo 32.º, número 1 e no artigo 202.º, número 1, ambos da Constituição da República, que merecem especial acuidade no campo Penal. R. Ainda no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, resulta da apreciação da inconstitucionalidade, o seguinte, “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.” S. Essa violação do direito à justiça e a desconsideração dos conceitos produzidos que constitui a efetiva interpretação normativa formal e distorcida que conduz à inconstitucionalidade da decisão recorrida. T. O que desde já se requer. U. Na interposição do Recurso elaborado pelo Recorrente, datado de 27.12.2022, com referência Citius, foi suscitada inconstitucionalidade dos artigos 20.º, 32.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa, sendo normas que se impugnam, desde já, com base nos seguintes factos: V. “A reconstituição do momento da detenção ou a inspeção judicial do local, de forma a provar que o arguido já se ia embora quando o encontraram e nem se encontrava na proximidade do camião. O esclarecimento destes factos não integra qualquer uma das alíneas do número 4 do artigo 340.º do Código de Processo Penal. Considerando que os referidos esclarecimentos são relevantes e fundamentais para a descoberta da verdade material. No entanto, o Tribunal não o fez, relegou para final a sua apreciação e, afinal, não fez qualquer referência na sentença.” W. O que constitui uma violação dos Direitos de Defesa do arguido, concretamente, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. X. Assim, ao não evocar os esclarecimentos pretendidos, deveria ter integrado qualquer uma das alíneas do número 4, do artigo 340.º do Código de Processo Penal. Y. E é essa violação do direito à justiça e a desconsideração dos conceitos produzidos que constitui a efetiva interpretação normativa formal e distorcida que conduz à inconstitucionalidade da decisão recorrida. Z. Ainda no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, resulta da apreciação da inconstitucionalidade, o seguinte, “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.” AA. Numa interpretação direta da letra da lei, o dever de fundamentação das decisões judiciais é um imperativo constitucional em consequência dos princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efetivo direito de defesa consagrado no artigo 32.º, número 1 e no artigo 202.º, número 1, ambos da Constituição da República, que merecem especial acuidade no campo Penal. BB. Conforme jurisprudência uniforme deste STJ, o que importa é que o tribunal conheça as questões objeto do recurso, o que, in casu, não ocorreu. CC. Principalmente quando subsiste uma dúvida insanável, porquanto: “- Todos os arguidos são unanimes em afirmar que se estavam a ir embora; - O arguido AA até já estava dentro da viatura, (conforme facto 70, dado por assente), como o próprio Inspetor-Chefe BB afirmou, facto assente e que se dá por integralmente reproduzido; - O Inspetor-chefe BB deu ordem para avançar com receio de que se repetisse uma situação anterior ocorrida num armazém (E........., segundo disse), em que a Polícia Judiciária ficou mal vista por não ter atuado com rapidez; - Fácil concluir que o motivo da detenção não foi movimentos dos arguidos, mas sim o receio da Polícia Judiciária e do seu Inspetor-Chefe de voltar a fazer “má-figura”. DD. Nunca se deu como facto assente e provado o que foi confirmando pelo Inspetor- Chefe BB que decidiu atuar, mesmo sem garantias de que iam dirigir-se para o interior do armazém, conforme resulta do seu depoimento. EE. O tribunal tem o dever de indicar os factos que se provam e os que não se provam e a forma como alcançou a respetiva conclusão. FF. A decisão recorrida omitiu pronúncia sobre um ponto concreto da acusação e tal ponto tem potencialidade para assumir uma relevância essencial em sede de relação de causalidade e na afirmação de uma intenção de praticar o facto ilícito pelo qual foi condenado! GG. “69. Em simultâneo, chegaram os arguidos que acompanharam todo o percurso; 70. O arguido CC estacionou o automóvel com a matrícula ..-FF-.. numa rua sita nas imediações das instalações da M....... e juntou-se aos arguidos DD, EE, tendo-se todos dirigido para junto do armazém onde se encontrava o contentor, estando o arguido AA no interior da viatura Mercedes, do lado do pendura, que aqui se encontrava estacionado;” HH. Uma reconstituição teria o dom de esclarecer esta dúvida, em nosso entender insanável. II. No entanto, o Tribunal não o fez, relegou para final a sua apreciação e afinal não fez qualquer referência na sentença. JJ. Sucede que, em sede de primeira instância, pronunciou-se sobre a matéria de facto não provada optando por uma redação abrangente considerando, simultaneamente, a possibilidade de o mesmo facto ter ou não ter acontecido. KK. Nestes termos, ao proceder por tal forma o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão cujo conhecimento lhe estivesse vedado pois que o que era pedido era exatamente uma afirmação ou seja o conhecimento sobre a circunstância de tais factos terem, ou não, acontecido. LL. Assim, em primeira análise importa apreciar a forma como o Tribunal de primeira instância exprimiu a lógica dedutiva que permitiu a aceitação de determinados factos em detrimento de outros e obteve a aprovação do Tribunal da Relação. MM. Violou, ainda, o artigo 355.º do Código de Processo Penal, norma com duplo sentido, NN. Pois, uma vez produzida ou examinada em audiência, essa (toda) prova deveria ser considerada na sentença. OO. E da leitura a contrario resulta, em nosso entender, que se a prova não foi produzida por omissão do Tribunal sempre terá de prevalecer o principio in dubio pro reo. PP. O julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet. Tal decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que: “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”. QQ. Caso assim, não se entenda, poderemos questionar, se existe, ou não um incorreto entendimento das regras ministradas pela dinâmica da vida, pelas máximas da experiência, e, se existe, como configurar tal vício? RR. Caso assim se entenda e no que concerne a este segundo ponto entende-se que, se em face das premissas que constituem a matéria de facto, o julgador ensaia um salto lógico no desconhecido dando por adquirido aquilo que não é suportável à face da experiência comum pode-se afirmar a existência do vício do erro notório! SS. No caso concreto, a incongruência resulta de uma descoordenação factual patente da decisão revelada, por incompatibilidade no espaço, tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projeções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Termina pedindo que sejam declaradas as invocadas nulidades do Acórdão recorrido, ou se assim o não entender, declarada a existência de errada valoração da prova com violação do artigo 127º do CPP, e ainda declarada violação do princípio in dubio pro reo, e das garantias constitucionais preceituadas no artigo 32º da CRP, determinando-se a revogação da decisão recorrida, a sua absolvição, ou, se assim não se entender, fixando ao arguido uma pena menos gravosa. Mais requereu o julgamento perante o STJ dos pontos D e E das conclusões e da respetiva motivação. 5. Na resposta ao recurso o Ministério Público na Relação concluiu, em resumo, que a argumentação apresentada pelo recorrente “coincide, no essencial, com a que já constava no recurso interposto do acórdão proferido em 1ª instância, pelo que mantém toda a actualidade o teor da resposta deduzida pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância” e, assim sendo, sustenta que o “recurso deve ser considerado improcedente, por não se mostrar violada qualquer disposição legal e constitucional, como se invoca, pelo que deve o acórdão recorrido ser integralmente confirmado.” 6. Subiram os autos a este STJ e, o Sr. PGA sustentou, em resumo, que não ocorre qualquer omissão de pronúncia (como alegado em sede de motivação de recurso para o STJ), pois a Relação pronunciou-se expressamente sobre as questões que lhe foram colocadas pelo recorrente e, também não foi violado o princípio in dubio pro reo, por inexistir dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do recorrente, acompanhando integralmente a posição do Ministério Público na 2ª instância quando rebateu os fundamentos do recurso, emitindo parecer no sentido do seu não provimento, mantendo-se a decisão recorrida. 7. Na resposta ao Parecer do Sr. PGA, o arguido/recorrente discorda da posição ali sustentada, mantendo o alegado no recurso, pugnando pela sua procedência, acrescentando, em resumo, que já a 1ª instância na sentença não apreciou todas as questões que deveria ter apreciado (v.g. sobre a existência de câmaras de vídeo vigilância no local e porque não foram consideradas como meios de prova), o mesmo sucedendo com o acórdão da Relação (v.g. que não se pronunciou sobre essa omissão de produção de prova, pese embora estar a existência de câmaras de vídeo vigilância documentada nos autos, nem se pronunciou exata e diretamente sobre a questão colocada da exigência da reconstituição do momento da detenção ou a inspeção judicial ao local e, perante as dúvidas insanáveis, deveria ter prevalecido o princípio in dubio pro reo que foi violado). 8. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão. II. Fundamentação 9. Factos Consta da decisão sobre a matéria de facto do acórdão da 1ª instância, confirmada pelo Acórdão da Relação de 23.05.2023, o seguinte: (i) FACTOS PROVADOS: Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: Dos factos constantes da Acusação Pública/Pronúncia: 1. O arguido FF exerce a actividade profissional de ... no porto de ... há vários anos, sendo que no ano de 2019 exercia essas funções; 2. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Setembro de 2019, o arguido, aproveitando-se da sua actividade profissional e do acesso que a mesma lhe confere aos navios de mercadorias que atracam no porto, recepcionou cocaína no porto de ... e procedeu ao respectivo encaminhamento; 3. O arguido FF colaborou com uma organização cujo objectivo era a introdução de cocaína na Europa através do porto de ..., assumindo a tarefa de providenciar pela retirada da cocaína dos contentores em que a mesma era transportada a partir da ...; 4. O arguido recebia as informações relativas ao contentor que transportava o estupefaciente, providenciando depois pela sua retirada e entrega a quem posteriormente o transportasse; 5. A cocaína era retirada dos contentores dentro do próprio porto ou, em alternativa, era colocada nos camiões, juntamente com a carga lícita, dessa forma seguindo para o seu destino; 6. Os motoristas dos pesados eram seleccionados ou abordados pelo arguido FF, a quem cabia também organizar o pagamento da quantia que lhes era prometida pelo transporte do estupefaciente até ao destino; 7. O arguido intermediava e/ou efectuava o pagamento, no último caso apenas depois de o dinheiro que a isso se destinava lhe ter sido entregue por membros da organização em que se inseriu e que não foi possível identificar; 8. Na execução das tarefas que lhe competiam no âmbito dessa actividade, aproveitando o exercício da sua actividade profissional, o arguido, na madrugada de 13 de Setembro de 2019, encontrava-se nas instalações do porto de ...; 9. Pelas 00h13m, saiu das referidas instalações, ao volante do automóvel que conduz habitualmente, com a matrícula ..-..-XV e voltou a entrar às 00h16m, ao volante de um veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-..-VV; 10. Ao volante desta carrinha dirigiu-se ao local onde estavam a ser carregados vários veículos pesados de mercadorias e imobilizou-a junto a uma galera pertencente à transportadora El...; 11. Após, e já conduzindo um empilhador, retirou do veículo pesado pelo menos uma palete carregada com caixas e colocou-a na carrinha; 12. Ao volante da carrinha, o arguido voltou a sair das instalações do porto, pelas 00h22m, regressando às 00h25m, ao volante do veículo com a matrícula ..-..-XV; 13. Pela 1h20m, o arguido voltou a sair das instalações do porto ao volante do veículo com a matrícula ..-..-XV e regressou à 1h24, desta feita conduzindo a já referida carrinha; 14. Dirigiu-se novamente ao veículo pesado de mercadorias de onde retirou outra palete que colocou uma vez mais na carrinha, fazendo uso do empilhador; 15. O arguido saiu novamente das instalações do porto, ao volante da carrinha, pela 1h51m; 16. No dia 20 de Outubro de 2019, utilizando o telefone com o número .......77, o arguido manteve uma conversa com GG, à data motorista da transportadora El..., em que este perguntou se na semana seguinte não havia nada; 17. O arguido respondeu que não; 18. No dia 30 de Outubro de 2019, utilizando o telefone com o número .......77, o arguido manteve uma conversa com o arguido HH, utilizador do número .......96, também motorista da transportadora El..., em que este perguntou se, naquela semana, não haveria nada; 19. O arguido respondeu “Dia 7”; 20. No dia 2 de Novembro de 2019, o arguido HH enviou uma mensagem escrita ao arguido FF, pedindo-lhe para ligar quando pudesse; 21. O arguido FF respondeu novamente “Dia 7”; 22. No dia 7 de Novembro de 2019, atracou no porto de ... o navio “...”, do qual foram descarregadas várias paletes com caixas de banana, destinadas à sociedade E........., com sede em ...; 23. Essas paletes foram carregadas em vários camiões, dois deles da transportadora “El...” com as matrículas ..-XG-.. e ..-XP-.., no dia 8 de Novembro de 2019, a partir das 16h; 24. Estes camiões eram conduzidos pelos arguidos HH e II; 25. No mesmo dia, pelas 18h, os arguidos HH e FF mantiveram uma conversa telefónica em que combinaram encontrar-se nas instalações do porto de ...; 26. O encontro serviu para FF entregar algo a HH, tendo este pedido instruções relativamente ao caminho a tomar, dizendo que tinha que ser rápido; 27. Cerca das 18h30m, os arguidos HH e FF mantiveram nova conversa telefónica, onde acordaram em levar dois reboques; 28. No decurso dessa conversa, o arguido HH disse que quando entregasse a primeira tinha que receber o dinheiro; 29. Ainda no mesmo dia, pelas 20h47m, os arguidos HH e FF mantiveram nova conversa telefónica, no decurso da qual o primeiro se queixa que a operação demorou muito tempo e que não lhe pagaram o combinado; 30. HH afirmou que apenas lhe entregaram € 50.000,00 em notas de € 20; 31. Também no mesmo dia, pelas 22h07m, os arguidos HH e FF mantiveram nova conversa telefónica, no decurso da qual o primeiro afirma que vai regressar ao local e pede ao segundo que providencie para que lhe seja paga a totalidade do valor que havia sido combinado, concretizando que se trata de 100 para cada um; 32. Nos dias 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 20, 21 e 29 de Novembro de 2019, o arguido FF manteve vários contactos telefónicos com os arguidos HH e II em que estes exigem o pagamento do que lhes foi prometido; 33. O arguido FF admitiu sempre que o dinheiro lhes era devido, afirmando, no entanto, que não podia efectuar o pagamento porque o valor não lhe havia sido entregue e não tinha como contactar as pessoas que o haviam prometido; 34. Em data não concretamente apurada, mas antes do dia 6 de Agosto de 2020, o arguido FF tomou conhecimento da chegada ao porto de ...de cocaína, no interior do contentor SEGU ....37-9; 35. Nessa sequência, e com vista a organizar a retirada da cocaína do contentor e do porto, os arguidos FF e AA, no dia 5 de Agosto, pelas 20h33m, iniciaram uma série de contactos telefónicos; 36. Em simultâneo, o arguido FF tentou persuadir JJ a contactar o motorista a quem seria entregue o contentor para fazer o transporte da carga lícita, a colaborar na tarefa a que se propunha, permitindo a abordagem do camião e abertura do contentor antes de chegar ao destino; 37. O arguido FF convenceu também KK, ... de profissão e a exercer as suas funções nas instalações do porto de ..., a ajudá-lo a abrir o contentor, dizendo-lhe que tinha uns amigos que queriam retirar a carga para não pagar o frete até ao ...; 38. Porém, JJ recusou-se a colaborar impedindo a concretização do plano inicialmente elaborado pelo arguido FF que, dessa forma, se viu forçado a alterar o seu modo de actuação; 39. No dia 6 de Agosto de 2020, pelas 15h23m, o arguido FF, utilizando o telefone com o número .......77, remeteu a LL, utilizador do número .......53, uma mensagem com o seguinte teor “SEGU ....37 -9 vê lá se é para ti?” 40. Às 11h42m do dia 7 de Agosto de 2020, o arguido FF encontrava-se no miradouro existente junto à Avenida ... em ..., no interior do automóvel com a matrícula ..-..-XV; 41. O referido miradouro situa-se vários metros a cima das instalações da T......, no porto de ..., permite o controlo das entradas e saídas do porto e propiciava a vigilância sobre o contentor identificado - como “SEGU ....37 -9”; 42. O arguido FF saiu do seu veículo e dirigiu-se ao automóvel com a matrícula AB-..-QI, onde se encontravam os arguidos AA, DD e CC; 43. Os arguidos conversaram entre si durante alguns minutos, sendo que no decurso dessa conversa, o arguido FF apontou várias vezes para as instalações da T......, concretamente para o local onde se encontrava o referido contentor; 44. Terminada a conversa, o arguido FF regressou ao seu automóvel, e todos abandonaram o local em direcção ao Bairro ...; 45. Cerca das 12h02m, o arguido FF encontrava-se junto a um café existente no final da Avenida ... em ..., onde conversava com MM, ... e seu colega no porto de ...; 46. Pelas 12h13m, FF abandonou o local ao volante do veículo com a matrícula ..-..-XV, MM abandonou também o local ao volante do veículo com a matrícula ..-GR-.., seguindo atrás do veículo com a matrícula ..-FF-.., conduzido pelo arguido DD; 47. Os automóveis separaram-se pouco depois, tendo MM seguido para as instalações da T...... em cujo parque de estacionamento deixou o veículo e entrado nas referidas instalações a pé; 48. O arguido FF seguiu em direcção à ... e o arguido DD manteve a circular nas ruas existentes entre o Bairro de ... e as instalações T......, efectuando dessa forma o controlo das entradas e saídas do porto de ...; 49. Pelas 13h20m, os arguidos CC, DD e AA encontravam-se junto à saída das instalações da T......, no interior do veículo com a matrícula AB-..-QI, numa posição de controlo dos veículos que dali saíam; 50. Pelas 14h25m, os arguidos AA e EE encontravam-se no interior do veículo com a matrícula ..-IN-.., na Avenida ..., mais uma vez em observação do já mencionado contentor que ainda se encontrava no porto de ...; 51. O veículo ..-IN-.. corresponde a um veículo ligeiro de mercadorias, marca Iveco; 52. Pelas 15h10m, o arguido EE encontrava-se, a pé, na Avenida ..., mantendo a observação do porto de ...; 53. Pelas 15h15m, o arguido CC encontrava-se junto à saída das instalações da T......, ao volante do veículo com a matrícula ..-FF-.., mais uma vez a efectuar o controlo dos veículos que de lá saíam; 54. Pelas 18h08, o automóvel com a matrícula ..-FF-.. encontrava-se estacionado junto ao antigo matadouro de ..., nas imediações do porto de ...; 55. Junto ao referido veículo encontravam-se os arguidos CC e DD, no interior do veículo com a matrícula AB-..-QI; 56. Pelas 18h05m, o arguido EE, retirou o veículo com a matrícula ..- IN-.. do local onde se encontrava e mencionado no ponto 50.º; 57. Pelas 18h10m, o veículo com a matrícula AB-..-QI passou, em velocidade não concretamente apurada, em frente à portaria do ..., em direcção às ...; 58. Pelas 18h20m, o arguido CC conduzia o veículo com a matrícula ..-FF-.., o arguido AA conduzia o veículo com a matrícula AB- ..-QI, e ambos estavam junto ao antigo matadouro de ...; 59. Volvidos pouco minutos, o arguido EE juntou-se aos dois arguidos acima referidos, ao volante da carrinha com a matrícula ..-IN-.., ficando assim todos em condições de iniciar o seguimento de qualquer veículo que saísse das instalações da T......; 60. Em momento não concretamente apurado, mas entre as 17h40m e as 18h30m, o contentou “SEGU ....37-9” foi colocado na galera com a matrícula BR..35 e esta foi acoplada ao tractor com a matrícula NN; 61. Pelas 18h30m, o veículo pesado de mercadorias composto pelo tractor e galera em cima mencionados, saiu do porto de ... em direcção às ...; 62. Pelas 18h32m, quando o veículo pesado acima mencionado se aproximou do antigo matadouro de ..., local onde se encontravam os arguidos, o arguido CC, ao volante do veículo com a matrícula ..-FF-.., entrou na estrada onde o mesmo seguia, em sentido oposto, com ele se cruzando; 63. Acto contínuo, os arguidos AA e DD, fazendo-se transportar no veículo com a matrícula AB-..-QI, entraram na estrada tomando o mesmo sentido que o veículo pesado de mercadorias e seguindo atrás do mesmo; 64. Imediatamente, o arguido EE, ao volante da carrinha com a matrícula ..-IN-.., entrou na estrada, seguindo atrás dos arguidos AA e DD e, em consequência, do veículo pesado de mercadorias; 65. Os arguidos seguiram o pesado de mercadorias durante todo o percurso que o mesmo realizou, sendo que o arguido CC se assegurou que nenhum outro veículo se aproximava do camião, realizando ultrapassagens e aumentando ou diminuindo a velocidade; 66. O veículo pesado seguiu em direcção à A12, onde entrou em direcção ao nó da A33, em direcção a Alcochete, após entrou no IC3 em direcção ao Porto Alto e daí tomou a Estrada Nacional 10 em direcção a Vila Franca de Xira; 67. Após entrou na A1 no sentido Norte, de onde saiu no nó do Carregado e tomou a Estrada Nacional 3 em direcção ao centro logístico da Azambuja; 68. Pelas 19h45m, o veículo pesado que transportava o contentor identificado chegou às instalações da sociedade designada M......., sitas no Centro Empresarial ..., Estrada Nacional 3, ... 69. Em simultâneo, chegaram os arguidos que acompanharam todo o percurso; 70. O arguido CC estacionou o automóvel com a matrícula ..-FF-.. numa rua sita nas imediações das instalações da M....... e juntou-se aos arguidos DD, EE, tendo-se todos dirigido para junto do armazém onde se encontrava o contentor, estando o arguido AA no interior da viatura Mercedes, do lado do pendura, que aqui se encontrava estacionado; 71. No interior das instalações os funcionários da referida sociedade, preparavam-se para dar início à abertura do contentor e respectivo carregamento; 72. No contentor encontravam-se várias paletes de banana, entre as quais estavam dissimuladas 328 placas de cocaína com o peso total de 330.635,4g, correspondentes a 1.313.450 doses individuais; 73. No interior do contentor estava ainda uma cópia do respectivo selo original com o n.º ...22 e quatro etiquetas com os dizeres “....95 Bacanol”, “....96 Bacanol”, “....97 Bacanol” e “....98 Bacanol”; 74. As cópias destinavam-se a substituir os selos originais depois de aberto o contentor e as paletes e retirada a cocaína; 75. Os arguidos preparavam-se para retirar do contentor as placas de cocaína e transportá-las em seguida para local desconhecido; 76. Os actos praticados pelos arguidos AA, DD e CC destinavam-se a apoderar-se da cocaína que se encontrava no contentor, se necessário, pela força ou fazendo uso autoridade dos arguidos DD ou CC, na qualidade de agentes da PSP; 77. Ao arguido EE, por ter a disponibilidade de um veículo de mercadorias, cabia o transporte da cocaína; 78. Os arguidos DD e CC, agentes da Polícia de Segurança Pública, encontravam-se munidos das armas de serviço que lhes foram distribuídas bem como da sua identificação enquanto agentes da referida força de segurança; 79. O arguido CC tinha consigo uma pistola semiautomática, marca Glock, com a inscrição “Força de Segurança”, número de série LSY.44 e municiada com um carregador contendo 12 munições 9mm; 80. Para além disso, tinha consigo o cartão policial Livre-Trânsito da Polícia de Segurança Pública com o nº ....95 e um crachá policial; 81. No automóvel com a matrícula ..-FF-.., o arguido tinha ainda um chapéu que compõe a farda da Polícia de Segurança Pública, azul, com a palavra “Polícia” e com a insígnia daquela força policial; 82. Tinha ainda um bastão extensível, um crachá em tecido com a insígnia da Polícia de Segurança Pública e uma lata de aerossol contendo capsaicina na sua composição, vulgarmente designado como gás pimenta; 83. O arguido DD tinha consigo uma pistola semiautomática, marca Glock, com a inscrição “Força de Segurança”, número de série MCU.69, o cartão policial livre-Trânsito da Polícia de Segurança Pública com o nº AA e uma cópia do crachá policial; 84. A arma de fogo encontrava-se municiada com um carregador contendo 12 munições 9mm; 85. Tinha ainda consigo um cinturão de uso policial, do qual faz parte o coldre para arma de fogo, uma lata de aerossol com gás irritante, um par de luvas, um porta algemas, um par de algemas, um suporte de lanterna, uma lanterna, um suporte de carregador de arma de fogo e um carregador de arma de fogo, contendo 12 munições 9mm; 86. O arguido tinha ainda consigo um envelope no qual se encontrava manuscrita a frase “Levo 2 carros?? Ou 1 e amanhã levas o moço?”; 87. No interior do veículo com a matrícula AB-..-QI, o arguido AA guardava um pedaço de papel no qual se encontrava manuscrita a anotação “SEGUAA”; 88. Quis o arguido FF fazer transitar grandes quantidades de cocaína a partir do porto de ..., bem como organizar o respectivo transporte angariando quem o fizesse, o que fez; 89. Quis também o arguido proporcionar aos arguidos AA, EE, CC e DD, o acesso à cocaína que chegou ao porto de ..., o que fez; 90. Quiseram os arguidos AA, EE, CC e DD receber a cocaína que chegou ao porto de ...; 91. Com esse objectivo, quiseram os arguidos, conjuntamente e prosseguindo o mesmo objectivo, supervisionar a saída da cocaína do porto de ... e acompanhar o respectivo transporte até ao destino, o que fizeram, para se apoderarem da mesma; 92. Sabiam todos os arguidos que fazer transitar, receber, transportar ou proporcionar cocaína a outrem é legalmente proibido e, ainda assim, actuaram do modo descrito. Dos antecedentes criminais: 93. Do certificado do registo criminal do arguido II nada consta; 94. O arguido AA tem averbada no seu certificado de registo criminal uma condenação pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de boletins, actas ou documentos, praticados em 2015, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 08.05.2017, no âmbito do Proc. n.º 2628/15.5..., que correu termos no Juízo Local Criminal de ..., Juiz 1, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período e de 170 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, no total de €935,00; 95. O arguido EE tem averbada no seu certificado de registo criminal uma condenação pela prática de um crime de abuso de confiança, praticado em 30.05.2013, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 17.12.2019, no âmbito do Proc. n.º 510/14.2..., que correu termos no Juízo Local Criminal de ..., ... 3, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período; 96. Do certificado do registo criminal do arguido CC nada consta; 97. Do certificado do registo criminal do arguido DD nada consta; 98. O arguido HH tem averbada no seu certificado de registo criminal uma condenação pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado em 12.07.2017, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 03.05.2018, no âmbito do Proc. n.º 310/17.8..., que correu termos no Juízo Local Criminal ..., na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, num total de € 480,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses; 99. Do certificado do registo criminal do arguido II nada consta; (…) 101. Das condições económicas, pessoais, familiares e sociais do arguido AA: À data dos factos, o arguido vivia sozinho numa casa arrendada na ..., concelho de ..., localidade onde sempre viveu e onde ainda vivem os progenitores. Entre Agosto de 2020 e Outubro de 2021, esteve sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, no âmbito do presente processo. Após o período de reclusão, ficou a viver com os pais, já reformados, situação que perdura até ao presente. Esta mudança residencial deveu-se à necessidade de prestar apoio e assistência aos pais, de 74 e 71 anos, que ficaram bastante afetados emocionalmente enquanto esteve preso. O relacionamento do arguido com a família de origem pais e irmã é descrito como muito próximo e de grande partilha afectiva, quer no passado, como na actualidade. A recente integração do arguido no agregado dos progenitores veio reforçar a união intrafamiliar, representando o arguido um importante alicerce, afectivo e económico, da estabilidade familiar. Integra ainda periodicamente o agregado a filha do arguido, de 15 anos de idade, relativamente à qual partilha as responsabilidades parentais. No que toca à situação residencial, o agregado habita num apartamento adquirido pelos progenitores à Câmara Municipal de ..., com recurso a crédito bancário. Encontra-se localizado numa zona de habitação social, sem especiais problemáticas sociais/criminais. O arguido abandonou os estudos durante da frequência do 9.º ano, aos 15 anos de idade, devido ao facto de ser jogador profissional de futebol e de não estar motivado para os estudos. Aos 15 anos ingressou no mercado de trabalho no sector das pescas e do comércio de peixe, prosseguindo a profissão do pai. Aos 18 anos, abriu uma empresa em nome individual e, desde então, trabalha como empresário no comércio de pescado. À data dos factos constantes dos autos, em Agosto de 2020, o arguido era sócio-gerente da empresa “I..., Lda ”. O percurso laboral de AA caracteriza-se por continuidade e estabilidade. No que tange à sua situação económica à data, era idêntica à actual. Como empresário, os seus rendimentos não são fixos. Acrescem os lucros e o património da empresa, que tem escritório, armazém e câmaras frigoríficas na zona industrial de ... e, ainda, 3 viaturas. Tem encargos com pessoal, 3 trabalhadores. Para além dos rendimentos do arguido, o agregado conta também com a pensão de reforma do progenitor, no valor de 600€/mês. Os principais encargos fixos são a prestação da casa de 200€ mensais, assumida pelo arguido e as despesas com a filha menor. Neste contexto, não se identificam necessidades económicas significativas, constituindo o arguido um importante contributo para a economia familiar. Quanto aos 14 meses em que esteve sujeito a prisão preventiva, o arguido assinala o profundo impacto que essa situação de privação de liberdade teve na filha e, principalmente, nos seus progenitores, que necessitaram de acompanhamento em saúde mental. Por outro lado, também a situação profissional foi afectada, tendo a actividade da empresa sido assegurada pelo cunhado e pelos empregados. O arguido beneficia de um adequado enquadramento sócio familiar, caracterizado por sólidos vínculos afectivos e sentimentos de entreajuda. O arguido demonstra hábitos de trabalho e investimento na actividade profissional, que lhe tem proporcionado uma melhoria de qualidade de vida para si e para a família. Apresenta um percurso laboral contínuo no sector das pescas e comércio de pescado. O arguido revela uma adequada percepção dos normativos sociais e legais vigentes, bem como noção da gravidade do ilícito e do valor do bem jurídico em causa no presente processo. Vive com os pais, aufere ordenado de cerca de €2000,00 mensais e contribui para as despesas do agregado familiar em € 240,00 com a renda de casa, € 150,00 com as despesas de fornecimento de água, luz e gás e € 300,00 com as despesas incorridas pela sua filha menor. (…) (ii) FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão da causa, não resultou provado o seguinte facto: a. Quiseram os arguidos HH e II transportar cocaína, sob a orientação do arguido FF e mediante o pagamento de uma contrapartida em dinheiro, o que fizeram. * Os demais factos constantes da Acusação Pública/Pronúncia são conclusivos, constituem matéria de direito ou não têm relevância para a boa decisão da causa. 10. Direito Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP). Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º Analisadas as conclusões do recurso do acórdão da Relação de Lisboa apresentado pelo arguido AA para o STJ - que apesar de extensas e não cumprirem integralmente o estabelecido no art. 412.º, n.º 1, do CPP, quanto ao seu significado, como resumo do pedido - percebe-se que, em síntese, coloca as seguintes questões: 1ª- nulidade do acórdão da Relação impugnado, por omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, concretamente sobre a invocada necessidade de realização de diligência que o recorrente entendia ser fundamental para a descoberta da verdade material e sobre alegadas inconstitucionalidades; 2ª- nulidade do acórdão da Relação impugnado, por omissão do dever de fundamentação quanto a questões que foram colocadas e sobre as quais não se pronunciou, o que na perspetiva do recorrente também conduz à inconstitucionalidade da própria decisão recorrida; 3ª- ter o acórdão da Relação impugnado efetuado uma errada valoração da prova, com violação do disposto no art. 127.º do CPP e ter igualmente violado o princípio in dubio pro reo, bem como as garantias de defesa consagradas no art. 32.º da CRP (razão pela qual deve ser revogado o acórdão recorrido, absolvido o recorrente ou, se assim não for entendido, deve então ser-lhe fixada uma pena menos gravosa). 10.1. Apreciação Compulsado o teor do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sob recurso verifica-se que o mesmo analisou e decidiu (além do mais), as questões que lhe foram colocadas pelo recorrente (e que este, em parte volta a colocar no recurso para o STJ, para além de colocar ainda questões novas, o que também não pode ser) e, além de confirmar parcialmente a decisão da 1ª instância, decidiu favoravelmente ao arguido, quando baixou a pena que lhe aplicou pelo crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado em coautoria. Com efeito, no acórdão da Relação foram apresentadas as diversas questões colocadas nos diferentes recursos apreciados (sendo parte delas, as que eram comuns aos diversos recursos, analisadas conjuntamente e, as restantes, que foram colocadas de forma individualizada, apreciadas separadamente), entre elas as apresentadas pelo recorrente AA, a saber: - nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação; - nulidade da decisão por omissão de diligência probatória; - nulidade do acórdão recorrido por verificação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, alínea c) do Cód. Proc. Penal; - violação do princípio in dubio pro reo; - qualificação jurídica dos factos apurados; - tentativa e desistência; - medida da pena; - suspensão da execução da pena de prisão. Pois bem. A decisão do TRL ora em análise resultou da procedência parcial do recurso interposto pelo aqui recorrente da decisão da 1ª instância, no qual foram analisadas e decididas as questões acima referidas, colocadas pelo recorrente. Lendo o acórdão do TRL impugnado verifica-se, que, para além da confirmação da decisão de culpabilidade (sem haver qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto e da decisão relativa ao enquadramento jurídico-penal dos factos apurados), houve um duplo juízo condenatório quanto às questões colocadas no recurso, sendo certo que foi confirmada in mellius pela Relação, a pena que lhe foi imposta (que baixou de 8 anos de prisão aplicada pela 1ª instância para 7 anos e 6 meses de prisão aplicada pela Relação) e foi mantido o mais decidido no acórdão condenatório (sendo apenas ainda alterado, quanto a ordem dada pela Relação de devolução de um relógio a outro arguido). No que respeita à pena aplicada ao aqui recorrente, a confirmação in mellius significa que a decisão da Relação confirma o acórdão da 1ª instância, beneficiando a situação do condenado. Esta tem sido, a jurisprudência unânime do STJ, já há vários anos, o que se coaduna com o conceito de “dupla conforme” ínsito ao art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, quando se tratam de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ªinstância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Aliás, como esclarece Eduardo Maia Costa, no acórdão de 26.02.2014 (proc. n.º 851/08.8TAVCT. G1. S1), “a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto.” E esta confirmação admite “a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado.”2 Isto significa que, visto o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível por confirmar nos termos referidos a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória3 e da legalidade) e, inclusivamente, ter reduzido a pena imposta ao recorrente para 7 anos e 6 meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes cometido em coautoria. Considerando o disposto no art. 400.º n.º 1, al. f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale assim para toda a decisão, considerando o quantum da pena em que foi condenado na Relação4. Com efeito, a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”. Do art. 400.º, n.º al. f), do CPP, resulta a irrecorribilidade dos “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”. Do exposto resulta não ser recorrível em mais um grau, o acórdão confirmatório in mellius aqui em questão, conforme decorre do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP. As nulidades do acórdão da Relação que agora o recorrente invoca “não constituem pressuposto de admissibilidade de recurso em mais um grau, para o Supremo Tribunal de Justiça. Não se podendo entender que a simples invocação de nulidade de um acórdão que a lei considera irrecorrível, transforme esse mesmo acórdão em decisão recorrível para este Supremo Tribunal. Com efeito, as nulidades do artigo 379.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPP, ou qualquer outra violação de norma procedimental da qual decorra nulidade da decisão, só podem ser conhecidas oficiosamente pelo STJ, se tiver de julgar recurso de acórdão da Relação que seja recorrível nos termos do disposto nos artigos 432º n.º 1 alínea b) e 400.º n.º 1 do CPP. A via de reação contra as nulidades imputadas ao acórdão da Relação que não seja recorrível é a arguição perante o próprio tribunal que proferiu a decisão visada.”5 Portanto, não pode o recorrente pretender uma terceira apreciação das questões colocadas nesta ação penal (v.g. no que se relaciona com a reapreciação da respetiva matéria de facto, erro notório na apreciação da prova, errada avaliação da prova, violação da livre apreciação da prova, violação do in dubio pro reo, omissão de diligências de prova que considera essenciais, falta ou deficiente fundamentação, erro na condenação, erro na qualificação jurídica), nos casos em que há limitações legais. A repetição de questões e argumentação que estão já definitivamente decididas, por haver “dupla conforme” não impõem, nem levam à sua reapreciação, nem fazem ressuscitar um direito ao recurso que não existe. Com efeito, o acórdão da Relação de Lisboa é definitivo quanto às questões que apreciou e que o recorrente volta a colocar (sob diversas formas) no recurso para o STJ (uma vez que se verifica o condicionalismo previsto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP). Assim, as questões de facto, as questões processuais, as questões de direito, as questões de constitucionalidade suscitadas nesse âmbito em que não é admissível o recurso para o STJ, porque já foram decididas definitivamente pela Relação, não podem ser conhecidas, nem sindicadas por este Supremo Tribunal. A admissão do recurso pela Relação não vincula este STJ (art. 414.º, n.º 3, do CPP). Assim, rejeitado o recurso para o STJ, igualmente é inadmissível o requerimento formulado do seu julgamento em audiência (art. 411.º, n.º 5, CPP), uma vez que este pressuporia a admissão e conhecimento do recurso por este Tribunal, o que não sucede, como se viu. Em suma: rejeita-se o recurso, por inadmissibilidade legal, o que inclui o requerimento do seu conhecimento em audiência (face ao disposto nos arts. 399º, 400º, n.º 1, al. f), 432º, n.º 1, al. b), 420º, n.º 1, al. b), e 414º, n.ºs 2 e 3, do CPP). * III - Decisão Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: - rejeitar o recurso do arguido AA, por inadmissibilidade legal (face ao disposto nos arts. 399º, 400º, n.º 1, al. f), 432º, n.º 1, al. b), 420º, n.º 1, al. b), n.º 3, e 414º, n.ºs 2 e 3, do CPP); Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC`s, sendo ainda condenado a pagar a importância de 5 UC`s nos termos do art. 420.º, n.º 3, do CPP. * Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos. * Supremo Tribunal de Justiça, 11.09.2024 Maria do Carmo Silva Dias (Relatora) Horácio Correia Pinto (Adjunto) Antero Luís (Adjunto) _______
1. Transcrição, mas sem negritos, nem itálicos. 2. Entre a variada jurisprudência, destacam-se, os acórdãos do STJ de 24.11.2022, relatado por Helena Moniz e de 30.11.2022, relatado por Lopes da Mota. Como se assinala neste último citado acórdão “Em jurisprudência firme, tem o Tribunal Constitucional sublinhado que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição», isto é, de «um duplo grau de recurso», «em relação a quaisquer decisões condenatórias» (cfr. por exemplo, os acórdãos 64/2006, 659/2011 e 290/2014 do TC; assim, nomeadamente, os acórdãos de 9.10.2019 cit., de 14.03.2018, ECLI:PT:STJ:2018:22.08. 3JALRA.E1.S1.48 e de 12.12.2018, Proc. 211/13.9GBASL.E1.S1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_ sumarios _ 2018.pdf, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12).” 3. O juízo confirmativo garante o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art. 32.º, n.º 1 da CRP, não havendo, assim, violação do direito ao recurso, nem tão pouco dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP). 4. Ver Ac. TC (Plenário) n.º186/2013, acessível no site do Tribunal Constitucional. O mesmo entendimento é seguido, por exemplo, nos Ac. do TC n.º 212/2017 e n.º 599/2018. 5. Neste sentido, entre outros, decisão do Vice-Presidente do STJ (Nuno Gonçalves) de 3.08.2023, nos autos de reclamação (art. 405.º CPP) n.º 189/19.5JELSB.L1-A.S1. |