Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1644/15.1PBVIS-B.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CELSO MANATA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
AMNISTIA
PRESSUPOSTOS
PRAZO
TEMPESTIVIDADE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 10/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
O recurso de fixação de jurisprudência que não seja interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado da última decisão, deve ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:

A – Relatório

A.1. AA, condenado no âmbito do processo comum 16.../15... que correu termos no Juízo Local Criminal de..., requereu junto desse mesmo tribunal “que se aplicasse à sua pena, a redução de um ano, p. e. p. no artigo 3, nº1, nº1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, ao abrigo do artigo 2º da mesma Lei, dado que, à data da prática dos factos, o mesmo tinha 30 anos, 3 meses e 21 dias, estando dessa forma, abrangido pela norma em questão”, pretensão que foi indeferida.

Inconformado com essa decisão de indeferimento, dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra o qual, através de decisão proferida a 10 de abril de 2024, manteve a decisão da primeira instância.

Continuando inconformado, vem agora interpor o presente recurso de fixação de jurisprudência o que faz nos seguintes termos: (transcrição integral):

“I DE FACTO

1 – AA, condenado nos autos acima indicados, pelo crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 2093º e 204º do Código Penal, requereu junto do tribunal da Primeira Instância, para que se aplicasse à sua pena, a redução de um ano, p. e. p. no artigo 3, nº1, nº1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, ao abrigo do artigo 2º da mesma Lei, dado que, à data da prática dos factos, o mesmo tinha 30 anos, 3 meses e 21 dias, estando dessa forma, abrangido pela norma em questão.

2 – Entendeu o Tribunal da Primeira Instância, indeferir o pedido do Requerente, no requerimento interposto.

3 – Não se conformando com tal decisão, interpôs o Requerente, recurso da decisão para o Douto Tribunal da Relação de Coimbra, alegando em síntese, que o artigo 2º da referia Lei, deveria ser entendido na sua delimitação subjectiva, que é aplicável a todas as pessoas que já tinha perfeito 30 anos, independentemente de, se ter 30 anos e um dia ou de se ter 30 anos e 364 dias.

4 - Quando instado a pronunciar-se sobre a decisão da 1ª instância, decidiu o Douto Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão da 1ª Instância, porquanto entendeu o Douto Tribunal, que não se aplicaria ao aqui Recorrente a norma supra indicada, em virtude de que à data da prática dos factos, o arguido tinha mais de 30 anos. Mais concretamente, 30 anos, 3 meses e 21 dias e que de acordo com a sua interpretação, a norma só se aplica a pessoas entre os 16 anos até aos 30 anos (sem, contudo, explicitar na sua fundamentação, qual a delimitação subjectiva no seu limite máximo), excluindo assim com o seu entendimento, quem já teria mais de 30 anos, à data de prática de actos criminosos.

5 – A decisão do Douto Tribunal da Relação de Coimbra, não foi unânime, tendo a Veneranda Juíza Desembargadora Exma. Dra. Rosa Pinto, opinião contrária, com voto de vencido, não perfilhando o mesmo entendimento dos restantes Venerandos Juízes Desembargadores do colectivo que proferiu a decisão.

6 - Entendeu a Meritíssima, que de facto, o aqui Recorrente, deve beneficiar do perdão da pena, consagrado no artigo 3º da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, ao abrigo do artigo 2º, nº1 da mesma Lei, acompanhando assim a decisão unânime do Tribunal da Relação de Évora, sobre a mesma questão.

7 – Dado que, o Douto Tribunal da Relação de Évora, quando foi chamado a pronunciar-se sobre a mesma questão - a saber, se o artigo 2º da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, era aplicável às pessoas que à data da prática dos factos, já terem perfeito 30 anos – pronunciou-se favoravelmente, em sentido inverso da decisão do Douto Tribunal da Relação de Coimbra.

8 – Ora, aqui chegados, estamos perante um cenário em que sobre a mesma questão: Determinar se o artigo 2º, nº1 da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, é aplicável a todas as pessoas desde os 16 anos até aos 30 anos inclusive (até perfazerem 31 anos) existe um CONFLITO DE JURISPRUDÊNCIA, em virtude das decisões contraditórias nos tribunais superiores, no que diz respeito à delimitação subjectiva da norma em crise.

9 – Por um lado, o Douto Tribunal da Relação de Évora (Acórdão 19.19.8GASTC-E.E1 de 06 de Fevereiro de 2024, transitado em julgado 13 de Março de 2024), entende que a norma é aplicável a todas as pessoas que tenham praticado ilícitos criminais até perfazerem os 31 anos de idade e por outro, o Douto Tribunal da Relação de Coimbra (Acórdão 644/15.1PBVIS-A.C1 de 10 de Abril de 2024, transitado em julgado a 15 de Maio de 2024 do qual se recorre), que entende em sentido contrário, afirmando que, a norma é apenas aplicável às pessoas desde os 16 até aos 30 anos de idade (com as dúvidas que subsistem na sua fundamentação, relativa à sua delimitação subjectiva), pelo que o Recorrente, por ter 30 anos, 3 meses e 21 dias à data da prática dos factos, não pode beneficiar dela.

II - DO DIREITO

1 - Entende o Recorrente que interpretação feita pelo Douto Tribunal da Relação de Évora, é a que melhor exprime a vontade do Legislador, correspondendo ao espírito da Lei, que determina que a dita “Lei da Amnistia” se aplica aos jovens, entre os 16 e os 30 anos, entendendo- se que inclui todas as pessoas com 30 anos até perfazerem os 31 anos de idade.

2 – Ainda que o Recorrente pudesse lançar mão da mesma fundamentação utilizada no Recurso interposto ao Douto Tribunal da Relação de Coimbra, tem o mesmo a humildade em reconhecer que, outras pessoas mais capazes, expressaram a mesma opinião, de forma mais cabal que a sua, pelo que, vem dar voz às opiniões dissonantes da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra.

3 – Nas palavras da Veneranda Juíza Desembargadora Dra. Rosa Pinto, que votou vencida na Decisão da Relação de Coimbra e que cita a decisão da Relação de Évora, que subscrevemos na sua totalidade: “Neste particular acompanho a jurisprudência da Relação de Évora, mormente ado Ac. de 6.2.2024, onde se afirma que: “A referência constante do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto, “por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”, considerando todo o elemento literal da normação em causa e, bem assim, o pensamento legislativo que lhe é inerente, não afasta o patamar dos 30 anos de idade, antes o inclui.

Com efeito, enquanto a idade do agente se mantiver nos 30 anos, ao que se entende, está dentro desse limite/marco, pois, ao que se pensa, o legislador não usou a preposição “até” - que, efetivamente, fixaria o limite/espaço para além do qual se não pode ir- nem afastou quem tivesse já 30 anos de idade (usando uma forma excludente, como cristalinamente o fez no D.L. nº 401/82, de 23 de setembro - Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes -, no seu artigo 1º, nº 2, onde se plasma que “é considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos”).

Tem-se 30/40/50 anos de idade no espaço temporal de 12 meses, desde a data que os atinge, até perfazer 31/41/51, sendo que é isto que parece advir da normalidade da vida quotidiana. Há, assim, que considerar que, no campo de abrangência do dispositivo em ponderação, cabe o universo de condenados que tenham 30 anos e enquanto os tiverem, medidos em tempo de 365 dias nesse estatuto/marco, à data da prática dos factos”. Acórdão 19/19.8GASTC-E.E1 do Tribunal da Relação de Évora.

4 - Concluindo a Meritíssima Juíza Dra. Rosa Pinto com palavras suas, cimentando a fundamentação da sua decisão, as quais subscrevemos igualmente na íntegra: “Como se refere no artigo 9º, nº 1, do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Na Exposição de motivos da Proposta de Lei nº 97/XV/1.ª refere-se que: “Uma vez que aJMJabarcajovensatéaos30 anos, propõe-seumregimedeperdão depenas deamnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ”. Se é certo que a redacção deste parágrafo não é clara e pode dar aso a várias interpretações, a verdade é que do mesmo ressalta que a idade limite das JMJ é a dos 30 anos.

Não o momento em que se perfaz os 30 anos, mas enquanto se mantiver essa idade, que acontece até se perfazer 31 anos. Do mesmo modo, o regime de perdão de penas e de amnistia terá o mesmo limite temporal. Tanto pelo elemento literal mas principalmente pelo histórico, pelo pensamento legislativo, discorda-se da posição tomada no presente acórdão.”

5 - Posto isto, ter-se-á de admitir inequivocamente que se deve interpretar a norma, no sentido do que a mesma abrange as pessoas com 30 anos até perfazerem os 31 anos.

6 - Se o legislador quisesse excluir quem tivesse mais de 30 anos, tê-lo-ia dito explicitamente, como o fez na Lei Tutelar Educativa, onde estatuiu no artigo 5º:

A execução das medidas tutelares pode prolongar-se até o jovem completar 21 anos, momento em que cessa obrigatoriamente.

7 - Com a delimitação na norma acima, o legislador exclui todas as pessoas com mais de 21 anos e um dia.

8 - Se fosse intenção do legislador, excluir todas as pessoas com mais de 30 anos, então certamente, teria legislado no mesmo sentido da LTE. O que não o fez.

9 - O próprio Conselho Superior de Magistratura, quando emitiu o seu parecer ao Parlamento sob a Proposta de Lei 97/XV/1, considerou como pacífico que a norma se aplique a quem tem 30 anos inclusive, conforme se depreende no seu parecer, quando questionado da constitucionalidade da norma, para pessoas com mais de 30 anos, a saber, pelo menos 31 anos e não 30 anos e três ou quatro meses: “Se é fácil legitimar constitucionalmente que a lei sob escrutínio não abranja infracções futuras ou englobe somente as praticadas até as 00:00 horas do dia 19 de junho de 2023, afigura- se-nos, ao invés, impossível de descobrir um motivo constitucional que seja para que uma pessoa de 31, 40 ou 70 anos de idade à data da prática do facto fique arredada dos benefícios do perdão e da amnistia.”

CONCLUSÕES DE DIREITO:

i. Entende o Recorrente, que a correcta interpretação do artigo 2º, nº1, da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, deverá ser entendida de que a sua delimitação subjectiva, seja no sentido da aplicabilidade da norma a todas as pessoas desde os 16 anos de idade, até perfazerem os 31 anos de idade.

Por tudo o acima exposto, nestes termos do Direito, deverá o Douto Supremo Tribunal de Justiça:

A) Conceder provimento ao recurso interposto pelo aqui Recorrente, pronunciando-se favoravelmente à aplicabilidade do artigo 2º, nº1 da referida Lei a todas as pessoas, desde os 16 anos até perfazerem os 31 anos de idade, fixando assim jurisprudência sobre a questão em apreço.

B) Determinar que o Tribunal da 1ª Instância, tome os procedimentos necessários ao regime consagrado, ao abrigo dos artigos 2, nº1, 3, nº1 e 14º da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, de forma a que seja aplicado o perdão de 1 ano de prisão ao arguido condenado AA, aqui Recorrente, fazendo-se a mais inteira JUSTIÇA.”

A.2. Resposta do Ministério Público

A.2.1. No Tribunal da Relação de Coimbra

O Ministério Público junto do aludido Tribunal da Relação de Coimbra apresentou resposta, que concluiu nos seguintes termos (transcrição integral):

“III - Conclusões:

1. Ora, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende do preenchimento de requisitos formais e de requisitos materiais, que se extraem dos artigos 437.º e 438.º do CPP.

2. Não há dúvidas que o arguido AA tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (art. 437.º, n.º 2 e n.º 5, do CPP) dado o seu interesse em agir.

3. Nos termos do disposto no artigo 438º n.º 1 do Código de Processo Penal, o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

4. O acórdão proferido em último lugar é aquele que foi proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito dos presentes autos, onde o arguido apresenta o recurso.

5. Alega o arguido recorrente que esse mesmo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 10.04.2024, transitou em julgado em 15 de maio de 2024 e assim está em tempo para dele decorrer.

6. No entanto, não estamos de acordo com a data indicada da data do trânsito em julgado.

7. O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito dos presentes autos, foi proferido em 10.04.2024, e nessa data notificado ao Ministério Público e mandatário do arguido recorrente.

8. O que importou que a notificação do mandatário do arguido recorrente se presumisse efetuada apenas no dia 15.04.2024 (terceiro dia útil posterior ao envio, sendo não útil, e assim, primeiro dia útil a seguir a esse - - 3º dia é sábado - 13.04.2024 -15.04.2024 primeiro dia útil a seguir a esse - segunda-feira - cfr. artigo 138.º n. 2 do CPC) – cf. artigos 138.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 104.º do Código de Processo Penal e artigo 113.º, n.º 11 e 1 al. b) e n. º 2 também do Código de Processo Penal) - veja-se a notificação constante do apenso sob a referência 11332248 de 10.04.2024.

9. O acórdão recorrido/recorrível transitaria – como veio a transitar, por não admitir recurso ordinário – apenas depois de decorridos 10 dias após aquela data de 15.04.2024 (cf. artigos 105.º, n.º1 e 380.º, ex vi artigo 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal),ou seja, no dia 26.04.2024 (sexta-feira - dia útil seguinte ao termo do prazo) - cf. artigos 103.º, n.º 1 e 2, alínea a), e 104.º,n.º 2, do Código de Processo Penal e 138º n.º 2 do CPC-

10. Sendo o prazo de interposição deste recurso extraordinário o de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, tal prazo só começaria a contar após o fim do prazo assinalado (10 dias), atingidos em 27.04.2024 (primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo - segunda-feira - cf. artigo 138º n.º 2 do CPC), cujo termo era 27.05.2024.

11. Nãotendo sido invocado justo impedimento, o recurso ainda podia tersido interposto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa (arts. 107.º, n.ºs 2 e 5, e 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), o que significa que o recurso podia ter sido apresentado até 31 de maio de 2024 (sexta-feira- primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo - cf artigo138.º n.º 2 do CPC).

12. O recurso foi interposto em 11 de junho de 2024 - vide referência 6622917 de 11.06.2024.

13. É, por isso, manifesta a sua extemporaneidade.

14. Pronunciamo-nos pela inexistência de pressupostos formais e substantivos exigidos à admissibilidade do presente recurso extraordinário, devendo o recurso serrejeitado, termos das disposições conjugadas dos artigos 438.º, n.º 1, 440.º, n.º 3 e 4, e 441.º, n.º 1, 1ª parte, todos do Código de Processo Penal (cf. igualmente, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.12.2023, processo n.º 209/10.9TAGVA.C1.S1- D 5º Secção; de 25.05.2023, processo n.º 1420/11.0T3AVR-G1-M.S1 5º Secção).

A.2.2. Neste Supremo Tribunal de Justiça

Neste Alto Tribunal o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto emitiu proficiente parecer, nos seguintes termos (transcrição integral):

“AA, arguido condenado no âmbito do processo comum 16.../15..., do Juízo Local Criminal de ..., veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de maio de 2024, proferido no recurso penal 16.../15...-A.C1, alegando que o mesmo está em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de fevereiro de 2024, proferi-do no recurso 19.19.8GASTC-E.E1, quanto à interpretação do segmento «… por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto …» do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infra-ções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, ou seja, quan-to à questão de saber se a idade limite indicada no normativo «afasta o patamar dos 30 anos de idade ou se pelo contrário o inclui, até se perfazer os 31 anos de idade».

O recurso foi interposto em 11 de junho de 2024.

A Sra. procuradora da República no Juízo Local Criminal de ... respondeu ao recurso de forma qualificada e defendeu que o mesmo deve ser rejeitado em razão da sua extempora-neidade.

Partilhamos do mesmo entendimento.

Senão, vejamos.

Certifica-se na certidão do processo comum 16.../15... que o acórdão recorrido (acór-dão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de abril de 2024) foi notificado ao Ministério Público e ao defensor do arguido no dia 10 de abril de 2024. Independentemente de ter sido efetuada por via postal registada (como refere a Sra. procuradora da República na sua res-posta), ou por via eletrónica, a notificação do defensor do arguido presume-se ocorrida em 15 de abril de 2024 [art. 113.º, n.ºs 2, 12 e 13, do Código de Processo Penal (CPP)].

O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (art. 438.º, n.º 1, do CPP).

A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordiná-rio ou de reclamação [arts. 4.º do CPP e 628.º do Código de Processo Civil (CPC].

O acórdão recorrido, que confirmou o despacho proferido pelo Juízo Local Criminal de ... que indeferiu a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, requerida pelo arguido AA, não é passível de recurso ordinário (art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Não constando da certidão do processo comum 16.../15..., nem fazendo o recorrente qualquer menção a esse respeito, que tenham sido arguidas nulidades (arts. 105.º, n.º 1, 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) ou pedida a correção [arts. 105.º, n.º 1, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP) do acórdão recorrido ou que do mesmo haja sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional (art. 75.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de novembro), o trânsito em julgado veri-ficou-se em 26 de abril de 2024 (sexta-feira).

À vista do exposto, o prazo do recurso para uniformização de jurisprudência – recorde-se, 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – expirou em 27 de maio de 2024 (segunda-feira), embora o recurso pudesse ainda ter sido interposto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes, ou seja, até 31 de maio de 2024 (sexta-feira), mediante o pagamento imediato de uma multa (arts. 107.º, n.ºs 2 e 5, e 107.º-A do CPP e 139.º, n.º 5, do CPC).

Tendo-o sido em 11 de junho de 2024 é manifesta a sua extemporaneidade.

Donde que, acompanhando a posição da Sra. procuradora da República na 1.ª instância, se emita parecer no sentido da rejeição do recurso (art. 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP).”

A.2. Contraditório

Notificado deste parecer o arguido e ora recorrente não reagiu.

B - Fundamentação

B.1. Introdução

Com o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência não se pretendeu, prioritariamente, tratar do caso concreto, visando-se, sobretudo, numa atitude de muito maior alcance, evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica1.

Com efeito, através de uniformização da resposta jurisprudencial pretende-se dar um contributo de grande significado para a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais, assim se promovendo a igualdade, a certeza e a segurança jurídicas no momento de aplicar o mesmo Direito a situações da vida que são idênticas.

Na verdade, e conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 20222

“Trata-se de um recurso de carácter marcadamente normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade da aplicação do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei.

Constitui um mecanismo procedimental que visa tutelar, primacialmente, uma vertente objetiva de boa aplicação do direito e de estabilidade jurisprudencial3, firmando um determinado sentido de certa norma ou complexo normativo na sua aplicação a situações factuais idênticas.

Não está em causa a reapreciação da bondade da decisão (da aplicação do direito ao caso) proferida no acórdão recorrido (já transitado em julgado). Trata-se apenas de verificar, partindo de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa.”

Por outro lado, como se assinala no Acórdão de 19 de abril de 2017, também deste Supremo Tribunal,4 “o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excecional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objetivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

Do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”, obstando a que possa transformar-se em mais um recurso ordinário, contra decisões transitadas em julgado.

Exigência que se repercute com intensidade especial na verificação dos dois pressupostos nucleares: a oposição dos julgados; e a identidade das questões decididas. Entendendo-se que são insuscetíveis de «adaptação», que poderia pôr em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei5.

Mas também se repercute na constatação dos demais pressupostos substantivos e bem assim dos requisitos formais.

Como se referiu e é entendimento jurisprudencial uniforme6, a oposição, expressa, tem de aferir-se pelo julgado e não pelos fundamentos em que assentou a decisão.

E a questão de direito só será a mesma se houver identidade das situações de facto contemplados nas duas decisões7.”

B.2. Pressupostos formais e substanciais

B.2.1. Pressupostos substanciais

Os pressupostos substanciais estão fixados no artigo 437º do Código de Processo Penal, que estabelece o seguinte:

Artigo 437.º

(Fundamento do recurso)

1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 - Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 - O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.”

São, assim, pressupostos substantivos deste recurso extraordinário:

i. dois acórdãos do STJ tirados em processos diferentes;

ii. um acórdão da Relação que, não admitindo recurso ordinário, não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ;

iii. proferidos no domínio da mesma legislação;

iv. assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito.

E, como refere no seu acórdão de 9 de fevereiro de 2022 atrás citado, “na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os requisitos materiais ocorrem quando:

- as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;

- as decisões em oposição sejam expressas;

- as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões8.

A contradição das decisões definitivas (transitadas em julgado) tem de ser efetiva e explícita, não apenas tácita.

Os julgados contraditórios têm de incidir sobre a mesma questão de direito. Isto é, a mesma norma ou segmento normativo foi aplicada/o com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes.

Entende-se que assim sucede quando nos dois acórdãos foi decidida a mesma matéria de direito, “ou quando esta matéria constar de fundamentos que condicionam de forma essencial e determinante, a decisão proferida”9.

Têm de aplicar a mesma legislação. O que sucede sempre que, entre os momentos do seu proferimento, não se tenha verificado qualquer modificação legislativa com relevância para a resolução da questão de direito apreciada. A identidade mantém-se ainda que o diploma legal do qual consta a legislação aplicada não seja o mesmo10 ou, tendo sido alterado, a modificação não interfere com o sentido com que foi aplicada nas decisões conflituantes, nem veio resolver o dissídio interpretativo que grassava na jurisprudência dos tribunais superiores.

E julgar situações de facto idênticas, similares ou equivalentes quanto aos efeitos jurídicos produzidos. Mesmo que a diferença factual entre as duas causas, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá que tratar-se de diferenças que não interfiram com o aspeto jurídico do caso11.”

B.2.2. Pressupostos formais

Os pressupostos substanciais específicos12 estão fixados no nºs 1 e 2 do artigo 437º e no nº 5 do artigo 438º do Código de Processo Penal estabelece aquele o seguinte:

“Artigo 438.º

(Interposição e efeito)

1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”

São, então, pressupostos formais:

i. a legitimidade do recorrente;

(ii) o trânsito em julgado dos acórdãos conflituantes;

ii. interposição no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido;

(iv) a invocação, e junção de cópia, do acórdão fundamento;

(v) justificação, de facto e de direito, do conflito de jurisprudência.

Finalmente e de acordo com jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º5/2006, de 20 de abril de 200613, nesta fase do presente recurso, o recorrente não tem de indicar o sentido da jurisprudência a fixar.

B.3. O caso concreto - a (in)tempestividade do recurso

Antes de mais importa apurar se o recurso foi apresentado tempestivamente.

Como atrás se referiu, nos termos do disposto no artigo 438º, nº 1 do Código de Processo Penal, o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar “

Ora,

De acordo com certidão junta aos autos, o suprarreferido acórdão do Tribunal da Relação de Évora (acórdão fundamento) transitou em julgado a 13 de março de 2024.

Quanto ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (acórdão recorrido) o mesmo foi notificado ao Ministério Público e ao defensor do arguido no dia 10 de abril de 2024.

Assim e como bem refere o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça:

“A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação [arts. 4.º do CPP e 628.º do Código de Processo Civil (CPC].

O acórdão recorrido, que confirmou o despacho proferido pelo Juízo Local Criminal de ... que indeferiu a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, requerida pelo arguido AA, não é passível de recurso ordinário (art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Não constando da certidão do processo comum 16.../15..., nem fazendo o recorrente qualquer menção a esse respeito, que tenham sido arguidas nulidades (arts. 105.º, n.º 1, 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) ou pedida a correção [arts. 105.º, n.º 1, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP) do acórdão recorrido ou que do mesmo haja sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional (art. 75.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de novembro), o trânsito em julgado veri-ficou-se em 26 de abril de 2024 (sexta-feira).

À vista do exposto, o prazo do recurso para uniformização de jurisprudência – recorde-se, 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – expirou em 27 de maio de 2024 (segunda-feira), embora o recurso pudesse ainda ter sido interposto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes, ou seja, até 31 de maio de 2024 (sexta-feira), mediante o pagamento imediato de uma multa (arts. 107.º, n.ºs 2 e 5, e 107.º-A do CPP e 139.º, n.º 5, do CPC).

Tendo-o sido em 11 de junho de 2024 é manifesta a sua extemporaneidade.”

Acompanhamos integralmente este raciocínio razão pela qual também concluímos que o presente recurso é manifestamente extemporâneo.

Em conclusão:

O recurso deve ser liminarmente rejeitado, não fazendo sentido prosseguir na sua apreciação.

E a tal não se opõe o facto de ter sido admitido em primeira instância, pois essa decisão não vincula este Tribunal (artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal aplicável ex vi artigo 448º do mesmo diploma legal).

* *

Das custas processuais:

Impõe-se a condenação do recorrente nos termos previstos nos artigos 513º, 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 5, do Regulamento das Custas Processuais.

A taxa de justiça individual será fixada em 3 UC's, nos termos da Tabela III anexa àquele Regulamento.

A rejeição do recurso implica ainda a condenação da recorrente no pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC (que não são meras custas judiciais, tendo natureza sancionatória), por força do disposto no artigo 420º, nº 3, do Código de Processo Penal, também ele aplicável ex vi artigo 448 do mesmo diploma legal.

Atendendo, por um lado, à reduzida complexidade do objeto da decisão e, por outro, às clamorosas insuficiências técnicas evidenciadas no recurso, considera-se ajustado fixar essa importância em 6 (seis) unidades de conta.

* *

3 – Dispositivo

Pelos motivos concretizados na fundamentação que antecede:

a) Rejeita-se o recurso interposto pelo arguido AA, por inadmissibilidade legal (face ao disposto nos arts. 438.º, n.º 1 e 441.º, n.º 1, 1ª parte, do CPP); e

b) Condena-se o recorrente no pagamento de 3 (três ) unidades de conta de taxa de justiça e na quantia de 6 (seis) unidades de conta ao abrigo do estatuído no nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal aplicável ex vi artigo 448º do mesmo diploma legal.

Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada

(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

Os Juízes Conselheiros,

Celso Manata (Relator)

Jorge Bravo (1º Adjunto)

Jorge Gonçalves (2º Adjunto)

________________

1. Ac. STJ de 23/07/2016, proc n.º 2023/13.0TJLSB.S1 in www.dgsi.pt↩︎

2. Proc 2004/19.0PAVNG.P1-A.S1 in www.dgsi.pt↩︎

3. Ac. n.º 75/2020 do Tribunal Constitucional, www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200075.↩︎

4. Proc. 175/14.1GTBRG.G1-A.S1 in www.dgsi.pt↩︎

5. Ac. STJ de 6/4/2016, Proc. 521/11.0TASCR.L1-A.S1↩︎

6. Ac. STJ de 11/01/2017, proc. 133/14.6T9VIS.C1-A.S1, www.dgsi.pt.↩︎

7. Neste sentido Ac. STJ de 12/1/2017, proc. 427/13.GAARC.P1-A.S1, www.dgsi.pt/jstj.↩︎

8. Ac. STJ, de 9-10-2013, 3ª secção proc. 272/03.9TASX, in www.dgsi.pt/jstj.↩︎

9. Miguel Teixeira de Sousa, Sobre a constitucionalidade da conversão do valor dos assentos - apontamentos para uma discussão, 1996, pág. 56↩︎

10. M. Teixeira de Sousa, ob. e loc. cit.↩︎

11. Ac. STJ de 28-05-2015, 5ª secção, proc. 6495/12.2TBBRG.G1-A.S1, in www.dgsi.pt/jstj.↩︎

12. No sentido de que, a estes requisitos específicos, acrescem os requisitos formais gerais de qualquer recurso↩︎

13. Publicado no Diário da República, I Série-A, de 6 de junho de 2006↩︎