Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4/20.7GDMFR.L1-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
ACÓRDÃO RECORRIDO
TRÂNSITO EM JULGADO
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
PRAZO DE ARGUIÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. A admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação da existência de um conjunto de pressupostos de natureza formal e de natureza substancial.

II. Verificam-se os pressupostos de natureza formal quando, além do mais, a interposição do recurso tenha lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) e se verifique o trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito.

III. Constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal a de que, por aplicação subsidiária do CPC, as decisões judiciais consideram-se transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º do CPC).

IV. No caso de decisões que não admitam recurso, o trânsito verifica-se (a) findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção (artigos 379.º, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP), ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 105.º do CPP, em caso de não arguição ou de não apresentação de pedido de correção, ou (b) findo o prazo de 10 dias de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 82/82, de 15 de novembro, sem que tenha sido interposto recurso.

V. Tendo sido arguida nulidade do acórdão recorrido, no prazo de 10 dias a contar da notificação deste, ocorreu, por esta razão, um facto impeditivo de trânsito, havendo que, em consequência, aguardar o trânsito da decisão conhecendo da arguição.

VI. Do acórdão recorrido, do tribunal da Relação, não era admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pois que, tendo por objeto uma decisão do juiz de instrução prévia ao conhecimento do requerimento de abertura de instrução, não conhecia, a final, do objeto do processo (artigo 400.º, n.º 1, al. c), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP).

VII. O trânsito em julgado do acórdão recorrido ocorreu após o termo do prazo geral de 10 dias e não, como pretende o recorrente, após o decurso do prazo de 30 dias para a interposição de recurso (artigo 411.º, n.º 1, do CPP).

VIII. Sendo o prazo de interposição do recurso de fixação de jurisprudência contado a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido (artigo 438.º do CPP), tal prazo expirou muito antes da apresentação deste recurso, sendo, pois, manifestamente extemporâneo.

IX. Em consequência, é rejeitado o recurso, por ocorrer motivo de inadmissibilidade (artigos 414.º, n.º 2, e 441.º, n.º 1, do CPP).

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguido nestes autos, interpõe recurso extraordinário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de abril de 2024, que julgou procedente o recurso apresentado pelo Ministério Público da decisão instrutória de não pronúncia proferida pela Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, através de despacho de 21 de março de 2023 (“acórdão recorrido”), invocando oposição entre este e o acórdão do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de junho de 2007, proferido no âmbito do processo n.º 0741311, publicado na base de dados de jurisprudência deste tribunal em www.dgsi.pt, que indica como acórdão fundamento.

2. Apresenta motivação do recurso nos seguintes termos:

«I – Identificação do acórdão recorrido

A Decisão de que se recorre é o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nos autos supra identificados em 10 de abril de 2024, transitado em julgado no dia 15 de maio de 20241, que julgou procedente o recurso apresentado pelo Ministério Público contra a Decisão Instrutória de Não Pronúncia proferida pela Mm.ª Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, através de despacho de 21 de março de 2023 (“Acórdão Recorrido”).

Este Despacho de 21 de Março de 2023 – proferido após apresentação por parte do Arguido do Requerimento de Abertura para a Instrução, apresentado a propósito do Despacho do Mm.º Juiz de Instrução Criminal, de 14 de agosto de 2020– decidiu declarar extinto o procedimento criminal contra o Arguido, ora Recorrente, por efeito de prescrição, em conformidade com o preceituado nos artigos 118.º a 120.º, do Código Penal ("CP"), tendo, em conformidade, sido proferida Decisão de Não Pronúncia.

Em concreto, pela Mm.ª Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz 2, foi entendido que, tendo em consideração (i) a data da alegada prática dos factos (noite de 28 para 29 de fevereiro de 2020); e (ii) o prazo de prescrição aplicável ao crime de injúria por que vinha o Arguido AA particularmente acusado (prazo de 2 (dois) anos, conforme disposto no artigo 118.º, alínea d), do CP; que, não obstante a causa de interrupção ocorrida em 14.09.2021 aquando da constituição do ora Recorrente como Arguido, considerando o prazo máximo de prescrição aplicável de 3 (três) anos – cf. artigo 121.º, n.º 3 , do CP – (e não se verificando qualquer causa de suspensão que devesse ser considerada), o procedimento criminal havia já prescrito em 28.02.2023.

Por não concordar com a decisão proferida, o Ministério Público interpôs Recurso da mesma, alegando existirem causas de suspensão aplicáveis que não foram consideradas, a saber:

(i) A verificação da causa de interrupção e suspensão do procedimento criminal prevista nos artigos 120.º, n.º 1, alínea b) e 121.º, n.º 1, alínea b), ambos do CP (determinada pela notificação da acusação). De acordo com a posição do MP em sede de recurso, acolhida no Acórdão recorrido, após a dedução da Acusação, e salvo de for proferida decisão final transitada em julgado em momento anterior (que ponha termo ao procedimento criminal, para efeitos de contagem do prazo do prazo máximo de prescrição, o período de suspensão a aplicar por referência à causa de suspensão prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 120.º do CP2, para efeitos de contagem do prazo máximo de prescrição deve ser acrescido o período máximo de suspensão de 3 (três) anos, previsto no n.º 2 do artigo 120.º do CP.

(ii) A verificação do período de suspensão de procedimento criminal determinado pela aplicação do regime excecional de suspensão do procedimento criminal previsto na Lei n.º 1-A/20, de 19 de março, e na Lei n.º 4-B/21, de 1 de fevereiro -sendo certo que, ainda que se admitisse a aplicação destes regimes, e fosse de acrescer o período de suspensão de 160 (cento e sessenta dias), sempre estaria, de qualquer forma, o procedimento criminal em apreço igualmente prescrito.

Esta questão foi discutida em primeira, bem como em segunda instância.

II – Identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição

O Acórdão recorrido encontra-se em oposição com o seguinte Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (doravante, “Acórdão Fundamento”):

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de junho de 2007, proferido no âmbito do processo n.º 0741311, onde foi conhecida e decidida idêntica questão à apreciada pelo Acórdão Recorrido, após recurso de decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz 2.

Nos termos do disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 438.º do CPP, vem o Recorrente declarar que o Acórdão Fundamento se encontra publicado na base de dados de jurisprudência de acesso público, www.dgsi.pt3.

III – Justificação da oposição que origina o conflito de jurisprudência

III.1 – O acórdão recorrido

Para julgar procedente o Recurso interposto pelo Ministério Público, foi, essencialmente, sustentado o seguinte no Acórdão Recorrido:

“Como refere Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, p. 699) “a prescrição justifica-se desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É obvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não tivesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o Direito penal se abstenha de intervir ou de efetivar a sua reação”.

E assim a prescrição do procedimento criminal diretamente relacionada com o decurso do tempo depende da consideração de momentos temporais e atos processuais que vão exercer influência na contagem dos respetivos prazos e consequentemente na sua ocorrência. Deste modo, prevê o art.º 119º do CP que: 1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado. 2 - O prazo de prescrição só corre: a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação; prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.

No caso da interrupção, quando se verifique uma das causas elencadas no artigo 121.º, n.º 1, do Código Penal, começa a correr novo prazo de prescrição, sendo que, nesses casos, o legislador estipula um prazo máximo que corresponde ao prazo normal, acrescido de metade, ressalvado o período de suspensão (artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal). No caso da suspensão, o prazo suspende-se durante os períodos máximos estabelecidos nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 120.º do Código Penal, reiniciando-se após a sua cessação (artigo 120.º, n.º 6, do Código Penal). Tal como acima já referimos, na situação presente foi deduzida acusação particular imputando ao arguido/recorrente a prática de um crime de injúria previsto e punível pelo art.º 181 do Código Penal, com uma pena de prisão até 3 meses ou multa até 120 dias, acusação essa que foi acompanhada nos termos acima expostos pelo Mº Público. Tendo em conta a moldura penal abstrata referida, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 2 anos [alínea d) do nº 1 do artigo 118.º do Código Penal]. Tal prazo, nos termos do disposto no artigo 119º, nº 1, do Código Penal, iniciou-se em 28.02.2020.

Tendo em conta a moldura penal abstrata referida, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 2 anos [alínea d) do nº 1 do artigo 118.º do Código Penal].

Tal prazo, nos termos do disposto no artigo 119º, nº 1, do Código Penal, iniciou-se em 28.02.2020. Vejamos, então se o prazo máximo de prescrição já decorreu ou se ainda se mostra em curso, por força das causas interrupção e de suspensão da prescrição e muito concretamente da prevista no art. 120º, nº 1, al. b) do Código Penal, como sustenta o recorrente.

A constituição do denunciado como arguido ocorreu a 14.09.2021 - antes de ter decorrido o prazo de dois anos sobre a prática dos factos - e constitui uma causa de interrupção da prescrição. A notificação da acusação particular deduzida contra o arguido (que o MP acompanhou) ocorreu a 08.02.2023, não tendo decorrido igualmente dois anos entre estas duas causas de interrupção. Não ocorrendo qualquer causa de suspensão teríamos de concluir que à data em que foi proferido o despacho recorrido já haviam decorrido 3 anos sobre a data da prática dos factos.

Porém, a notificação da acusação constitui também causa de suspensão da prescrição, que vigora por um período máximo de 3 anos enquanto o procedimento criminal estiver pendente [art. 120º, nº 1 al. b) e nº 2 do Código Penal].

Defende o arguido na resposta apresentada que a suspensão em causa só opera quando alguma circunstância impeça os autos de prosseguirem os seus termos e no caso presente quanto muito [sic] tal ocorreu entre a data da notificação da acusação (08.02.2023) e a data em que foi apresentado o requerimento para abertura de instrução(28.02.2023). Isto é, que o requerimento de abertura de instrução faz cessar a causa de suspensão que ocorre por virtude da notificação da acusação deduzida nos autos, alegando para o efeito que deverão ser considerados apenas os referidos 20 dias.

Debruçando-se sobre a matéria em apreço encontramos o acórdão do TRG de 03.06.20133 sumariado da seguinte forma: “I - A prescrição do procedimento criminal deve ser suscitada até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, sob pena de ficar precludido o direito de a suscitar em virtude do caso julgado entretanto constituído. Para o efeito releva o momento da arguição em juízo, não o da interposição de recurso do despacho proferido na sequência da arguição. II – A suspensão da prescrição do procedimento criminal que ocorre a partir da notificação da acusação (art. 120 nº 1 al. b) do Cod. Penal), não termina com a abertura da instrução ou com a notificação do despacho que designa dia para julgamento, mas perdura até ao trânsito em julgado da decisão final, salvo se este ocorrer mais de três anos depois daquela notificação”.

Neste aresto, e em sustentação da interpretação preconizada faz-se, entre outras uma interpretação sistemática e histórica do preceito em análise para concluir que a expressão «durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente» aponta no sentido preconizado, com a qual concordamos.

Ali se escreve “O entendimento aqui sufragado mostra-se conforme ao compromisso entre a perseguição criminal e a necessária prescritibilidade do procedimento criminal: as apontadas razões de natureza jurídico-penal e de carácter substantivo-processual que justificam a prescrição não se mostram postergadas pela apontada suspensão de três anos. Pelo contrário, com a fixação daquele prazo de três anos, pretende-se «evitar uma excessiva morosidade no julgamento dos feitos penais» Cf. Maia Gonçalves, Código Penal Português, edição de 1999, página 403. --- e, pois, de modo razoável, permitir a perseguição criminal, que o mesmo é dizer, dentro de uma lapso de tempo que não contenda com a natureza prescritível do procedimento criminal e as razões que a justificam” e percorrendo as redações precedentes do Código Penal de 1886, os trabalhos preparatórios do Código Penal de 1982 e a redação inicial do artigo 119.º, n.º 2, daquele Código conclui justificar-se igualmente o entendimento exposto. (…) [E]ntendemos, pois, que a causa de suspensão da prescrição resultante da notificação da acusação opera e não cessa com o requerimento de abertura de instrução, mas perdurará até ao trânsito em julgado da decisão final, desde que esta seja proferida no prazo máximo de 3 anos. E esta interpretação porque fundada no elemento literal, histórico e sistemático do preceito constante do Código Penal que a consagra, não constitui qualquer violação do aceso ao Direito e aos Tribunais, ou das Garantias de Defesa do arguido, consagrados respetivamente no art. 20º, e 32º da Constituição da República Portuguesa. E assim, considerando que o arguido foi notificado da acusação 08.02.2023, o prazo máximo da prescrição nos termos do disposto no art. 121º, nº 3 do Código de Processo Penal, apenas ocorrerá a 28.02.2026, porquanto terá que ser ressalvado o prazo de 3 anos de suspensão previsto no art. 120º, nº 1 al. b) e nº 2 do Código Penal. Concordamos com esta posição e entendemos, pois, que a causa de suspensão da prescrição resultante da notificação da acusação opera e não cessa com o requerimento de abertura de instrução, mas perdurará até ao trânsito em julgado da decisão final, desde que esta seja proferida no prazo máximo de 3 anos. E esta interpretação porque fundada no elemento literal, histórico e sistemático do preceito constante do Código Penal que a consagra, não constitui qualquer violação do aceso ao Direito e aos Tribunais, ou das Garantias de Defesa do arguido, consagrados respetivamente no art. 20º, e 32º da Constituição da República Portuguesa. E assim, considerando que o arguido foi notificado da acusação 08.02.2023, o prazo máximo da prescrição nos termos do disposto no art. 121º, nº 3 do Código de Processo Penal, apenas ocorrerá a 28.02.2026, porquanto terá que ser ressalvado o prazo de 3 anos de suspensão previsto no art. 120º, nº 1 al. b) e nº 2 do Código Penal (…)”.

III.2 – O acórdão fundamento

Em termos inteiramente contrastantes e opostos aos afirmados no Acórdão Recorrido, foi, essencialmente, sustentado o seguinte no Acórdão Fundamento:

“A suspensão da prescrição do procedimento criminal iniciada com a notificação da acusação termina com a abertura da instrução ou com a notificação do despacho que designa dia para julgamento.

(…) OsArts.120ºe 121ºdo Código Penal sãofundamentais para a decisãodeste recurso: com efeito, é ali que estão previstas a suspensão e a interrupção do prazo prescricional, essencial para esta decisão.

Nos termos do Art. 120º, nº 1, alínea b), o prazo de prescrição suspende-se durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação.

Por outro lado, de harmonia com o disposto no Art. 121º, nº 1, alíneas a) e b), ainda do Código Penal, a prescrição interrompe-se no momento da constituição de arguido e ainda com a notificação da acusação. Como é consabido, sempre que exista interrupção, começa a correr novo prazo, desde o início, isto é, desde o momento que levou a essa interrupção. Importa considerar o disposto no nº 3 deste Art. 121º: a prescrição ocorrerá quando, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal, acrescido de metade; isto quer dizer que, no caso concreto, sem contar com os períodos de suspensão ,a prescrição ocorrerá sempre que decorrido o prazo de sete anos e meio; isto é, aquele prazo previsto no Art. 121º, nº 3, do Código Penal, excepcionando as suspensões, conta-se sempre desde o início, ou seja, desde a data da prática do facto ilícito.

Finalmente, importa ter em conta o disposto no Art. 120º, nº 3: a prescrição volta a correr a partir do dia em cessar a causa de suspensão.

Por outro lado, a suspensão prevista na alínea b) do seu nº 1 nunca poderá ultrapassar 3 anos.

Na tese do recorrente, o despacho não teve em conta o prazo de suspensão decorrente da notificação da acusação aos arguidos, pelo que os crimes só prescreveriam em 28 de Agosto de 2009 quanto ao crime de abuso de confiança fiscal e em 13 de Junho de 2010 quanto ao crime de fraude fiscal. Na tese do despacho sob recurso, não tendo havido outra causa de suspensão, para além da notificação da acusação, o prazo de suspensão, acrescido de metade, já se encontra esgotado.

E com efeito, o Ilustre recorrente não teve em conta que a suspensão iniciada com a notificação da acusação aos arguidos (facto ocorrido nos dias 16, 17 e 20 de Março de 2001, respectivamente) terminou com a abertura da instrução e no dia desse acto processual: tal acto processual tem a virtualidade de terminar a suspensão, tal como o teria a notificação do despacho que designa dia para julgamento.”.

III.3 – Prazo de prescrição do procedimento criminal: da aplicação e duração da causa de suspensão prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal

Resulta manifesta a contradição de julgados entre Acórdãos – já transitados em julgado – do Tribunal da Relação de Lisboa e do Tribunal da Relação do Porto. Como se viu, esta contradição verifica-se entre o Acórdão Recorrido, proferido nestes autos (Acórdão Recorrido), por um lado, e o Acórdão proferido anteriormente, pelo Tribunal da Relação do Porto, nos autos n.º 0741311 (decisão jurisdicional que se identifica como fundamento da oposição [Acórdão Fundamento]), por outro lado. Trata-se de uma oposição de julgados que, sem prejuízo de mais esclarecida opinião, se tem por verificada, carecendo de decisão que uniformize a jurisprudência.

Devidamente analisados o Acórdão Recorrido e, bem assim, o Acórdão Fundamento, acima referenciados, verifica-se uma manifesta oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, que é a seguinte:

Saber quando se aplica a causa de suspensão prevista no artigo prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CP e em que momento se verifica a cessação desta causa de suspensão.

Isto é, por um lado, se todo o processo (ainda que corra a sua tramitação de forma normal – cenário em que, em bom rigor, o procedimento criminal não fica verdadeiramente “pendente”), fica suspenso após a notificação do despacho de acusação/despacho de pronúncia; e, por outro lado, concluindo-se pela aplicação da referida causa de suspensão, (i) se a mesma cessa no momento em que é praticado o ato processual seguinte ou, maxime, no momento em que é proferida decisão seguinte nos autos (pois que, neste cenário não se poderá sustentar verdadeiramente que o processo está suspenso); ou (ii) se esta causa se suspensão só cessa no momento do trânsito em julgado da decisão final proferida no processo ou decorrido o período máximo de três anos (o que ocorrer primeiro).

Os factos subjacentes às decisões finais tomadas em ambos os Acórdãos são, também eles, idênticos, uma vez que ambos os Acórdãos se debruçam sobre a mesma matéria (prescrição do procedimento criminal) e ambos os Acórdãos têm por referência análise da causa de suspensão prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CP, para efeitos de contagem do prazo de prescrição.

Ambos os Acórdãos (Recorrido e Fundamento) foram proferidos no domínio da mesma legislação – o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março– uma vez que, no intervalo da sua prolação, não ocorreu qualquer modificação legislativa que haja interferido, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida, supra enunciada.

V – Sentido em que deve ser fixada jurisprudência

Sem prejuízo de apenas em sede de Alegações (cf. artigo 442.º, n.º 2, do CPP) se achar previsto o dever dos interessados de indicação do “sentido em que deve fixar-se a jurisprudência”, desde já se adianta, o seguinte:

No que respeita à aplicação da causa de suspensão do procedimento criminal prevista no artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, após a notificação do despacho de acusação ou de despacho de pronúncia, o procedimento criminal apenas se suspenderá pelo período em que o mesmo se encontrar “pendente a partir da notificação da acusação”, isto é, enquanto se verificar algum evento que impossibilite o normal andamento do procedimento criminal. Ou seja, a causa de suspensão em apreço cessará no momento da prática do ato processual subsequente.

É com fundamento no princípio da segurança jurídica e nos fundamentos que subjazem aos fins das penas, que se estabelece, no artigo 120.º, n.º 2, do Código Penal, um período máximo de duração da mencionada pendência de 3 (três) anos –o facto de se estabelecer um período máximo de suspensão, não significa que o prazo a ter em consideração é, em todo e qualquer processo e caso, sempre o período de 3 (três) anos, sendo necessário proceder a uma análise casuística do conceito de “pendência” do procedimento criminal para aferir da duração da causa de suspensão em apreço.

Como resultava já dos ensinamentos de Figueiredo Dias:

“O instituto da suspensão da prescrição – uma novidade introduzida pelo artigo 119º do Código Penal de 1982 no direito penal português – radica na ideia seguindo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo de prescrição. Uma vez eliminado o obstáculo – isto é, uma vez cessada a causa de suspensão – o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr (artigo 119º, nº 3)”4.

Nestes termos e nos melhores de Direito (…) requer-se, muito respeitosamente, que seja admitido o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, seja reconhecida a oposição de julgados e que, consequentemente, seja o Recorrente notificado para apresentar as suas alegações.»

3. Vem junta certidão do acórdão recorrido, de 20.2.2024, e do acórdão de 9.4.2024, que conheceu das nulidades daquele acórdão de 20.2.2024, com narrativa de notificação daquele ao mandatário do recorrido e ao Ministério Público em 21.2.2024, e deste em 10.4.2024, bem como da data de entrada do requerimento de interposição do recurso de fixação de jurisprudência em 17.6.2024.

4. Em resposta, nos termos do disposto no artigo 439.º, n.º 1, do CPP, o Ministério Público no Tribunal da Relação, considera que se verificam os «requisitos legais previstos no art.º 437. ° do Código de Processo Penal, por estarmos perante dois Acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas.»

5. Foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440.º do CPP.

Suscitando a questão da extemporaneidade do recurso, diz o Senhor Procurador-Geral Adjunto em seu parecer:

«[…]

3.1 - Nesta fase preliminar apenas importa indagar se estão reunidos os pressupostos do recurso [arts. 440.º, n.ºs 1 e 3, 441.º, n.º 1, e 442.º, n.º 1, todos do CPP, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) n.º 5/2006, publicado no Diário da República, I Série A, n.º 109, de 6 de junho de 2006, que fixou jurisprudência no sentido de que «No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar o ‘sentido em que deve fixar-se jurisprudência’ (artigo 442.º, n.º 2)»].

3.2 - Como é sabido, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência está condicionada ao preenchimento de requisitos formais e materiais (arts. 437.º e 438.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).

Entre os requisitos de ordem formal contam-se a legitimidade do recorrente, «restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis», o interesse em agir, «no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis», a interposição do recurso «no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão proferida em último lugar», a «identificação do acórdão que está em oposição com o recorrido, não podendo ser invocado mais do que um acórdão» e o «trânsito em julgado de ambas as decisões» (do acórdão do STJ de 13 de fevereiro de 2013, processo 561/08.6PCOER-A.L1.S1, 3.ª Secção, relatado pelo conselheiro Maia Costa, alojado em www.stj.pt).

Constituem requisitos substanciais a «existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ», opo-sição essa referida «à própria decisão e não aos seus fundamentos» e a «identidade funda-mental da matéria de facto» subjacente aos arestos em confronto (do mesmo acórdão do STJ).

3.3 - Resulta da certidão extraída do recurso penal 4/20.7GDMFR.L1-A (ref.ª citius ....63 de 27 de junho de 2024) e da consulta dos mesmos autos efetuada através do sistema informático citius que:

- Em 21 de março de 2023 a Sra. juíza de instrução criminal do Juízo de Instrução Criminal de ... proferiu o seguinte despacho nos autos de instrução 4/20.7GDMFR (transcrição essencial):

«Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação contra:

- BB, a quem imputou a prática, em autoria material e sob a forma consumada, um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º do Cód. Penal (na pessoa do ofendido CC) e um crime de ofensa à integridade física qualifi-cada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1 a) e n.º 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. e) parte final, todos do Código Penal (na pessoa do ofendido DD);

- BB e EE, em coautoria material, sob a forma consumada e em concurso efetivo (quanto a BB), um crime de ofensa à integridade física qualificada, pre-visto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1 a) e n.º 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. e) parte final e h), primeira parte, todos do Código Penal (na pessoa do ofendido AA).

Previamente à dedução da acusação pública foi dado cumprimento ao disposto no artigo 285.º n.º 1 e 2 do CPP e, na sequência desta deduzida acusação particular por FF contra AA a quem imputou a prática de um crime de injúria, p e p pelo artigo 181.º do C. Penal, acusação que o Ministério Público veio a acompanhar.

Por não se conformar com a acusação contra si deduzida veio o arguido AA requerer a abertura da fase de instrução.

Cumpriria neste momento apreciar o requerimento de abertura da fase de instrução. Acontece, porém, que existe uma questão prévia que o tribunal irá conhecer de imediato a fim de evitar a prática de atos inúteis.

Da prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de injúria, p e p pelo artigo 181.º do C. Penal.

A factualidade que respeita ao crime imputado ao arguido AA ocorreu na noite de 28 para 29 de fevereiro de 2020.

Atenta a moldura penal que ao crime corresponde, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de dois anos (artigo 118.º al. d) do Código Penal).

O prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado – artigo 119.º n.º 1 do C. Penal.

Nos termos do disposto no artigo 121.º n.º 3 do Código Penal, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.

Inexistindo motivo de suspensão do procedimento, a prescrição terá lugar decorridos que sejam três anos sobre a prática dos factos.

Considerando que os factos foram praticados na noite de 28 de fevereiro de 2020, do mero confronto de datas resulta evidente que, não obstante a interrupção verificada com a constituição como arguido, em 14 de Setembro de 2021, mostram-se decorridos desde 28 de fevereiro de 2023, 3 anos sobre a data da prática dos factos, pelo que, à data em que os autos foram distribuídos para instrução já se encontrava prescrito o procedimento criminal.

Destarte declara-se extinto, por prescrição o procedimento criminal pelo crime de injúria imputado a AA – (artigos 118.º al d), 119.º n.º 1 e 121.º n.º 3, todos do C.Penal).»

- O Ministério Público (MP) recorreu deste despacho e o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 20 de fevereiro de 2024 (acórdão recorrido), após concluir que a causa de suspensão da prescrição resultante da notificação da acusação opera e não cessa com o requerimento de abertura de instrução, mas perdura até ao trânsito em julgado da decisão final, desde que esta seja proferida no prazo máximo de 3 anos, julgou procedente o recurso e, em consequência, revogou o despacho recorrido que declarou prescrito o procedimento criminal e determinou a sua substituição por outro que apreciasse o requerimento de aber-tura da fase de instrução;

- Notificado do acórdão, o arguido AA arguiu a sua nulidade por omissão de pronúncia;

- Em acórdão de 9 de abril de 2024 o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o acórdão de 20 de fevereiro de 2024 não padecia de qualquer nulidade ou irregularidade e indeferiu o requerimento do arguido;

- Este acórdão de 9 de abril de 2024 foi notificado ao MP, por termo nos autos, em 10 de abril de 2024 e ao mandatário do arguido AA, por via postal registada, em 10 de abril de 2024;

- Em 7 de maio de 2024 os autos baixaram ao Juízo de Instrução Criminal de ...;

- Em 17 de junho de 2024 o arguido interpôs o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.

3.4 - Conforme previamente referido, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferi-do em último lugar (art. 438.º, n.º 1, do CPP).

A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordiná-rio ou de reclamação [arts. 4.º do CPP e 628.º do Código de Processo Civil (CPC)].

O acórdão de 20 de fevereiro de 2024, que revogou o despacho da Sra. juíza de instrução criminal de ... que havia declarado a prescrição do procedimento criminal em relação ao arguido AA e determinou a sua substituição por outro que apreciasse o requerimento de abertura da fase de instrução, não é passível de recurso ordinário na medida em que não conheceu, a final, do objeto do processo (art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Relativamente ao acórdão de 9 de abril de 2024, que decidiu a reclamação de nulidades assacada ao acórdão de 20 de fevereiro de 2024, não foram suscitadas nulidades ou pedida a respetiva correção (arts. 105.º, n.º 1, 379.º, 380.º e 425.º, n.º 4, todos do CPP) nem foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional (art. 75.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de novembro).

Uma vez que este último acórdão, como o próprio recorrente reconhece (v. a nota de rodapé n.º 1 das motivações de recurso), presume-se notificado ao arguido em 15 de abril de 2024 [segunda-feira] (art. 113.º, n.º 2, do CPP), o seu trânsito em julgado (e, consequente-mente, o do acórdão de 20 de fevereiro de 2024) ocorreu em 26 de abril de 2024 [sexta-feira], após o término do prazo de 10 dias para a arguição de nulidades, correção da decisão ou interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.

À vista do que vem de ser exposto, o prazo do recurso para uniformização de jurisprudência expirou em 27 de maio de 2024 [segunda-feira] [embora o recurso ainda pudesse ter sido interposto até 31 de maio de 2024 (sexta-feira), ou seja, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes mediante o pagamento imediato de uma multa (arts. 107.º, n.ºs 2 e 5, e 107.º-A do CPP e 139.º, n.º 5, do CPC)].

Como o recurso só foi interposto em 17 de junho de 2024 é manifesta a sua extemporaneidade.

Donde que, divergindo da posição do Sr. procurador-geral-adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, se emita parecer no sentido da rejeição do recurso em razão da falha de um dos respetivos pressupostos formais (art. 441.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP).»

6. Não houve resposta a este parecer.

7. Efetuado o exame preliminar a que se refere o n.º 2 do artigo 440.º do CPP e colhidos os vistos, o processo foi remetido à conferência, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

8. Sobre o fundamento do recurso dispõe o artigo 437.º do CPP:

«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».

De acordo com o artigo 438.º do mesmo diploma, o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (n.º 1), devendo o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, bem como justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência (n.º 2).

9. O recurso de fixação de jurisprudência é um recurso de natureza extraordinária que tem por finalidade o estabelecimento de interpretação uniforme de normas jurídicas aplicadas de forma divergente e contraditória em acórdãos dos tribunais da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, nas condições estabelecidas no artigo 437.º, com a eficácia prevista no artigo 445.º do CPP, contribuindo para a realização de objetivos de segurança jurídica e de igualdade perante a lei, que constituem exigências do princípio de Estado de direito (artigo 2.º da Constituição).

Estando em causa a força do caso julgado, que prossegue idênticos objetivos de segurança jurídica, impõe a lei exigentes requisitos, os quais se evidenciam, desde logo, na sua específica regulamentação (assim, por todos, o acórdão de 3.11.2021, proc. 36/21.8GJBJA-A.E1-A.S, em www.dgsi.pt).

Em jurisprudência uniforme e reiterada, vem o Supremo Tribunal de Justiça requerendo a verificação de um conjunto de pressupostos de admissibilidade do recurso, uns de natureza formal e outros de natureza substancial.

10. Verificam-se os pressupostos de natureza formal quando: (a) a interposição do recurso tenha lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); (b) o recorrente identifique o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento), bem como, no caso de estar publicado, o lugar da publicação; (c) se verifique o trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito, e (d) o recorrente apresente justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência.

Verificam-se os pressupostos de natureza substancial quando: (a) os acórdãos sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, quando, durante o intervalo de tempo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida; (b) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, isto é, quando entre os dois acórdãos haja “soluções opostas” na interpretação e aplicação das mesmas normas; (c) a questão (de direito) decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas, e (d) haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos, pois que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas (assim, por todos, os acórdãos anteriormente citados).

11. A metodologia da decisão impõe que, num primeiro momento, se proceda à verificação da presença dos indicados pressupostos formais do recurso, suscetíveis de prejudicar o conhecimento de mérito, conhecendo-se, assim, também, da questão prévia da inadmissibilidade do recurso suscitada pelo Ministério Público.

12. Examinado o processo, mostra-se esclarecido que:

i. O requerimento de interposição deste recurso de fixação de jurisprudência foi apresentado no dia 17 de junho de 2024, como consta do ato com referência Citius ......87, de 18.6.2024.

ii. O acórdão recorrido, de 20 de fevereiro de 2024, foi proferido em recurso interposto pelo Ministério Público do despacho do juiz de instrução de ..., de 21 de março de 2023, que, na sequência da apresentação pelo arguido de requerimento de abertura de instrução após dedução de acusação, como questão prévia, declarou extinto o procedimento criminal contra o arguido por efeito de prescrição, em conformidade com o disposto nos artigos 118.º a 120.º do Código Penal.

iii. O acórdão recorrido, de 20 de fevereiro de 2024, julgou procedente o recurso do Ministério Público e. em consequência, revogou o despacho recorrido, que declarou prescrito o procedimento criminal, e ordenou a sua substituição por outro que apreciasse o requerimento de abertura de instrução.

iv. Notificado do acórdão de 20 de fevereiro de 2024, veio o arguido AA arguir nulidade desse acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

v. Por acórdão de 9 de abril de 2024, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu o requerimento de arguição de nulidade.

vi. O acórdão do tribunal da Relação de Lisboa transitou em julgado em 26 de abril de 2024 (certidão narrativa de 27.6.2024 – ref. Citius ......77).

13. O recurso de fixação de jurisprudência deve, como se viu, ser interposto no prazo de 30 dias a contar da data do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, isto é, do trânsito em julgado do acórdão recorrido (artigo 438.º, n.º 1, do CPP).

Uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação [artigo 628.º do Código de Processo Civil («CPC»), correspondente ao artigo 677.º do anterior CPC, aplicável ao processo penal ex vi artigo 4.º do CPP].

Como se notou no anterior acórdão de 22.1.2020 (Proc. nº. 1784/17.2T9AMD.L1-B.S1), constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal a de que, por aplicação subsidiária do CPC, as decisões judiciais inimpugnáveis em recurso ordinário se consideram transitadas em julgado findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção, ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 105.º do CPP, ou o prazo de 10 dias de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 82/82, de 15 de novembro (cfr., entre os mais recentes, os acórdãos de 21.3.2018, Proc. 7553/16.oT9SNT.L1-A.S1, de 2.5.2019, Proc. 55/15.3JBLSB-L.S1, de 6.5.2021, Proc. 916/13.4TASXL.E1-A.S1, de 27.10.2021, Proc. 1003/20.4T9MFR.L1-A.S1, e de 18.11.2021, Proc. 4520/18.2T9GDM.P1-A.S1).

14. Do acórdão recorrido, proferido pelo tribunal da Relação em 20.2.204, não era admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça («STJ»), pois que, tendo por objeto uma decisão do juiz de instrução prévia ao conhecimento do requerimento de abertura de instrução, não conhecia, a final, do objeto do processo, isto é, não se pronunciava sobre a questão da culpabilidade pelos factos descritos na acusação (artigo 368.º, n.º 2, do CPP).

Nos termos do artigo 400.º, n.º 1, al. c), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP não é admissível recurso para o STJ de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objeto do processo.

Não sendo admissível recurso ordinário, dele era, porém, admissível recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 2, do CPP).

Se não tivesse sido arguida a nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, aquele acórdão teria transitado em julgado no prazo de 10 dias a contar da sua notificação ao recorrente.

Porém, tendo sido arguida nulidade dentro desse prazo, ocorreu um facto impeditivo do trânsito naquele prazo de 10 dias, havendo que, em consequência, aguardar o trânsito da decisão conhecendo da arguição.

15. A arguição da nulidade do acórdão foi decidida por acórdão de 9.4.2024, notificado ao recorrente em 15.4.2024 (como o recorrente expressamente refere no requerimento de recurso, em nota de pé de página).

Pelo que, não sendo este acórdão recorrível para o STJ, o seu trânsito em julgado – e, consequentemente, o trânsito em julgado do acórdão de 20.2.2024 – ocorreu após o termo do prazo geral de 10 dias (artigo 105.º, n.º 1, do CPP) para arguição de nulidades ou para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 82/82, de 15 de novembro), ou seja, em 26.4.2024, e não em 15.5.2024, como pretende o recorrente, o que só ocorreria se fosse de considerar o prazo de 30 dias para a interposição de recurso (artigo 411.º, n.º 1, do CPP).

Assim, como bem nota o Senhor Procurador-Geral Adjunto, sendo de 30 dias o prazo de interposição do recurso de fixação de jurisprudência, contado a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido (artigo 438.º do CPP), tal prazo expirou em 27 de maio de 2024 (sem prejuízo da prática do ato num dos três primeiros dias úteis seguintes, nos termos dos artigos 107.º, n.º 2, e 107.º-A do CPP e 139.º, n.º 5, do CPC).

Pelo que, tendo o respetivo requerimento sido apresentado no dia 17.6.2024, foi o recurso apresentado manifestamente fora do prazo legalmente fixado.

16. Dispõe o artigo 441.º, n.º 1, do CPP que o recurso é rejeitado, em conferência, se ocorrer motivo de inadmissibilidade.

Nos termos do artigo 414.º, n.º 2, do CPP, subsidiariamente aplicável ao recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 448.º do CPP), o recurso não é admitido quando for interposto fora de prazo.

Por conseguinte, deve o recurso ser rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade.

A rejeição prejudica o conhecimento dos demais pressupostos formais e substanciais do recurso.

17. Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi artigo 448.º, se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC.

Tendo em conta a complexidade, considera-se adequada a condenação do recorrente em 3 UC.

III. Decisão

17. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA, por inadmissibilidade, em virtude de ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto; e

b. Condenar a recorrente na importância de 3 UC, nos termos do artigo 420.º, n.º 3, aplicável ex vi artigo 448.º, do CPP.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigo 513.º do CPP e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de novembro de 2024.

José Luís Lopes da Mota (relator)

António Augusto Manso

José Carreto

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1. Após a prolação do Acórdão Recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de fevereiro de 2024 foi apresentado requerimento através do qual se arguiu a omissão de pronúncia do Acórdão Recorrido, em conformidade com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP; Por decisão proferida em 09.04.2024, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi rejeitada a existência de qualquer omissão de Pronúncia. Esta decisão apenas se considerou como notificada ao ora Arguido em 15 de abril de 2024. Com o trânsito em julgado deste último referido Acórdão, o Acórdão Recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de fevereiro de 2024, apenas transitou em julgado em 15 de maio de 2024.

2. “1. A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: (…) b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo”.

3. Em particular, em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (dgsi.pt).

4. Cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 3.ª Reimpressão, 2011, § 1149, p. 711.