Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1263/06.3TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: NEGLIGÊNCIA MÉDICA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADOS
CIRURGIA ESTÉTICA
CONSENTIMENTO INFORMADO
CONSENTIMENTO PRESUMIDO
CONSENTIMENTO HIPOTÉTICO
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CADERNOS DE DIREITO PRIVADO, Nº 53 (JAN./MARÇO 2016 - P. 70/85)
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BIOMÉDICO - RESPONSABILIDADE MÉDICA / CONSENTIMENTO DO PACIENTE.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DA PERSONALIDADE / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO COMUNITÁRIO - DIREITOS DO HOMEM E A BIOMEDICINA.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 551-552.
- Álvaro Rodrigues, «Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos», Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Volume XIV, 2000, Tomo 3, pp. 182, 183.
- André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente. Estudo de Direito Civil, FDUC, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 495, 496, 498, 500-501; «O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica», in Responsabilidade civil dos médicos, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 485; «Responsabilidade médica e consentimento inofrmado, Ónus da prova e nexo de causalidade», disponível para consulta in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/10577/1/Responsabilidade%20m%C3%A9dica.pdf
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- Figueiredo Dias/Sinde Monteiro, «Responsabilidade médica em Portugal», BMJ n.º 332, 1984, pp. 39-40.
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- Vaz Serra, «Reparação do dano não patrimonial», BMJ, n.º 83, p. 102 e ss..
- Vera Lúcia Raposo, Do Ato Médico ao Problema Jurídico, Almedina, Coimbra, 2013, p. 214.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, N.º1, 219.º, N.º 1, 2.ª PARTE, 236.º, 340.º, N.º3, 342.º, N.ºS 1 E 2, 496.º, N.ºS 1 E 3, 562.º E SS., 798.º, 799.º, N.º1, 1154.º.
CÓDIGO DEONTOLÓGICO DA ORDEM DOS MÉDICOS: - ARTIGO 38.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 25.º, N.º1 E 26.º, N.º 1.
Legislação Comunitária:
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA : - ARTIGO 3.º, N.º2.
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM E A BIOMEDICINA (CEDHB): - ARTIGO 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-06-2001, PROCESSO N.º 01A1008
-DE 17-12-2002, PROCESSO N.º 02A4057
-DE 19-10-2004, PROCESSO N.º 2897/04
-DE 17-12-2009, PROCESSO N.º 544/09.9YFLSB
-DE 25-03-2010, PROCESSO N.º 682/05. 7TBOHP.C1.S1
-DE 07-10-2010, PROCESSO N.º 1364/05.5TBBCL.G1.
-DE 11-01-2011, PROCESSO N.º 210/05.4TBLMG.P1.S1
-DE 22-09-2011, PROCESSO N.º 674/2001.PL.S1

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 01-03-2012, PROCESSO 9434/06.6TBMTS.P1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 11-09-2007, PROCESSO N.º 1360/2007-7,
-DE 11-09-2012, PROCESSO N.º 2488/03.9.
Jurisprudência Estrangeira:
JURISPRUDÊNCIA FRANCESA:
-COUR DE CASSATION, 11-10-1988.
Sumário :

I – Em matéria de responsabilidade médica, deve aplicar-se o regime da responsabilidade contratual por ser mais favorável ao lesado e mais conforme ao princípio geral da autonomia privada.

II – Nas cirurgias estéticas, que se destinam a corrigir um determinado defeito físico ou a melhorar a aparência ou a imagem de uma pessoa, a dimensão do resultado assume maior relevo nas obrigações contratuais dos médicos do que nas cirurgias curativas ou assistenciais, típicas obrigações de meios, sendo também densificados os requisitos de manifestação da vontade dos pacientes e os deveres de esclarecimento dos médicos. 

III - O consentimento do paciente é um dos requisitos da licitude da atividade médica (atigos 5.º da CEDHBioMed e 3.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e tem que ser livre e esclarecido para gozar de eficácia: se o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico será ilícita por violação do direito à autodeterminação e correm por sua conta todos os danos derivados da intervenção não autorizada.

IV - Em relação às operações estéticas reconstrutivas, porque se repercutem na imagem da pessoa e na relação consigo mesma e com os outros, porque relacionadas com o corpo e com a identidade, e, no caso sub judice, com a vida sexual e íntima, não é possível que se verifiquem os pressupostos do consentimento presumido.

V – O consentimento presumido destina-se a fazer face a situações em que no decurso de uma operação se verifica um perigo imprevisto para a vida ou para a saúde, que é preciso resolver de imediato enquanto o/a paciente se encontra ainda em período de inconsciência e incapaz de prestar consentimento. 

VI – O ónus da prova do consentimento hipotético, doutrina oriunda da jurisprudência alemã, pertence ao médico e obedece aos seguintes requisitos: 1) que tenha sido fornecida ao paciente um mínimo de informação; 2) que haja a fundada presunção de que o paciente não teria recusado a intervenção se tivesse sido devidamente informado; 3) que a intervenção fosse: i) medicamente indicada; ii) conduzisse a uma melhoria da saúde do paciente; iii) visasse afastar um perigo grave; 4) a recusa do paciente não fosse objetivamente irrazoável, de acordo com o critério do paciente concreto.

VII – Faltam os requisitos do consentimento hipotético, em relação a intervenções cirúrgicas suscetíveis de causar riscos graves, como dores intensas e incapacidade para manter relações sexuais, andar e trabalhar, tendo de se concluir que a autora, se soubesse dos riscos da mesma, teria recusado o consentimento.

Decisão Texto Integral:
    

            Acordam no Supremo Tribunal da Justiça:

            I – Relatório

AA intentou a acção declarativa sob a forma ordinária contra BB, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 51.000,00, acrescida de juros de mora, à tCC legal, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento, alegando, em suma, que, em Março de 2003 consultou o Réu, especialista em cirurgia plástica, no sentido de lhe pedir uma opinião sobre a hipótese de “subir” as cicatrizes que tinha em toda a zona inguinal, de forma a que estas não fossem visíveis abaixo da linha do fato de banho e, com vista a alcançar esse fim o Réu propôs-se efectuar duas cirurgias, em momentos distintos: num primeiro momento, o Réu realizaria uma pequena lipoaspiração à parte interna das coxas e, num momento posterior, subiria as cicatrizes, tendo sido a Autora operada pelo Réu no dia 02.05.2003 e tido alta no dia seguinte, com indicação dos medicamentos a tomar e para aparecer no consultório do Réu no dia 05.05.2003, ocasião em que o Réu a informou que tinha resolvido o seu problema numa única operação, tendo aproveitado a cirurgia para injectar na vulva os auto-enxertos de gordura, colhidos da face interna das coxas por lipoaspiração, apanhando a Autora de surpresa pois o Réu nunca lhe havia pedido autorização para o efeito, pois a possibilidade de proceder ao enchimento dos grandes lábios nunca foi discutida entre ambos, nunca tendo sido esclarecida a Autora sobre os riscos inerentes a esse procedimento.

Refere a Autora que logo nesse dia começou a sentir fortes dores, encontrando-‑se o grande lábio do lado direito muito inchado e deformado, dores essas e inchaço que aumentaram consideravelmente nos dias seguintes, tendo sido observada de novo pelo Réu mais algumas vezes, sem que este debelasse essas dores e inchaço, apesar de lhe reforçar a medicação, pelo que a mesma acabou por ser observada por outros médicos, um dos quais, perante a infecção instalada por se terem formado abcessos, acabou por lhe drenar os dois grandes lábios, sem que o Réu, apesar de conhecedor dessa situação, tenha alguma vez contactado a Autora para saber do seu estado.

Em resultado dessa situação, alega ainda a Autora, esteve durante 40 dias totalmente impossibilitada de realizar a sua vida normal e de trabalhar, andou extremamente angustiada por sentir dores intensas, por desconhecer o mal de que padecia, e por não lhe ter sido dada qualquer explicação ou apresentada qualquer solução. Ficou com marcas deixadas pela intervenção, mal sucedida, que não mais sairão. O problema das cicatrizes agravou-se pelo aparecimento de novas manchas e cicatrizes, apresentando agora uma deformação definitiva da zona dos grandes lábios e das pernas, mantém-se em tratamento ginecológico desde a data da intervenção efectuada pelo Réu devido a infecções que ressurgem. Toda esta situação alterou o estado físico e psíquico da Autora, que sente dores e um mal estar generalizado durante o período menstrual, o uso de roupa interior causa-lhe incómodos e dores no local intervencionado, os seus órgãos sexuais externos estão deformados e mutilados, causando-lhe complexos e uma enorme tristeza, a sua vida sexual foi praticamente inexistente no ano subsequente à data da intervenção, pondo em risco a sua vida afetiva e matrimonial.

Conclui a Autora que o Réu violou os seus deveres de prestar os melhores cuidados ao seu alcance, de agir com correcção e delicadeza, de promover ou restituir a saúde, de suavizar os tratamentos, de respeitar a dignidade do ser humano, de esclarecer a Autora acerca dos métodos de terapêutica e de obter o seu consentimento para proceder à remodelação estética da vulva, deveres estes que se encontram previstos nos arts. 26º, 38º nº 1 e 39º do Código Deontológico. Alega, ainda, que o Réu não atingiu o resultado a que se tinha proposto com a intervenção cirúrgica, que procedeu ao enchimento dos grandes lábios vulvares sem o seu consentimento e que o acompanhamento dado no pós-operatório foi deficiente. Em consequência da atuação ilícita e negligente do Réu, quer durante a operação, quer no pós-operatório, a Autora sofreu danos patrimoniais avaliados em € 1000,00 consubstanciados nos honorários do outro médico a quem a Autora teve de recorrer e, sobretudo, não patrimoniais, estes últimos muito graves que avaliou em € 50.000,00.

Regularmente citado, o Réu contestou, impugnando os factos vertidos na petição inicial, e alegando em sua defesa designadamente que a correcção que a Autora pretendia era de difícil resolução dada a grande diferença de elasticidade entre a pele das duas regiões e a Autora foi informada das dificuldades cirúrgicas e apesar de devidamente informada solicitou o seu tratamento; que na segunda cirurgia planeada estava prevista a eventualidade de injectar tecido adiposo da Autora nos grandes lábios para respetiva reconstrução, após a elevação da pele das regiões crurais, o que aceitou; que após se ter realizado a cirurgia programada de lipoaspiração das regiões crurais, verificou-se que a elasticidade da pele das regiões operadas não era suficiente para obter o efeito desejado no segundo tempo operatório, pelo que foi decidido intra-operatoriamente aproveitar algum tecido adiposo que havia sido extraído da Autora e injectá-lo nos grandes lábios, criando-se, desta forma maior tensão proximalmente, fazendo subir a pele da região inguinal, procedimento este que estava previsto eventualmente ter de se realizar na segunda intervenção cirúrgica; que desta forma simples e aproveitando apenas injectar o tecido adiposo da própria Autora, tentou-se num só tempo operatório restaurar a anatomia da região e elevar as cicatrizes para uma zona escondida.

Refere o Réu que se não tivesse procedido a esta alteração durante a cirurgia, dificilmente se podia conseguir um resultado estético favorável, pois que, devido à diferença de elasticidade, apesar da pele da região crural ter ficado com menos tensão após a lipoaspiração, verificou-se que esta não era suficiente para manter os grandes lábios na sua posição correcta, bem como a elevação das cicatrizes para uma zona escondida e, foi na verificação desse facto que se decidiu intra-operatoriamente aproveitar o tecido adiposo, procedimento este que já tinha sido posto como eventual para a segunda intervenção, na primeira consulta entre Autora e Réu, e manifestamente autorizado pela Autora na sua declaração para intervenção cirúrgica.

Mais alega ter acompanhado de perto o pós-operatório da Autora, observando-a sempre que solicitado e medicando-a para a infecção que lhe veio a detectar, referindo que as dores eram normais, tendo sido tudo explicado à mesma, concluindo que o outro médico consultado pela Autora ao alterar a medicação antibiótica que o Réu lhe receitara promoveu a infecção, piorando o seu estado.

Finaliza, dizendo que a Autora teve alta curada no dia 30 de Maio (apenas 28 dias de impossibilidade), ficou em estado igual ao que se encontrava antes da cirurgia e melhor no que se refere à gordura que lhe retirou da parte superior das coxas, a deformação da zona dos grandes lábios já a tinha antes da prática cirúrgica, já tinha as infecções, o uso de roupa interior já antes da cirurgia lhe causava dores e incómodos, e já tinha, antes da cirurgia praticada, os órgãos sexuais externos deformados e mutilados, causando-lhe complexos e tristeza.

Afirma ter agido com perícia e a diligência exigível, como médico prudente, cuidadoso e conhecedor, e que a cirurgia a que a Autora foi submetida teve um êxito melhor que as expectativas iniciais e o seu malogro deveu-se ao surgimento de uma infecção, intercorrência possível em qualquer ato cirúrgico, agravada provavelmente pelos banhos de imersão e pela atitude do médico dermatologista.

Na contestação, o Réu suscitou a intervenção provocada da “CC - Companhia de Seguros, SA”, alegando para o efeito que, na data da intervenção cirúrgica referida nos autos tinha em vigor naquela companhia um contrato de seguro pelo qual aquela seguradora garante a responsabilidade civil do Réu inerente ao exercício da sua profissão de médico e, por efeito daquele seguro a “CC” responde pelos prejuízos cuja reparação a Autora reclama na acção que contra si propôs, por todos se incluírem no âmbito da respetiva cobertura.

Por despacho proferido a fls. 87 e 88, foi admitida a intervenção principal provocada de “CC, Companhia de Seguros, SA” como associada do Réu.

Citada tal interveniente, apresentou a mesma contestação, confirmando a existência do seguro, impugnando os factos alegados pela Autora, e alegando que já depois de ter apresentado a sua contestação, o Réu foi notificado da decisão de arquivamento no processo disciplinar que contra ele havia sido instaurado.

Realizada audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador, com organização dos factos assentes e base instrutória, que não mereceram reclamação.

Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, no decurso do qual foi ampliada a base instrutória, por despacho proferido a fls. 564 e 565, tendo-se respondido à matéria da base instrutória pela forma constante de fls. 751 a 772, que igualmente não foi objecto de reparos.

Foram apresentadas alegações de direito, por escrito, por Autora, Réu e Interveniente.

Por fim, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu BB a pagar à Autora uma indemnização global na importância de € 26.000,00, vencendo a indemnização relativa aos danos patrimoniais no valor de € 1000,00 juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento e, vencendo a compensação relativa aos danos não patrimoniais, no valor de € 25.000,00, juros à taxa legal desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento, tendo as custas ficado a cargo de Autora e Réu na proporção do respetivo decaimento.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso de apelação o Autor e a Companhia de Seguros. 

A apelada contra-alegou, ampliando o âmbito do recurso, impugnando subsidiariamente a decisão sobre a matéria de facto no que respeita ao facto controvertido constante do artigo 91º da base instrutória, pugnando, quanto ao mais, pela improcedência dos recursos interpostos pelos apelantes.

            O Tribunal da Relação do Porto decidiu alterar a decisão que apreciou a matéria de facto relativamente aos artigos 104º/105º e 68º da base instrutória e, no mais, confirmar a sentença recorrida.     

            Inconformado, recorreram para este Supremo Tribunal o réu e a companhia de seguros, formulando, nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:

«1. Quer a Direcção do Colégio de Especialidade de Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética, quer a consulta técnico-científica do Instituto de Medicina Legal, consideram que o procedimento subsequente possa ser considerado complementar do autorizado.

2. A intenção da Autora com as cirurgias era poder correr com as filhas na praia à vontade, sem ter de se preocupar com aquilo que o fato de banho deixava ver ou não, era de "subir" as cicatrizes, de forma a que estas não fossem visíveis abaixo da linha do fato de banho.

3. A realização do acto cirúrgico de enxertos de gordura naquele momento (intra-operatória) era um imperativo de consciência para o Réu, porquanto a não realização, naquele momento, deste procedimento seria inviabilizado ou, pelo menos muito prejudicado com o decorrer do tempo: "as probabilidades de conseguir o resultado pretendido eram escassas, mas o procedimento escolhido era o único possível nesta situação" (consulta técnico científica a fls, 331 dos autos).

4. A que acresce a convicção do Réu, do interesse da Autora, que nunca se oporia a esta solução, dada a relação médico-doente pré-estabelecida, nomeadamente na confiança técnica depositada.

5. Uma definição possível de Cirurgia Estética é da especialidade cirúrgica que consiste, essencialmente, em mover os tecidos, reposicionando-os, de modo a serem criadas novas formas.

6. A cirurgia sub judice tem carácter reconstrutivo típico.

7. Estando em causa uma obrigação de meios, o devedor, não se obriga a causá-lo, mas a tentar causá-lo, ou melhor, a praticar os actos que, numa apreciação ex ante, sejam adequados a causá-lo; nas de meios, obriga-se a tentar adequadamente causá-lo.

8. Assim, na obrigação de meios, há cumprimento quando o resultado é adequadamente tentado. Note-se que as "obrigações de meios" não se definem por nenhuma indicação dos meios que o devedor usará para cumprir. Pelo contrário, ele é totalmente livre na sua escolha, salvo convenção adicional.

9. Para o Prof. André Pereira, para além do caráter aleatório da intervenção, atende, em primeiro lugar, à vontade das partes, fazendo jus ao principio da livre conformação dos contratos (art. 405.º,  do C. Civ. P.) para que se determine se estas estabelecem o caráter das obrigações assumidas, o que inegavelmente sucedeu no caso em apreço.

10. Atualmente o novo CDOM (Regulamento n 14/2009, de 13 de Janeiro de 2009) prescreve no artigo 48°, n.º 2 que "o consentimento escrito e/ou testemunhado é exigível nos casos expressamente determinados pela lei ou regulamento deontológico." Em suma, na relação médico-paciente vigora, em regra, o princípio da liberdade de forma e esta não é afastada, mesmo nos casos de intervenções invasivas.

11. O consentimento presumido está previsto no art.º 340.°, n.º 3 do Código Civil e artº 39, nº 2 do Código Penal.

12.Assim, "para se punir um médico não será bastante supor razoavelmente (artigo 39°, 2) que o consentimento seria recusado, antes terá de se produzir prova que permita concluir com segurança que o consentimento seria recusado."

13. Ónus de prova que pertencia à Autora e esta não a fez (art.º 342.°, nº 1 do C. Civ ).

14. O consentimento presumido, no caso sub judice é importante pois a Autora estava inconsciente e incapaz de consentir, pois estava em questão o alargamento do âmbito da operação, que seria irrealizável noutra altura.

15. Dada a assunção dos riscos da doente, os desejos formulados na consulta, a confiança depositada no cirurgião, nada levaria a crer que a doente não consentisse na cirurgia de enxertos de gordura, cujos riscos são menores para a vida, o corpo ou saúde da doente.

16. Dada a assunção dos riscos da doente, os desejos formulados na consulta, a confiança depositada no cirurgião, nada levaria a crer que a doente não consentisse na cirurgia de enxertos de gordura, cujos riscos são menores para a vida, o corpo ou saúde da doente.

17.A sentença e acórdão recorridos erram ao extrapolar a surpresa com a falta de consentimento presumido e ao limitar-se ao consentimento escrito dado pela Autora, excluindo algo mais do que está escrito.

18. Relativamente à forma do consentimento e nos termos do artigo 219.° do Código Civil, vigora no direito civil português o princípio da liberdade de forma, pelo que, do mesmo modo, também no contrato médico a regra é a da oralidade. No mesmo sentido veja-se o artigo 38.º do Código Penal (de frisar que esta regra não é afastada, mesmo nos casos de intervenções invasivas).

19. A doutrina e a jurisprudência francesa tradicionais têm, em regra, uma visão ampla da extensão da operação, pelo que geralmente admitem que o médico modifique o plano operatório, desde que isso seja razoável para o interesse do paciente, ou dito de outro modo, desde que fosse irrazoável levar a cabo uma segunda operação para tratar o mal descoberto no decurso da primeira.

20. Uma vez que entre nós vigora o princípio da liberdade declarativa, o consentimento relevante para excluir a ilicitude da lesão tanto poderia ser expresso como tácito, sendo certo que neste último caso se teria de deduzir-se de factos que "com toda a probabilidade" revelassem tal consentimento (art. 217.0 do Código Civil), ou seja, é necessário decorrer de factos concludentes, que se reportem à específica e concreta lesão consentida.

21.A verificação do consentimento presumido opera-se por um juízo ex ante, de prognose póstuma, de acordo com um juízo do homem médio colocado na posição de agente e munido dos especiais conhecimentos do agente.

22. Sendo que o recurso ao consentimento presumido é admissível porquanto a intervenção médica era absolutamente inadiável.

23. O acórdão e sentença recorrida violam as seguintes disposições legais: os artigos 483.°, 563.°, 496.°, n.º 1 e 3, 556.°, n.º 3, 219., 342.°, n.º 1 e 340.° do Código Civil e os artigos 38.° e 39.º do Código Penal e a artº 609.° do Código de Processo Civil.

Nestes termos, bem como em todos os demais que V. Ex.as não deixarão de suprir, deve merecer provimento o presente recurso e consequentemente ser proferido douto Acórdão que revoga o Acórdão da Relação do Porto,  substituindo por outra que julgue improcedente por não provados, absolvendo-se os Réus, que se fará por obediência à lei

e imperativo de JUSTIÇA».

Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões, a única questão a decidir é a de saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual por ato médico, nomeadamente, a ausência de um consentimento informado a paciente.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

            II – Fundamentação de facto

           O Tribunal da Relação, no exercício do seu poder de modificação da matéria de facto, ao abrigo do art. 662.º do CPC, alterou as respostas aos quesitos 68.º e 104.º/105.º.

A resposta ao artigo 68.º está integrada no facto provado n.º 93.

As respostas aos artigos 104.º e 105.º, na medida em que remetem para o que consta da resposta aos quesitos 16º e 17º e 90º e 91º, que já integram a matéria de facto provada, não implicaram o aditamento  de factos novos. 

            Os factos dados como provados, após modificação a que procedeu o Tribunal da Relação, são os seguintes:

«1. A autora apresentava cicatrizes em toda a zona inguinal, que ao longo dos anos, foram descaindo, tornando-se visíveis, desde logo, na época balnear, quando a A. vestia fato-de-banho - al. A) dos factos assentes;

2. As cicatrizes em causa originavam uma aparência desagradável e causavam à A. grande desconforto a nível físico e psicológico, dado que a pele visível era a dos grandes lábios vulvares, a qual tinha sido puxada na cirurgia - al. B) dos factos assentes;

3. Assim, em Março de 2003, a A. consultou o R., especialista em cirurgia plástica, no sentido de lhe pedir uma opinião sobre a hipótese de “subir” as cicatrizes, de forma a que estas não fossem visíveis abaixo da linha do fato-de-banho - al. C) dos factos assentes;

4. Num primeiro momento, o R realizaria uma pequena lipoaspiração à parte interna das coxas, sob anestesia local, para que, com o excesso de pele daí resultante, se pudesse passar à segunda intervenção - al. D) dos factos assentes;

5. Num momento posterior, e através de uma outra cirurgia, o R. “subiria”, então, as cicatrizes, de modo a ficarem tapadas pelo fato-de-banho - al. E) dos factos assentes;

6. As duas cirurgias seriam efectuadas se possível, ainda antes da época balnear, de modo a que esta ainda pudesse ser disfrutada pela A - al. F) dos factos assentes;

7. A primeira intervenção ficou marcada para o dia 2.5.03, no Hospital Arrábida Gaia, S.A. - al. G) dos factos assentes;

8. Assim, a A. deu entrada no hospital às 9h. desse dia - al. H) dos factos assentes;

9. Por volta das 10h., e após lhe terem colocado soro, a A. foi levada para o bloco operatório - al. I) dos factos assentes;

10. A A. foi deixada numa sala anexa ao bloco, aonde o R. se deslocou para lhe tirar fotografias - al. J) dos factos assentes;

11. O R. saíu e, pouco depois, entrou o médico anestesista, cuja identificação a A. desconhece, o qual aconselhou o recurso a uma anestesia epidural - al. L) dos factos assentes;

12. No entanto, após ter saído da sala por breves instantes, o referido anestesista regressou à mesma, dizendo à A. que, afinal, era preferível fazer uma anestesia geral ligeira, o que veio a suceder - al. M) dos factos assentes;

13. No Sábado de manhã, dia 3 de Maio, a A. resolveu telefonar ao R., o qual lhe disse que iria visitá-la e dar-lhe alta por volta das 13h., o que veio a acontecer - al. N) dos factos assentes;

14. Aquando da alta, o R. receitou à A. Floxapen 500 mg e, para o caso de ter dores, “Algimate” - al. O) dos factos assentes;

15. A possibilidade de proceder ao enchimento dos grandes lábios nunca foi discutida entre ambos, o que significa que a A. nunca foi esclarecida sobre os riscos inerentes a esse procedimento - al. P) dos factos assentes;

16. Neste dia 5 de Maio, a A. estava já a sentir dores, encontrando-se o grande lábio do lado direito muito inchado e deformado - al. Q) dos factos assentes;

17. No dia 7 de Maio a A. voltou, a seu pedido, à clínica do R., para que este a observasse de novo - al. R) dos factos assentes;

18. O R. reafirmou que estava tudo a correr normalmente e explicou que a gordura existente na parte tumefacta, retirada das coxas por lipoaspiração e injectada nos grandes lábios, iria ser, ainda, absorvida, aconselhando a A. a continuar com a medicação, usar a cinta e aguentar as dores - al. S) dos factos assentes;

19. No dia 9 de Maio, uma semana após a intervenção, a A. voltou a deslocar-se à clínica do R., desta vez para retirar os pontos - al. T) dos factos assentes;

20. A A. estava com muitas dores - al. U) dos factos assentes;

21. No dia 12 de Maio, as dores eram muitas, pelo que a A. dirigiu-se, uma vez mais, à clínica do R., tendo-lhe referido que o antibiótico estava prestes a acabar e que alguma coisa não devia estar bem - al. V) dos factos assentes;

22. O R. reafirmou à A. que a forma como tudo estava a correr não era anormal e prescreveu-lhe mais uma embalagem de Floxapen 500 mg. - al. X) dos factos assentes;

23. A A. chamou, ainda, a atenção do R. para a existência de grandes manchas rubras nas coxas (desde a virilha até ao joelho), as quais estavam cada vez mais vermelhas - al. Z) dos factos assentes;

24. O R., depois de a observar, receitou-lhe Daflon - al. AA) dos factos assentes;

25. No dia seguinte, isto é, no dia 13 de Maio, a A. não conseguia suportar as dores, sentia “formigueiros” nas pernas e estava com uma temperatura de 37,7º, ou seja, com febre - al. BB) dos factos assentes;

26. A A. telefonou, então, ao R., transmitindo-lhe este facto - al. CC) dos factos assentes;

27. No dia 15 de Maio, de manhã, a A. ficou assustadíssima, tendo telefonado, imediatamente, ao R., a chorar, dizendo-lhe que não aguentava mais - al. DD) dos factos assentes;

28. O R. disse à A. que se deslocasse à clínica para ele a ver, o que esta fez - al. EE) dos factos assentes;

29. O R. disse-lhe que esta deveria iniciar um novo antibiótico, tendo-lhe prescrito Flagyl - al. FF) dos factos assentes;

30. A A. deu, telefonicamente, conhecimento ao R de que iria deslocar-se ao serviço de Urgência hospitalar - al. GG) dos factos assentes;

31. O R. pediu-lhe que voltasse à sua clínica para ser observada por ele, o que veio a acontecer - al. HH) dos factos assentes;

32. O R. disse que a A. teria de tomar uma decisão - al. II) dos factos assentes;

33. Sem que a A. tivesse sequer despido completamente os collants e a cinta que trazia ou descalçado as botas, o R., depois de lhe passar uma gaze fresca no grande lábio do lado direito, espetou-lhe aí a seringa - al. JJ) dos factos assentes;

34. Conforme relatório médico junto a fls. 23, a autora “Apresentava um abcesso do grande lábio vulvar direito e eritema inflamatório do grande lábio esquerdo, que terão ocorrido no pós-operatório de intervenção cirúrgica realizada a 02/05/2003 no Hospital ..., por outro colega da especialidade de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva.” - al. LL) dos factos assentes;

35. O Sr. Dr. DD procedeu à drenagem do grande lábio direito e medicou a A. com antibiótico e anti-inflamatório - al. MM) dos factos assentes;

36. O referido cirurgião verificou que se havia formado um abcesso de menores dimensões à esquerda - al. NN) dos factos assentes;

37. No dia 21/05, o Sr. Dr. DD, procedeu à drenagem do grande lábio esquerdo, sob anestesia local - al. OO) dos factos assentes;

38. Em resultado da situação descrita, a A. esteve pelo menos durante 28 dias totalmente impossibilitada de realizar a sua vida normal - al. PP) dos factos assentes;

39. Por carta registada em 19.12.03, a A. enviou à Ordem dos Médicos uma participação disciplinar contra o R., a qual deu origem a instauração do Processo Disciplinar nº 2/2004 - al. QQ) dos factos assentes;  

40. Em 5.4.06, a A. requereu a notificação judicial avulsa do R., responsabilizando-o por todos os danos sofridos e manifestando a intenção de exercer o direito de indemnização que lhe assiste - al. RR) dos factos assentes;

41. Através do contrato de seguro titulado pela apólice nº …, o aqui réu transferiu a sua responsabilidade civil profissional para a companhia de seguros CC – Companhia de Seguros, SA, com inicio em 13.11.1998 - al. SS) dos factos assentes;

42. Aos 19 anos de idade, foi diagnosticada à autora, pelo Sr. Dr. EE, seu dermatologista, uma hidrosadenite supurativa crónica - resp. quesito 1º;

43. Após a Autora ter sido submetida a diversos tratamentos que não surtiram efeito, o referido médico aconselhou a realização de uma cirurgia, que veio a ser efectuada pelo Sr. Dr. FF, cirurgião plástico - resp. quesito 2º;

44. Esta cirurgia não teve sucesso, pelo que, decorrido um ano, a A. voltou a submeteu-se a uma segunda cirurgia, agora realizada pelos Sr. Dr. GG (cirurgião geral) e Sr. Dr. HH (cirurgião plástico) - resp. quesito 3º;

45. Aquele problema ficou resolvido na ordem de cerca de 90%, tendo as cirurgias deixado cicatrizes na zona inguinal da autora - resp. quesito 4º;

46. A autora contava ser submetida a anestesia local e ter alta no próprio dia, pelo que não se fez acompanhar por ninguém - resp. quesito 6º;

47. No percurso para o bloco, as enfermeiras que acompanhavam a A. pediram-lhe as análises ao sangue - resp. quesito 7º;

48. A A. não as tinha pois o R. não lhe solicitou a realização de análises - resp. quesito 8º;

49. A A. tinha feito análises recentemente - resp. quesito 10º;

50. O Réu não visitou a autora no dia da operação - resp. quesito 11º;

51. A Autora, apesar de não estar a contar com isso, pernoitou no dia da cirurgia no hospital - resp. quesito 12º;

52. O Réu disse à Autora para o procurar no seu consultório, no dia 5 de Maio - resp. quesito 15º;

53. No dia 5 de Maio, a A. dirigiu-se à clínica do R., que, depois de a observar, a informou que tinha conseguido resolver o seu problema numa única operação - resp. quesito 16º;

54. O R. disse-lhe, ainda, que, uma vez que os grandes lábios quase tinham desaparecido em resultado das operações anteriores, tinha aproveitado a cirurgia para injectar na vulva os auto-enxertos de gordura, colhidos da face interna das coxas por lipoaspiração - resp. quesito 17º;

55. A A. foi apanhada de surpresa, pois o R. nunca lhe havia pedido autorização para o efeito - resp. quesito 18º;

56. O R. descansou a A., dizendo-lhe que a operação tinha corrido muito bem - resp. quesito 19º;

57. Houve uma progressão das dores e do inchaço - resp. quesito 20º;

58. O R. disse-lhe que já a tinha observado no dia anterior e estava tudo bem, pelo que a febre deveria ter qualquer outra origem - resp. quesito 23º;

59. A Autora sentia-se assustada, com dores e chorava muito - resp. quesito 24º;

60. A A. constatava que, decorridas quase duas semanas desde a operação, o seu estado de saúde piorava progressivamente - resp. quesito 25º;

61. A A. parou, totalmente, de trabalhar - resp. quesito 27º;

62. O seu marido também teve de parar de trabalhar para poder tratar dela, da casa e das filhas, uma das quais já se encontrava a viver em casa da avó - resp. quesito 28º;

63. A A. estava cheia de dores e num estado de grande aflição, tendo dito ao R., a chorar, que a situação era insuportável e que ele tinha de fazer alguma coisa - resp. quesito 30º;

64. Iniciou a nova medicação e foi para casa da sua mãe, pois não podia estar sozinha - resp. quesito 31º;

65. A Autora, desesperada, e com muitas dores, telefonou ao cirurgião geral, Dr. II, tendo o contacto ocorrido no dia 15 de Maio de 2003 - resp. quesito 32º;

66. No mesmo dia 15 de Maio de 2003, da parte da tarde, a Autora voltou à clínica do Réu - resp. quesito 34º;

67. Quando chegou à clínica, a A. não estava em condições de aguardar na sala de espera, pelo que tiveram de a deitar na sala de tratamentos laser - resp. quesito 35º;

68. Depois de a observar a A., o R. disse-lhe que tinha duas opções: aguentar as dores e esperar que o antibiótico viesse a fazer efeito, ou retirar o enxerto, sendo que isso iria estragar tudo o que tinha sido feito na operação - resp. quesito 36º;

69. A A., aflita, sem saber o que fazer, e com as lágrimas a caírem-lhe pela cara, respondeu que não conseguia aguentar as dores e já não podia andar e que precisava, mais do que nunca, da ajuda do R., pois não possuía formação nem informação suficiente para decidir num ou noutro sentido - resp. quesito 37º;

70. O R. pediu, então, à A. para aguardar alguns minutos, tendo saído da sala onde decorria a observação para, pouco depois, regressar com uma seringa na mão - resp. quesito 38º;

71. Quando o R. actuou conforme resulta da alínea JJ, aspirando o pus à A, esta sentiu uma dor intensa, tendo o Réu voltado a espetar outra seringa com cânula, injectando água oxigenada para limpeza do local, o que provocou um ruído de efervescência, causando de novo dor intensa à A - resp. quesitos 39, 40º e 41º;

72. A A. sentiu um alívio imediato e o Réu perguntou-lhe: “Está aliviada, não está?” -resp. quesito 42º;

73. O R. disse à A. que poderia ir para casa, quando quisesse e ausentou-se de seguida - resp. quesito 43º;

74. A A. sentiu-se fragilizada e humilhada com a situação - resp. quesito 44º;

75. A A. contactou telefonicamente o seu dermatologista, Dr.EE, que aceitou observá-la no dia seguinte, a 16 de Maio de 2003, o que veio a acontecer - resp. quesito 45º;

76. Depois de ouvir o relato da A., o Sr. Dr. EE observou-a - resp. quesito 46º;

77. O referido dermatologista diagnosticou à A. “reacção alérgica a material de enchimento dos grandes lábios com aspecto granulomatoso e com celulite da face interna das coxas - resp. quesito 47º;

78. Este médico mandou a A. suspender toda a medicação e prescreveu-lhe injecções de Lincocina (600 mg 2 ml), Rosilan (comprimidos 30 mg) e Proton (cápsulas 20 mg) - resp. quesito 48º;

79. No dia 17 de Maio, dado que o inchaço e as dores aumentaram, a A. contactou, de novo, ao Sr. Dr. II, médico cirurgião, que já contactara anteriormente - resp. quesito 49º;

80. Nesse dia, o Sr. Dr. II observou a Autora, tendo-a mandado contactar um especialista em cirurgia plástica, o Dr. DD, que se disponibilizou a vê-la - resp. quesito 50º;

81. Dada a infecção instalada, esta intervenção (descrita em MM dos factos assentes) foi realizada sem qualquer anestesia, ainda que na presença do médico anestesista, tendo a A. sofrido, mais uma vez, dores terríveis - resp. quesito 51º;

82. No dia 19 de Maio, a A. voltou para retirar o dreno e, nesta altura, sentia já dores fortes no grande lábio esquerdo - resp. quesito 52º;

83. A intervenção do lado esquerdo ficou marcada para o dia 21 de Maio, pelas 13h., ou seja, dois dias depois - resp. quesito 54º;

84. Na mesma ocasião, o Sr. Dr. DD voltou a drenar o lado direito - resp. quesito 55º;

85. O referido médico medicou a autora com antibiótico e anti-inflamatório - resp. quesito 56º;

86. Pela intervenção do Sr. Dr. DD, a A. pagou-lhe, a título de honorários, a quantia de Eur. 1.000,00 (mil euros) - resp. quesito 57º;

87. Em resultado da situação descrita, a A. esteve desde a data da cirurgia até ao dia 30.5.2003 impossibilitada de realizar a sua vida normal, não tendo condições para prestar assistência ao seu marido e às suas filhas menores e requerendo cuidados contínuos, dado que tinha dores muito fortes e quase não podia andar, e não podia trabalhar - resp. quesito 58º;

88. Nesse período, a A. andou angustiada por sentir dores valoráveis no grau 5 numa escala de 7 - resp. quesito 59º;

89. As cicatrizes que a Autora pretendia ocultar mantêm-se, permanecendo visíveis, e nos membros inferiores da Autora, em consequência da lipoaspiração efectuada, existem “ áreas hiperpigmentadas muito dificilmente visualizáveis” - resp. quesito 61º;

90. A A. sente dores no período menstrual - resp. quesito 65º;

91. O uso de roupa interior causa-lhe incómodos - resp. quesito 66º;

92. A autora tem os órgãos sexuais externos deformados, o que lhe causa tristeza e alguns complexos - resp. quesito 67º;

93. A situação supra descrita afectou a vida sexual da A, sendo que, pelo menos, nos seis meses subsequentes à cirurgia, era fonte de dor e mal estar - resp. quesito 68º (Facto alterado pelo Tribunal da Relação);

94. Em virtude dessa situação, a A. sentiu a sua vida afectiva e matrimonial em risco, situação esta que conseguiu ultrapassar, com o apoio do seu marido - resp. quesito 69º;

95. Nessa altura, a A. chegou mesmo a considerar a hipótese de recorrer a apoio psiquiátrico, o que acabou por não se concretizar - resp. quesito 70º;

96. Aquando da cirurgia o Réu tirou fotografias à parte que ia ser intervencionada da A, anteriores e posteriores à intervenção cirúrgica - resp. quesito 71º;

96. A A. desconhecia a existência das fotografias e o Réu não lhe solicitou o seu consentimento para as tirar - resp. quesito 72º e 73º;

97. Em observação objectiva o R. verificou que a A. apresentava um repuxamento dos grandes lábios vaginais para a parte superior da face interna das coxas, provocado pela exérese de pele destas regiões nas cirurgias anteriores - resp. quesito 74º;

98. A correcção pretendida pela Autora era de difícil correcção - resp. quesito 75º;

99. A intervenção referida em E) chama-se “ lifting crural” - resp. quesito 77º;

100. A colocação de expansores implicaria dificuldades em andar e seria muito incómodo para a A - resp. quesito 80º;

101. O pedido de marcação de cirurgia previa como tempo de internamento o período de um dia, com entrada no dia 22.04.2003 e saída no dia 23.04.2003 - resp. quesito 81º;

102. Previa-se ainda que a cirurgia tivesse um tempo de duração de 45 minutos com anestesia local com sedação - resp. quesito 82º;

103. Como decorre da “autorização para intervenção cirúrgica ou Procedimento especial” assinado pela A. esta declara que: “Eu AA, autorizo a realização da intervenção cirúrgica ou procedimento especial Liposaspiração das regiões crurais, cuja finalidade, natureza, benefícios, alternativas e riscos me foram explicados pelo Dr. BB.”

“Mais declaro autorizar a administração de qualquer tipo de anestesia, tratamento, medicação ou transfusão, se considerados necessários pelo médico responsável.”

“Também autorizo o médico responsável e seus assistentes a fazerem tudo o que for necessário, incluindo operações ou procedimentos diferentes dos acima discriminados, na eventualidade da ocorrência de complicações no decurso daqueles.” - resp. quesito 84º;

104. Inicialmente estava prevista uma anestesia local com sedação - resp. quesito 85º;

105. A A. foi levada para a sala de cirurgia, onde foi monitorizada, monitorização que se apresentou com traçado normal - resp. quesito 88º;

106. Foi realizada uma anestesia geral inalatória, tendo a A. ficado em ventilação espontânea e clinicamente estável durante o procedimento, o qual demorou cerca de 50 minutos - resp. quesito 89º;

107. Após ter sido realizada a programada lipoaspiração das regiões crurais, o Réu verificou que a elasticidade da pele das regiões operadas era inferior à esperada, pelo que não seria suficiente para obter o efeito desejado no segundo tempo operatório, tendo por isso decidido intra-operatoriamente aproveitar algum tecido adiposo que havia sido extraído da A. e injectá-lo nos grandes lábios (“vulvoplastia”) - resp. quesito 90º;

108. Desta forma, aproveitando para injectar o tecido adiposo da própria A (e que lhe havia sido retirado na lipoaspiração acabada de realizar), tentou o Réu, num só tempo operatório, restaurar a anatomia da região e elevar as cicatrizes para uma zona escondida - resp. quesito 91º;

109. O R. injectou apenas o próprio tecido adiposo da A. - resp. quesito 92º;

120. No final da cirurgia, a A. acordou sem complicações e seguiu para a sala de recobro acordada, respondendo a perguntas e sem queixas relevantes, tendo alta para a enfermaria/quarto sem se ter verificado qualquer intercorrência - resp. quesito 93º;

121. O médico anestesista Dr. JJ retirou-se do Hospital ... depois de avaliar e concluir que o recobro não tinha complicações - resp. quesito 95º;

122. A A. terminada a cirurgia, teve um “recobro imediato sem complicações” - resp. quesitos 96º e 97º;

123. A A tinha o contacto telefónico do Réu - resp. quesito 98º;

124. Os registos de enfermagem relativos ao dia da cirurgia referem : “sinais vitais estáveis” e “ não verbalizou queixas” - resp. quesito 100º;

125. No dia seguinte a A. teve alta depois de ter sido observada pelo R - resp. quesito 101º;

126. O R. medicou a Autora com antibiótico Floxapen - resp. quesito 102º;

127. Teor do documento junto a fls. 75 - resp. quesito 107º;

128. As dores sofridas pela A. no pós-operatório eram normais - resp. quesito 108º;

129. No dia 09 de Maio de 2003, em nova consulta, foram retiradas as suturas à A. -resp. quesito 109º;

130. Nesta observação, os grandes lábios continuavam com edema e a A. com queixas dolorosas, o que não era anormal - resp. quesito 110º;

131. A A. apresentava manchas rubras desde a virilha até ao joelho, sequela normal de uma lipoaspiração das regiões crurais recente, e estava a ser medicada - resp. quesito 112º;

132. No dia 15 de Maio de 2003, a A. continuava com queixas de dores, pelo que o R. suspeitou de uma eventual infecção do enxerto pelo que associou ao Floxapen 500, Flagyl para aumentar a cobertura antibiótica - resp. quesito 113º;

133. Nesta altura pela observação, eram já evidentes os sinais de infecção do tecido adiposo, com consequente distensão dos grandes lábios - resp. quesito 115º;

134. Face à infecção do tecido adiposo, duas opções poderiam ser tomadas: uma esperar que os antibióticos controlassem a infecção; outra fazer uma limpeza cirúrgica de todo o tecido adiposo, anulando os resultados obtidos com a cirurgia - resp. quesito 118º;

135. A limpeza cirúrgica poria fim às dores da Autora - resp. quesito 119º;

136. A Autora já tinha deformação dos órgãos sexuais externos antes da cirurgia - resp. quesito 123º e 126º;

137. O uso de roupa interior já antes da cirurgia causava incómodo à A - resp. quesito 125º;

138. A A. já tinha, antes da cirurgia praticada, os órgãos sexuais externos deformados e mutilados causando-lhe complexos e tristeza - resp. quesito 126º (embora a resposta a este quesito não conste de forma expressa do despacho proferido a fls. 751 a 772, trata-se de manifesto lapso de escrita já que a fundamentação a esse propósito menciona que obteve resposta positiva);

139. Anatomicamente, a A. ficou no mesmo estado em que estava antes da cirurgia - resp. quesito 127º;

140. A colheita de fotografias feitas pelo réu constitui prática corrente e necessária para a avaliação do pós-operatório - resp. quesito 128º;

141. No processo disciplinar supra referido foi proferida decisão de arquivamento - resp. quesito 129º;

142. A hidrosadenite supurativa crónica é uma patologia recidivante, ou seja que não tem cura, mas pode ter grandes períodos de remissão - resp. quesito 130º;

143. A injecção de tecido adiposo da autora na região vulvar, área de hidrosadenite supurativa crónica, doença que constitui focos de processos inflamatórios e infecciosos recidivantes, é susceptível de perturbar o equilíbrio dessa área - resp. quesito 131º;

144. Por isso esta patologia importa um agravamento do risco acrescido à realização de uma vulvoplastia - resp. quesito 132º».

            III – Fundamentação de direito

  1. Em síntese, resultou comprovado que a Autora teve uma doença quando tinha 19 anos de idade – hidrosadenite supurativa crónica – na sequência da qual foi submetida a intervenções cirúrgicas que lhe provocaram cicatrizes na zona inguinal, que com o decurso do tempo foram descaindo, tornando-se visíveis quando usava fato de banho (factos provados n.º 42 a 45; n.º 1 e 2). Para o efeito de “subir” as referidas cicatrizes, de forma a deixarem de ser visíveis abaixo da linha do fato de banho, a autora consultou o Réu, procurando dele colher informação acerca dessa possibilidade (facto provado n.º 3).

Ficou acordado entre o médico, réu, e a autora, enquanto paciente, que, com vista a alcançar o objetivo almejado pela autora, esta se submeteria a procedimento médico, a realizar através de duas etapas distintas: na primeira, a autora realizaria lipoaspiração à parte interior das coxas; na segunda, com o excesso de pele assim obtido, submeter-se-ia a um “lifting crural”, visando a pretendida “subida” das cicatrizes (factos provados n.º 4 e 5).

No dia 2 de maio de 2003, no Hospital …, S.A., a autora submeteu-se à primeira daquelas intervenções (facto provado n.º 7), tendo previamente assinado uma declaração do seguinte teor (facto provado n.º 103):

“Eu AA, autorizo a realização da intervenção cirúrgica ou procedimento especial Liposaspiração das regiões crurais, cuja finalidade, natureza, benefícios, alternativas e riscos me foram explicados pelo Dr. BB.

Mais declaro autorizar a administração de qualquer tipo de anestesia, tratamento, medicação ou transfusão, se considerados necessários pelo médico responsável.

Também autorizo o médico responsável e seus assistentes a fazerem tudo o que for necessário, incluindo operações ou procedimentos diferentes dos acima discriminados, na eventualidade da ocorrência de complicações no decurso daqueles”.

Todavia, no decorrer do processo da lipoaspiração programada com o consentimento da autora, tendo o Réu constatado que os tecidos sujeitos à intervenção não tinham a elasticidade que esperava, e não tendo com a referida intervenção logrado o ganho de tecidos que supunha vir a obter para a concretização da segunda intervenção planeada, decidiu o mesmo intra-operatoriamente aproveitar algum tecido adiposo que havia sido extraído da Autora e injectá-lo nos grandes lábios da mesma, concretizando, assim, e por este método, uma vulvoplastia, para cuja possibilidade de realização esta não fora sequer alertada, não prestando, assim, o seu consentimento (factos provados n.º 107, 15, 54 e 55). Vieram a ocorrer as complicações pós-operatórias detalhadamente descritas nos autos (factos provados n.º 16, 20 e 21, 23, 25 a 27, 33 a 38, 57, 59 a 95)            

2. No caso sub judice, estamos perante um concurso de responsabilidade civil contratual – incumprimento ou cumprimento defeituoso de um contrato de prestação de serviços médico-paciente – e de responsabilidade civil extracontratual, fundada na violação dos direitos subjetivos da paciente à integridade física e moral, ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação (arts 25.º, n.º1 e 26.º, n.º 1 da CRP e 70.º, n.º 1 do CC).

 A distinção entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual, relacionada com a dicotomia direito relativo/direito absoluto, tem vindo a ser questionada pela doutrina, que salienta as analogias e aproximações crescentes entre as duas modalidades de responsabilidade civil e o surgimento de tipos de responsabilidade civil autónomos em relação a esta dualidade tradicional como a responsabilidade pela confiança. Admite-se o cúmulo das duas responsabilidades, podendo o lesado escolher a que mais lhe convém ou aproveitar de cada regime as soluções mais vantajosas para os seus interesses[1]. Em regra, como a responsabilidade contratual é mais favorável ao lesado, a jurisprudência aplica o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual , solução mais ajustada aos interesses do lesado e a mais conforme ao princípio geral da autonomia privada[2]. Foi esta a solução defendida pelo acórdão deste Supremo Tribunal, de 22-09-2011, relatado pelo Conselheiro Bettencourt de Faria, processo n.º 674/2001.PL.S1, onde se afirma que “estando em causa direitos absolutos, como de integridade básica, põe-se a questão de saber se não concorrem na negligência médica a responsabilidade contratual e a extracontratual. (…) [e]xiste, por isso, um concurso aparente de normas, que deve ser resolvido pela prevalência da responsabilidade contratual, por ser a mais adequada para a defesa dos interesses do lesado.”[3]

 Deve notar-se também que a compensação por danos não patrimoniais não é exclusiva da responsabilidade extracontratual, e tem sido aceite também na responsabilidade contratual[4], com base na violação dos deveres de proteção da esfera pessoal da outra parte.

As instâncias enquadraram juridicamente o caso na responsabilidade civil contratual. Este regime é o mais favorável ao lesado, dada a presunção de culpa que onera o devedor (art. 799.º, n.º 1 do CC), devendo aplicar-se, assim, o princípio da consunção.

Entre Autora e Réu estabeleceu-se uma relação contratual, caraterizada como contrato de prestação de serviço, tipificado no artigo 1154º do CC, que o define como «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

O resultado a que alude esta norma não é a cura em si, mas os cuidados de saúde[5]. No âmbito de tal contrato, não recai sobre o médico o dever de promover a cura do doente com quem contrata ou a obrigação de lhe restituir a saúde, mas somente a obrigação de empreender todos os meios adequados à obtenção de tal resultado. Sobre o médico recai, pois, a obrigação de prestar ao doente os melhores cuidados, com vista a restituir-lhe a saúde e a suavizar o seu sofrimento.

A obrigação contratual do médico constitui um exemplo clássico de uma obrigação de meios, na medida em que este não está vinculado à obtenção de determinado resultado.

«Se por resultado se entendesse o efeito final, último, pretendido como consequência dos meios empregados, o contrato entre médicos e doente não podia acolher-se naquela qualificação, porquanto aquele não assegura, como se disse, um resultado; assume apenas uma obrigação de meios. Mas por resultado do seu trabalho, podem entender-se os próprios meios empregados, as tarefas executadas, com o intuito de (mas não necessariamente) alcançar certo efeito final, meios esses e tarefas essas que, em si mesmas, são já e imediatamente um certo resultado do trabalho manual ou intelectual despendido»[6].

O conceito de “resultado” no contrato de prestação de serviços que se estabelece entre o médico e o doente, enquanto obrigação de meios, como deve ser em regra qualificada, corresponde ao esforço na acção diligente do diagnóstico e do tratamento, e não à cura. A obrigação de meios (ou de pura diligência, como também é conhecida) existe quando “o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza”[7].

Considerando-se que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, sobre este recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, se se quiser eximir à sua responsabilidade, nos termos do art. 799.º, n.º 1 do CC, que consagra uma presunção de culpa do devedor[8].

3. No caso dos autos estamos perante uma cirurgia estética ou reconstrutiva, que se destinava a corrigir um determinado defeito físico e a melhorar a aparência ou a imagem de uma pessoa. Nestas intervenções, a dimensão do resultado assume maior relevância. Como já entendeu a jurisprudência deste Supremo Tribunal, «Em cirurgia estética se a obrigação contratual do médico pode não ser uma obrigação de resultado, com o médico a comprometer-se “em absoluto” com a melhoria estética desejada, prometida e acordada, é seguramente uma obrigação de quase resultado porque é uma obrigação em que “só o resultado vale a pena”. Aqui, em cirurgia estética, a ausência de resultado ou um resultado inteiramente desajustado são a evidência de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso da prestação por parte do médico devedor. Ao médico compete, por isso, em termos de responsabilidade contratual, o ónus da prova de que o resultado não cumprido ou cumprido defeituosamente não procede de culpa sua, tal como o impõe o n.º 1 do art.799.º do CCivil» (Cf. acórdão de 17-12-2009, processo n.º 544/09.9YFLSB, relatado pelo Conselheiro Pires da Rosa).

As cirurgias estéticas, para além da especificidade de comportarem obrigações de quase resultado, exigem um dever de esclarecimento mais intenso e mais rigoroso aos médicos, pelo facto de serem intervenções que não são necessárias do ponto de vista da saúde, tal como a doação de órgãos para transplante ou a participação em ensaios clínicos[9].

4. Na relação contratual entre médico e paciente, a par de deveres de prestação com vista a atingir um determinado resultado, coexistem outros deveres de conduta articulados entre si de forma orgânica e igualmente orientados para o mesmo objetivo. É que as obrigações decorrentes da prestação de serviços médicos caraterizam-se pela designada “relação obrigacional complexa” ou “relação obrigacional em sentido amplo”, em que coabitam deveres laterais, alguns dos quais persistem mesmo após a extinção da relação contratual e que, mesmo que não incluídos no clausulado do contrato ou em norma legal expressa, encontram no princípio geral da boa fé a sua razão de ser.

Esse princípio impõe, no caso do contrato de prestação de serviços médicos, que o médico, de forma simples e facilmente percetível, informe o paciente da situação clínica deste, dos tratamentos e terapêuticas aconselhados à referida situação e dos riscos que os mesmos comportam.  

Essa obrigação encontra-se prevista no artigo 38.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, fazendo o n.º 1 recair sobre o médico o dever de esclarecer o doente acerca dos métodos de diagnósticos ou de terapêutica que se propõe aplicar, enquanto o n.º 2 do mesmo normativo lhe impõe, antes de adotar um método de diagnóstico ou de terapêutica que considere arriscado, o dever de obter do doente, preferencialmente por escrito, o seu consentimento.

O consentimento do paciente é um dos requisitos da licitude da atividade médica (atigos 5.º da CEDHBioMed e 3.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e tem que ser livre e esclarecido para gozar de eficácia. Ou seja, se o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico será ilícita por violação do direito à autodeterminação e correm por sua conta todos os danos derivados dessa intervenção.

Todavia, a obrigação de indemnizar existe mesmo que a operação não autorizada não cause danos à saúde. A lei não exige a ocorrência de danos para a atribuição de uma indemnização em sede de direito civil, pois que o objetivo do consentimento informado não é evitar lesões à saúde ou ao corpo do paciente, mas salvaguardar a sua autodeterminação e o direito à disposição do seu corpo[10]. A violação destes direitos traduz, em si mesma, um dano não patrimonial, independentemente da verificação de outros danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da intervenção médica não consentida pelo facto de não terem sido observadas as leges artis.

 

O médico é obrigado a proceder à reparação dos danos causados pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso, nos termos dos artigos 798.º e 562.º e seguintes do Código Civil, quando, por facto que lhe seja imputável, não cumpre, ou cumpre de forma deficiente, alguma das obrigações que integram o complexo de deveres que o oneram, designadamente, o dever de informação ao doente, de modo a este poder prestar um consentimento esclarecido, o dever de obter o consentimento prévio para procedimentos médicos que envolvam riscos e, ainda, o dever de acompanhamento e de informação relativo ao tratamento e cuidados a adotar após alta médica do doente.

 

5. O consentimento informado do paciente, por força do primado da dignidade da pessoa humana e da sua autodeterminação, é um requisito essencial da licitude da intervenção cirúrgica.

No caso vertente, a questão central discutida no processo diz respeito à existência ou não deste consentimento em relação à vulvoplastia realizada.

A vulvoplastia é uma cirurgia estética destinada a corrigir um defeito físico e exige, como vimos, um rigor extremo na prestação do consentimento e no dever de informação a cargo do médico acerca dos seus riscos.

O facto de a cirurgia ser medicamente indicada não é suficiente para determinar a sua licitude, exigindo-se o conhecimento do doente e o esclarecimento sobre a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou tratamento.

A paciente prestou o consentimento por escrito, para uma lipoaspiração com o objetivo de realizar uma cirurgia estética de «subida» de cicatrizes na zona inguinal, nos seguintes moldes:

“Eu AA, autorizo a realização da intervenção cirúrgica ou procedimento especial Liposaspiração das regiões crurais, cuja finalidade, natureza, benefícios, alternativas e riscos me foram explicados pelo Dr. BB.

Mais declaro autorizar a administração de qualquer tipo de anestesia, tratamento, medicação ou transfusão, se considerados necessários pelo médico responsável.

Também autorizo o médico responsável e seus assistentes a fazerem tudo o que for necessário, incluindo operações ou procedimentos diferentes dos acima discriminados, na eventualidade da ocorrência de complicações no decurso daqueles”.

O teor literal desta declaração, assinada pela paciente, não comporta qualquer autorização para a realização de uma vulvoplastia, pelo que não podemos considerar que tenha havido consentimento escrito.

A autora consultou o réu, como especialista em cirurgia plástica, sobre a viabilidade da subida das cicatrizes de que era portadora, resultantes de anteriores intervenções cirúrgicas, na zona inguinal, de forma a que estas passassem a não ser visíveis abaixo da linha do fato de banho, e este propôs, sem garantia de resultados, a realização de procedimento médico em duas fases: primeiro, uma lipoaspiração e depois, com o ganho de pele obtido através desse método, submeter-se-ia a paciente a um lifting crural, no qual o réu subiria as cicatrizes de forma a ficarem ocultadas pelo fato de banho.

 Foram apenas a lipoaspiração e a subida das cicatrizes os procedimentos médicos autorizados pela autora, discutidos com o réu e abrangidos pelo termo de consentimento/autorização.

6. Alega o réu que a declaração escrita - Também autorizo o médico responsável e seus assistentes a fazerem tudo o que for necessário, incluindo operações ou procedimentos diferentes dos acima discriminados, na eventualidade da ocorrência de complicações no decurso daqueles – abrange a possibilidade de realizar a vulvoplastia, enquanto medida medicamente adequada a corrigir o defeito físico do corpo da autora e procedimento complementar à cirurgia estética acordada (lipoaspiração e subida das cicatrizes).

Esta declaração, enquanto declaração negocial, pode ser objeto de interpretação de acordo com os critérios do art. 236.º, n.º 1 do CC.

Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2010, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas (processo n.º 682/05. 7TBOHP.C1.S1), «A vontade real constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias. Já a vontade hipotética, por resultar do exercício interpretativo, na situação do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, pode ser apurada pelo Supremo Tribunal de Justiça e deve coincidir com o sentido apreensível pelo declaratário normal (…)».     

A regra estabelecida no n.º 1 do art. 236.º é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Consagra-se uma doutrina objetivista – a teoria da impressão do declaratário – com duas excepções de natureza subjetivista: os casos em que não pode ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (art. 236.º, n.º 1, 2.ª parte), ou os casos em que o declaratário conhece a vontade real do declarante (art. 236.º, n.º 2).

 

   A interpretação da declaração negocial deve ser, assim, assumida como uma “operação concreta, integrada em diversas coordenadas”, tendo em conta “o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado”[11].

Serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efetivo, teria tomado em conta. A título exemplificativo, a doutrina refere os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os usos da prática; os modos de conduta por que, posteriormente, se executou o negócio concluído[12].

 Aplicando estes critérios à declaração em causa e ao seu contexto, qualquer declaratário normal entenderia que o termo de consentimento apenas legitimava intervenções não autorizadas urgentes e imprescindíveis para proteger a saúde da autora e para fazer face a circunstâncias supervenientes ocorridas durante a operação, suscetíveis de causar perigo para a saúde ou para a vida da paciente, e que não eram previsíveis à data em que a declaração de consentimento foi proferida.

No caso concreto, esta intervenção cirúrgica não foi realizada no decurso de qualquer complicação decorrente da lipoaspiração ou da subida das cicatrizes, nem poderia sê-lo, porque se trata de uma operação estética, e não da resolução de qualquer problema de saúde que tivesse surgido durante a operação e que fosse necessário debelar.

A operação estética integra o conceito de cirurgia voluntária, distinguindo-se assim da cirurgia curativa ou assistencial, a qual é necessária do ponto de vista da cura de uma doença ou de um problema de saúde. Embora a autora sofresse com o defeito físico de que era portadora desde os 19 anos, e se pudesse considerar esta cirurgia (a vulvoplastia) necessária para a sua saúde psíquica, os factos indicam que, não só tal intervenção médica não foi contratualizada entre médico e paciente, como não havia qualquer urgência em realizá-la para proteção da saúde ou da vida da paciente.

Como consta do facto provado n.º 54, o médico aproveitou a cirurgia para injetar na vulva os enxertos de gordura, colhidos da face interna das coxas por lipoaspiração, sem estar justificado em qualquer necessidade urgente, do ponto de vista da saúde da paciente, que exigisse tal intervenção. Ou seja, a modificação do projeto operatório não se fundamentou em qualquer motivo ligado à proteção da saúde ou da vida da paciente, mas apenas no aproveitamento da oportunidade para proceder à correção de um defeito físico do corpo da autora, que não tinha sido objeto do contrato nem foi imposta por razões imprevisíveis e inadiáveis de proteção da saúde.

 

Esta declaração não tem o significado, para um declaratário normal, de permitir ao médico alterar o plano operatório programado, fazendo uma cirurgia diferente da que estava acordada, só porque verificou que a elasticidade da pele das regiões operadas era inferior à esperada e não seria suficiente para obter o efeito desejado no segundo tempo operatório, o qual estaria dedicado à “subida” das cicatrizes. O que se passou foi o seguinte: o médico foi contratado para realizar uma determinada operação (“subida” das cicatrizes), e, na impossibilidade de a concretizar, decidiu realizar outra operação (vulvoplastia), para a qual não foi contratado, com o objetivo de resolver outro problema diferente.

Temos de concluir, portanto, que a citada declaração escrita, enquanto declaração negocial objeto de interpretação segundo os critérios previstos no art. 236.º, n.º1 do CC, não abrange qualquer autorização para a realização de uma vulvoplastia ou uma vontade conjetural ou hipotética de que esta intervenção fosse realizada.  

 

Também, diferentemente do que afirma o réu, não se verificou qualquer consentimento tácito da autora, deduzido de factos que, com toda a probabilidade o revelem, nos termos do art. 219.º, n.º 1, 2.ª parte do CC, pois a matéria de facto não refere a existência de qualquer conversa entre o médico e a paciente sobre a possibilidade ou necessidade de uma vulvoplastia, nem qualquer comportamento da autora, do qual se pudesse deduzir a probabilidade de tal consentimento tácito, aplicando-se, na análise do grau de probabilidade exigido para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões, um critério prático e social [13]. O contexto factual do caso concreto indica claramente que a autora procurou o réu para fazer um lifting crural e não para uma vulvoplastia, possibilidade que nunca foi discutida entre ambos.

7. Alega o réu, contudo, que a prestação de consentimento não está sujeita a forma legal escrita, podendo, de acordo com o princípio geral da liberdade de forma (art. 219.º do CC), ser prestada verbalmente. Um dos argumentos da sua defesa foi o de que a possibilidade de realizar uma vulvoplastia tinha sido discutida entre médico e paciente, tendo esta autorizado verbalmente a mesma, autorização que decorre da relação de confiança entre médico e paciente.

Esta tese, contudo, não tem qualquer reflexo na matéria de facto, em que se afirma expressamente no ponto n.º 15 que «A possibilidade de proceder ao enchimento dos grandes lábios nunca foi discutida entre ambos, o que significa que a A. nunca foi esclarecida sobre os riscos inerentes a esse procedimento» e ainda o ponto n.º 55 da matéria de facto, em que se considerou provado que «A A. foi apanhada de surpresa, pois o R. nunca lhe havia pedido autorização para o efeito».

Não pode, agora o réu, em face desta matéria de facto, alegar que a autorização resulta tacitamente da relação de confiança médico-paciente, pois esta relação não permite fornecer ao médico o poder de realizar intervenções cirúrgicas sem o consentimento esclarecido da paciente ou sem qualquer consentimento, tanto mais que, tratando-se de uma operação estética, não motivada por razões de saúde, não pode o médico invocar necessidade da operação para proteger a saúde da paciente ou para evitar um perigo para a mesma. A relação de confiança médico-paciente passa pelo respeito total e escrupuloso do princípio da autonomia do/a paciente e do seu direito à autodeterminação, não permitindo aos médicos o exercício de qualquer paternalismo clínico ou poder de decisão sobre o corpo ou sobre a saúde do/a paciente. 

Este Supremo Tribunal não tem poderes para alterar a matéria de facto nem para controlar a prudência com que as instâncias procederam, no exercício do seu poder de livre apreciação da prova, pelo que os factos provados n.º 15 e 54 se impõem como inalteráveis.

8. Invoca o réu, para legitimar a sua intervenção, o consentimento presumido previsto no art. 340.º, n.º 3 do CC, segundo o qual «Tem-se por consentida a lesão, quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível».

O consentimento presumido é uma outra causa de justificação distinta quer do consentimento (verdadeiro), quer do estado de necessidade, e de aplicação subsidiária[14].

Esta norma foi pensada para cobrir as intervenções cirúrgicas indispensáveis ao tratamento de uma pessoa agredida ou acidentada, que não fique em condições de exprimir a sua vontade[15] e mistura um certo tipo de consentimento com a gestão de negócios, referindo-se às hipóteses em que o lesado sofre a lesão no seu interesse, havendo impossibilidade fáctica de prestar (ou alguém por ele) uma vontade real e sendo desconhecida (por ex., inexistência de uma «diretiva antecipada da vontade» ou de «procurador de cuidados de saúde») uma outra vontade do titular interessado[16].

          Este instituto é assim mobilizado nos casos em que o paciente está inconsciente ou por outra razão incapaz de consentir e não está representado por um representante legal, a intervenção é urgente ou no caso de alargamento do âmbito da operação.

Contudo, em relação às operações estéticas, porque se repercutem na imagem da pessoa e na relação consigo mesma e com os outros, porque relacionadas com o corpo e com a identidade, e, no caso sub judice, com o órgão genital da pessoa e com a sua vida sexual e íntima, não é possível que se verifiquem os pressupostos de qualquer consentimento presumido. Este destina-se apenas a fazer face a situações em que no decurso de uma operação ocorrem riscos para a vida ou para a saúde que não foram previstos e que é preciso resolver de imediato, enquanto o/a paciente se encontra ainda em período de inconsciência e incapaz de prestar consentimento.  O recurso ao consentimento presumido só é admissível quando a intervenção médica for absolutamente inadiável[17].

 

Como esclarece André Dias Pereira, «No ordenamento jurídico português a discussão do problema do alcance do consentimento tem necessariamente de ter como referência fundamental a opção do legislador penal, expressa no art. 156º, nº 2, al. b) do CP. A intervenção do médico, sem o consentimento do paciente, não é punida quando, com intenção terapêutica e de acordo com as leges artis, tiver sido dado para certa intervenção ou tratamento, tendo vindo a realizar-se outro diferente por se ter revelado imposto pelo estado dos conhecimentos e da experiência da medicina como meio para evitar um perigo para a vida, o corpo ou a saúde, e não se verificarem circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado»[18].

Contudo, no caso dos autos, temos uma situação ainda mais problemática porque a paciente consentiu numa determinada intervenção, mas durante a operação, o médico modifica o plano operatório projetado ou realiza uma operação de natureza diferente.

A aplicação de uma visão ampla do consentimento nestas situações, ou de um consentimento presumido, coloca em perigo o direito da paciente à disposição do seu corpo.

A jurisprudência francesa mais recente, diferentemente da tradicional invocada pelo réu nas alegações de recurso, exige que a intervenção seja imposta por uma necessidade evidente ou por um perigo imediato (Cour de Cassation, 11-10-1988[19]). No mesmo sentido, a doutrina francesa, para admitir a licitude de uma modificação do projeto operatório, exige um estado de necessidade no sentido penal do termo, ou seja, que a extensão da operação esteja justificada por um perigo grave e iminente[20].

«O direito português (art. 156º, nº 2, al. b) CP) não exige que o perigo seja grave ou iminente. Porém, exige, ainda assim, que o alargamento da operação vise evitar um perigo para a vida, o corpo ou a saúde. E, será inadmissível, ao menos no plano civil, que com base num potencial perigo para o corpo ou para a saúde o médico realize uma intervenção não urgente ou que, pelo menos, possa razoavelmente aguardar pelo consentimento informado do paciente»[21].

Ora, no caso sub judice, os factos indicam de forma inequívoca, que a intervenção cirúrgica que não foi objeto de consentimento prévio, não visava evitar qualquer perigo para a vida, o corpo ou a saúde, nem tinha uma natureza urgente, que não permitisse adiar a mesma para momento posterior depois da obtenção do consentimento informado da paciente. De acordo com a lei e com a ética médica, o médico deve dar prioridade à possibilidade de escolha do paciente face à incomodidade de se repetir a intervenção.

Alega o réu-recorrente que se a autora tivesse sabido da oportunidade de fazer a vulvoplastia com o tecido adiposo que resultou da lipoaspiração, não teria recusado a intervenção.

Trata-se da doutrina do consentimento hipotético, oriunda da jurisprudência e da doutrina alemãs, e que obedece aos seguintes requisitos: 1) que tenha sido fornecida ao paciente um mínimo de informação; 2) que haja a fundada presunção de que o paciente não teria recusado a intervenção se tivesse sido devidamente informado; 3) que a intervenção fosse: i) medicamente indicada; ii) conduzisse a uma melhoria da saúde do paciente; iii) visasse afastar um perigo grave; 4) a recusa do paciente não fosse objetivamente irrazoável, de acordo com o critério do paciente concreto[22].

O ónus da prova do consentimento hipotético, como forma de mitigar a responsabilidade médica, pertence ao médico e aplica-se aos casos de violações menos graves do dever de informação, mas não aos casos de violações graves do dever de informação, por exemplo, omissão de esclarecimento de riscos significativos de uma operação, e, por maioria de razão, aos casos em que falta de todo a prestação de consentimento (intervenções médicas não autorizadas) [23].

De qualquer modo, dados os riscos graves da intervenção médica em causa e a probabilidade de causar dores intensas e incapacidades para manter relações sexuais, andar e trabalhar, como causou, tem que se concluir que a autora, se soubesse dos riscos da mesma, teria recusado a intervenção, pelo que faltam os requisitos do consentimento hipotético.

Sendo assim, deve aplicar-se o princípio geral, de que o consentimento deve ser prestado antes do ato médico e de que a informação, sobretudo nas intervenções médicas com riscos significativos, como o caso da vulvoplastia, devia ter sido fornecida à paciente com antecedência suficiente para que esta pudesse refletir sobre a sua decisão (“prazo de reflexão), e formar livremente, com serenidade, a sua vontade de aceitar a operação ou de a rejeitar.

9. Quanto ao ónus da prova, verifica-se uma divisão no direito europeu.

Em Inglaterra, o paciente tem o ónus da prova de que o médico não cumpriu adequadamente o seu dever de informar e de obter o consentimento informado.

Era esta a tese que vigorava na tradição dos países latinos. Se o paciente invocava um direito – o direito a ser indemnizado pelos danos causados pela intervenção médica arbitrária – a ele cabia a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos do art. 342.º, n.º 1 do CC: a prova da intervenção médica, da falta de consentimento e dos danos sofridos.

Contudo, nos países de direito continental ou de direito civil (p. ex. Aústria, Alemanha, Portugal, Espanha, França, Bélgica e Itália), tem-se verificado uma evolução jurisprudencial que exige o ónus da prova do consentimento ao prestador dos cuidados de saúde.

Para justificar a tese do direito continental, afirma-se que onerar o paciente com a prova da falta de consentimento informado consiste na prova de um facto negativo com as dificuldades probatórias inerentes destacadas pela doutrina processualista.

Por outro lado, sendo o consentimento informado uma causa de justificação que exclui a ilicitude da violação da integridade física, a parte que usa essa defesa – o médico - deve alegar e provar que se verificam os seus requisitos, enquanto facto impeditivo do direito do autor (art. 342.º, n.º 2 do CC).

Na Alemanha, é pacífico que é ao médico que cumpre provar os pressupostos do consentimento justificante, e os tribunais superiores, incluindo o tribunal Constitucional, têm apelado à necessidade de trazer às acções de responsabilidade civil médica uma igualdade de armas ou uma igualdade na aplicação do direito[24].

Apesar das regras do ónus da prova, por força do princípio da colaboração processual, deve exigir-se que cada uma das partes forneça ao processo os elementos em cuja obtenção tem mais facilidade. Este princípio é relevante, sobretudo, quando se trata da prova da falta de informação, admitindo-se, neste contexto, a prova pelo recurso a presunções judiciais ou de experiência. A mitigação do ónus da prova do médico, no contexto de incumprimento do dever de informação, pode explicar-se pela necessidade de evitar uma medicina defensiva, que transforme a relação médico-paciente numa relação burocratizada, com perda de humanidade e de empatia com o doente. Mas não se justifica quando está em causa o ónus da prova do consentimento.

A doutrina portuguesa dominante entende que o consentimento, enquanto causa de exclusão da ilicitude, constitui um facto impeditivo do direito do paciente cuja prova compete ao médico[25]. Baseia-se esta doutrina no princípio do equilíbrio processual, na impossibilidade de prova do facto negativo, e na facilidade relativa da prova para o médico, como perito, em comparação com o paciente, um leigo[26]. No mesmo sentido, se tem orientado a jurisprudência, por entender esta solução mais equitativa, dada a maior facilidade da posição do médico quanto à prova (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-12-2002, relatado pelo Conselheiro Afonso Melo, processo n.º 02A4057).

 

Sendo assim, se o médico não conseguir provar que cumpriu os deveres de esclarecimento e que agiu ao abrigo de um consentimento justificante, recai sobre ele todo o risco da responsabilidade da intervenção médica, os fracassos da intervenção e os efeitos secundários não controláveis e outros danos resultantes da intervenção[27].

No plano probatório, no caso sub judice, a autora demonstrou que o seu consentimento estava limitado a uma determinada operação inicialmente prevista - lipoaspiração e «subida» das cicatrizes – e que o médico ultrapassou as suas funções, quando realizou a vulvoplastia.

 Em face dos factos provados n.º 3, 4 e 5, 15, 54, 55, 103 e 107 ficou demonstrado que o projeto operatório delineado entre médico e paciente não abrangia qualquer vulvoplastia e que o médico excedeu as suas funções quando realizou a mesma, com o intuito de aproveitar algum tecido adiposo que havia sido extraído da autora e injetá-lo nos grandes lábios, para corrigir um defeito físico que a autora tinha desde os 19 anos de idade.

Cabia, então, ao médico, fazer prova da existência de condições que legitimassem esta intervenção complementar não consentida: «(1) os conhecimentos e a experiência da medicina impunham estoutro tratamento; (2) o qual teve em vista evitar um perigo para a vida, o corpo ou a saúde (3) não se verificavam circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado e (4), ao menos no plano civil, a interrupção da operação e subsequente repetição importaria mais danos do que a sua continuação»[28].

             

Estamos no âmbito da cirurgia estética ou voluntária, e não da cirurgia assistencial. As exigências relativas ao consentimento e aos deveres de esclarecimento são mais rigorosas. Não havia qualquer perigo para a saúde ou para a vida no adiamento da operação. A intervenção, apesar de poder melhorar, se feita com sucesso, a vida sexual da paciente e a sua saúde psíquica, não era urgente e inadiável.

Deve exigir-se, portanto, para ser realizada de forma lícita, a obtenção de um consentimento prévio, livre e esclarecido quanto à realização da intervenção em si mesma, a sua natureza, riscos e consequências.  

A atuação do médico é ilícita porque colocou, como afirma o acórdão recorrido, a autora perante o facto consumado, ou seja, perante a conclusão de um ato médico para o qual ela não prestou o seu consentimento, nem fora informada acerca da sua natureza e riscos.

Estamos perante uma violação grave do dever de informar, uma vez que se trata de uma operação realizada sem consentimento prévio e não meramente de um caso de falta de informação (ou de informação insuficiente) acerca dos riscos de uma operação autorizada.

Em consequência, não resta margem para a possibilidade de demonstração de um consentimento hipotético, ou seja, de um consentimento que não teria sido recusado, caso o médico tivesse interrogado a paciente.

O médico não logrou, assim, preencher o ónus da prova do consentimento informado ou do perigo para a vida, o corpo ou a saúde no adiamento da intervenção, nem nenhuma das outras condições necessárias para estarmos perante um consentimento presumido ou hipotético.

10. Não tendo a autora prestado qualquer consentimento, escrito ou verbal, expresso ou tácito, presumido ou hipotético, para a prática do ato cirúrgico a que foi sujeita, estão assim preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual: ilicitude (incumprimento do contrato de prestação de serviços e de regras de conduta decorrentes da ética médica e do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, como a obrigação de obter um consentimento informado); culpa, a qual se presume nos termos do art. 799.º, n.º 1 do CC; nexo de causalidade entre o facto – intervenção médica não consentida – e o dano, no sentido em que aquela é a causa adequada do dano; danos patrimoniais e não patrimoniais amplamente documentados nos autos e refletidos na matéria de facto.

 Os danos não patrimoniais ressarcíveis, como afirmam as instâncias, são as dores, os incómodos e a lesão da intangibilidade pessoal e íntima da paciente, ainda, a violação da liberdade em si mesma.

O Código Civil consagra, em pleno, o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (art. 496.º, n.º 1) e o critério da fixação equitativa da indemnização correspondente (art. 496.º, n.º 3).

Os danos não patrimoniais, embora insuscetíveis de uma verdadeira e própria reparação ou indemnização, porque não avaliáveis em dinheiro, podem ser, de algum modo compensados. Na verdade, a reparação dos prejuízos, precisamente porque estes são de natureza moral (e, nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta (cf. acórdão de 19-10-2004, Revista n.º 2897/04, 6.ª Secção, Relator: Nuno Cameira).

Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis (a vida, a integridade física, psíquica e sexual, a saúde, a liberdade, o bem-estar físico e psíquico, a alegria de viver, a beleza) e não podem ser reintegrados por equivalente. Não se calcula um «preço da dor» ou um «preço da incapacidade» ou da falta de saúde, mas visa-se proporcionar à pessoa lesada uma satisfação que, em certa medida, possa contrabalançar o dano. Esta compensação assume um significado simbólico de reconhecimento da dignidade da pessoa humana e da sua dor, pois, na verdade, estes danos são irreparáveis e nada substitui a qualidade de vida e a saúde perdidas.

«A indemnização por danos não patrimoniais terá por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva.

Isto é, esta indemnização destina-se a proporcionar, na medida do possível, ao lesado uma compensação económica que lhe permita satisfazer com mais facilidade as suas necessidades primárias que possam constituir um alívio e um consolo para o mal sofrido.» Cf. acórdão de 11-01-2011 - Revista n.º 210/05.4TBLMG.P1.S1 - 1.ª Secção - Garcia Calejo (Relator).

 O Código Civil não enumera os danos não patrimoniais, confiando ao tribunal o encargo de os apreciar, no quadro das várias situações concretas.

A concetualização do dano não patrimonial sofrido pela pessoa, a partir da situação concreta em que se encontra em virtude da lesão, conduz ao reconhecimento de várias sub-categorias ou especializações, dentro da categoria geral de dano não patrimonial, consoante o aspecto da vida ou da personalidade que ficou afetado: o dano existencial, como aquele que afecta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera íntima da pessoa; o dano estético, aquele que afecta o seu aspecto físico e a beleza corporal, envolvendo a avaliação personalizada da imagem em relação a si própria e perante os outros; o dano biológico, enquanto dano corporal ou à saúde traduzido na diminuição psicossomática da pessoa, compreende vários factores, susceptíveis de afectar as atividades laborais, recreativas, sociais, a vida sexual e sentimental, e assume um carácter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências na mensuração do dano não patrimonial e/ou do dano patrimonial; o dano da perda de autonomia, que afecta a liberdade de iniciativa, a auto-realização e a auto-estima; o dano psicológico, traduzido em angústia e depressão e ligado ao dano da perda da alegria de viver, que altera a forma como a pessoa vê e sente o mundo no seu quotidiano; o dano da afirmação pessoal, que altera a forma como a pessoa se insere no mundo e se sente a si mesma perante os outros; o dano da incapacidade laboral, que, para além da perda de rendimentos, enquanto dano patrimonial futuro, retira à pessoa a sensação de utilidade e de produtividade, acarretando a perda de auto-estima e do sentido da vida; o dano da perda da possibilidade de gozar os anos da juventude.

A amplitude da noção de dano não patrimonial, sub-dividida em categorias relativas a diferentes e múltiplos aspectos da personalidade e da vida, ainda que possa criar sobreposições parciais entre as várias sub-espécies de danos não patrimoniais tem a virtualidade de conduzir ao significativo alargamento da compreensão do âmbito dos prejuízos efetivamente sofridos pelas vítimas de factos geradores de responsabilidade civil.

 A valorização dos danos não patrimoniais está relacionada com a dignidade da pessoa humana e com a tutela constitucional dos seus direitos fundamentais – os direitos ao livre desenvolvimento da personalidade, à integridade física, psíquica e moral, o direito à saúde, o direito ao trabalho – direitos estes que beneficiam de tutela civil, por força do art. 70.º, n.º 1 do CC, norma materialmente constitucional[29], que remete para o catálogo de direitos consagrados na Constituição (arts 24.º e seguintes da CRP)[30] e que protege um conjunto indeterminado de bens jurídicos pessoais não tipificados, os vários modos de ser físicos, psíquicos e morais da personalidade, de acordo com uma visão mais ampla e rica da pessoa.

 A paciente sofreu, assim, danos existenciais, biológicos, sexuais, psicológicos e físicos, resultantes, não só das consequências da operação, mas também da falta de assistência do réu no período pós-operatório.

Sendo assim, o médico terá que indemnizar a autora dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, tal como decidiram as instâncias, no valor de 26.000,00 euros, uma vez que a autora não recorreu para este Supremo Tribunal, impugnando este valor.

            IV – Decisão

            Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção deste Supremo Tribunal, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

            Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2 de Junho de 2015

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

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[1] Cf. Figueiredo Dias/Sinde Monteiro, «Responsabilidade médica em Portugal», BMJ n.º 332, 1984, pp. 39-40; Pinto Monteiro, Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 430-431; Mota Pinto, Cessão da posição contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 411. Na jurisprudência, cf. TRL 11-09-2007, processo n.º 1360/2007-7, STJ 19-06-2001, processo 01A1008 e 07-10-2010, processo n.º 1364/05.5TBBCL.G1.
[2] Cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 551-552.
[3] No mesmo sentido, TRL 11-09-2012, processo n.º 2488/03.9.

[4] A doutrina portuguesa tem defendido a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais causados ao credor pelo incumprimento, em sede de responsabilidade contratual. Cf. Almeida Costa, Direitos das Obrigações, ob. cit., p. 552; Vaz Serra, «Reparação do dano não patrimonial», BMJ, n.º 83, p. 102 e ss; Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 385-387; Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização, Coimbra, 1990, pp. 31-34, nota 77.
[5] Álvaro Rodrigues, «Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos», Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Volume XIV, 2000, Tomo 3, p. 182.
[6] Cf. Henriques Gaspar, «A responsabilidade civil do médico», CJ, ano III, 1978, p. 343.
[7] Cf. acórdão da Relação do Porto, de 01-03-2012, processo 9434/06.6TBMTS.P1.
[8] Cf. Álvaro Rodrigues, ob. cit., p. 183.
[9] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, «Responsabilidade médica e consentimento inofrmado, Ónus da prova e nexo de causalidade», disponível para consulta in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/10577/1/Responsabilidade%20m%C3%A9dica.pdf

[10] Cf. Vera Lúcia Raposo, Do Ato Médico ao Problema Jurídico, Almedina, Coimbra, 2013, p. 214.
[11] Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, Coimbra, 2005, p. 755.
[12] Cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2005, pp. 446-447.
[13] Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, anotação ao artigo 219.º, p. 208.
[14] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, O consentimento informado na relação médico-paciente, ob. cit., p. 495
[15] Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, anotação ao art. 340.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, p. 302.
[16] Cf. Brandão Proença, Anotação n.º VIII ao artigo 340.º do Código Civil, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 809.
[17] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente. Estudo de Direito Civil, FDUC, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 496,
[18] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, ob. cit., p. 498.
[19] Cf. Leleu/Genicot, Le droit médical – aspects juridiques de la relation médecin-patiente, Bruxelles, De Boeck, 2001, p. 83, apud André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, ob. cit., p. 499.
[20] Cf. Vansweevelt, La responsabilité civile du médicin et de l’hopital, Bruxelles, 1996, n.ºs 265-269, apud O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, ob. cit., p. 500.
[21] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, ob. cit., pp. 500-501.
[22] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, «O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica», in Responsabilidade civil dos médicos, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 485.
[23]  Cf. André Gonçalo Dias Pereira, «Responsabilidade médica e consentimento informado, Ónus da prova e nexo de causalidade», ob. cit.
[24] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, «Responsabilidade médica e consentimento informado, Ónus da prova e nexo de causalidade», ob. cit.

[25]  Cf. Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, pp. 193 e ss., Figueiredo Dias/Sinde Monteiro, Responsabilidade...ob. cit.,  p. 39; Capelo de Sousa, Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 221, nota 446.
[26] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, «Responsabilidade médica e consentimento informado, Ónus da prova e nexo de causalidade», ob. cit.
[27] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, «Responsabilidade médica e consentimento informado. Ónus da prova», ob. cit., p. 21.
[28] Cf. André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, ob. cit.
[29] Cf. Paulo Ferreira da Cunha, Direito Constitucional Aplicado, Coimbra, 2007, pp. 220-222.
[30] Cf. H. E. Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português,Teoria Geral do Direito Civil Português, Coimbra, 2000 (reimpressão de 1992), p. 258, n.º 423.