Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL CONTRATO-PROMESSA COMPRA E VENDA EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO ESCRITURA PÚBLICA PRAZO CUMPRIMENTO FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO | ||
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Data do Acordão: | 07/02/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : |
I. Tendo o contrato-promessa por objeto a compra e venda de uma habitação que irá ser construída pelos promitentes-vendedores, a obrigação dos promitentes-vendedores não é imediatamente exigível, não sendo, pois, uma obrigação pura, nos termos do n.º 1 do art.º 777.º do Código Civil. II. Não tendo as partes clausulado um prazo para a celebração da escritura definitiva, nomeadamente após ter terminado a construção da habitação, mas estando reunidas todas as condições para a outorga da escritura prometida, as obrigações emergentes do contrato tornam-se puras, podendo qualquer uma das partes exigir da outra o cumprimento da obrigação respetiva, mediante interpelação, nos termos previstos nos artigos 777.º n.º 1 e 805.º do Código Civil - não se justificando, em casos como o destes autos, o recurso à fixação judicial de prazo, para se determinar o momento da entrada em mora de qualquer dos contraentes. III. Decorridos seis meses após a A. ter consigo toda a documentação necessária para a realização da escritura, e nada fazendo a A., os RR. interpelaram-na para cumprir, fixando-lhe um prazo razoável para designar a data da escritura (um mês), desde logo lhe dando conta de que, se nada dissesse, considerariam que a A. havia desistido do negócio. Ora, a A. nada fez nem disse. Assim, o passo seguinte adotado pelos RR., a comunicação da resolução do contrato-promessa, constituiu um desfecho adequado, face à lei e ao contrato. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA intentou ação declarativa com processo comum contra BB e CC. A A. alegou que em 14.9.2018 celebrou com os RR. um contrato-promessa, nos termos do qual os RR. se obrigaram a vender à A., e esta se obrigou a comprar-lhes, um prédio urbano destinado a habitação, pelo preço de € 140 000,00, do qual a A. entregou aos RR., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 20 000,00. Os RR. deveriam construir a aludida habitação e entregá-la à A. no prazo de um ano a contar do respetivo licenciamento, devendo nessa ocasião entregar à A. a documentação necessária para que esta marcasse a escritura definitiva, marcação essa que a A. deveria comunicar aos RR.com a antecedência mínima de cinco dias. Ora, em 01.3.2021 a A. recebeu uma carta dos RR., na qual estes comunicaram que o contrato “venceu” em 30.11.2019 e que já haviam sido entregues os documentos necessários à realização da escritura, pelo que a escritura deveria ser agendada. Ora, a A. não havia recebido qualquer documentação, nem a habitação lhe havia sido entregue, nem a sua construção estava concluída. Por outro lado, a A. estava a trabalhar no Reino Unido e, nessa ocasião, as viagens entre os dois países estavam suspensas. Contudo, os RR. enviaram à A. nova missiva, na qual declaravam que o contrato-promessa estava resolvido, por incumprimento definitivo por parte da A.. E, tendo a A. marcado data para a realização da escritura, os RR. a ela não compareceram. Assim, a A. comunicou aos RR. a resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo por parte dos RR.. Entretanto, a A. soube que os RR. haviam vendido a outrem o aludido prédio, por preço superior ao que havia sido contratado. A A. terminou pedindo que fosse reconhecida a resolução do contrato-promessa de compra e venda, por incumprimento definitivo exclusivamente imputável aos RR. e que os RR. fossem condenados a restituírem à A. o dobro do sinal prestado, no valor de € 40 000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento. 2. Os RR. contestaram, começando por alegar que a declaração de resolução do contrato-promessa por parte da A. era ineficaz, por ter ocorrido após a resolução do contrato operada pelos RR.. Por outro lado, os RR. cumpriram tudo a que estavam obrigados, tendo construído o prédio, entregue à A. as chaves da habitação e, bem assim, a documentação necessária que, conforme solicitado pela A., enviaram à instituição bancária a quem a A. havia pedido o financiamento da aquisição do prédio. Assim, os RR. interpelaram a A., fixando-lhe um prazo razoável para que esta marcasse a escritura definitiva, dando-lhe conta de que, se esta nada fizesse, considerariam que ela havia desistido do negócio. Ora, a A. nada fez ou disse, não respondendo sequer à carta, pelo que os RR. consideraram o negócio definitivamente incumprido, procedendo à resolução do contrato-promessa, o que comunicaram à A.. Os RR. concluíram pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido. 3. A A. respondeu, reiterando o afirmado e peticionado na petição inicial. 4. Os autos prosseguiram os seus termos, tendo sido realizada audiência de discussão e julgamento. Em 31.8.2023 foi proferida sentença em que se julgou a ação procedente, condenando-se os RR. conforme peticionado. 5. Os RR. apelaram da sentença e, por acórdão datado de 19.02.2024, a Relação do Porto julgou a apelação procedente e, consequentemente, revogou a sentença recorrida, absolvendo os RR. do pedido. 6. A A. interpôs revista do aludido acórdão, formulando as seguintes conclusões: “1.ª- O presente recurso vem interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que revogou a sentença proferida em Primeira Instância que julgara procedente a ação que a ora Recorrente moveu contra os Recorridos, condenando-os a pagar àquela o valor correspondente ao dobro do sinal que a mesma havia prestado no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de imóvel, celebrado entre as partes em 14.09.2018, acrescido de juros legais a contar da citação até efetivo e integral pagamento. 2.ª- Resulta dos autos que os Réus não cumpriram nenhuma das obrigações que contratualmente assumiram, nomeadamente a de entregarem à Autora o imóvel prometido vender, após a sua construção e obtenção da licença de utilização (“totalmente acabado e em perfeitas condições de habitabilidade”) e a documentação necessária para que esta procedesse à marcação da escritura, e não celebraram, apesar de interpelados, o contrato definitivo, vindo posteriormente a vender o imóvel objeto do contrato promessa a um terceiro. 3.ª- O douto acórdão recorrido entendeu, no entanto, que o incumprimento do contrato promessa foi imputável à Autora — com uma acusação infundada de que foi ela, justamente a parte mais fraca, quem não atuou de boa fé — sustentando que os Réus “cumpriram os passos contratuais para exigir da A. a marcação da escritura” e que a Autora (i) se constituiu em mora, (ii) foi interpelada nos termos do disposto no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil e que, (iii) não tendo marcado a escritura no prazo que foi (unilateralmente) estipulado pelo Réu, incumpriu definitivamente o contrato, dando fundamento aos Réus para a sua resolução. 4.ª- No entender da Recorrente, o douto acórdão recorrido fez, salvo o devido respeito, tábua rasa dos factos que foram dados como assentes nos autos e uma errada interpretação das normas aplicáveis ao presente litígio, dando cobertura à declaração de resolução manifestamente ilícita que foi operada pelos Réus. 5.ª- Tal decisão fez ainda uma errada interpretação das cláusulas do contrato promessa e da própria sentença da Primeira Instância, nomeadamente por ter considerado que esta imputou aos Réus o incumprimento da promessa “dizendo que a habitação não tinha condições de habitabilidade” (como consta do ponto II do sumário do acórdão em crise), quando o que a sentença considerou foi apenas que, quando os Réus entregaram uma chave de acesso à obra, em fevereiro de 2020, o imóvel não tinha ainda as aludidas condições (veja-se que a licença de utilização foi emitida apenas em agosto desse ano), pelo que, não tendo feito posteriormente a “traditio”, que era condição para a marcação da escritura, não podiam exigir o cumprimento pela Autora dessa sua obrigação. 6.ª- Também não é legítima a assunção pelo Tribunal a quo de que a aludida obrigação (condição) acessória teria sido cumprida (retroativamente?) pelos Réus, por lhe terem cedido a aludida chave em fevereiro de 2020, quando o que resulta dos autos é que, nessa altura, as obras estavam ainda a decorrer, não tendo os Réus “abandonado” o imóvel, tanto que mantiveram na sua posse “uma cópia dessa chave para poderem prosseguir os trabalhos”, nem a passou a Autora habitar ou a fruí-lo fosse por que modo fosse. 7.ª- O acórdão recorrido desconsiderou que não foi alegado nem demonstrado que a Autora tivesse tido conhecimento da concessão da licença de utilização, nem que alguma vez lhe tenham sido entregues todas as chaves. 8.ª- O acórdão recorrido errou igualmente ao considerar que o envio pelos Réus, à entidade bancária que fora indicada pela Autora como a que lhe iria conceder o crédito, de documentos respeitantes ao imóvel consubstanciou o cumprimento da sua obrigação, quando tal envio foi realizado sem o “ato prévio de entrega” do imóvel (como referiu a sentença), perdendo “o seu significado contratual (...) que assim se restringe à circunstância de a autora visar a concessão de financiamento bancário”, sem que a Autora os tivesse instruído para não lhe remeterem os documentos a ela, mas ao Banco, e sem sequer ter sido dado conhecimento à Autora dessa entrega, o que traduz mais uma violação dos deveres de informação por parte dos Réus. 9.ª- Sem prescindir, assinala-se que, ainda que os Réus tivessem cumprido “os passos contratuais para exigir da A. a marcação da escritura, como o fizeram pela carta de 26.2.2021”, como entendeu o Tribunal a quo, o certo é que essa exigência foi feita em moldes que, nem o clausulado contratual, nem a lei permitiam. 10.ª- Com efeito, contrariamente ao que foi assumido pelo Tribunal a quo, as partes não estipularam nenhum prazo (e ainda menos um prazo fixo ou absoluto) que se iniciasse com a verificação das condições (as aludidas obrigações a cumprir previamente pelos Réus) que foram estabelecidas no contrato para que a escritura pudesse ser marcada. 11.ª- E não tendo sido fixado pelas partes qualquer prazo, para que a escritura fosse marcada — que se iniciasse a partir, fosse da celebração do contrato, fosse da concessão do licenciamento camarário, fosse da licença de utilização, fosse da pretensa “entrega” do imóvel para habitação, fosse da entrega da documentação à Autora ou ao Banco — jamais poderia a Autora incorrer em mora, independentemente do que se refere na carta de 14.05.2021 que não pode, de modo algum, constituir “confissão extrajudicial” da própria Autora. 12.ª- Pelo que não tinham os Réus o direito de impor unilateralmente a esta um prazo de cumprimento da obrigação de celebrar o contrato definitivo, marcando a respetiva escritura, quando tal não havia resultado do consenso das partes. 13.ª- No caso sub judice, nada constando do contrato a esse respeito, a Autora apenas poderia entrar em mora se não cumprisse o prazo que tivesse sido fixado pelo Tribunal, nos termos previstos nos artigos 777.º, n.º 2 e 1026.º e segs. do Código de Processo Civil. 14.ª- Sendo que a carta datada de 26.02.2021 que o Réu dirigiu à Autora, e com a qual pretendeu ter procedido a uma interpelação admonitória (de forma nada clara inteligível e inequívoca, como acima se mencionou) não tem qualquer valor ou eficácia. 15.ª- O Tribunal a quo, que, como se viu, considerou (erradamente) que os Réus haviam cumprido as suas obrigações, parece ter-se impressionado com a demora na marcação da escritura por parte da Autora, imputando-lhe uma conduta contrária à boa fé e referindo-se até aos juros que os Réus teriam perdido no “decurso de oito meses”. 16.ª Sem embargo de se ter de considerar que a situação não corresponde à que vem descrita no ponto I do sumário do acórdão recorrido, sempre se dirá, que, caso tudo se mostrasse “conjugado para a celebração do contrato prometido” e a Autora tivesse assumido “um comportamento omissivo durante um lapso de tempo considerado intolerável”, sempre poderiam os Réus, como se disse, requerer ao tribunal a fixação do prazo para a outorga do contrato e, eventualmente, pedir ainda uma indemnização pela demora na dita celebração. 17.ª- O que os Réus não podiam, de todo, era fixar, eles próprios, um prazo para o cumprimento, e resolver o contrato ao arrepio de todo as normas aplicáveis ao regime do contrato promessa, recusando-se a celebrar a escritura quando para tal foram interpelados e, demais disso, alienando o imóvel a terceiros, com o que incumpriram definitivamente o contrato promessa. 18.ª- O douto acórdão violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 406.º, 410.º, 432.º, 442,º, 762.º, 777.º, n.º 2, 801.º, n.º 2, 805.º e 808.º, do Código Civil. Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso de revista, revogando-se o douto acórdão recorrido e repristinando-se a sentença da 1.ª instância, julgando-se totalmente procedente a acção e condenando-se os Recorridos a pagar à Recorrente o valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescido dos juros legais devidos calculados à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento, assim se fazendo a esperada e habitual… JUSTIÇA!” 7. Os RR. apresentaram contra-alegações, rematando com as seguintes conclusões: “A. A recorrente ao pretender alterar a matéria de facto provada e não provada, está a desrespeitar os fundamentos do recurso de revista, previstos no artigo 674.º do C.P.C.. B. Tendo sido fixado pelos recorridos à recorrente, um prazo para o cumprimento da obrigação, não tendo a recorrente cumprido a sua obrigação no prazo indicado, nem tendo justificado o motivo pelo seu não cumprimento, uma vez que não respondeu àquela interpelação, não obstante o seu recebimento, não se verificam os pressupostos para o recurso à fixação judicial de prazo. C. A Fixação judicial de prazo nos termos do artigo 777.º do Cód. Civil, pressupõe a existência de uma necessidade de fixação do mesmo, o que não sucede quando ocorre uma interpelação admonitória para o cumprimento de uma obrigação. D. Se a Recorrente fundamenta o seu recurso de revista, alegando a inexistência da sua obrigação de agendamento de contrato de compra e venda definitivo, afigura-se inútil recorrer à figura da fixação judicial de prazo, prevista no n.º 2 do artigo 777.º do cód. civil, uma vez que é a própria recorrente que invoca não cumprir a obrigação que eventualmente o tribunal viesse a fixar dentro daquele prazo. E. O douto acórdão recorrido quando revogou a sentença do Tribunal da primeira instância, interpretou com acerto os factos provados e conferiu a estes a adequada aplicação do direito Nestes termos e nos que V. Exªs mui doutamente suprirão, deve o recurso interposto pela recorrente ser julgado inteiramente improcedente, e em consequência, ser mantida decisão do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação. Assim se fará JUSTIÇA!” 8. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. O objeto do recurso, tal como delimitado pelas respetivas conclusões, consiste na ocorrência de incumprimento do contrato-promessa por parte dos RR., fundamentador do direito da recorrente à restituição, em dobro, do sinal que havia sido prestado pela A./recorrente. 2. As instâncias deram como provada a seguinte Matéria de facto 1. A autora, como segunda outorgante, e os réus, como primeiros outorgantes, celebraram um contrato promessa de compra e venda no dia 14 de setembro de 2018. 2. Por força do aludido contrato, os réus declararam ser donos e legítimos proprietários do prédio urbano, destinado habitação, sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...19/20130322 e inscrito na matriz sob o artigo U ...62 – Parcela Destacada, resultante do destaque, mais precisamente, na parte direita do mesmo. 3. E comprometeram-se a construir uma habitação de tipologia T3, rés do chão, e “comprometeram-se a entregar o imóvel, totalmente acabado e em perfeitas condições de habitabilidade ao Segundo Outorgante, previsivelmente um ano a contar da data de licenciamento camarário”, de acordo com o caderno de encargos que anexaram. 4. As partes convencionaram que o preço para a aludida compra e venda seria de € 160.000,00 (cento sessenta mil euros). 5. A título de sinal e princípio de pagamento, a autora entregou aos réus, que receberam, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), através de transferência bancária. 6. As partes ajustaram ainda que o remanescente do preço, no valor de € 140.000,00 (cento quarenta mil euros), seria pago pela autora aos réus, na data da outorga da escritura de compra e venda. 7. Tendo igualmente fixado que após a entrega do imóvel, “a Primeira Outorgante deverá reunir e entregar ao Segundo Outorgante, toda a documentação que se mostre necessária, para que este proceda à marcação da escritura pública definitiva de compra e venda, informando a Primeira Outorgante da data e local da sua realização, com antecedência mínima de 5 (corridos), por carta registada com aviso de receção”. 8. Foi ainda acordado naquele pacto, na sua cláusula terceira, que: “A primeira outorgante compromete-se a entregar o imóvel, totalmente acabado e em perfeitas condições de habitabilidade ao segundo outorgante, previsivelmente um ano a contar da data de licenciamento camarário.” 9. Na cláusula seguinte estabeleceram que: “Para efeitos de execução da cláusula anterior, a Primeira outorgante entregará as chaves do imóvel, ficando o segundo outorgante investido na posse do imóvel.” 10. Na cláusula quinta consensualizaram que: “Após a entrega do imóvel, a Primeira Outorgante deverá reunir e entregar ao segundo outorgante, toda a documentação que se mostre necessária, para que este proceda à marcação da escritura pública definitiva de compra e venda, informando a Primeira outorgante da data e local da sua realização, com antecedência mínima de 5 dias (corridos), por carta registada com aviso de receção.” 11. A 30/11/2018 foi concedido o licenciamento camarário para a construção do imóvel. 12. A licença de utilização foi concedida a 3 de agosto de 2020. 13. Na data de 18/5/2020 o imóvel possuía certificado energético. 14. Na data de 21/5/2020 o imóvel possuía número de porta. 15. Na data de 13 de agosto de 2020, os réus remeteram à instituição bancária “Banco BPI”, indicada pela autora, a documentação pedida relativa ao imóvel para a concessão do crédito bancário, onde se incluía a licença de utilização, ficha técnica de habitação, certificado energético, certidão do teor da descrição predial da e das inscrições em vigor e ainda caderneta predial. 16. Foi entregue à mãe da autora uma chave de acesso à obra após a realização dos trabalhos de serralharia, em fevereiro de 2020, tendo a autora visitado o local. 17. Em 1 de março de 2021, a autora recebeu uma missiva datada de 26 de fevereiro de 2021, no seu domicílio em Portugal, indicado no pacto, na qual os réus informam que: “o contrato venceu em 30.11.2019, venho por este meio informar que os documentos para a realização da escritura já vos foram fornecidos, pelo que a escritura terá de ser agendada. Assim, solicito a V. Exa. que o faça no prazo de um mês a contar do dia de hoje e me informe com antecedência de 10 dias, o local, dia e hora para a realização da escritura. Na falta de resposta no prazo legal, presumirei que desistiu do negócio.” 18. Em 5 de maio de 2021 a autora recebeu uma missiva datada de 30 de abril anterior, na qual os réus declararam que o aludido contrato promessa de compra e venda: “está resolvido devido ao incumprimento definitivo da sua obrigação contratual de agendar e outorgar como compradora na escritura definitiva de compra e venda do imóvel” 19. A autora retorquiu remetendo aos réus uma missiva datada de 14 de maio de 2021, manifestando estupefação na intenção dos Réus não cumprirem com o contrato promessa, alegando incumprimento definitivo por parte da Autora, solicitando a entrega das cópias do cartão, licença de utilização e certificado energético, interpelando para a marcação da escritura, fixada para o dia 4 de junho de 2021, pelas 14 horas. 20. Responderam os réus por carta datada de 26 de maio de 2021, referindo que o contrato promessa estava resolvido, pelo que, agendar uma escritura à posteriori daquele facto não faria sentido. 21. Os réus não compareceram à escritura de compra e venda agendada nos termos referidos em 19. 22. Posteriormente, em 28 de setembro de 2021, os réus venderam o imóvel a DD. 23. Os réus sabiam que a autora residia e trabalhava no Reino Unido. As instâncias enunciaram os seguintes Factos não provados A. Que para além do descrito em 16, a autora recebeu outras chaves para acesso ao imóvel e que passou a frequentá-lo. B. Que para além do mencionado em 15, os réus entregaram à autora a documentação referida. C. Que a autora se encontrou impedida de se dirigir ao território nacional por força das medidas tomadas contra a pandemia Covid-19, em particular o encerramento de fronteiras, em março de 2021. D. E que por força das referidas circunstâncias pandémicas, os serviços consulares no Reino Unido se encontravam encerrados nessa ocasião. 3. O Direito Está provado que entre a A. e os RR. foi celebrado um contrato-promessa (art.º 410.º n.º 1 do Código Civil), nos termos do qual os RR. obrigaram-se a vender à A. e esta obrigou-se a comprar àqueles um determinado imóvel. Os contratos regem-se pelo clausulado pelas partes, dentro dos limites da lei (art.º 405.º do Código Civil). Os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (n.º 1 do art.º 406.º do Código Civil). Sendo certo que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado” (n.º 1 do art.º 762.º do Código Civil). Se a prestação se tornar impossível “por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação” (n.º 1 do art.º 801.º do Código Civil). E, se a obrigação tiver “por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro” (n.º 2 do art.º 801.º do Código Civil). Configurando-se a situação de incumprimento definitivo, poderá o contraente promitente relapso ser confrontado com a resolução do contrato-promessa e a reclamação de indemnização consequente que será, na ausência de estipulação em contrário e consoante o incumpridor seja o promitente comprador ou o promitente vendedor, a perda de sinal ou o seu pagamento em dobro, ou, no caso de tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o aumento do seu valor ou do direito à data do incumprimento, tudo nos termos dos n.ºs 2 e 4 do art.º 442.º do Código Civil. In casu, a A. peticionou a condenação dos RR. na restituição do sinal em dobro, imputando aos RR. o incumprimento definitivo do contrato-promessa. Segundo a A., o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos RR. traduziu-se na falta de comparência destes à escritura de compra e venda do imóvel prometido que a A. havia marcado e, depois, na venda do imóvel prometido, pelos RR., a terceiro. Os RR. contrapuseram, na ação, que a aludida resolução do contrato era ineficaz, pela simples razão de que os RR. já anteriormente haviam resolvido o contrato-promessa, por incumprimento definitivo do contrato por parte da A.. Com efeito, alegam os RR., tendo a A. sido interpelada, pelos RR., para designar data para a celebração da escritura de compra e venda prometida, para o que os RR. designaram um prazo razoável, sob a cominação de os RR. considerarem que a A. havia desistido do negócio, a A. nada fez, nem sequer respondendo – pelo que os RR. resolveram o contrato, perdendo a A., promitente-compradora, o sinal, nos termos do disposto no art.º 442.º n.º 2 do Código Civil. Vejamos. O contrato-promessa em causa nestes autos tinha por objeto uma habitação que ainda estava por construir. Daí que a obrigação dos RR., promitentes- vendedores, não era imediatamente exigível, não sendo, pois, uma obrigação pura, nos termos do n.º 1 do art.º 777.º do Código Civil. Relativamente à determinação das coordenadas temporais de cumprimento das obrigações dos contraentes, as partes consignaram o seguinte: Os RR. obrigavam-se a entregar o imóvel, totalmente acabado e em perfeitas condições de habitabilidade, à A., previsivelmente no prazo de um ano a contar da data do licenciamento camarário (para a construção) (cláusula terceira). Para esse efeito os RR. entregariam as chaves do imóvel à A., ficando esta na posse do imóvel (cláusula quarta). Após a entrega do imóvel, os RR. reuniriam com a A., devendo entregar a esta toda a documentação necessária para que esta procedesse à marcação da escritura pública definitiva de compra e venda, informando os RR. da data e local da sua realização, com antecedência mínima de cinco dias, por carta registada com aviso de receção (cláusula quinta). Ora, provou-se que em 30.11.2018 foi concedido o licenciamento camarário para a construção do imóvel (n.º 11 dos factos provados). A 3.8.2020 foi concedida a licença de utilização do imóvel (n.º 12 dos factos provados). A 18.5.2020 o imóvel possuía certificado energético (n.º 13 dos factos provados). A 21.5.2020 o imóvel possuía número de porta (n.º 14 dos factos provados). Foi entregue à mãe da A. uma chave de acesso à obra após a realização dos trabalhos de serralharia, em fevereiro de 2020, tendo a A. visitado o local (n.º 16 dos factos provados). A 31.8.2020 os RR. remeteram à instituição bancária “Banco BPI”, indicada pela A., a documentação pedida relativa ao imóvel para a concessão do crédito bancário, onde se incluía a licença de utilização, ficha técnica de habitação, certificado energético, certidão do teor da descrição predial da e das inscrições em vigor e ainda caderneta predial (n.º 15 dos factos provados). Assim, pelo menos desde 13.8.2020 a A. estava em condições de diligenciar pela marcação da escritura definitiva, iniciativa essa que lhe cabia, nos termos do contrato-promessa. É certo que as partes não clausularam um prazo para a celebração da escritura definitiva, nomeadamente após ter terminado a construção da habitação. Assim, estando reunidas todas as condições para a outorga da escritura, as obrigações emergentes do contrato tornaram-se puras, podendo qualquer uma das partes exigir da outra o cumprimento da obrigação respetiva, mediante interpelação, nos termos previstos nos artigos 777.º n.º 1 e 805.º do Código Civil. Não se justificando, em casos como o destes autos, o recurso à fixação judicial de prazo, para se determinar o momento da entrada em mora de qualquer dos contraentes, conforme se infere de jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal (cfr., v.g., acórdãos do STJ, de 21.01.2021, processo n.º 109/19.7T8MAI.P1.S1; de 19.12.2018, processo n.º 22335/15.8T8SNT.L1.S1; de 19.4.2018, processo n.º 6115/15.3T8VLS.S1; de 23.11.2017, processo n.º 212/12.4TVLSB.L1.S1; de 02.02.2017, processo n.º 280/13.1TBCDN.C1.S1). De resto, a própria A. não considerou necessário peticionar ao tribunal a fixação do prazo para o cumprimento do contrato-promessa – tendo interpelado os RR. para a outorga da escritura definitiva, conforme consta no n.º 19 dos factos provados. Mais, ao marcar a escritura em maio de 2021 (vide n.º 19 da matéria de facto provada), a A. denotou que não havia qualquer obstáculo para a concretização do negócio, seja quanto à conclusão, habitabilidade e posse da casa, seja quanto à documentação necessária para o efeito, nada estando em falta, por parte dos RR., para o cumprimento do contrato-promessa. Isto é, não pode a A., à luz da boa-fé que deve presidir à execução dos contratos e das obrigações (art.º 762.º n.º 2 do Código Civil) e ao exercício dos direitos (art.º 334.º do Código Civil), invocar que os RR. não cumpriram as suas obrigações. Nomeadamente, face aos factos provados, não faz sentido a A./recorrente invocar que não se provou que lhe foi entregue a posse da casa, que não se provou que a A. teve conhecimento da concessão da licença de utilização da casa, ou que não lhe foram facultados os documentos necessários à marcação da escritura definitiva. A factualidade provada demonstra precisamente o inverso. Estando em causa uma obrigação pura, o devedor só entra em mora após ser interpelado para cumprir (art.º 805.º n.º 1 do Código Civil). Por outro lado, o credor pode converter a mora em incumprimento definitivo, fixando um prazo razoável para o devedor cumprir a sua prestação, com a cominação de se considerar o contrato definitivamente incumprido (art.º 808.º n.º 1 do Código Civil). Decorridos seis meses após a A. ter consigo toda a documentação necessária para a realização da escritura, e nada fazendo a A., os RR. interpelaram-na para cumprir, fixando-lhe um prazo razoável para designar a data da escritura (um mês), desde logo lhe dando conta de que, se nada dissesse, considerariam que a A. havia desistido do negócio (n.º 17 dos factos provados). Ora, a A. nada fez nem disse. Assim, o passo seguinte adotado pelos RR., a comunicação da resolução do contrato (n.º 18 dos factos provados) constituiu um desfecho adequado, face à lei e ao contrato. Do exposto resulta que a posterior declaração de resolução do contrato-promessa, por parte da A., foi extemporânea e infundamentada. O que significa que a Relação ajuizou bem, devendo a revista improceder. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido. As custas da revista, na modalidade de custas de parte, são a cargo da recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC). Lx, 02.7.2024 Jorge Leal (Relator) Manuel Aguiar Pereira Nelson Borges Carneiro |