Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | VASQUES OSÓRIO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO INTRODUÇÃO FRAUDULENTA NO CONSUMO PENA DE MULTA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE TRÂNSITO EM JULGADO ERRO DE DIREITO INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO RECURSO ORDINÁRIO | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I - Tendo o acórdão revidendo sido proferido em 16 de Novembro de 2023 portanto, decorridos mais de nove anos, quer sobre a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 7 do art. 8º do RGIT, na redacção da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, quanto à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, quer sobre a expressa revogação daquele nº 7, pela Lei nº 75-A/2014, de 30 de Setembro, a utilização nele feita da norma em causa para suportar a condenação solidária do recorrente relativamente ao pagamento da multa penal imposta à sociedade arguida constitui manifesto erro de direito, que conduziu a uma condenação injusta. II - Nem todos os erros causadores de condenações injustas são admitidos ao procedimento legal da respectiva revisão, que depende, sempre, da verificação dos respectivos requisitos. III - É requisito do fundamento de revisão previsto na alínea f) do naº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral seja posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda. IV - In casu, não se verifica este requisito, que foi o invocado pelo arguido, pois que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral é, em muitos anos, anterior ao trânsito em julgado do acórdão recorrido. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça * I. RELATÓRIO O arguido AA, com os demais sinais nos autos, por acórdão de 13 de Julho de 2022, proferido no processo comum colectivo nº 2/04.8ACPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo Central Criminal de ... – Juiz 3, foi condenado, pela prática de um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. pelo art. 96º, nº 1, b), com referência ao art. 97º, b), ambos do RGIT, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, e) do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e, em cúmulo, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 4 (quatro) anos, condicionada à entrega da quantia de € 1339511,35 e legais acréscimos, à autoridade tributária, dela devendo fazer prova nos autos. No mesmo acórdão foi decidido, «Condenar a sociedade “Cruz & Companhia, S.A” com a atual denominação “V & D – VINHOS e DERIVADOS, Lda”, pela prática de um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. pelo art. 96º, nº 1, al b) com referência ao art. 97º, al b) e art. 7º todos do RGIT numa pena de 800 (oitocentos) dias de multa à taxa diária de € 500,00 (num total de € 400.000,00) e por cujo pagamento se condena solidariamente o arguido AA». Inconformados com o decidido, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 11 de Outubro de 2023, negou provimento aos recursos. Em Janeiro de 2024 foram os arguidos notificados, via Citius, para, na qualidade de devedores solidários, procederem ao pagamento da quantia de € 400000, correspondente ao montante da pena de multa imposta à sociedade arguida. Em Fevereiro de 2024 o arguido requereu a reforma da “notificação da multa”, alegando que a sua condenação solidária, na qualidade de representante da sociedade arguida, quanto ao pagamento da multa que a esta foi imposta, se funda no art. 8º do RGIT, cujo nº 1, contudo, não prevê uma responsabilidade solidária, mas uma responsabilidade subsidiária, sendo que, a responsabilidade solidária entre gerente e sociedade condenada em multa, nos casos de conduta dolosa do primeiro, foi declarada inconstitucional, dando azo à supressão do nº 7 do mesmo art. 8º, pela Lei nº 75-A/2014, de 30 de Setembro. Por despacho de 4 de Março de 2024, o Mmo. Juiz titular, com fundamento no esgotamento do poder jurisdicional, indeferiu a requerida reforma. * Invocando como fundamento o previsto na alínea f), do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, veio o arguido interpôs o presente recurso de revisão, formulando no termo do requerimento as seguintes conclusões: a) Por Acórdão proferido nos presentes autos, já transitado em julgado, o Recorrente foi condenado pela prática de um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. pelo art. 96º, nº 1, al b) com referência ao art. 97º, al b), ambos do RGIT numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) Foi ainda condenada a sociedade representada pelo Recorrente, pela prática de um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. pelo art. 96º, nº 1, al b) com referência ao art. 97º, al b) e art. 7º todos do RGIT numa pena de 800 (oitocentos) dias de multa à taxa diária de € 500,00 (num total de € 400.000,00) e por cujo pagamento se condenou solidariamente o arguido AA; c) Na Fundamentação a páginas 111 o Acórdão menciona que a condenação solidária resulta do artigo 8.º do RGIT; d) Contudo, face ao teor do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 171/2014, in D.R. nº 51, Série I de 2014-03-13, que “Declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere a responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas a sociedade”, a condenação solidária não é admissível. De todo o modo; e) O Recorrente foi notificado para no prazo de 10 dias, acrescido da dilação de 5 dias, efetuar o pagamento da multa penal aplicada à sociedade sua representada, com a advertência de que a sua omissão o fará incorrer em prisão subsidiária, dada a solidariedade da condenação da sociedade arguida; f) O Recorrente solicitou a reforma da decisão quanto à solidariedade da condenação da sociedade em multa, podendo a mesma ser convertida em prisão do Recorrente caso a multa aplicada à sociedade arguida não seja paga; g) O Tribunal A QUO declarou-se impedido de reformar a decisão sobre a solidariedade da multa, pelo facto da “reforma” da decisão condenatória, apenas ser possível, através do mecanismo da correção da sentença, prevista no art.º 380.º ou através do recurso, sempre com o limite do trânsito em julgado que, entretanto, ocorreu; h) Pelo que a única via de revisão do douto acórdão quanto à solidariedade para com o Recorrente, da multa aplicada à sociedade arguida, apenas é possível através da presente Revisão; i) Devendo ser revista a douta decisão que condenou solidariamente o Recorrente em relação à multa aplicada à sociedade arguida, dada a inconstitucionalidade de tal decisão, sendo a mesma revista no sentido da subsidiariedade responsabilidade e da condenação. Pelo que, nestes termos e nos melhores de direitos aplicáveis deve o presente Recurso de proceder e, por via dele, Revista a douta decisão proferida quanto à solidariedade para com o Recorrente, da multa aplicada à sociedade arguida, sendo proferida decisão que decida pelo caracter subsidiário da mesma, o que se requer como postulado de serena, sã e objetiva Justiça! * A Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso, alegando, em síntese, que o acórdão recorrido aplicou um regime legal que havia sido declarado inconstitucional com força obrigatória geral e que, à data da prolação da decisão, se encontrava revogado, decisão que o arguido não sindicou em sede de recurso ordinário, que tendo o fundamento do recurso de revisão previsto na alínea f) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, invocado pelo arguido, como causa, a necessidade de criar um meio de execução, no âmbito do processo penal, das sentenças proferidas pelo Tribunal Constitucional que declarem, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido, desde que tenha sido ratio decidendi da condenação, tal fundamento só será aplicável quando a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral seja posterior ao trânsito em julgado do acórdão revidendo, pois que, ocorrendo tal declaração antes do trânsito deste, ela deverá ser reflectida neste acórdão, designadamente, pela via do recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 13 de Julho de 2022, tendo transitado em julgado em 16 de Novembro de 2023 e tendo a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral sido proferida pelo Tribunal Constitucional em 18 de Fevereiro de 2014, não existe fundamento de revisão. * No tribunal da condenação o Mmo. Juiz titular prestou a informação a que alude o art. 454º do C. Processo Penal nos seguintes termos: Somos de parecer que o pedido de revisão não deve ser deferido considerando que: - O Acórdão desta instância foi proferido em 13/07/2022 e transitou em julgado após essa data. - O único fundamento atendível para a eventual revisão é o da al. f) do n.º 1 do art.º 449.º do Código de Processo Penal, isto é, é admissível recurso de revisão caso seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação. - O arguido invoca a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, feita no Acórdão 171/2014 do TC, da norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, por violação do artigo 30º, n.º 3, da Constituição. - Além da norma em causa ter sido, entretanto, revogada - não estando já em vigor à data em que foi proferido o acórdão nesta instância – a revisão com este fundamento – para além dos demais, agora secundários - só seria admissível se a declaração de inconstitucionalidade fosse posterior ao acórdão condenatório, o que não é o caso; - A aplicação de norma já declarada inconstitucional, constituindo fundamento de recurso ordinário, preclude a possibilidade de se lançar mão do recurso extraordinário de revisão; - Sendo o recurso de revisão um meio processual excecional, que se legitima por ser a última barreira de proteção da justiça material - em detrimento da segurança jurídica dada pelo caso julgado - não poderá ser acionado se o destinatário da decisão tiver podido, pelo meio processual regular, reagir contra a decisão que aplicou norma já declarada inconstitucional, como foi o caso dos autos; - Finalmente, anotamos que o art.º 282.º, n.º 3, da CRP, a propósito dos efeitos da declaração da inconstitucionalidade, estabelece que ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido; - E, compulsado o acórdão 171/2014 do TC, verificamos que nada se estipulou quanto aos casos julgados, pelo que, como é regra constitucional, aqueles ficaram ressalvados, o que por si só obsta à revisão com esse fundamento. * * O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, na vista a que alude o nº 1 do art. 455º do C. Processo Penal, emitiu parecer, no termo do qual, concluiu, «III Em síntese: Deve ser denegada a revisão, por manifestamente improcedente, assente na declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, e posterior revogação, de norma em que se fundou a condenação revidenda, posterior àquelas (cfr, arts. 449º/1 e 456º do Código de Processo Penal). IV Em conclusão: Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que deverá: Ser julgado improcedente o presente recurso, com denegação da revisão, por manifesta infundada.». O arguido respondeu ao parecer, reafirmando os argumentos já levados ao requerimento a pedir a revisão, enfatizando que a manutenção da decisão inconstitucional da 1ª instância, arredando a força obrigatória geral do acórdão do Tribunal Constitucional, se traduz em premiar o erro da decisão, criando uma clamorosa injustiça, porventura, processualmente atendível, mas ética e socialmente inaceitável, e concluiu pelo deferimento da pretendida revisão. * * O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (art. 450º, nº 1, c) do C. Processo Penal). O Supremo Tribunal de Justiça é o competente (art. 11º, nº 4, d) do C. Processo Penal). O processo é o próprio. * Colhidos os vistos, foi realizada a conferência. Cumpre decidir. * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso Tal como decorre do respectivo requerimento, constitui objecto do recurso apreciar a verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea f) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal. * * Da verificação do fundamente de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea f) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal 1. Comecemos por sintetizar a matéria de facto relevante, para a questão a decidir: i) Por acórdão de 13 de Julho de 2022 [acórdão recorrido ou revidendo], proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo Central Criminal de ... – Juiz 3, no processo nº 2/04.8ACPRT, foi o arguido e ora recorrente condenado, pela prática de um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. pelo art. 96º, nº 1, b), com referência ao art. 97º, b), ambos do RGIT, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, e) do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e, em cúmulo, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de 4 (quatro) anos, condicionada à entrega da quantia de € 1339511,35 e legais acréscimos, à autoridade tributária, dessa entrega devendo fazer prova nos autos; ii) No mesmo acórdão foi ainda decidido, «Condenar a sociedade “Cruz & Companhia, S.A” com a atual denominação “V & D – VINHOS e DERIVADOS, Lda”, pela prática de um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. pelo art. 96º, nº 1, al b) com referência ao art. 97º, al b) e art. 7º todos do RGIT numa pena de 800 (oitocentos) dias de multa à taxa diária de € 500,00 (num total de € 400.000,00) e por cujo pagamento se condena solidariamente o arguido AA» (sublinhado nosso); iii) Na fundamentação de direito do acórdão revidendo, relativamente à condenação da sociedade arguida e co-responsabilização solidária do recorrente pelo pagamento da pena de multa àquela aplicada, escreveu-se, «Tudo conjugado, temos assim como justo e adequado aplicar aos arguidos: - a pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de falsificação (art 256º1, e) do CP), para o arguido AA; - a pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão pelo crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado, para o arguido AA; - a pena de 800 (oitocentos) dias de multa pelo crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado para a sociedade arguida, à taxa diária de € 500,00 o que perfaz uma multa de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) por cujo pagamento é solidariamente responsável o arguido AA (art. 8º do RGIT).» (sublinhado nosso); iv) Inconformados com o decidido, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 11 de Outubro de 2023, negou provimento aos recursos; v) O acórdão revidendo transitou em julgado em 16 de Novembro de 2023; vi) Por notificação (certificação Citius) de 18 de Janeiro de 2024, o recorrente e a sociedade arguida, na pessoa do Ilustre Mandatário, foram notificados para, a. Considerarem sem efeito a guia da multa penal de € 400000 enviada unicamente para pagamento da responsabilidade da sociedade arguida, b. Remetendo-se nova guia, relativa à referida multa penal, por ser o seu pagamento responsabilidade solidária dos dois arguidos, com a informação de que, o primeiro responsável a efectuar o pagamento, tem direito de regresso relativamente ao outro responsável solidário; vii) Em 1 de Fevereiro de 2024 o recorrente, afirmando ter sido notificado da conta de custas e multa penal a pagar até 6 do mesmo mês, sob pena de execução a instaurar pela Autoridade tributária na falta de pagamento das custas, e prisão subsidiária na falta de pagamento da multa, requereu a reforma da notificação da multa, alegando que a sua condenação solidária, na qualidade de representante da sociedade arguida, quanto ao pagamento da multa que a esta foi imposta, se funda no art. 8º do RGIT, cujo nº 1, contudo, não prevê uma responsabilidade solidária, mas uma responsabilidade subsidiária, sendo que, a responsabilidade solidária entre gerente e sociedade condenada em multa, nos casos de conduta dolosa do primeiro, prevista no nº 7 do mesmo artigo, foi declarada inconstitucional, dando azo à sua supressão, pela Lei nº 75-A/2014, de 30 de Setembro; viii) Por despacho de 4 de Março de 2024, o Mmo. Juiz titular, com fundamento no esgotamento do poder jurisdicional, indeferiu a requerida reforma; ix) O presente recurso de revisão foi interposto a 20 de Março de 2024. 2. Dispõe o art. 29º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa que, [o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos. A consagração constitucional do direito fundamental à revisão de sentença penal condenatória injusta radica na necessidade de estabelecer o equilíbrio entre as exigências de justiça e da verdade material, por um lado, e a imutabilidade da sentença por efeito do caso julgado, por outro (Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 233). Sendo controversa a sua qualificação – verdadeiro recurso ou acção de rescisão autónoma de revisão de sentença –, pelo recurso de revisão pretende-se obter uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, que substitua uma decisão anterior transitada em julgado. Assim, o iter do recurso não passa pelo reexame do primitivo julgamento e respectiva sentença – se assim fosse, seria apenas mais um recurso ordinário –, antes pressupõe um novo julgamento, assente em novos dados de facto, e a respectiva decisão (Simas Santos e Leal Henriques, op. cit., págs. 234-235). O recorrente suporta a interposição do recurso extraordinário de revisão no fundamento previsto na alínea f) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal. Nos termos do disposto nesta alínea, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando [s]eja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação. Este caso de revisão, aditado pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, não versa questão de facto, antes o reexame da questão de direito, deste modo se afastando do padrão normal da revisão, tradicionalmente apoiado na hipervalorização do caso julgado, na oposição entre questão de facto e questão de direito e a desvalorização dos vícios in procedendo, e na difícil harmonização da revisão com os processos de estrutura acusatória, entre outros factores (Simas Santos e Leal Henriques, op. cit., pág. 236 e João Conde Correia, O «Mito do Caso Julgado» e a Revisão Propter Nova, 1ª Edição, 2010, Coimbra Editora, págs. 29 e seguintes e 493-494). Brevitatis causa, podemos dizer que o (novo) fundamento de revisão, previsto na alínea f) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal [juntamente com outros] veio atenuar a tradicional ligação do recurso em causa à questão de facto, abrindo-o, em determinadas circunstâncias, à questão de direito, o que se justifica na medida em que, ao cidadão injustamente condenado deve ser conferida a possibilidade de demonstrar a injustiça por qualquer meio ainda não utilizado, sendo indiferente saber se o erro cometido na decisão é um erro de facto, um erro de direito ou um erro in procedendo (João Conde Correia, op. cit., pág. 426). Com a sua consagração legal, visou o legislador criar um meio processual apto a executar as sentenças proferidas pelo Tribunal Constitucional que tenham declarado, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido, que tenha constituído ratio decidendi da condenação (Henrique Salinas e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Volume II, 5ª Edição Actualizada, 2023, Universidade Católica Editora, pág. 765). São requisitos deste fundamento de revisão: - Que tenha sido declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido; - Que a norma objecto da declaração tenha constituído ratio decidendi da condenação, portanto, tenha sido seu fundamento; e, - Que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral seja posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda (João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, 2024, Almedina, págs. 544-545, Henrique Salinas e Paulo Pinto de Albuquerque, op. e loc. cit., e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2010, processo nº 347/06.2GBVLG-A.S1, in www.dgsi.pt). Por último, deve notar-se que, atento o disposto no art. 282º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, a revisão só é admissível nos casos em que o Tribunal Constitucional não tenha ressalvado os casos julgados. 3. Aqui chegados, vejamos agora se está verificado o fundamento de revisão do acórdão recorrido, invocado no recurso. a. Conforme já referido na matéria de facto relevada (pontos ii) e iii)), na fundamentação do acórdão revidendo, relativamente à condenação da sociedade arguida e co-responsabilização solidária do recorrente pelo pagamento da pena de multa àquela aplicada, foi laconicamente afirmado que a responsabilidade solidária do recorrente resulta do art. 8º do RGIT, enquanto no Dispositivo do acórdão se fez constar apenas que pelo pagamento da pena de multa imposta à sociedade arguida se condena solidariamente o recorrente. Em suma, o único fundamento de direito que se descortina no acórdão revidendo para a condenação do recorrente no pagamento solidário da pena de multa de € 400000 imposta à sociedade arguida é a menção feita ao art. 8 do RGIT (na redacção da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro). Com a epígrafe «Responsabilidade civil pelas multas e coimas», o artigo em causa, na redacção em referência, tinha a seguinte redacção: 1 – Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. 2 – A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa. 3 – As pessoas referidas no n.º 1, bem como os técnicos oficiais de contas, são ainda subsidiariamente responsáveis, e solidariamente entre si, pelas coimas devidas pela falta ou atraso de quaisquer declarações que devam ser apresentadas no período de exercício de funções, quando não comuniquem, até 30 dias após o termo do prazo de entrega da declaração, à Direcção-Geral dos Impostos as razões que impediram o cumprimento atempado da obrigação e o atraso ou a falta de entrega não lhes seja imputável a qualquer título. 4 – As pessoas a quem se achem subordinados aqueles que, por conta delas, cometerem infracções fiscais são solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas àqueles aplicadas, salvo se tiverem tomado as providências necessárias para os fazer observar a lei. 5 – O disposto no número anterior aplica-se aos pais e representantes legais dos menores ou incapazes, quanto às infracções por estes cometidas. 6 – O disposto no n.º 4 aplica-se às pessoas singulares, às pessoas colectivas, às sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e a outras entidades fiscalmente equiparadas. 7 – Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso. 8 – Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade. Como ponto prévio, cumpre notar que a norma cuida do regime da responsabilidade civil por multas e coimas, portanto, pelo respectivo pagamento, nela se prevendo uma responsabilidade subsidiária (nº 1) e uma responsabilidade solidária (nº 7). Estranha-se, pois, a referência feita pelo recorrente, no requerimento de interposição do recurso [conclusão e)] à prisão subsidiária, tendo-se presente o nº 3 do art. 30º da Constituição da República Portuguesa. Por acórdão do Tribunal Constitucional de 18 de Fevereiro de 2014 (nº 171/2014, proferido no processo nº 1125 e 1126/2013) foi decidido, declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, por violação do artigo 30º, n.º 3, da Constituição. No processo nº 331/04.0TAFIG-B.C1-A.S1, por acórdão de 8 de Janeiro de 2014, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça fixou a seguinte jurisprudência: Nos termos do nº 7 do art. 8º do Regime Geral de Infrações Tributárias, sendo condenados, em coautoria material de infração dolosa, uma pessoa coletiva, ou sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada, e os seus administradores, gerentes, ou outras pessoas que exerçam de facto funções de administração, estes são civil e solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas em que a pessoa coletiva, sociedade ou entidade fiscalmente equiparada for condenada, independentemente da responsabilidade pessoal que lhes caiba. Posteriormente, no mesmo processo – na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional que, por decisão sumária de 18 de Março de 2014, o julgou procedente, aplicando a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante do Acórdão nº 171/2014, de 18 de fevereiro de 2014 –, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu: Acórdão nº 11/2014 (DR I, nº 124, de 1 de Julho de 2014) Reformar a jurisprudência fixada, que passará a ter a seguinte formulação: É inconstitucional, por violação do art. 30º, nº 3, da Constituição, a norma do art. 8º, nº 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade. Por seu turno, o art. 30º, b) da Lei nº 75-A/2014, de 30 de Setembro (entrada em vigor, nos termos do seu art. 31º, nº 1, no dia seguinte ao da sua publicação) revogou o nº 7 do art. 8º do RGIT. Dito isto. b. Já notámos que o único fundamento de direito afirmado no acórdão revidendo para suportar a condenação solidária do recorrente no pagamento da multa imposta à sociedade arguida, foi a menção feita ao art. 8º do RGIT (então, com a redacção da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro), sem maior especificação. Nesta norma, conforme já dito também, encontra-se prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração em sociedades (nº 1) e a responsabilidade solidária de quem, dolosamente, tenha ou não aquelas qualidades ou funções, colabore na prática de infracção tributária, pelas multas e coimas aplicadas à pessoa colectiva (nº 7). Assim, a referência feita ao art. 8º do RGIT, sem maior explicitação, nada nos diz quanto à espécie de responsabilidade em causa. Porém, a circunstância de o recorrente e a sociedade arguida terem sido condenados, no acórdão revidendo, pela prática de um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. pelo art. 96º, nº 1, b), com referência ao art. 97º, b), ambos do RGIT, e de, como consta da matéria de facto provada [ponto 3] do mesmo acórdão, o recorrente ser, então, administrador da sociedade arguida, conjugadas com a circunstância de na fundamentação de direito do acórdão (ponto iii) dos factos relevados) se afirmar que o arguido é solidariamente responsável pelo pagamento da multa imposta à sociedade arguida e de no seu Dispositivo (ponto ii) dos factos relevados) se condenar solidariamente o arguido no pagamento da multa de € 400000 imposta à sociedade arguida, permite concluir que a 1ª instância, não obstante as apontadas deficiências de concretização, suportou a declarada responsabilidade solidária pelo pagamento da pena de multa, no referido nº 7 do art. 8º do RGIT. Perante o quadro, legal e jurisprudencial enunciado, tendo o acórdão revidendo sido proferido em 16 de Novembro de 2023 portanto, decorridos mais de nove anos, quer sobre a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 7 do art. 8º do RGIT, na redacção da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, quanto à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, quer sobre a expressa revogação daquele nº 7, pela Lei nº 75-A/2014, de 30 de Setembro, a utilização nele feita da norma em causa para suportar a condenação solidária do recorrente relativamente ao pagamento da multa penal imposta à sociedade arguida constitui manifesto erro de direito, que conduziu a uma condenação injusta. Sucede que o erro podia e devia ter sido impugnado pela via do recurso ordinário, pois era evidente. Contudo, o arguido, que lançou mão do recurso ordinário, não incluiu no seu objecto o erro ocorrido. Ora, nem todos os erros conducentes a condenações injustas são admitidos ao procedimento legal da respectiva revisão, que depende, sempre, da verificação dos respectivos requisitos. Como dissemos, é requisito do fundamento de revisão previsto na alínea f) do naº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral seja posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda. In casu, não se verifica este requisito, que foi o invocado pelo arguido, pois que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral é, em muitos anos, anterior ao trânsito em julgado do acórdão recorrido. Na verdade, a utilização do recurso extraordinário de revisão, nestas concretas condições, significou, por um lado, esquecer a sua qualidade de providência excepcional, e por outro, ‘criar’ um grau de recurso ordinário, que a lei do processo não prevê. c. Em conclusão, sendo o trânsito em julgado do acórdão revidendo posterior – em mais de nove anos – à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não se mostra verificado o fundamento da revisão previsto na alínea f) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal, pelo que, não pode ser esta autorizada. 4. Dispõe o art. 456º do C. Processo Penal que, negada a revisão, o requerente, para além das custas, é condenado no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC, se for considerado manifestamente infundado o pedido. Considerando que a alínea f) do nº 1 do art. 449º do C. Processo Penal poderá comportar outras interpretações (Simas Santos e Leal Henriques, op. cit., pág. 248), e admitindo que o recorrente possa ter sido sugestionado pela referência feita no despacho de 4 de Março de 2024 (ponto viii) dos factos relevados) a «(…) sem prejuízo do que prevê o art.º 449.º, n.º 1, al. f), do Código de Processo Penal, (…)», entendemos não dever o pedido ser qualificado como manifestamente infundado. * * * III. DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar a revisão peticionada pelo recorrente AA. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC (arts. 456º do C. Processo Penal e. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa). * * (O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal). * * Lisboa, 12 de Setembro de 2024
Vasques Osório (Relator) Celso Manata (1º Adjunto) Jorge Gonçalves (2º Adjunto) Helena Moniz (Presidente da secção, com declaração de voto) Declaração de voto explicativa da adesão ao acórdão No presente recurso de revisão, interposto ao abrigo do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. f), do CPP, o arguido, AA, foi responsabilizado solidariamente pelo pagamento da pena de multa de 800 dias à taxa diária de 500 euros (num total de 400 mil euros) em que foi condenada a V&D — Vinhos e derivados, Lda, pela prática de um crime de introdução fraudulenta no consumo qualificado previsto e punido no art. 96.º, n.º 1, al. b), com referência ao art. 97.º, al. b) e art. 7.º, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGTI). Tal como se refere no corpo do acórdão “o único fundamento de direito que se descortina no acórdão revidendo para a condenação do recorrente no pagamento solidário da pena de multa de € 400000 imposta à sociedade arguida é a menção feita ao art. 8 do RGIT (na redacção da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro).” Sendo que a responsabilidade solidária pelo pagamento desta multa estava prevista no n.º 7 daquele dispositivo. O acórdão revidendo é de 13.07.2022, do qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 11.10.2023 negou provimento aos recursos interpostos. A decisão transitou em julgado a 16.11.2023. Como se refere no corpo do acórdão, o Tribunal Constitucional, por decisão de 18.02.2014, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do disposto no art. 8.º, n.º 7 (acórdão n.º 171/2014). A 28.05.2014, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência, seguindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, reafirmando a inconstitucionalidade daquele art. 8.º, n.º 7 (acórdão n.º 11/2014, publicado no Diário da República a 01.07.2014). A 01.10.2014, o art. 8.º, n.º 7, do RGIT estava revogado (cf. art. 30.º, b), da Lei n.º 75-A/2014, de 30.09, com entrada em vigor, nos termos do art. 31.º, n.º 1, no dia seguinte ao da publicação). Ou seja, quer aquando da prolação do acórdão de 1.ª instância, quer aquando da prolação do acórdão do Tribunal da Relação, quer aquando do seu trânsito em julgado, a norma que poderia fundamentar a responsabilização solidária do arguido pelo pagamento da pena de multa já não estava em vigor e tinha sido já declarada inconstitucional; e assim tinha sido fixada jurisprudência no mesmo sentido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Assim sendo, torna-se impossível, tal como se refere no presente acórdão, admitir a revisão tendo em conta o estabelecido no art. 449.º, n.º 1, al. f), do CPP, porque, sendo os pressupostos de admissibilidade do recurso de revisão taxativos, o legislador ordinário não permite ao julgador, atento o caso concreto, admitir um recurso de revisão para lá daqueles pressupostos em ordem à justiça do caso. Mas, no presente caso, verifica-se que para além de o próprio arguido não ter recorrido (em sede de recurso ordinário e em recurso para o Tribunal Constitucional) da decisão, nomeadamente, com fundamento na inconstitucionalidade da norma aplicada, ou com fundamento em não cumprimento da jurisprudência fixada, ou com fundamento na revogação da norma, certo é que, o Ministério Público, enquanto garante da “legalidade democrática” (cf. art. 2.º, da Lei n.º 68/2019, de 27.08) não só não interpôs recurso contra jurisprudência fixada (obrigatório para o Ministério Público nos termos do art. 446.º, n.º 2, do CPP), como não interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (também para ele obrigatório nos termos do art. 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15.11). Se é certo, como se depreende do acórdão, que o erro de não interposição do recurso pelo arguido deve ser ao arguido imputado, o mesmo não podemos dizer quanto à não interposição dos recursos pelo Ministério Público. Se, por um lado, temos que dizer que a lei não dá margem ao julgador para que se possa alterar uma decisão que se baseou em legislação revogada, por outro lado, não podemos deixar de considerar que, num sistema que admite a imediata cessação da execução da pena aquando de uma descriminalização posterior à decisão já transitada em julgado (cf. art. 2.º, n.º 2, do CP), ou quando se atinja o limite máximo da pena (aplicada em decisão já transitada em julgado) prevista em lei posterior (art. 2.º, n.º 4, última parte, do CP), e admite a reabertura da audiência para aplicação de lei penal mais favorável após trânsito em julgado da condenação (cf. art. 371.º-a, do CPP) assim fazendo prevalecer a Justiça sobre o caso julgado, também aqui o legislador deveria ter previsto a possibilidade de revisão e alteração de uma decisão quando esta se baseia em norma já revogada aquando da decisão. Supremo Tribunal de Justiça, 12 de setembro de 2024 Helena Moniz |