Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA DUPLA CONFORME FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE SERVIDÃO ÁGUAS USUCAPIÃO POSSE REJEIÇÃO DE RECURSO RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 05/28/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário : | Tendo a sentença e o acórdão da Relação coincidido em negar o direito de servidão de águas por não provados todos os requisitos necessários à usucapião, não descaracteriza a dupla conforme a circunstância de as instâncias terem divergido quanto à natureza da posse, em nome alheio para a sentença e em nome próprio para o acórdão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça AA, viúva, reformada, representada por BB, seu filho, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra: 1. CC e seu marido, DD; e 2. EE e seu marido, FF. Formulou os seguintes pedidos: 1. Que a autora seja declarada dona e legítima possuidora dos prédios identificados nas alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 1. º da presente petição inicial; 2. Que os segundos réus sejam declarados donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 12.º da petição inicial. 3. Que se declare que o prédio identificado em 2. se encontra onerado, durante todo o ano e a todo o tempo, a favor dos prédios da autora a que se referem as alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 1.º desta mesma petição, por uma servidão de água destinada para todos os consumos domésticos do prédio urbano e para rega e limação dos prédios rústicos, a incidir sobre todas as águas que brotam e saem das nascente e mina existentes naquele prédio. 4. Que se declare que o mesmo prédio (identificado em 2.) se encontra onerado, durante todo o ano e a todo o tempo, a favor dos prédios da autora, a que se referem as alíneas as alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 1.º desta petição, por servidões de aqueduto e de passagem, por tubo subterrâneo e caminho a pé, acessórias daquela servidão de água, para derivação e condução desta para os prédios da autora, para acompanhamento das mesma água e aqueduto e para reparação e desobstrução, quando necessário, dos respectivos cómodos de captação, aproveitamento e condução. 5. Que os primeiros réus (CC e DD) sejam condenados a repararem e a reporem em plena utilização os aquedutos e as condutas da água que interromperam e a refazerem os regos que inutilizaram, destinados aos prédios da autora. 6. Que os primeiros réus (CC e DD) sejam condenados a inutilizarem e a removerem, a canalização e o mecanismo de derivação que colocaram, recentemente, a montante dos prédios da autora, destinados a desviar e a encaminhar a água para noroeste, mormente para um seu prédio sito em ..., .... 7. Que os primeiros réus sejam condenados a realizar as obras referidas em 6. a suas exclusivas expensas, em prazo não superior a oito dias a contar da prolação da sentença que for proferida no âmbito da presente acção; 8. Que todos os réus sejam condenados a absterem-se doravante de praticar quaisquer actos que impeçam, restrinjam ou estorvem o uso por banda da autora das referidas água, aqueduto e caminho, com os respectivos cómodos, aprestos e equipamentos; 9. Que se declare a nulidade, com força obrigatória geral, da escritura de doação de água celebrada entre os segundos réus e o primeiro réu marido, com cancelamento e remoção do registo predial de aquisição fundado na mesma, e com as demais consequências legais e que se condenem os réus a reconhecerem essa nulidade; 10. Que se condenem os primeiros réus a entregarem à autora o prédio descrito na alínea e) do art. 1.º da p.i. e que seja arbitrado um montante pecuniário diário, de pagamento a impender sobre os primeiros réus e a favor da autora, mas também do estado português, a título de sanção pecuniária compulsória, a computar desde a data da citação e até efectiva e integral entrega do dito prédio, montante esse que deverá fixar-se em quantia não inferior a €100,00 (cem euros) diários; 12. Que sejam os primeiros réus condenados no pagamento à autora, a título de compensação pelos danos não patrimoniais que a esta já causaram, quantia não inferior a € 3.000,00 (três mil euros); 13. Que sejam os primeiros réus condenados a pagarem à autora, a título de compensação pelos danos patrimoniais causados e a causar, e não patrimoniais que a estes vierem a causar na pendência da presente acção e posteriormente, quanto aos factos que aqui se discutem, a quantia que, em sede de execução de sentença, vier a apurar-se adequada e proporcional. Para o efeito alegou, em síntese: - É proprietária dos prédios identificados no artigo 1.º da petição inicial; - Os segundos réus são proprietários do prédio identificado no artigo 12.º da petição inicial, no qual se localiza uma mina onde nasce uma água que é captada e feita escoar por um cano que percorre, subterraneamente, o dito prédio, um caminho público e ainda um prédio de terceiro, o qual conduz a água até ao prédio da autora, descrito na alínea e) do artigo 1.º da petição inicial, onde existe uma presa, aí construída para receber a dita água; - A montante da referida presa, por meio de uma bifurcação da respetiva canalização, era a água desviada para a casa de habitação da autora descrita na alínea a) do artigo 1.º da petição inicial; - Aquela água era utilizada, naquela casa, para gastos e consumos domésticos; aquela que não fosse usada para a casa, era represada na poça e utilizada para aí lavar roupa ou para rega dos campos ali existentes (descritos nas alíneas b), c) e d) da petição inicial), através de regos feitos na terra, a céu aberto, com direção para Nascente, Norte e Poente; - Por escritura de 1941, os antigos proprietários da Tapada do Campo do ... (atualmente pertencente aos segundos réus e descrita no art. 12.º da petição inicial), venderam ao antigo proprietário da Quinta da ... (atualmente pertencente à autora e descrito no artigo 1.º da petição inicial) a água nascida na mencionada mina; - Existem sinais visíveis e permanentes da captação e derivação da água por todo o trajeto referido e que se reconduzem à mina, a um bebedouro situado no prédio dos segundos réus e ainda a canalização antiga visível no caminho público que confronta com a Quinta da ...; - A utilização da água é feita pelo modo descrito há mais de 20, 30, 40, 50, 60 e 70 anos, diretamente ou por mão de caseiros (…) durante todo o ano e a todo o tempo, a qualquer hora do dia ou da noite, ininterruptamente e continuadamente, como quem usa coisa exclusiva sua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, com a convicção de exercer um direito próprio sem lesar o de outrem e com a intenção de exercer sobre a mesma água um verdadeiro direito de servidão; - Cerca do ano de 2015, os primeiros réus (sua filha e seu genro, respetivamente) apoderaram-se de toda a água com carácter de exclusividade¸(…) impedindo a mesma de seguir através dos tubos e canalizações próprias para os restantes quatro prédios identificados nas alíneas a) a d) do art. 1.º da petição inicial; - Para legitimar a operação de apropriação sobre a totalidade da água os primeiros réus celebraram com os segundos réus escritura que intitularam de doação da água provinda da única mina existente no prédio denominado Campo do .... Invocou que a referida escritura é nula por configurar doação de bens alheios e também por ser o seu objecto originariamente impossível; - Por mero acto de tolerância, a autora cedeu à sua filha, primeira ré, e ao seu genro, primeiro réu, o prédio identificado na alínea e) do art. 1.º da petição inicial, prédio onde se localiza a presa em que é retida a água provinda do prédio dos 2.ºs réus. Invoca que os primeiros réus cultivam o dito prédio contra a sua vontade e não obstante terem sido já interpelados para a entrega; - Os restantes prédios que constituem a Quinta da ... tornaram-se menos produtivos por lhes faltar a água que, refere, ter sido esbulhada pelos 1.ºs réus; - A quantidade de frutos e produtos que a terra deu foi inferior ao que deveria ser representando por isso um prejuízo patrimonial real que não consegue quantificar por desconhecer em que data cessará a situação de facto existente; - Está impossibilitada de fazer uso e colher os frutos do prédio Leiras da ... ocupado pelos 1.ºs réus, tendo daí resultado um prejuízo patrimonial que alega ser insusceptível de quantificar; - Sofreu danos morais materializados no sofrimento, tristeza, abatimento e desgosto que toda a situação lhe trouxe e que quantifica em €3.000,00. /// Regularmente citados vieram os 1.ºs réus, CC e DD, contestar e reconvir. Em sede de reconvenção, invocaram que desde 1984 usam a água provinda do prédio Campo do ... sem a partilhar com mais ninguém. Referem que passaram a usar a referida água quando compraram o prédio onde construíram a sua casa, e que a aquela água lhes foi cedida pela autora e falecido marido aquando da venda do mencionado prédio. A final, peticionam que se julgue válido o registo do seu direito sobre a água e que se reconheça o seu direito a utilizar em exclusividade a água em causa, por meio de servidão ou por aquisição por usucapião. Os 2ºs RR réus contestaram igualmente, impugnando toda a matéria invocada por desconhecimento, à excepção da matéria referente à propriedade do prédio Campo do ..., que aceitam. A autora respondeu quanto ao pedido reconvencional tendo, em suma, concluindo pela improcedência das excepções invocadas e, bem assim, dos pedidos formulados pelos primeiros réus. Peticionou ainda a condenação de todos os réus, solidariamente, em multa e indemnização nunca inferior a €5.000,00 por litigarem de má fé. /// Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: i. Declaro que a autora é proprietária dos prédios identificados nas alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 1. º da presente petição inicial; ii) Condeno os primeiros réus a entregarem à autora o prédio identificado na alínea e) do art. 1.º da petição inicial livre e desocupado de pessoas, bens e coisa; iii) Declaro que se constituiu, por negócio jurídico, a favor do prédio misto denominado ... descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .02/......10 e composto pelos os prédios identificados nas alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 1. º da presente petição inicial servidão de água que onera o prédio rústico denominado ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .00/......30 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo n.º 3990, e que tem por objecto a água nascida na mina existente neste último prédio e localizada no centro do mesmo; iv) Declaro que se constituiu, por negócio jurídico, a favor do prédio misto denominado ... descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .02/......10 e composto pelos os prédios identificados nas alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 1. º da presente petição inicial servidão de aqueduto que onera o prédio rústico denominado ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .00/......30 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo n.º 3990, e que tem por objecto a derivação da água nascida na mina existente neste último prédio e localizada no centro do mesmo através de canos implementados no solo até à presa sita no campo Leiras da ..., integrado no primeiro prédio; v) Declaro nulo o contrato de doação da água, nascida na mina sita no prédio denominado ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .00/......30, celebrado entre os segundos réus e o primeiro réu a 31/07/2015, e outorgado por escritura pública no Cartório Notarial a Cargo da Dr. ª GG, condenando os réus a reconhecerem a referida nulidade e mais determinando, em consequência, o cancelamento do registo predial do mesmo pela apresentação n.º ..90 de 27/10/2015; vi) Condeno os primeiros réus a inutilizarem e removerem a canalização e mecanismo de derivação de água que colocaram a montante do prédio da autora destinado a derivar a água para ..., a suas expensas e no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença; vii) Condeno os réus a absterem-se de praticar actos que impeçam, restrinjam ou estorvem o uso da água nascida na mina sita no prédio denominado Campo do ... descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..0/......30 pela autora no prédio denominado ... descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .02/......10; viii) Condeno os primeiros réus a pagarem à autora a título de indemnização por danos morais o valor de €1.000,00; ix) Absolvo os réus da instância quanto ao pedido formulado na alínea b) da petição inicial por verificação da excepção dilatória de ilegitimidade activa; x) Absolvo os réus de todos os restantes pedidos formulados pela autora; Julgo a reconvenção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a autora dos pedidos formulados. /// Da sentença apelaram os RR, tendo a A., nas contra alegações requerido a ampliação do objecto do recurso. Por acórdão da Relação de Coimbra foi a apelação julgada improcedente e confirmada a sentença, motivo por que se decidiu não tomar conhecimento da pedida ampliação do objecto do recurso. /// Ainda inconformados, os RR interpuseram recurso de revista para o STJ, em termos gerais, por entenderem não se verificar o obstáculo do nº3 do art. 671º, no qual formulam as seguintes conclusões: 1ª. Os 1ºs RR interpuseram recurso de apelação da sentença, mas sem sucesso pois que a Relação de Coimbra julgou o recurso improcedente e confirmou a decisão da 1ª instância. Entendem os Recorrentes que reúnem os requisitos necessários para a aquisição do direito servidão da água em causa, por usucapião, na medida em que estão preenchidos os requisitos referidos nos artigos 1296º e 1390º nº 2 do Código Civil 2ª. Impõem-se, portanto, a revogação do acórdão recorrido, substituindo-se por um outro que considere a constituição de um direito de utilização deáguapelos1ºRéusatravésdeumaservidão de água por usucapião. 3ª. O tribunal não pode condenar em pedido que não esteja suportado por causa de pedir; 4ª. A condenação dos Recorrentes no pagamento de€1.000,00 a título de danos não patrimoniais à Autora, não está suportada pela causa de pedir atribuída pelos tribunais “a quo” “concluindo que uma desavença com um filho cria sempre sentimentos de tristeza e angústia”. 5ª. Os Réus não podem ser condenados no pagamento de uma indemnização quando o fundamento dessa condenação (causa de pedir) não se encontra sequer alegada na petição inicial, ou em qualquer outro articulado. 6ª. Pelo que impõe-se por esta razão também a revogação do acórdão recorrido. 7ª. Ainda que, porventura, não se verifique constituído o direito de servidão de água, por usucapião, por parte dos 1º Réus, entendem os mesmos que mantêm o direito à utilização da água conforme o têm desde 1984, uma vez que a utilização da referida água é-lhes consentida pelos 2º Réus, que, em momento algum do presente processo lhes pediram a restituição da água. Contra alegaram os Recorridos pugnando pela inadmissibilidade da revista por se verificar uma situação de dupla conforme; assim não se entendendo, deve o recurso ser julgado improcedente. /// Fundamentação. O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: 1. A autora tem registada a seu favor, pela apresentação n.º .02 de 07/02/2017, a aquisição por partilha judicial do prédio misto denominado ... descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .02/......10 e composto pelos seguintes: a. Prédio urbano, composto de casa de habitação de dois andares e dependência, sito em ..., constando com a superfície coberta de 96 m.2 e dependência com 20 m.2, a confrontar por todos os lados com Herdeiros de HH, inscrito na matriz respetiva sob o artigo 1050. b. Prédio rústico denominado Leiras de ... e Lameiro de ..., sito em ..., composto de terra lavradia, constando com a área de 900 m.2, e constando a confrontar pelo Norte com II, pelo Sul e Nascente com o próprio e pelo Poente com JJ, inscrito na matriz respetiva sob o artigo n. º 6251. c. Prédio rústico denominado Monte ..., sito em ..., composto de terra de mato, pinhal e também terra de cultivo, constando com a área de 2600m.2, e constando a confrontar pelo Norte com Caminho de Servidão, pelo Nascente com KK, pelo Sul com Caminho Público e pelo Poente com CC e, inscrito na matriz respetiva sob o artigo n. º 6255. d. Prédio rústico denominado ..., sito em ..., composto de terra lavradia, constando com a área de 2100 m.2, e constando a confrontar pelo Norte com Oficina da Câmara Municipal, pelo Nascente com JJ, pelo Sul com Caminho Público e pelo Poente com LL, inscrito na matriz respetiva sob o artigo n. º 6258. e. Prédio rústico denominado Leiras da ..., sito em ..., composto de terra de lavradia, constando com a área de 3200m2, a confrontar pelo Norte com caminho de Servidão e Leiras da ..., pelo Nascente com MM e pelo Sul e Poente com Caminho Público, inscrito na matriz respetiva sob o artigo n. º 6262. 2. Todos os referidos cinco prédios fizeram parte integrante de uma unidade predial de maiores dimensões, denominada ..., ou Quinta da .... 3. A ... de ... de 1941 perante a notária NN, no Cartório Notarial de ..., compareceram OO e esposa PP, e QQ, na qualidade de procurador dos também vendedores, RR e esposa SS, todos na qualidade de primeiros outorgantes; TT e esposa UU, na qualidade de segundos outorgantes; e ainda VV, na qualidade de terceiro outorgante; os quais perante a primeira declararam: Pelos primeiros outorgantes, OO e esposa e QQ como procurador de RR foi dito: Que por esta escritura e de hoje para sempre vendem ao terceiro outorgante VV, pela quantia de onze mil oitocentos e cinquenta escudos, que dele já receberam, (…) dando-lhe quitação, a propriedade da ... terra lavradia e mato com casa de habitação (…) com suas águas, regos (…) pertenças e servidões que lhe são devidas por uso, posse, prescrição e outro qualquer direito, transferindo e trespassando, tais direitos ao comprador VV (…). Disseram os segundos outorgantes TT e esposa que são senhores e possuidores da Tapada do Campo do ..., situada nos limites de ..., desta freguesia de ... (…) também vendem ao terceiro outorgante VV, pela quantia de cem escudos, que dele já receberam em moeda corrente, dando-lhe quitação, uma nascente de água existente quasi ao cimo da mesma tapada do Campo do ..., e numa mina no seu subsolo introduzida, podendo prolongar a mesma mina no subsolo em linha reta, até ao limite divisório da mesma tapada, lado sul, em que esta confina com o monte do ..., ficando também as águas que resultarem deste aumento de mina a exploração a pertencer ao comprador. As águas vendidas, já exploradas ou que o forem com o aludido aumento da mina, têm de ser derivadas no subterraneo da tapada, pelo comprador, em canos de ferro zincado ou gré, desde o local de embocadura da mina até ao caminho (…) confinante ao lado norte, para cujo efeito este contrato também compreende tal direito de servidão sub-terraneo no local indicado pelos vendedores, dentro da mesma tapada e junto ao local de derivação de água, tem de ser edificado pelo comprador, um reservatório ou pia de pedra, onde as águas canalizadas dêem entrada e nela façam depósito seguindo depois canalizadas do mesmo reservatório, o seu curso legal ate ao limite indicado da canalização, que este reservatório será coberto com uma porta de ferro, para as águas que nele façam depósito estejam em condições de limpeza, afim de que os vendedores, seus caseiros, serviçais ou seus herdeiros e sucessores, ou ainda caseiros e serviçais destes as possam livremente e sempre quando o julgarem conveniente, aproveitar para si e para os seus gados, quando por ventura encontrem na aludida tapada e quando delas careçam, não podendo nunca em qualquer tempo, serem impedidos de exercerem tais direitos. Que tal reservatório será fechado, tendo duas chaves, uma das quais ficará pertencendo aos vendedores e outra ao comprador, sendo as despesas ocasionadas com a canalização, reservatório, tampa de ferro, chaves e fechadura, deitas só pelo comprador, seus herdeiros e sucessores. Fica ao comprador livre o direito de poder quando o julgar conveniente, proceder ao referido aumento da mina, suas reparações e encanamentos tanto na parte inovada dela como na já existente e ainda no subterrâneo e canalização da agua e onde esta assenta, reservatório e seus aprestes quando disso careçam, ficando sempre tais despesas da sua expressa responsabilidade, assistindo livremente aos vendedores, seus herdeiros e sucessores, o livre e amplo direito de fiscalização de todos estes trabalhos. Aos vendedores, seus herdeiros e sucessores, fica a faculdade livre de puderem proceder a explorações de águas na sua mencionada tapada do Campo do ..., pelos meios e formas que melhor entenderem, tanto à superfície dela, como no seu subterrâneo, nunca podendo serem emparados de exercerem tais direitos, sendo certo que não podem nunca com tais explorações de aguas a fazer por si, seus herdeiros e sucessores, ou por terceiros com seu consentimento, prejudicar as aguas que por esta escritura venderam ao comprador, com os direitos que delas fazem parte integrante. Que as obras que ficaram referidas já se acham completamente realizadas pelo comprador e foram feitas de comum acordo com os vendedores, como também assim declarou o comprador que as aguas aqui adquiridas com os seus respetivos direitos são por ele destinadas a beneficiar a sua propriedade da ..., que comprou por esta escritura e a quem ficam a pertencer. Que assim, e nos termos e condições expostas, os vendedores TT e esposa, fazem a presente venda boa e para sempre irrevogável com transferência imediata dos seus respetivos direitos. Pelo comprador VV, foi aceite os dois (…) contratos na forma outorgados com as quitações de seus preços (…). 4. Por escritura pública datada de .../.../1983, outorgada no Cartório Notarial de ..., VV e WW, enquanto primeiros outorgantes, XX, enquanto segunda outorgante, e HH casado com AA, enquanto terceiro outorgante, declararam: E pelos primeiros e segunda outorgantes foi dito que, por esta escritura e pelo preço de trezentos mil escudos, que já receberam, vendem ao terceiro outorgante o seguinte: Prédio urbano composto de rés do chão e primeiro andar e dependências, sito no lugar de ..., a confrontar do nascente, norte poente e sul com VV e outra, faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o número onze mil oitocentos e noventa e três, a folhas cento e setenta e seis, do livro B, número trinta e inscrito na matriz predial urbana desta freguesia e concelho de ..., sob o artigo mil e cinquenta, com o valor matricial de setenta e cinco mil e seiscentos escudos. E declarou o terceiro outorgante que aceita este contrato, e que a referida casa de habitação se destina a habitação permanente do comprador (…). 5. Por escritura pública datada de .../.../1983, outorgada no Cartório Notarial de ..., VV e WW, enquanto primeiros outorgantes, XX, enquanto segunda outorgante, e HH com AA, enquanto terceiro outorgante, declararam: - art. 3.º da p.i. E pelos primeiros e segunda outorgantes foi dito que, por esta escritura e pelo preço de cinquenta mil escudos, que já receberam, vendem ao terceiro outorgante com as respetivas águas, servidões e mais pertenças o seguinte: Prédio rústico composto de terra lavradia e mato, na ..., a confrontar do nascente e sul com o caminho, poente YY e norte YY, faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o número onze mil oitocentos e noventa e três, a folhas cento e setenta e seis, do livro B, número trinta, e inscrito na matriz predial rústica desta freguesia e concelho de ..., sob o artigo dois mil quinhentos e vinte e seis, com o valor matricial de vinte e três mil quatrocentos e sessenta escudos. E declarou o terceiro outorgante que aceita este contrato. 6. Por si e pelos seus antepossuidores, pessoalmente e/ou diretamente, e/ou, também, por meio de interpostas pessoas, nomeadamente caseiros, desde há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, que a autora vem possuindo os referidos prédios e que deles vem retirando, a seu favor, todas as utilidades suscetíveis de nos mesmos serem proporcionadas, habitando o prédio urbano, aí dormindo e tomando as suas refeições habitualmente e aí recebendo familiares e amigos, e, com respeito aos prédios rústicos, cultivando-os, amanhando-os, limpando-os, neles semeando, neles plantando e deles colhendo e retirando todos os frutos e produtos da região, num contexto agro-pecuário intensivo, mas de subsistência, nele tendo e mantendo, em seu proveito, nomeadamente, uvas para vinho, milho, azeite, batatas, feijão, produtos hortícolas, fruta, porcos, vacas, ovelhas, cabras e galinhas, praticando todos os atos necessários à conservação dos mesmos prédios, fazendo neles obras e pagando as respetivas contribuições e impostos, tudo na séria convicção de que tais prédios, acima enumerados e descritos, eram, como são, propriedade exclusiva sua. 7. Assim agindo à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição ou impedimento de outrem e sem qualquer tipo de violência, ao longo de todo o ano, e durante todos os anos referidos (há mais de 20, 30, 40 e 50), de modo ininterrupto, sempre com firme convicção de não lesar quaisquer direitos de outrem e com manifesta e clara intenção de adquirir, manter e exercer, sobre os mesmos prédios, verdadeiros direitos de propriedade. 8. Os segundos réus têm registada a seu favor, pela apresentação n.º .61 de 13/01/2014, a aquisição por compra do prédio rústico denominado Campo do ..., sito no lugar de ..., na freguesia e concelho de ..., com a área aproximada de 48.500m2, a confrontar pelo Norte com ZZ, pelo Sul com Baldio, pelo Nascente com AAA e outro e pelo Poente com caminho, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .00/......30 e inscrito na matriz respetiva sob o artigo n.º 3990. 9. No prédio referido em 8 existe uma antiga mina, dispondo de uma galeria escavada no subsolo, no interior da qual, e proveniente do subsolo do mesmo prédio dos 2ºs RR., nasce um veio de água, de que aí se faz a captação e represamento, fluindo depois a água por gravidade pela galeria da mina e por meio de tubos, para acorrer à superfície do solo na boca da mencionada mina. 10. À saída da mesma mina, toda a água da nascente é captada, concentrada e feita escoar por um cano, aí colocado para esse efeito, o qual percorre cerca de 381 metros lineares de totalidade de extensão, na direção aproximada de Sudoeste para Nordeste, e que foi enterrado em todo o seu percurso, trajeto que se faz por algum espaço ainda no prédio dos 2.ºs RR., e que, na sua restante extensão, jaz em profundidade na berma de um caminho público, e atravessa ainda um pequeno espaço pertencente a um terceiro sempre enterrado. 11. Tubo esse que conduz toda a descrita água até esta atingir o topo e ângulo-Sul do prédio rústico referido na alínea e) do ponto 1, onde existe uma presa construída e colocada para efeito de receber tal água. 12. No prédio denominado Campo de ... existe um depósito, ou pia, destinado a permitir represar alguma água, o qual deixou de ser usado pelos donos do referido prédio, em data não concretamente apurada do ano de 2012 e, a partir de então, nenhuma água foi mais usada para beber ou para qualquer outro uso no prédio onde está a mina. 13. A água que assim nasce tem caudal perene e abundante durante o Inverno, minguando no Verão, embora nunca tenha cessado. 14. Em local ligeiramente a montante da presa, a água era dividida por meio de uma bifurcação da canalização, sendo que parte da mesma era orientada e conduzida, por um tubo subterrâneo aí colocado para esse efeito que atravessa um caminho de acesso a vários prédios, com a orientação aproximada Sul-Norte e destino na casa de habitação referida na alínea a) do ponto 1, sendo que na parte final tal canalização era em ferro, ainda existente, mas agora desactivada e substituída por novo tubo em p.v.c.. 15. Na referida casa a água era utilizada para todos os gastos e consumos domésticos, designadamente, na cozinha e casa de banho, para lavar roupas e louças, para cozinhar e também para beber, sendo que tal uso doméstico da casa da autora era preferencial. 16. Parte da água que não fosse necessária para os gastos da casa, era represada para irrigação do mesmo prédio onde jaz a presa, e aí utilizada para rega e lima dos frutos e produtos aí se cultivam e colhem. 17. A partir da referida presa existiam vários regos feitos de bordos de terra, torrões e pedras soltas, rasgados a céu aberto, para Nascente, para Norte e para Poente, com travessia do mesmo caminho acima referido, para condução da água para os prédios rústicos identificados sob as alíneas b), c), e d) do ponto 1, sendo os das alíneas b) e c) irrigados para Nascente, e o da alínea d) voltado para Poente. 18. Aquela água era utilizada em todos esses prédios, para rega e lima dos frutos e produtos aí se cultivavam e colhiam, e para lavar roupa, a qual irrigação e uso se faziam de forma livre e indiscriminada entre os vários prédios, e consoante os produtos que, em cada ano, se plantavam e semeavam em cada um deles, de acordo com as respetivas necessidades. 19. No ano de 1984, em data não concretamente apurada, com o consentimento do falecido marido da autora, parte da referida água passou a ser desviada, através de um tubo, para a casa de habitação dos 1.ºs réus, em ..., com autorização de HH, marido da autora e pai da 1.ª ré, tubo esse que está hoje em dia inativo e cuja derivação se situava a jusante da derivação para a casa da A.. 20. No ano de 1995, a autora e o seu falecido marido mandaram abrir um furo do género artesiano, para captar e explorar outra água, com vista a reforçar a satisfação das necessidades da Quinta em água. 21. A habitação da autora, referida na alínea a. do ponto 1, não tinha outra água para seu abastecimento até 1995 altura em que foi aberto o furo artesiano. 22. A partir do referido momento, a água do furo ficou a ser usada para fins domésticos da casa de habitação e para fins agrícolas em alguns dos prédios referidos em 1, concomitantemente com a água da nascente em causa nesta ação, que continuou a ser usada nos mesmos prédios e da mesma forma que anteriormente, até ao decesso do falecido marido da autora, em 29/05/2010. 23. A derivação e aproveitamento da água em questão assim se fez, de forma continuada desde Outubro de 1941 até ao decesso do falecido marido da autora, em .../.../2010. 24. A partir do referido momento, a água provinda da mina servia a Quinta da ..., exclusivamente, para rega, pelo menos, do prédio denominado Leiras da ... identificado na alínea e) do ponto 1. 25. A autora, por si e antecessores, há mais de 20, 30, 40, 50, 60 e 70 anos, diretamente ou por mão de caseiros, sempre usou a água em questão para abastecimento da sua casa de habitação e para rega dos seus prédios identificados em 1, durante todo o ano e a todo o tempo, a qualquer hora do dia ou da noite, ininterruptamente e continuadamente, como quem usa coisa exclusiva sua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, com a convicção de exercer um direito próprio sem lesar o de outrem. 26. O falecido marido da autora acedeu, em vida, por si ou por intermédio de terceiros, ao interior do prédio onde existe a mina, ao longo de todos aqueles anos, sempre que necessário – para inspecionar a mina e aqueduto, e neles efetuar reparações que fossem precisas. 27. Em data não concretamente apurada do ano de 2015, os 1.ºs réus colocaram uma nova canalização de captação, derivação e aproveitamento da mesma água, o que fizeram junto da intersecção do caminho público com o topo sul do prédio onde está a presa e próximo do local onde a antiga canalização provinda da mina entra no mesmo prédio, a montante daquela presa e das antigas derivações existentes junto a esta, canalização essa que se encontra enterrada no subsolo. 28. Assim desviando a água na direção noroeste para o seu prédio sito no lugar de ..., freguesia de .... 29. Em data não concretamente apurada do ano de 2017, a 1ª ré, CC, disse à autora, AA, sua mãe, que era dona da água e que AA não punha mais os pés no prédio identificado em e) do ponto 1, impossibilitando a autora de derivar a água, através de um rego, para rega dos seus prédios. 30. A .../.../2015, no Cartório Notarial a Cargo da Dr.ª GG, compareceram perante esta, EE e FF, ambos como primeiros outorgantes, e DD, como segundo outorgante, tendo declarado os primeiros: Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do seguinte prédio, situado na freguesia e concelho de ...: PRÉDIO RÚSTICO: denominado CAMPO DO ..., sito em ..., (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número SETECENTOS e inscrito na matriz respetiva sob o artigo número 3990, (…). Que por esta escritura reconhecem que o segundo outorgante é dono da água da única mina existente no prédio supra identificado, cuja boca fica sensivelmente ao centro do prédio e que a água já se encontra canalizada para fora do mesmo. Assim, para efeitos de formalização do direito do segundo outorgante, doam-lhe a referida água, podendo o mesmo aceder-lhe para efeitos de conservação e limpeza, nos termos legais. Tendo declarado depois o segundo outorgante: Que aceita o presente contrato nos termos exarados. 31. Desde o falecimento do seu marido, em 29/05/2010, a autora não reside na casa de habitação identificada na al. a) do ponto 1 mas vai àquela sua casa com uma periodicidade quase diária. 32. Os prédios das alíneas b), c) e d) do ponto 1 são usados para fins agrícolas por vários de entre os filhos da autora (que não a 1. ª R.), com o consentimento desta, porque a mesma já os não pode cultivar diretamente, em razão da sua idade e da debilidade física. 33. Em conferência de interessados, em .../.../2016, – que teve lugar no âmbito do processo n.º 168/11.0... que correu termos pelo Juízo de Competência Genérica de ... – Comarca de Viseu, no âmbito do qual foi inventariado HH, e foi nomeada como cabeça-de-casal AA, aí figurando como interessados II, JJ, KK, LL, MM, CC, BB e BBB- e em que estiveram presentes todos os referidos interessados, tendo a cabeça-de-casal sido representada por BB, deliberaram por unanimidade adjudicar a AA todos os prédios identificados em 1. tendo declarado acordar que os referidos prédios que estejam a ser possuídos e cultivados por outros interessados serão entregues livres e devolutos por estes à Cabeça-de-casal, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da douta sentença homologatória da partilha. 34. No âmbito do referido processo foi proferida, a 27/04/2016, sentença homologatória da referida partilha, a qual transitou em julgado a 01/06/2016. 35. Decorrido o prazo referido em 34, a 1.ª ré, CC, não entregou o prédio identificado na al. e) do ponto 1, à autora, AA. 36. CC cultiva o referido prédio contra a vontade da autora. 37. BB, em representação de sua mãe AA, remeteu à 1ª ré, CC, missiva datada de .../.../2017 da qual fez constar: Eu, AA, viúva, residente em ..., (…), sou a notificar a Senhora para o que a seguir exponho. Como a Senhora bem sabe, sou única dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, de um prédio rústico (…) denominado Leiras da ... (…). O descrito prédio (…) foi-me adjudicado no processo de inventário que correu termos até final no Tribunal de ... (…) que teve o número 168/11.0... (…). A partilha foi homologada por sentença que transitou em julgado em 01.06.2016. (…) na ata da Conferência de Interessados final, realizada a ........2016, ficou a constar, (…) “que todos os prédios rústicos adjudicados à legatária Cabeça de Casal, AA, e que estejam a ser possuídos e cultivados por outros interessados serão entregues livres e devolutos por estes à Cabeça-de-casal, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da douta sentença homologatória da partilha.” À data da partilha, a Senhora achava-se entregue do acima dito meu prédio, que cultivava, a título precário, temporário e gratuito, mediante prévia autorização minha e de meu finado marido. Porém, não me entregou ainda o dito prédio, na data a que isso estava obrigada ou posteriormente. (…) Deverá, portanto entregar-me o prédio imediatamente, nas condições que da partilha ficaram a constar e se tornaram obrigatórias por sentença, para o que a estou agora a notificar expressamente. 38. A primeira ré recebeu a referida missiva não tendo, contudo, entregue o prédio à autora. 39. Com a atitude dos 1.ºs réus a autora sentiu-se afrontada, magoada, triste, abatida, ofendida e desgostosa. 40. Na mina referida em 9 inexiste qualquer tubo ou cano visível que preveja para onde é direcionada a água que lá nasce. 41. Sem ser pelo acesso a pé à mina em causa, não há forma clara e visível de se ter conhecimento de como tal água está a ser utilizada. 42. A referida mina esteve coberta de vegetação até à data em que os 2.ºs RR. procederam à limpeza do imóvel onde a mesma se insere, no início do ano de 2015. 43. O primeiro réu marido tem registada a seu favor, pela apresentação n.º ..90 de 27/10/2015, a aquisição por doação da água da única mina existente no prédio rústico denominado Campo do ..., sito no lugar de ..., na freguesia e concelho de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .00/......30. 44. A ... de Janeiro de 1984, no Cartório Notarial de ..., perante CCC compareceram HH e AA, ambos na qualidade de primeiros outorgantes; CC e marido DD, na qualidade de segundos outorgantes; tendo aqueles declarado perante a primeira: (…) que por esta escritura fazem doação aos segundos outorgantes, sua filha e genro, por conta da quota disponível, e com imediata transferência para os donatários do seguinte: Prédio rústico, composto de terra lavradia, denominado ..., sito nos limites de ..., a confrontar de nascente e sul com o caminho, do poente e norte com DDD, não descrito na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., sob o artigo quatro mil duzentos e vinte, com o valor matricial de duzentos e quarenta escudos, e que atribuem a esta doação o valor de cinco mil escudos. (…) E declararam os segundos outorgantes que aceitam a presente doação, nos termos exarados. 45. Por documento particular datado de ... de Julho de 1984, intitulado DECLARAÇÃO, HH e AA, fizeram constar o seguinte: Eu, HH e Mulher AA, DECLARAMOS, para os devidos efeitos que vendemos à nossa filha CC e Marido DD, pela importância de cem mil escudos (100.000$00), a leira ..., nos limites de ..., desta freguesia de ..., para ela construir a sua casa de habitação e para quintal. Da mesma venda fazem parte as águas pertencentes à mesma leira. Mais declaro que já recebi a importância acima indicada. 46. Os 2ª Réus adquiriram o prédio onde reside a mina em causa, no início do ano de 2014, onde pretendiam concretizar um projeto agrícola através do apoio de fundos europeus. 47. Uma das condições para a atribuição deste fundo, era a inexistência de servidões sobre o prédio em causa. 48. Quando os 2ª Réus iniciaram as obras de escavação, encontraram um tubo de água no subsolo que desconheciam a origem e procedência, tendo-o rasgado. 49. Os 1.ºs RR entenderam que seria benéfico utilizar as já decorrentes obras de escavação no prédio dos 2ª Réus e procederam à substituição do referido tubo que já fazia a ligação da água da nascente para o seu prédio e restauraram a mina. 50. Desde o ano de 1984, os 1.ºs RR que usam a água vinda da mina sita no prédio Campo do ..., concomitantemente com a utilização feita na Quinta da ..., para seu consumo doméstico, continuada e interruptamente, fazendo-o à vista de todos e sem a oposição de ninguém, na sequência de acordo efectuado com a Autora e seu marido. 51. Desde o decesso do marido da autora, são os 1.ºs RR que, a expensas suas, procedem à manutenção da mina, sempre que a mesma desaba e, bem assim, à manutenção dos tubos sempre que os mesmos rebentam, desentopem-nos quando necessário. 52. No início do ano de 2015 a Junta de Freguesia de ... procedeu ao calcetamento do denominado Caminho da ... que permite acesso aos prédios dos 1.ºs RR, dos 2º Réus e aos da Autora. 53. Os 1.ºs RR aproveitaram a obra, que aí se verificava, e mudaram, a expensas suas, toda a tubagem, procedendo ao enterramento da mesma. 54. Quando os 2.ºs RR adquiriram o prédio referido em 8 tinham conhecimento da existência de uma mina no referido prédio, e que a água dela proveniente era aproveitada por terceiros, desconhecendo, contudo, a sua proveniência e a quem pertencia. 55. O 1.º Réu dirigiu-se aos 2.ºs Réus tendo referido que a água da mina lhe pertencia e que era conduzida através de um cano – entretanto posto a descoberto por força das obras de terraplanagem que os 2.ºs RR fizeram – para a sua habitação em .... 56. Os 2.ºs RR. autorizaram o 1.º Réu marido a pôr um cano novo, que colocou no subsolo do seu prédio, como estava, para levar, a água para sua habitação. 57. Em momento anterior às obras de terraplanagem efetuadas pelos 2.ºs RR. no ano de 2014, não havia qualquer sinal de cano que se visse já que a “mina” não se via com o mato que a cobria. 58. À exceção do 1.º R. marido mais ninguém reclamou a propriedade sobre a água da mina no momento em que a canalização foi rebentada por força das obras levadas a cabo pelos 2.ºs RR. 59. Após a celebração da escritura referida no ponto 44, os 1.ºs Réus construíram no prédio aí referido a sua casa de habitação. /// Neste Tribunal, o relator proferiu o seguinte despacho de não admissão do recurso: “Da admissibilidade do recurso. Em sede de contra alegações, a Recorrida suscitou a questão da inadmissibilidade da revista, por se verificar uma situação de dupla conforme, impeditiva de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 671º, nº3 do CPC). Antecipando esta objecção, os Recorrentes sustentam que embora as instâncias tenham coincidido em julgar improcedente o pedido de aquisição da propriedade da água por usucapião ou a constituição de servidão de água a favor dos 1º Réus, por usucapião, fizeram-no com fundamentos diferentes, o que afasta a dupla conforme, sendo a revista admissível. Posição que os Recorrentes justificam nos termos seguintes: “a alteração factual de que foi o alvo o art. 50 dos factos provados não pode deixar de ver-se como revestida de relevo para a apreciação do mérito da causa, porque da mesma dimana um diverso valor a considerar para a decisão sobre a existência de aquisição da propriedade da água por usucapião ou da constituição de servidão de água a favor dos 1º Réus, por usucapião. A este propósito, note-se que o Tribunal de 1ª Instância nem sequer considerou equacionar a verificação ou não destes institutos, na medida em que considerou que os 1º Réus eram meros detentores da referida água. Por sua vez, o TribunaldaRelação entendeu queos1ºsRéuseram possuidores da referida água, exercendo tal posse desde 1984, continuada e ininterruptamente, à vista de todos e sem oposição de ninguém. Logo, não obstante as decisões serem coincidentes, não se pode negar que estamos perante uma situação de fundamentação essencialmente diferente.” Vejamos se lhes assiste razão. Estatui o nº3 do art. 671.º do CPC que “…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.” O Supremo Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que para o recurso de revista ser admissível, mesmo quando a Relação confirme integralmente a sentença de 1ª instância, sem voto de vencido, é necessário que a fundamentação da sentença e do acórdão seja diversa e que tal diversidade tenha natureza essencial, desconsiderando-se, para este efeito, discrepâncias marginais, secundárias ou periféricas, que não representem efetivamente um percurso jurídico diverso. Perfilhando este entendimento, decidiu o acórdão do STJ de 12.04.2018, P. 414/13: Só pode considerar-se uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância.” Tendo presente estes princípios, devemos concluir que não há entre as decisões das instâncias diversidade essencial de fundamentação. Assim, relativamente ao pedido de aquisição de um direito de propriedade sobre a água por usucapião, quer a sentença quer o acórdão coincidiram em julgar não terem os RR logrado provar factos reveladores de posse em nome próprio, como se vê dos excertos que a seguir se transcrevem. Da sentença: “No que respeita à aquisição das águas por usucapião também o pedido improcede pelos mesmos fundamentos acima explanados, não podendo afirmar-se – considerando a matéria de facto dada como provada – existir uma posse em nome próprio, de boa-fé, com publicidade, sem violência e, ininterruptamente, durante o período de vinte anos. Do acórdão: “o uso das águas que os RR fizerem desde 1984, altura em que adquiriram o prédio servido por essas águas, corresponde a uma utilização limitada às necessidades desse prédio. Não estando demonstrada a prática de actos de posse correspondentes ao exercício de um direito de propriedade sobre aquelas águas, não é possível concluir que os Recorrentes tenham adquirido esse direito por usucapião, pelo que improcede este fundamento do recurso.” No que tange ao pedido subsidiário de constituição de direito de servidão sobre a água, também não se vê que a improcedência do mesmo tenha assentado em fundamentação diversa. Neste particular, ponderou a sentença: (…) “os 1.ºs réus não lograram fazer prova dos factos alegados quanto à constituição da servidão por usucapião. Como se referiu acima, a constituição de servidão por usucapião implica a demonstração da existência de uma posse duradoura, que se identifica com os actos materiais praticados sobre a mesma (corpus), com a intenção de o agente se comportar como titular do direito correspondente (animus), em nome próprio, de boa-fé, com publicidade, sem violência e, ininterruptamente, desde o seu início e por um período temporal suficiente, que, na falta de registo e de boa-fé, é de vinte anos – cf. artigo 1296.º do Código Civil. Para além do referido, é necessário que a servidão se revele por sinais visíveis e permanentes – art. 1548.º n.ºs 1 e 2 do CC – e, em particular, quanto à servidão de águas é ainda necessária a verificação da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou a nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio – art. 1390.º, n.º 2 do CC.” Atendendo à matéria de facto provada nos presentes autos, constata-se, desde logo, que o primeiro pressuposto respeitante à posse não está verificado.” O acórdão recorrido navegou nestas águas, tendo entendido, tal como 1ª instância, ser essencial à usucapião a prova do requisito adicional do nº2 do art. 1390º do CC, “uma especificação da aparência da posse exigida para a constituição de qualquer direito de servidão, por usucapião”, prova que os Reconvintes não fizeram. Conclui-se do exposto que o acórdão recorrido, tirado por unanimidade, confirmou a sentença da 1ª instância sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que se verifica dupla conforme, impeditiva da revista (art. 671º, nº3 do CPC). Decisão. Pelo exposto, nos termos do art. 652º, nº1, b) do CPC, não admito o recurso de revista. Custas pelos Recorrentes.” /// Inconformados, os Recorrentes CC e marido DD vêm reclamar para a conferência nos seguintes termos: “Como é jurisprudência reiterada do STJ, só se configura uma situação de fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito adotada na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que havia justificado e fundamentado a decisão proferida na 1ª instância. E foi precisamente o que aconteceu. Entendeu o tribunal de 1ª Instância dar como provado o facto 50º, nomeadamente: “Desde o ano de 1984, os 1.ºs RR que usam a água vinda da mina sita no prédio Campo do ..., concomitantemente com a utilização feita na Quinta da ..., para seu consumo doméstico, continuada e interruptamente, fazendo-o à vista de todos e sem a oposição de ninguém, com consentimento da autora.” Para tanto, entendeu que a realidade fática que se veio a demonstrar não é compatível com o alegado pelos recorrentes, impondo-se por isso concluir que a utilização da água pelos mesmos se traduziu tão só num acto de complacência dos pais (Autora e falecido marido). Assim, improcedeu o pedido reconvencional de reconhecimento do direito dos Recorrentes a utilizarem exclusivamente a água nascida na mina sita no Campo do ..., por meio de servidão ou por aquisição por usucapião. Fundamentando que os Recorrentes utilizavam a referida água com o consentimento do falecido marido da autora e também da própria, fazendo-o como acto de mera tolerância. Pelo que, pelo menos até 2017, não passaram de meros detentores da água em causa, não podendo adquirir para si, por usucapião, o direito possuído. Inconformados, os Recorrentes apelaram fundamentando que deve ser retirada a expressão “com o consentimento da Autora”, justificando com o facto que entendem dever ser julgado provado que a água lhes foi doada aquando da construção da sua casa. A Relação não concordou com o raciocínio presuntivo da decisão da matéria de facto. Entendeu antes que, as regras de experiência de vida não permitem tirar a conclusão tirada pela sentença recorrida, a qual é contrariada pela declaração que consta do facto provado sob o nº 50, revelando essa declaração de ceder, a título definitivo, um direito de uso, embora não exclusivo da água para proveito do prédio cujo direito de propriedade havia sido transmitido pela Autora e seu marido aos Recorrentes. Daí que, entendeu a Relação, que a expressão com consentimento da Autora, enquanto significado de acto de mera tolerância, deva ser substituída pela seguinte expressão (neutra) na descrição constante do ponto 50 da matéria de facto: “na sequência de acordo efectuado com a Autora e seu marido”. Passando o facto n.º 50 a ter a seguinte redacção: “Desde o ano de 1984, que os 1ºos RR usam a água vinda da mina sita no prédio Campo do ..., concomitantemente com a utilização feita na Quinta da ..., para seu consumo doméstico, continuada e interruptamente, fazendo-o à vista de todos e sem a oposição de ninguém, na sequência de acordo efectuado com a Autora e seu marido”. Ora, a posse não se confunde com a mera detenção, prevista no artigo 1253.º do Código Civil, sendo certo que os meros detentores não podem adquirir por usucapião. Já a posse é susceptível de conduzir à usucapião. Assim, verifica-se que os critérios tidos em linha de conta, em ambas as decisões, para efeitos de improcedência do pedido de reconhecimento do direito à aquisição da água em causa por usucapião pelos 1ª Réus, são diversos. Na verdade, tal alteração factual de que foi o alvo o art. 50 dos factos provados não pode deixar de ver-se como revestida de relevo para a apreciação do mérito da causa, porque da mesma dimana um diverso valor a considerar para a decisão sobre a existência de aquisição da propriedade da água por usucapião ou da constituição de servidão de água a favor dos 1º Réus, por usucapião. A este propósito, note-se que o Tribunal de 1ª Instância nem sequer considerou equacionar a verificação ou não destes institutos, na medida em que considerou que os 1º Réus eram meros detentores da referida água. Por suavez, o TribunaldaRelação entendeu queos1ºsRéuseram possuidores da referida água, exercendo tal posse desde 1984, continuada e ininterruptamente, à vista de todos e sem oposição de ninguém. Logo, não obstante as decisões serem coincidentes, não se pode negar que estamos perante uma situação de fundamentação essencialmente diferente. (…) Nessa medida, a decisão prolatada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra é passível de revista, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 638º, nº1, 1º parte, 671º, nº1, 674º, nº1, al.a) e b), 675º, nº1, 676º a contrario, 677º a contrario, 679º, do Código de Processo Civil, não se verificando in casu situação de dupla conformidade com a decisão prolatada em primeira instância. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais. Assim, porque estão em tempo, e têm legitimidade, requerem a V. Ex.ª se digne admitir a presente reclamação e admitir o recurso de revista interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.” /// Na resposta, a Recorrida pugna pela confirmação do despacho singular, por se estar uma dupla conforme, impeditiva da revista. Decidindo. Os Recorrentes insistem na diversidade essencial da fundamentação das decisões das instâncias que negaram o direito que invocaram, em reconvenção, ao uso da água “por meio de servidão ou por aquisição por usucapião”. Com o devido respeito, não lhes assiste razão. Vejamos mais detalhadamente. A 1ª instância julgou a reconvenção improcedente por “os 1ºs RR não terem logrado fazer a prova dos factos alegados quanto à constituição da servidão por usucapião.” Ponderou a sentença que a constituição de uma servidão de águas por usucapião tem como pressupostos i) uma posse em nome próprio, pelo tempo necessário à consumação da usucapião, e ii) e ainda a construção de obras visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio, nos termos do nº2 do art. 1390º do CCivil. Considerou que o uso da água pelos Reconvintes fundava-se em mera tolerância da Autora, não sendo, pois, uma posse em nome próprio, concluindo que “atendendo à matéria de facto provada nos presentes autos, constata-se, desde logo, que o primeiro pressuposto respeitante à posse não está verificado.” Não houve outra referência ao pressuposto que resulta do nº2 do art. 1390º. Já o acórdão da Relação considerou que os Reconvintes são possuidores em nome próprio, mas também negou o direito por não verificado a pressuposto do art. 1390º, nº2 do CC. Posição assim fundamentada: “(…) Não resultando da factualidade provada a ilisão da presunção de que o uso das águas que nascem no prédio dos 2.ºs Réus foi efectuado com o animus próprio do titular de um direito de servidão de águas, deve considerar-se que se verifica uma situação possessória correspondente ao exercício deste direito real. Essa posse revela-se exercida desde 1984, continuada e ininterruptamente, à vista de todos e sem oposição de ninguém. Não sendo uma posse titulada, uma vez que inexiste um título formalmente válido que invista os Recorrentes na posse correspondente ao direito de servidão invocado, e não se mostrando ilidida a presunção estabelecida no art.º 1260º, n.º 2, do C. Civil, o prazo de 20 anos previsto no art.º 1296º do C. Civil, completou-se em 2004, pelo que já tem uma duração que, em princípio, permitiria aos possuidores a aquisição do respectivo direito de servidão, por usucapião. No entanto, o requisito adicional para a aquisição por usucapião previsto no art.º 1390º, n.º 2, do C. Civil, acima referido, também é aplicável à constituição do direito de servidão de águas, por usucapião, conforme resulta do disposto na parte final do n.º 1, do mesmo artigo. Este requisito constitui uma especificação da aparência da posse exigida para a constituição de qualquer direito de servidão, por usucapião – art.º 1293º, a), do C. Civil -, tendo em consideração o tipo de encargo que é objecto deste direito de servidão. Para a aquisição, por usucapião, do direito de servidão de águas é necessário que tenham sido efectuadas obras no prédio serviente, visíveis e permanentes, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio. Sem este elemento possessório não nos encontramos perante uma posse com todas as características necessárias para se adquirir um direito de servidão de águas, por usucapião. A simples publicidade do corpus da posse não é suficiente. Exige-se uma publicidade qualificada, de modo a que não haja dúvidas, sobretudo para o dono do prédio donde provêm as águas, que a sua utilização em proveito de outro prédio é intencional e corresponde aos actos de exercício de um direito de aproveitamento dessas águas. E a aparência exigível aos actos de posse equivalente a um direito de servidão – art.º 1548º, n.º 1, do C. Civil -, numa servidão de águas, tem que resultar da existência de obras visíveis e permanentes, realizadas no prédio onde exista a fonte ou a nascente e que revelem a captação e a posse da água nesse prédio – art.º 1390º, n.º 2, do C. Civil. A exigência da permanência e visibilidade de obras no prédio onde brotam as águas que aparentem a existência de uma servidão, justifica-se, por um lado, pela possibilidade de, assim, ser possível presumir que o dono desse prédio teve conhecimento de uma realidade correspondente ao exercício de um direito de servidão, tendo contemporizado com ela, e, por outro lado, com a necessidade de salvaguardar a boa-fé do comércio jurídico relativamente a um eventual adquirente, nos termos em que a lei pretende tutelá-la. Atentas estas finalidades, essas obras devem manter-se, com as características exigidas (visibilidade e permanência), durante todo o período da posse necessário à constituição do respectivo direito de servidão, por usucapião 1. Só assim se pode considerar que foi acessível ao dono do prédio serviente aperceber-se da existência de uma realidade, susceptível de conduzir à aquisição de um direito de servidão, por usucapião, sobre águas que brotam no seu prédio. (…) Por estas razões, também esta nova canalização de captação e derivação da água não preenche os requisitos necessários para que se possa concluir pela aquisição, por usucapião, de um direito de servidão de águas, em proveito do prédio onde os Réus habitam. Não se provaram, pois, os elementos necessários a que se pudesse concluir que os Recorrentes são titulares de um direito de servidão de águas, pelo que também improcede este fundamento do recurso.” É inegável que não foi igual a fundamentação das duas decisões, mas não vemos que seja essencialmente diferente: as instâncias divergiram quanto à natureza da posse dos reconvintes, mas convergiram quanto à inexistência do direito invocado pela não verificação de todos os requisitos necessários à usucapião: o requisito que a Relação entendeu não se verificar foi também considerado necessário à usucapião pela sentença. Ora, quanto à interpretação do nº3 do art. 671º, vem este Tribunal entendendo, (arestos disponíveis em www.dgsi.pt): Acórdão de 20.02.2020, P. 1003/13: “Só pode considerar-se estarmos perante uma fundamentação essencialmente diferente quando ambas as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão, mostrando-se o mesmo decisivo para a solução final: ou seja, se o acórdão da Relação assentar num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na sentença de 1ª.a instância. Ou, dito ainda de outro modo: quando o acórdão se estribe definitivamente num enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado do perfilhado na 1.ª instância.” Acórdão de 20.04.2021, P. 15129/15: “A utilização de fundamentação distinta não implica, por si só, que tenha ocorrido fundamentação essencialmente diferente; No caso presente, não se vislumbra que as instâncias tenham percorrido um percurso substancialmente diverso, antes, pelo contrário, situaram-se e enquadraram normativamente as pretensões deduzidas pelas partes nos mesmos institutos e regras jurídicas, sem que se surpreenda qualquer caminho ou via de solução inovadora ou diversa que não possa ser reconduzida à análise e interpretação das mesmas regras jurídicas.” Acordão de 17.11.2021, p. 712/19: “Para que a dupla conforme seja afastada é necessário que a solução jurídica constante do acórdão da relação assente de modo radicalmente inovatório em normas, interpretações, normativas, ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada.” Acórdão de 19.12.2023, P. 2808/19: Não basta para descaracterizar a dupla conforme impeditiva do recurso de revista que a sentença e o acórdão apresentem fundamentação diferente; exige-se que essa diferença seja essencial.” Atento o exposto, e sem quebra do respeito devido por diferente opinião, entendemos que o acórdão recorrido confirmou a sentença sem fundamentação essencialmente diferente, pelo contrário: as instâncias coincidiram em julgar improcedente o pedido reconvencional com um fundamento substancialmente idêntico: não terem os reconvintes logrado provar os factos necessários à usucapião. Verifica-se, pois, dupla conforme impeditiva do recurso de revista nos termos do nº3 do art. 671º do CPCivil. Decisão. Pelo exposto, acorda-se em conferência em indeferir a reclamação e confirmar a decisão singular. Custas pelos Recorrentes. Lisboa, 28.05.2024 Ferreira Lopes (relator) A. Barateiro Martins (1º adjunto) Fátima Gomes (2ª adjunta) |