Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUIS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | ARGUIÇÃO DE NULIDADES REVISTA EXCEPCIONAL ABUSO DO DIREITO OMISSÃO DE PRONÚNCIA CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM | ||
Data do Acordão: | 09/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
Sumário : | I – A insatisfação do recorrente vencido não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância). II - O conceito de abuso do direito é, por sua própria natureza, aberto e dependente das particularidades de cada situação, pelo que a análise realizada no acórdão recorrido sobre a aplicação desse instituto jurídico teria necessariamente de ter a abrangência necessária à cobertura da globalidade dos acontecimentos descritos nos autos, sem que, dessa forma e em momento algum, tenha sido extravasado o objecto do recurso de revista, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil. III - Estando em causa apenas a qualificação, ou não, da conduta do administrador da insolvência como manifestamente abusiva, nos termos e para os efeitos do artigo 334º do Código Civil, torna-se desde logo inconcebível, por totalmente ilógica, uma pretensa condenação para além do pedido, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Civil (que obviamente inexistiu). | ||
Decisão Texto Integral: | Revista nº 1911/16.7T8STS-G.P2.S1. Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão - Cível). Por acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 25 de Junho de 2024 foi negada a presente revista excepcional Veio agora o A. recorrido invocar a nulidade por acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça devida a excesso de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, o que fez nos seguintes termos: - Os aqui recorrentes interpuserem recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC, apresentado as seguintes conclusões: 1.A decisão que aqui se recorre do Tribunal da Relação do Porto concluiu que não existia abuso de direito na actuação da Ex.ma A.I. dos presentes. 2.Os recorrentes interpõem o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e invocam contradição de julgados, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com o acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1932/19.8T8PDL-S.L1-1,datado de 04-07-2023, Relator Manuel Ribeiro Marques, disponível em www.dgsi.pt, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC. 3.A questão em causa atenta a complexidade obedece ainda a contornos de particular relevância social e de jurídica para uma melhor aplicação do direito. 4.O acórdão fundamento refere em súmula que: “1. Não tendo o contrato promessa eficácia real, pode ser afectado o negócio, podendo ser recusado o cumprimento desse contrato mesmo que se tenha verificado tradição da coisa, conforme disposto no n.º 1 do art.º 106 do CIRE, interpretação "a contrario”. 2. Nada impede que a norma do art.º 102, n.º 4, do CIRE se estenda à opção pela recusa de cumprimento, devendo entender-se que a recusa é abusiva, no âmbito do contrato-promessa, quando o preço está já total ou quase totalmente pago (contrato-promessa com antecipação dos efeitos do contrato- prometido). 3. Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito (art.º 12º, nº 1 do EAJ) esperando-se dos mesmos uma actuação pautada por um critério semelhante ao do bonus pater famílias. 4. Caso o promitente-comprador tenha pago integralmente o preço, a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte do AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquele a título de sinal, sob a invocação formal deque este não reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, constituirá um abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito, sendo clamorosamente ofensivo do sentimento de justiça e dos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais.”. 5.O acórdão fundamento interpretou numa situação com similitude aos presentes autos no caso da promitente-compradora tenha pago integralmente o preço (como no caso sub judice em discussão nos presentes), a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte do AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquela a título de sinal, sob a invocação formal de que esta não reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, constituirá um abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito, sendo clamorosamente ofensivo do sentimento de justiça e dos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais. 6.O acórdão fundamento defendeu que «“A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável“) se estenda à opção pela recusa de cumprimento, devendo entender-se que a recusa é abusiva, no âmbito do contrato-promessa, fundamentalmente, em dois casos: quando a recusa viola gravemente o direito fundamental à habitação do promitente-adquirente e quando o preço está já total ou quase totalmente pago (contrato-promessa com antecipação dos efeitos do contrato-prometido). Efectivamente, a noção de abuso de direito assenta no exercício legal de um direito, que, no entanto, é feito em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito (art.º 334º do C. Civil).». 7.A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável“) se estenda à opção pela recusa de cumprimento, devendo entender-se que a recusa é abusiva, no âmbito do contrato-promessa, fundamentalmente (…) quando o preço está já total ou quase totalmente pago (contrato-promessa com antecipação dos efeitos do contrato prometido). 8.Não tendo o contrato promessa eficácia real, tem sido alvo de controvérsia na doutrina ena jurisprudência a questão de saber se, nestes casos, o administrador da insolvência pode licitamente recusar o cumprimento desse contrato. 9.A questão está em saber se é lícita, como se entendeu a douta decisão que aqui se recorre, ou se, ao invés, foram alegados factos que, a provarem-se, tornam aquela recusa ilícita, mantendo-se o dever de prestação por parte da Massa Insolvente e, consequentemente, legitima o recurso pelos recorrentes da ação de execução específica (artigo 830º do C. Civil). 10.O acórdão fundamento referiu que quando o preço tenha sido integralmente pago, não obstante o contrato promessa de compra e venda ter eficácia meramente obrigacional, a solução de direito poderia (e devia no entender dos Recorrentes) ter sido outra na decisão que aqui se recorre. 11.A jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães julgou, que mesmo não sendo o contrato promessa dotado de eficácia real, “[e]ntende-se que o administrador não tem a faculdade de optar pela execução ou não do contrato quando ocorre, a circunstância de uma das partes ter cumprido na íntegra a sua obrigação, como aconteceu nestes casos com a promitente compradora, aqui recorrente que pagou por inteiro o preço.” (processo n.º 1551/12.0TBBRG-U.G1, datado de 11.07.2013, disponível em www.dgsi.pt). 12.No mesmo sentido, o acórdão fundamento interpretou, assim como o Supremo Tribunal de Justiça julgou que “só pode haver recusa do seu cumprimento, em virtude da declaração de insolvência, se nenhuma das partes tiver ainda cumprido, integralmente, a sua prestação. (…). 13.Deve entender-se que a recusa é abusiva, no âmbito do contrato promessa, fundamentalmente, dois casos: quando o preço está já totalmente pago (contrato-promessa com antecipação dos efeitos do contrato-prometido) (…)”. 14.Resulta inequívoco que não é, como afirma o acórdão fundamento a decisão “a quo” que aqui se recorre poderia importar uma diferente solução de direito. 15.Paradoxalmente, o acórdão que aqui se recorre interpretou que “o contrato-promessa em causa nos autos não era revestido de eficácia real era lícito à AI, não constituindo abuso de direito ou violação do princípio da boa-fé, optar por não cumprir aquele contrato-promessa. Atenta a declaração de insolvência da sociedade promitente -vendedora, ainda antes de celebrado o contrato definitivo, e não tendo o contrato-promessa eficácia real, era lícito à AI recusar o contrato -promessa ao abrigo do princípio geral quanto aos negócios em curso ainda não cumpridos previsto no art. 102.º CIRE, com o consequente crédito sobre a insolvência previsto no art. 106.º, n.º 2, 104, n.º 5 e 103.º, n.º 2, CIRE, e a reclamar nos termos do art. 128.º ou 146.º CIRE. De notar, que declarada a insolvência do promitente -vendedor, e não tendo o contrato- promessa eficácia real (ainda que tenha ocorrido traditio), já não pode ser exigido pelo promitente -comprador a execução específica do contrato, nos termos do art. 830.º CC, atento o disposto nos art.s 102.º e106.º CIRE (…)”. 16.Nos dois acórdãos em análise (o fundamento e o que aqui se recorre) existe uma total discrepância do conceito igualdade, equidade, senão vejamos, o Acórdão fundamento supra mencionado, interpretou que “caso o promitente-comprador tenha pago integralmente o preço, a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte do AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquele a título de sinal, sob a invocação formal de que este não reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, constituirá um abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito, sendo clamorosamente ofensivo do sentimento de justiça e dos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais”. 17.Com efeito existe identidade sobre a mesma questão de direito, isto é, tendo aqui os Recorrentes assumido a qualidade de promitentes-compradores, em representação da herança da AA e tendo sido provado que o preço foi integralmente pago, a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte do AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquele a título de sinal, sob a invocação formal de que este não reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, constitui um abuso de direito, tal como foi interpretado no acórdão fundamento melhor indicado a fls... dos presentes autos. 18.A equidade consiste na adaptação de uma regra existente a uma situação concreta, observando-se os critérios de justiça e igualdade. 19.Acresce ainda que, a decisão do douto Acórdão que aqui se recorre não observou o critério de justiça e de igualdade, sendo aliás a fundamentação e consequentemente a decisão antagónica à jurisprudência, que a título exemplificativo, o acórdão fundamento supra mencionado. 20.O douto acórdão agora recorrido confirmou a sentença de 1.ª instância que a M.ma Juíza sentenciou do seguinte modo: “Ora, analisada a factualidade assente, não obstante seja de todo triste e lamentável a situação dos autores (que, de forma trágica perderam a mãe, avós e irmão e face a todos os naturais posteriores constrangimentos/dificuldades e relatados na petição inicial apenas se aperceberam tardiamente da insolvência, não tendo reclamado tempestivamente o invocado crédito decorrente do incumprimento do contrato -promessa), o certo é que não é possível afirmar a existência de um abuso de direito por parte da Massa Insolvente ou da AI ao apreender a fração B, que se encontrava registada em nome da insolvente; não constituindo abuso de direito por parte dos réus a não aceitação da alegada aquisição da fração através de contrato -promessa, ou o não reconhecimento de um crédito que não fora tempestivamente reclamado na insolvência, tanto mais que nos autos não ficaram demonstrados os pressupostos necessários à aquisição da fração pelos autores e Herança de AA e ficara demonstrada a reclamação extemporânea do crédito.“. 21.Não podemos descurar a factualidade dada como provada nos autos e que se impõe a análise da aplicação e interpretação do direito de acordo com a realidade subjacente ao caso concreto e a tragédia subjacente igualmente dada como provada impõe decisão diversa e o que a decisão a quo alegou como “bem sentenciado” e não constituir num abuso de direito por parte da massa ou da AI apesar de todos os “constrangimentos/dificuldades” dos Recorrentes que se aperceberam tardiamente da insolvência no período trágico que atravessaram, sendo ambos menores e tendo sido morta toda a família e o pai assassino preso, não tendo reclamado tempestivamente o invocado crédito decorrente do contrato-promessa. (sic pp. 74), pois ofende clamorosamente qualquer entendimento mediano do direito. 22.O douto acórdão não se pronunciou nem equacionou a concreta situação como o decurso do tempo, atendendo quer à demora previsível da ação de comoriência, quer à a menoridade dos Recorrentes, quer ao facto de o preço estar integralmente pago, que geraram inevitavelmente prejuízos e situações de manifesto abuso do direito. 23.A similitude de situações fácticas e com interpretações de direito antagónicas, que não tendo o contrato promessa eficácia real, mas tendo, alegadamente, havido tradição da coisa a favor da promitente-compradora, tem sido alvo de controvérsia na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se, nestes casos, o administrador da insolvência pode licitamente recusar o cumprimento desse contrato. 24.A recusa do cumprimento do contrato-promessa, na hipótese de insolvência do promitente-vendedor, por parte do administrador de insolvência, já se não afigura possível, independentemente de o contrato-promessa ter ou não eficácia real, devendo, então, ser reconhecida, no âmbito da graduação de créditos, a garantia do direito de retenção, prevista pelo artigo 755º, nº 1, f), do CC, com base numa interpretação correctiva do disposto pelo artigo 106º, do CIRE”. 25.A fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014, de Uniformização de Jurisprudência, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 95, 19 de maio de 2014,pp. 2882 e seguintes, exarou-se que “ficará o n.º 2 do artigo 106.º aplicável apenas ao contrato promessa com efeito meramente obrigacional e em que não tenha havido aquela tradição ao promitente-comprador” e “só aqui, e a menos que uma das partes tenha cumprido integralmente a sua obrigação, poderá o administrador optar por cumprir ou recusar a execução do contrato”. (sublinhado nosso). 26.Assim como na fundamentação vertida no AUJ n.º 3/2021, de 27/04/2021, Fernando Jorge Dias (relator), publicado no DR, 1.ª Série, n.º 158/2021, de 2021-08-16 (neste uniformizou-se jurisprudência nos seguintes termos: "Quando o administrador da insolvência do promitente vendedor optar pela recusa do cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efetuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º5, e 102.º, n.º 3, do CIRE. 27.Na jurisprudência em situações semelhantes é pacífico ver a interpretação de que quando o administrador da insolvência do promitente vendedor optar pela recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda meramente obrigacional, sinalizado e relativamente ao qual ocorreu tradição da coisa, o promitente-comprador tem direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efetuada, nos termos dosartigos 106.º, n.º2, 104.º, n.º5, e 102.º, n.º3, do CIRE. 28.A decisão que aqui se recorre faz uma interpretação a contrario da interpretação da jurisprudência uniformizada, incorrendo em abuso de direito quando entende que não existiu na factualidade dada como provada qualquer conduta da A.I. antijurídica ou antiética. 29.Num contrato meramente obrigacional a opção pela execução ou recusa do cumprimento pertence exclusivamente ao Administrador da Insolvência o que exclui a exigência de cumprimento pelo comprador em que se analisa um pedido de execução específica. 30.A opção do Administrador da Insolvência, quando pode ser tomada, vem sendo qualificada como um direito potestativo e que tem como limitação um exercício abusivo, caraterizado no n.º 4 do artigo 102.º, acima citado - a opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável, de onde se poder extrair que se estará, igualmente, perante um comportamento abusivo quando a recusa de cumprimento acarretar para a massa insolvente um prejuízo considerável. 31.A verificação dos melhores interesses da massa insolvente é sempre concreta e reporta-se à situação verificada – ou seja, no caso concreto, tendo que ter em atenção a comprovação do recebimento do preço. (sublinhado nosso). 32.Com a devida vénia não se verificou no caso concreto uma análise casuística à factualidade sub judicie. 33.Andou mal a douta decisão recorrida que confirmou a douta decisão e respectiva fundamentação proferida na 1.ª instância e que supra se mencionou. 34.Andou mal, pois, o Venerando Tribunal ad quem sendo a douta decisão agora recorrida assaz violadora da lei, pois atenta a interpretação do acórdão fundamento a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte da AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquele a título de sinal, sob a invocação formal de que os Recorrentes não reclamaram o crédito nos autos de insolvência, constitui um abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito, sendo clamorosamente ofensivo do sentimento de justiça e dos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais, que se invoca e argui para todos os legais efeitos, sem prescindir da oposição de julgados supra mencionada. 35.A situação sub judice teve assente um fundamento e consequente decisão a contrario do acórdão fundamento e mais jurisprudência. 36.A decisão agora recorrida padece, para além de manifesta contradição/oposição de julgados, ainda de nulidade por a fundamentação se encontrar em manifesta contradição, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, ex vi artigos 668.º e 684.ºdo citado diploma. 37.O Venerando Tribunal ao proferir a decisão recorrida e ao ter julgado improcedente a apelação dos aqui recorrentes, em especial no que respeita ao abuso de direito alegado na actuação da A.I. no caso concreto e referido supra violou de forma flagrante a lei. 38.O douto acórdão agora recorrido deve ser anulado por violação da lei, mas também por particular relevância social de acordo com os ditames de igualdade, justiça e legalidade, sob pena de não existir uma justiça e uma lei para todos. 39.Não pode haver justiça com tantas incongruências e a decisão sub judice terá necessariamente anulada, e em consequência, tendo sido provado o pagamento por inteiro do preço estipulado no contrato-promessa, haverá fundamento para neutralizar a recusa da AI à luz do abuso do direito, com a consequente procedência do pedido de execução específica do contrato-promessa (conforme ainda o referido no douto acórdão fundamento que aqui se invoca e melhor se identifica supra), nos termos peticionados na petição inicial ou, por mera cautela cautela de patrocínio, a restituição pela Massa do preço pago. 40.O douto acórdão recorrido não poderá deixar de constituir um atentado contra a realização do Direito e a própria Justiça, por oposição de julgados e por violação de lei do disposto nos artigos 12.º e 14.º do Código de Processo Civil; 102.º, 104.º, 106.º, 141.º e146.º, todos do CIRE e 755.º, 759.º, 798.º, 433.º, 289.º, 830.º, 1263.º, todos do Código Civil. 41.Por isso e nos termos expostos, ser recebido e analisado o presente recurso de revista excepcional, em razão das contradições flagrantes com a jurisprudência já transitada em julgado, violações na lei, são também de particular relevância social de acordos com os ditames de igualdade, justiça, equidade e legalidade, sob pena de não existir uma justiça e uma lei para todos. - Por acórdão da Formação de 16 de Maio de 2024, foi admitida a revista excepcional, tendo confirmado a identidade fáctico-normativa entre os dois aresto sem exame conducente a resultados decisórios antagónicos quanto à mesma questão fundamental de direito, e se encontrar verificada a contradição jurisprudencial pressuposta pela norma constante da alínea c), do n.º 1, do artigo 672.º, do Código de Processo Civil. - Assim, constataram que os dois acórdãos em confronto, perante situações fácticas essencialmente análogas, e no âmbito da interpretação das mesmas normas, em concreto (a interpretação do disposto nos artigos 102.º e 106.º do CIRE e do instituto jurídico do abuso de direito previsto no artigo 334.º do CC) adotaram entendimentos divergentes quanto à licitude da recusa de cumprimento por parte do Administrador de Insolvência de um contrato-promessa de compra e venda, sem eficácia real, com tradição da coisa e com pagamento integral do peço pela promitente-compradora. - Os entendimentos, de sentidos opostos, adotados na referida matéria pelos dois acórdãos em análise emergiram de decisões expressas com relevo determinante no sentido das decisões tomadas: enquanto o acórdão recorrido considerou que a recusa de cumprimento do contrato por parte Administrador de Insolvência era lícita, inexistindo qualquer abuso de direito, pelo que não é possível a execução especificado contrato, no acórdão fundamento considerou-se que logrando a autora promitente-compradora provar que pagou por inteiro o preço estipulado no contrato-promessa, haverá fundamento para neutralizar a recusa do AI à luz do abuso do direito, com a consequente procedência do pedido de execução específica do contrato-promessa. Os recorrentes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e invocaram contradição de julgados, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com o acórdão seguinte: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1932/19.8T8PDL-S.L1-1, datado de 04-07-2023, Relator Manuel Ribeiro Marques, disponível em www.dgsi.pt. Para o efeito passamos analisar o acórdão supra indicado, que refere em súmula que: “1. Não tendo o contrato promessa eficácia real, pode ser afectado o negócio, podendo ser recusado o cumprimento desse contrato mesmo que se tenha verificado tradição da coisa, conforme disposto no n.º 1 do art.º 106 do CIRE, interpretação "a contrario”. 2. Nada impede que a norma do art.º 102, n.º 4, do CIRE se estenda à opção pela recusa de cumprimento, devendo entender-se que a recusa é abusiva, no âmbito do contrato-promessa, quando o preço está já total ou quase totalmente pago (contrato-promessa com antecipação dos efeitos do contrato- prometido). 3. Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito (art.º 12º, nº 1 do EAJ), esperando-se dos mesmos uma actuação pautada por um critério semelhante ao do bonus pater famílias. 4. Caso o promitente-comprador tenha pago integralmente o preço, a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte do AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquele a título de sinal, sob a invocação formal de que este não reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, constituirá um abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito, sendo clamorosamente ofensivo do sentimento de justiça e dos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais.”. Para, o acórdão fundamento a questão que se colocava era a questão de que caso a promitente-compradora tenha pago integralmente o preço (como no caso sub judice em discussão nos presentes), a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte do AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquela a título de sinal, sob ainvocação formal de que esta não reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, constituirá um abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito, sendo clamorosamente ofensivo do sentimento de justiça e dos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações sociais. O acórdão fundamento defendeu que «“A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável“) se estenda à opção pela recusa de cumprimento, devendo entender-se que a recusa é abusiva, no âmbito do contrato-promessa, fundamentalmente, em dois casos: quando a recusa viola gravemente o direito fundamental à habitação do promitente-adquirente e quando o preço está já total ou quase totalmente pago (contrato-promessa com antecipação dos efeitos do contrato-prometido).Efectivamente, a noção de abuso de direito assenta no exercício legal de um direito, que, no entanto, é feito em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito (art.º 334º do C. Civil).». Acresce ainda que o contrato-promessa, no caso concreto, prevê expressamente a execução específica nos termos do artigo 830.º do Código Civil. O acórdão fundamento referiu que quando o preço tenha sido integralmente pago, não obstante o contrato promessa de compra e venda ter eficácia meramente obrigacional, a solução de direito poderia ter sido outra. No mesmo sentido, o acórdão fundamento interpretou, assim como o Supremo Tribunal de Justiça julgou que “só pode haver recusa do seu cumprimento, em virtude da declaração de insolvência, se nenhuma das partes tiver ainda cumprido, integralmente, a sua prestação. (…) No caso de existir tradição da coisa para o promitente-comprador, que já cumpriu, totalmente, a sua contra-prestação, a recusa do cumprimento do contrato promessa, na hipótese de insolvência do promitente-vendedor, por parte do administrador de insolvência, já se não afigura possível, independentemente de o contrato-promessa ter ou não eficácia real. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 273/05.2TBGVA.C1.S1, datado de 20.10.2011, relator Juiz Conselheiro Dr. Hélder Roque). E que “[n]os casos em que o preço foi integralmente pago pelo promitente-comprador/consumidor, o administrador da insolvência não pode recusar o contrato, em homenagem à forte expectativa do promitente fiel, (…), pouca diferença existindo entre tal realidade e uma consumada compra e venda (…). (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º1008/08.3TBOLH-L.E1.S1, datado de 09.02.2012, relator Juiz Conselheiro Dr. Fonseca Ramos, com sumário disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2012.pdf). Com efeito, resulta inequívoco que como afirma o acórdão fundamento a decisão poderia importar uma diferente solução de direito. Paradoxalmente, o acórdão recorrido dos presentes autos interpretou que “o contrato-promessa em causa nos autos não era revestido de eficácia real era lícito à AI, não constituindo abuso de direito ou violação do princípio da boa-fé, optar por não cumprir aquele contrato-promessa. Atenta a declaração de insolvência da sociedade promitente -vendedora, ainda antes de celebrado o contrato definitivo, e não tendo o contrato-promessa eficácia real, era lícito à AI recusar o contrato -promessa ao abrigo do princípio geral quanto aos negócios em curso ainda não cumpridos previsto no art. 102.º CIRE, com o consequente crédito sobre a insolvência previsto no art. 106.º, n.º 2, 104, n.º 5 e103.º, n.º 2, CIRE, e a reclamar nos termos do art. 128.º ou 146.º CIRE. De notar, que declarada a insolvência do promitente -vendedor, e não tendo o contrato- promessa eficácia real (ainda que tenha ocorrido traditio), já não pode ser exigido pelo promitente-comprador a execução específica do contrato, nos termos do art. 830.º CC, atento o disposto nos art.s 102.º e106.º CIRE (…)”. Por outro lado o douto acórdão aqui reclamado refere: “(…) Desde logo, não foi o administrador da insolvência confrontado, em termos perfeitamente seguros, com a demonstração do integral pagamento pelos promitentes compradores do preço da coisa prometida vender. Conforme consta da cláusula terceira do dito contrato promessa “o preço de venda (…) será pago por acerto de contas correntes e dação em pagamento, pelos serviços prestados pelo segundo (promitente compradora) ao abrigo do contrato promessa, cuja cópia é anexa…”. É assim insofismável o sentimento de incerteza e dúvida quanto à realização efectiva de tal pagamento, na perspectiva de um terceiro alheio às vicissitudes do negócio e, nessa mesma medida, dele desconhecedor. Trata-se de um pagamento previsto concretizar através do invulgar e atípico expediente de encontro de contas entre duas empresas comerciais, conexo com o cumprimento de um determinado contrato de empreitada, de características não evidentes quanto aos efeitos produzidos e nem imediatamente apreensíveis quanto à realidade que lhe subjaz, não tendo normalmente o administrador acesso à contabilidade daquelas (não revelando sequer os autos quais os valores ou parcelas que foram concretamente imputados em favor da promitente vendedora em função do cumprimento do dito contrato de empreitada, de que forma e em que momento específico). (…)”. - Importa referir que a douta decisão em discussão nos presentes autos foram dados como provados os seguintes factos: “(…) 24. Em data não concretamente apurada, mas posterior a 25.05.2003 e anterior a 20.02.2006, a promitente-vendedora (aqui insolvente) entregou à promitente-compradora as chaves da fração “B” que dela passou a ter o uso e acesso exclusivo, assim como a gerente daquela sociedade, AA. 25. Foi acordado entre a insolvente C..., Lda. e a sociedade P..., Lda. que esta última iria ceder a posição do contrato supra referido quanto à fração “G” a terceiros, tendo entretanto a fração “G” sido alienada a terceiros, conforme cópia da descrição da referida fração G. 26. O preço da referida fração “B” fora integralmente pago à sociedade insolvente através de dação em pagamento com os serviços prestados pela sociedade P..., Lda. 27. A sociedade P..., Lda. cedeu a posição contratual relativamente à fração “B” prometida-comprar a BB e a AA, em acordo com a aqui insolvente C..., Lda., passando BB e AA a usufruir e a utilizar da fração B. (…) 33. Ulteriormente, BB e AA acordaram verbalmente nova cessão de posição contratual a favor de AA, sendo que a parte do imóvel que pertencia ao BB foi cedida à AA. 34. Em razão que antecede, naquela altura foi dado conhecimento dessa cessão à aqui insolvente sociedade C..., Lda. para que a escritura de compra e venda fosse realizada a favor da AA, não tendo a insolvente se oposto a tal. 35. Ora, apesar de todos os esforços e contactos realizados pela AA e ainda pelo BB, a sociedade aqui insolvente C..., Lda. protelou de novo a celebração da escritura compra e venda da fração B, referindo sempre que estavam com dificuldades em realizar o cancelamento da hipoteca voluntária da Caixa Geral de Depósitos. 36. O preço da fração B prometida comprar fora integralmente pago e a sociedade insolvente nunca interpelou extrajudicialmente por qualquer forma que fosse a AA para pagar o que pago estava ou para a marcação da escritura de compra e venda. (…)” - O douto acórdão que aqui se reclama foi totalmente omisso às questões a decidir quanto à oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, no pagamento integral do preço estipulado e a recusa da A.I à luz do abuso de direito, no pedido de execução específica. - Contrariamente ao alegado no douto acórdão que aqui reclama os recorrentes peticionaram a execução específica do contrato-promessa (petitório sob a alínea k). - Salvo melhor entendimento o pagamento integral do preço que foi dado como assente da fração aqui em discussão. - Paradoxalmente a decisão aqui reclamada fundamentou que “Não é qualificável como abuso do direito a recusa do administrador da insolvência na celebração do contrato prometido quando não foi confrontado, em termos perfeitamente seguros, com a demonstração do integral pagamento pelos promitentes compradores do preço da coisa prometida vender”. - Ora, dos factos dados como provados e que transitaram em julgado não existem quaisquer dúvidas quanto à demonstração do pagamento integral da fração em discussão. -Face ao que antecede, o MM Julgador incorreu em manifesto excesso de pronúncia, uma vez que apreciou questões que não poderia tomar conhecimento e, em consequência, a douta decisão padece de nulidade que se invoca e argui para todos os legais efeitos, nos termos do disposto no artigo 615.º. n.º 1, alínea d) parte final, e n.º 1, alínea e) do CPC; - A douta decisão que aqui se reclama entendeu que não existia “justificação séria para concluir que o administrador da insolvência, ao praticar o acto de recusa em causa (que é absolutamente independente da eventual ilicitude da conduta da promitente vendedora), houvesse de algum modo, perante as circunstâncias que na altura percepcionou, incorrido em abuso do direito e que devesse assim ser condenado à celebração do contrato prometido (o que os AA. nem sequer, e em rigor, pediram nestes autos)”. - Salvo melhor entendimento, incorreu em lapso manifesto, que aqui se invoca e argui, nos termos do disposto no artigo 616.º, n.º 2.º, alíneas a e b) do CPC ex vi 685º e 666º nº 1 do Código de Processo Civil, vejamos a correlação entre a alegação supra e que os AA. peticionaram entre outros: h) serem os RR. condenados a procederem à restituição e separação da massa do bem imóvel sito na Rua ..., freguesia e concelho ..., sendo os mesmos residentes na mesma morada supramencionada, com a respectiva matriz atual sob o artigo ...60, que teve origem no artigo ...58, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...88-B; k) ser judicialmente declarada e julgada a execução específica do contrato-promessa sub judice habilitando os AA. com sentença que substitua como título a declaração do promitente vendedor faltoso habilitando-os então a procederem ao registo do bem a favor dos herdeiros da de cujus AA em comum e sem determinação de parte ou direito; Caso assim não se entenda, de novo de forma subsidiária, l) seja reconhecido o valor integralmente pago com os serviços supra mencionados de empreitada prestados pela empresa P..., Lda. e a esta pagos pela de cujus AA do imóvel supra mencionado e a restituição do preço integralmente pago pelo imóvel supra mencionada e ainda seja declarado o abuso de direito dos RR por violação do princípio da boa-fé, nos termos do disposto nos artigos 1207.º, 798.°, 433.° e 289.° todos do CC;(…)”. - A decisão que aqui se reclama referiu ainda “que a alegação constante dos artigos 135ºa 137º da petição inicial não é por si só suficiente para significar, segundo a exacta restruturação da sua peça processual, qualquer verdadeiro e concreto pedido de condenação do administrador da insolvência na celebração do contrato permitido, o que não pode deixar de ter o necessário reflexo processual que resulta imperativamente do princípio consignado no artigo 609º, nº 1, do Código de Processo Civil, impossibilitando, desde logo e por si só, o tribunal de condenar as RR. naquilo que não foi efectivamente peticionado pelos AA. (e relativamente ao qual, por não concretamente solicitado, as mesmas RR. não tiveram oportunidade para conscientemente se opor, inviabilizando-se assim o basilar exercício do contraditório que lhes assiste). (…) Desde logo, não foi o administrador da insolvência confrontado, em termos perfeitamente seguros, com a demonstração do integral pagamento pelos promitentes compradores do preço da coisa prometida vender.” - Foi dado como provado o pagamento integral da fração prometida vender, não existindo qualquer ressalva a eventuais dúvidas, que foram indagadas pela aqui decisão reclamada, o que terá, contudo, de ser erro resultante de “lapso manifesto”, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos, quer na desconsideração de documentos que constem do processo. - Com a devida vénia, a douta decisão que aqui se reclama é nula, pois extravasa o objeto do recurso. - Assim como foi peticionado pelos Recorrentes à execução específica do contrato-promessa. - Sem prescindir, que nas questões a decidir o douto acórdão foi totalmente omisso na oposição de julgados invocada pelos Recorrente e que serviu de fundamento ao recurso. - Os recorrentes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e invocam contradição de julgados, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com o acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1932/19.8T8PDL-S.L1-1,datado de 04-07-2023, Relator Manuel Ribeiro Marques, disponível em www.dgsi.pt, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC. - O acórdão fundamento defendeu que “A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável“) se estenda à opção pela recusa de cumprimento, devendo entender-se que a recusa é abusiva, no âmbito do contrato-promessa, fundamentalmente, quando o preço está já total ou quase totalmente pago (contrato-promessa com antecipação dos efeitos do contrato-prometido). (…)”. - Infelizmente a decisão que aqui se reclama não se pronunciou sobre a questão supra mencionada…, não se tomou posição expressa sobre essa questão, não podia o Tribunal deixar, ao abrigo do dever imposto pelo artº. 608º, nº 2, do CPC, de tomar conhecimento desse pedido antes referindo ao arrepio dos factos dados como provados não existirem certezas do pagamento do preço. - Nos dois acórdãos em análise (o fundamento e o recorrido) existia uma total discrepância do conceito igualdade, equidade, senão vejamos, o Acórdão fundamento supra mencionado, interpretou que “caso o promitente-comprador tenha pago integralmente o preço, a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte do AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquele a título de sinal, sob a invocação formal de que este não reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, constituirá um abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito, sendo clamorosamente ofensivo do sentimento de justiça. - Com efeito existe identidade sobre a mesma questão de direito, isto é, tendo aqui os Recorrentes assumido a qualidade de promitentes-compradores, em representação da herança da AA e tendo sido provado que o preço foi integralmente pago, a recusa do cumprimento do contrato-promessa em tais circunstâncias por parte do AI, sem que, concomitantemente, se disponha a restituir os valores que se vierem a apurar terem sido pagos por aquele a título de sinal, sob a invocação formal de que este não reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, constitui um abuso de direito, tal como foi interpretado no acórdão fundamento melhor indicado a fls... dos presentes autos. - O douto acórdão não se pronunciou nem equacionou a concreta situação como o decurso do tempo, atendendo quer à demora previsível da acção de comoriência, quer à a menoridade dos Recorrentes, quer ao facto de o preço estar integralmente pago, que geraram inevitavelmente prejuízos e situações de manifesto abuso do direito. - Acresce ainda, que o douto acórdão que aqui se reclama não se pronunciou sobre a oposição de julgados entre a decisão dos presentes autos e o acórdão fundamento, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1932/19.8T8PDL-S.L1-1, datado de 04-07-2023, Relator Manuel Ribeiro Marques, disponível em www.dgsi.pt, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. - Com a devida vénia, o MM Julgador incorreu em manifesto excesso de pronúncia, uma vez que apreciou questões que não poderia tomar conhecimento no acórdão aqui reclamado e, em consequência, a douta decisão padece de nulidade que se invoca e argui para todos os legais efeitos, nos termos do disposto no artigo 615.º. n.º1, alínea d) parte final, e n.º 1, alínea e) do CPC; - Ao apreciar objecto diverso do pedido a douta decisão incorreu em nulidade, que se invoca e argui para todos os legais efeitos, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea e) ex vi artigo 609.º, n.º 1, ambos do CPC; - O douto acórdão reclamado incorreu em violação do princípio da proibição da condenação em quantidade superior ao pedido (extra vel ultra petitum), sendo por isso nula nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, e), do Código de Processo Civil; - Conforme resulta do artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC, a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”. - Na verdade, conforme impõe o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pele solução dada a outras (…)”. - O tribunal deve apreciar todas as questões que lhe foram apresentadas pelas partes, sob pena de nulidade da decisão, o que no caso concreto ocorrei com a falta de discussão de todas as razões ou argumentos invocados, como se impunha- artºs608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, todos do CPC, no corpo da alegação nem nas respectivas conclusões do recurso. - Com a devida vénia o acórdão é nulo quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento - esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608° n°2 do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". - Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas. - Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente deve conhecer (artigo 608° n° 2 do CPC) à excepção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros. - O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui, - Assim, nos termos conjugados dos artigos 685º, 666º, nº 1 e 2, 615º nº 1 alª d) todos do Código de Processo Civil, há que suprir a nulidade do acórdão, reformando-o ou reparando-o. - A total omissão da contradição de julgados a ser considerada entre a decisão em discussão e o acórdão fundamento referido, gerador de omissão de pronúncia e por um outro lado está vedada a alteração da matéria de facto dada como provada quanto ao pagamento integral do pagamento da fração em discussão nos presentes autos. - Face ao que antecede, e por meras razões de economia processual, aqui se invoca a nulidade do douto acórdão, nos termos do disposto nos artigos 685.º, 666.º e 615.º, alíneas c), d) e e) do CPC. - Face às nulidades invocadas no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, requerem que V. Ex.as Sábios Juízes Conselheiros defiram a presente reclamação, de acordo com a aplicação do direito e a apreciação da causa em conformidade comos factos dados como provados e não provados pela 1.ª e 2ª Instância, em conformidade, analisando e fundamentando expressamente as questões do ponto de vista da oposição de julgados, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com o acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1932/19.8T8PDL-S.L1-1, datado de 04-07-2023, Relator Manuel Ribeiro Marques, disponível emwww.dgsi.pt, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC. Apreciando: O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça abordou, decidindo, todas as questões pertinentes que se colocavam no âmbito da revista excepcional, apenas se baseando rigorosamente nos factos que constam como provados, confinando-se à controvérsia jurídica definida pelo objecto do processo, como não podia aliás deixar de ser. Não teve em consideração nenhum facto novo, nem extrapolou o objecto da lide, procedendo ao enquadramento jurídico com a liberdade que o próprio sistema lhe concede no plano da aplicação do direito aos factos, nos termos gerais do artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil. Conforme se salientou no mesmo acórdão: “Tal como foi definido no acórdão da Formação deste Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2024, a questão essencial que importa apreciar circunscreve-se unicamente à aferição da conduta do administrador da insolvência como manifestamente abusiva, à luz do critério definido no artigo 334º do Código Civil, pela circunstância de haver recusado o cumprimento do contrato promessa celebrado em 2003 entre a ora insolvente C..., Lda., e a sociedade P..., Lda., promitente compradora que veio a ceder entretanto, de forma consensual, a sua posição contratual à mãe dos ora recorrentes, entretanto falecida”. E foi sobre esta concreta e circunscrita temática – e não sobre outras já decididas a título definitivo nas instâncias inferiores - que o acórdão recorrido desenvolveu toda a sua fundamentação, fazendo-o da forma mais completa possível, concluindo, por todos os motivos indicados, que o administrador da insolvência não incorreu em abuso do direito – ao recusar celebrar o contrato prometido -, tal como esse instituto se encontra consagrado no nosso ordenamento jurídico. O aresto abordou assim todos os aspectos essenciais a que tal análise obrigava e não extrapolou o objecto do recurso, como resulta de forma evidente da sua simples leitura. Da mesma forma, não se consegue descortinar qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão que nestes se fundou, ou a verificação de qualquer ambiguidade, obscuridade que tornasse o texto do acórdão ininteligível, não tendo assim o menor sentido a invocação da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil. O que sucede é que os arguentes das nulidades, cientes de que não lhes restava outra instância de recurso, vieram por esta via, enviesadamente, manifestar a sua profunda discordância em relação ao decidido, a qual (discordância) é, em si, perfeitamente legítima e mesmo compreensível. Contudo, como é sabido, tal notória insatisfação não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância). Refira-se concretamente: 1º - Não se compreende a alegação das arguentes de que “o douto acórdão foi totalmente omisso na oposição de julgados invocada pelos recorrentes e que serviu de fundamento ao recurso”. Tal contradição de julgados serviu precisamente de fundamento ao acórdão proferido pela Formação para a admissão do recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil. Nesta sequência, agindo em conformidade, o acórdão recorrido abordou precisamente esse tema – abuso do direito por parte do administrador da insolvência nas condições supra enunciadas – em que consistia a invocada oposição de julgados. É desse modo absolutamente imaginária e ilusória, salvo o devido respeito, a invocada omissão de pronúncia. 2º - Não se compreende, neste particular contexto, quais as questões que, no dizer dos recorrentes, constituem excesso de pronúncia, subsumível à prevista da alínea d), in fine, do artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil. O conceito de abuso do direito é, por sua própria natureza, aberto e dependente das particularidades de cada situação, pelo que a análise realizada no acórdão recorrido sobre a aplicação desse instituto jurídico deveria ter a abrangência necessária à cobertura da globalidade dos acontecimentos descritos nos autos. Não poderia ser de outro modo, sem que em momento algum tenha sido extravasado o objecto do recurso de revista. 3º - É ainda evidente que em momento algum o acórdão recorrido incorreu em proibição de condenação em quantidade superior ao pedido. Note-se, mais uma vez, que o que está em causa resumiu-se apenas a qualificação, ou não, da conduta do administrador da insolvência como manifestamente abusiva, nos termos e para os efeitos do artigo 334º do Código Civil, o que torna desde logo inconcebível, por totalmente ilógica, uma pretensa condenação para além do pedido (que obviamente inexistiu). Pelo que a arguição de nulidades é naturalmente desatendida, não passando de uma desenvolvida manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao decidido (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer). O que se decide, sem necessidade de outros desenvolvimentos ou considerações. Pelo exposto: Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em Conferência, em desatender a arguição de nulidades apresentada pelo recorrente. Custas pelo arguente/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs. Lisboa, 17 de Setembro de 2024.
Luís Espírito Santo (Relator) Rosário Gonçalves Ricardo Costa V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |