Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
122/22.7T8BRR-Q.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: DUPLA CONFORME
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 09/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO
Sumário :
I. No âmbito da irrecorribilidade prevista no art. 671º, 3, do CPC, em sede de revista para o STJ, verifica-se o impedimento da “dupla conformidade decisória” das instâncias sempre que, em relação aos segmentos decisórios e seus fundamentos com eficácia jurídica autónoma (objecto de impugnação), se verifica identidade de julgados sem voto de vencido e com fundamentação essencialmente coincidente, o que não é descaracterizado pelo facto de o acórdão recorrido ter exibido desenvolvimento argumentativo, sem desvio aos correspondentes regimes jurídicos aplicáveis em que assentaram as decisões proferidas em 1.ª instância para as questões decididas em apenso insolvencial de reclamação, verificação e graduação de créditos.

II. Não tendo sido interposta no requerimento e prazo de interposição do recurso a revista na modalidade excepcional, tendo por finalidade superar o efeito impeditivo da “dupla conforme”, e sem que esta tenha sido alegada, a resposta/pronúncia deduzida no âmbito do despacho previsto para o efeito do art. 655º do CPC não é meio processual legítimo para a (re)configuração da modalidade da revista, perante o requerimento anterior de interposição de recurso, em prazo próprio e observado, e seus fundamentos normativos – pois é insusceptível de aproveitamento processual tendo em vista mudar ou acrescentar o(s) fundamento(s) e o objecto recursivo delimitados nas alegações e conclusões originais e tempestivas –, nem pode servir para alargar esse mesmo objecto para outras situações de (potencial ou efectiva) admissibilidade recursiva. Logo, não é de aceitar a pretensão superveniente, por ser processualmente ilegítima, inadequada para tal intento recursivo e extemporânea, de ser admitida tal revista excepcional nessa resposta/pronúncia, perante o requerimento anterior de interposição de recurso, configurável como revista normal, e seus fundamentos à luz do regime e prazo de recurso aplicáveis (arts. 637º, 1 e 2, 1.ª parte («fundamento específico de recorribilidade»); 638º, 1; 639º, 1 e 2; 672º, 1 e 2, CPC), ficando sempre prejudicada a apreciação da respectiva admissibilidade nessa sede e oportunidade.

Decisão Texto Integral: Processo n.º 122/22.7T8BRR-Q.L1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa


Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

A) Proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade «R.A.R.I. – Construções Metálicas, Engenharia, Projetos e Soluções, Lda.» (4/10/2022), transitada em julgado, veio, no incidente correspondente à reclamação, verificação e graduação de créditos, a ser apresentada pelo Administrador da Insolvência a relação de créditos reconhecidos (art. 129º do CIRE).

A Insolvente deduziu impugnação de créditos em requerimentos de 2 e 3/12/2022.

B) Tramitado o apenso, tal como se sintetiza no acórdão recorrido, veio a sociedade insolvente apresentar requerimento de 10/06/2023 (ref.ª CITIUS ...15, interposto a 9/6/2023), pedindo a rectificação da lista de créditos relativamente a determinados credores trabalhadores, “com vista à conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista de créditos que foi junta aos autos pelo administrador judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129.º do CIRE, com a inclusão de montantes indevidos, e erradas qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva, e certamente por se tratar de erro de natureza substancial, cuja retificação implica ficarem afetados direitos das partes e o cumprimento do principio da igualdade entre os Credores”, reconhecendo, relativamente a cada um dos credores a que alude no seu requerimento, apenas em parte os valores por aqueles reclamados; concluiu: “deverão os termos das impugnações apresentadas pela Insolvente ser tidas como válidas, para efeitos da verificação substancial e formal dos títulos dos reclamados e reconhecidos na lista de créditos apresentada pelo administrador judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129.º do CIRE, e consequentemente, serem apenas considerados e reconhecidos e qualificados os créditos devidamente reclamados, com a aplicação do mesmo critério e cumprimento do princípio da igualdade entre Credores”.

Veio em resposta o Ministério Público (16/6/2023), patrocinando os credores trabalhadores, invocar a inadmissibilidade do articulado apresentado pela Insolvente, sustentando que o mesmo constitui uma verdadeira impugnação da lista de créditos, como tal intempestivamente apresentada, requerendo o desentranhamento de tal requerimento apresentado pela insolvente a 10/06/2023 e de todos os requerimentos subsequentes relativos à respetiva prova, assim como a respectiva condenação em custas pelo incidente, por considerar que em tal requerimento a Insolvente recorrente não visava a rectificação de erros, mas sim a impugnação de créditos cujo prazo se mostrava largamente ultrapassado.

C) O Juiz ... do Juízo de Comércio do... proferiu decisão (15/9/2023, ref.ª CITIUS ...36):

“Reqs. 10 (ref. ...01), 12 (refs., ...56, ...27, ...48 e ...00) 14 (ref. ...23) e 28/06/2023 (ref. ...300): Vem a insolvente requerer a rectificação da lista de créditos relativamente a vários credores, “com vista à conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista de créditos que foi junta aos autos pelo administrador judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129º do CIRE, com a inclusão de montante indevidos, e erradas qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva, e certamente por se tratar de erro de natureza substancial, cuja rectificação implica ficarem afectados direitos das partes e o cumprimento do principio da igualdade entre os Credores”.

Ao longo de 254 artigos e juntando 225 documentos vem a insolvente afirmar relativamente aos credores a que alude no seu requerimento reconhecer apenas em parte os valores por aqueles reclamados.

Conclui, invocando que “deverão os termos das impugnações apresentadas pela Insolvente ser tidas como válidas, para efeitos da verificação substancial e formal dos títulos dos reclamados e reconhecidos na lista de créditos apresentada pelo administrador judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129º do CIRE, e consequentemente, serem apenas considerados e reconhecidos e qualificados os créditos devidamente reclamados, com a aplicação do mesmo critério e cumprimento do princípio da igualdade entre Credores”.

O Ministério Público, em patrocínio dos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM e NN (req. 16/06), e os credores OO (req. 16/06 – ref. ...60), PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ e AAA (req. 19/06 - ref. ...15), BBB, CCC, DDD, EEE (req. 20/06 – ref. ...56), FFF (req. 20/06 – ref. ...28), GGG (req. 20/06 – ref. ...16), HHH (req. 21/06 – ref....61), III (req. 21/06 – ref. ...21), JJJ, KKK, LLL, MMM e NNN (req. 21/06 – ref. ...19) vieram invocar a inadmissibilidade do articulado apresentado pela insolvente, sustentando constituir este uma verdadeira impugnação da lista de créditos intempestivamente apresentada.

Vejamos.

Nos presentes autos, o sr. administrador da insolvência apresentou lista de créditos reconhecidos em 21/11/2022.

De acordo com o art. 130.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do art. 129.º, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.

A insolvente deduziu impugnação relativamente a 71 dos créditos dos créditos incluídos na lista de créditos, em 02 e 03/12/2022 (refs. ...04, ...41, ...74, ...24, ...98).

De acordo com o estabelecido no art. 136.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, “(…) o juiz declara verificados com valor de sentença os créditos incluídos na respectiva lista e não impugnados, salvo o caso de erro manifesto (…)”.

Ora, da leitura do articulado apresentado pela insolvente resulta, à evidência, não estar em causa uma situação de erro manifesto na elaboração da lista de créditos, que urja rectificar.

Na verdade, a existir, a insolvente não indica, em momento algum, qual o erro manifesto de que padece a lista de créditos.

Ao invés, no articulado apresentado, a insolvente não faz mais do que deduzir impugnação relativamente aos créditos reconhecidos a diversos trabalhadores, de modo em tudo semelhante ao que efectuou no momento próprio, limitando-se a afirmar reconhecer apenas parte desses créditos e a requerer a respectiva redução.

Deste modo, não há dúvida que constituindo o articulado apresentado impugnação à lista de créditos e mostrando-se há muito ultrapassado o prazo de que dispunha a insolvente para o efeito, haverá que considerar-se intempestivo, porquanto o direito de impugnar a lista se extinguiu pelo decurso do prazo.

Face ao exposto, por intempestiva, não admito a impugnação apresentada pela insolvente, determinando, que, após trânsito, seja desentranhada, assim como os documentos que à mesma respeitam.” (sublinhado nosso)

De seguida, foi decidido que:

I. Por sentença já transitada em julgado, proferida nos autos principais em 04/10/2022, foi decretada a insolvência de RARI – Construções Metálicas, Engenharia, Projetos e Soluções Industriais, Lda.

Foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.

Findo o prazo da reclamação, o sr. administrador da insolvência, em cumprimento do preceituado no art. 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, juntou aos autos lista de credores reconhecidos.

De acordo com o art. 136.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, “junto o parecer da comissão de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que tal junção se verifique, o juiz declara verificados com valor de sentença os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados, salvo o caso de erro manifesto (…)”.

Face ao exposto, nos termos do art. 136.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no que respeita aos créditos não impugnados, homologo, por sentença, a lista de credores reconhecidos apresentada pelo sr. administrador da insolvência e, consequentemente, julgo verificados os créditos ali descritos.

(…)

III. Estabelece o n.º 1 do art. 136.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que o juiz pode designar dia e hora para uma tentativa de conciliação a realizar dentro dos 10 dias seguintes, para a qual são notificados, a fim de comparecerem pessoalmente ou de se fazerem representar por procuradores com poderes especiais para transigir, todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador da insolvência.

No que respeita às impugnações deduzidas por Novo Banco, S.A., N..., Lda. e pela insolvente relativamente aos créditos de CTS – O... Limited, Autoridade para As Condições Do Trabalho – Unidade Local De ..., M..., U..., e V..., Lda., face à notificação aos credores que hoje se determina do requerimento de 23/05/2023 e à notificação acima determinada para junção de elementos relevantes para a decisão, oportunamente se decidirá sobre a conveniência da designação de tentativa de conciliação.

Relativamente às impugnações deduzidas pela insolvente acerca dos créditos reconhecidos aos trabalhadores (…), nos termos do art. 136.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para a realização de tentativa de conciliação designo o dia 28 de Setembro de 2023, às 10:00 horas.”

D) Inconformada, a Insolvente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, identificadas as questões decidendas –

“aferir se o requerimento junto aos autos (…) pela insolvente consubstancia uma verdadeira impugnação à lista de credores oportunamente apresentada pelo AI, tal como o entendeu o tribunal recorrido, aferindo se o mesmo, dessa forma, fez operar um efeito cominatório pleno, com a procedência automática da pretensão dos credores em causa pelos créditos reclamados, o que legalmente não podia fazer.”–,

conduziu a ser proferido acórdão (7/5/2024) que julgou improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

E) Novamente sem se resignar, a Requerida Insolvente interpôs recurso de revista para o STJ, visando a revogação do acórdão recorrido, indicando como fundamento o art. 685º do CPC e protestando juntar certidões de dois acórdãos do STJ; ulteriormente apresentou certidão com certificação de trânsito em julgado de um desses acórdãos proferido pelo STJ.

Finalizou as suas alegações com as seguintes Conclusões:

1. A Recorrente inconformada pela decisão proferida interpõe o presente recurso, e para tanto, a mesma encontra-se isenta do pagamento da taxa devida para o efeito, considerando o previsto no disposto no artigo 4º, n.º 1, alínea u) do Regulamento das Custas Processuais.

2. A Recorrente interpõe o presente recurso de revista, por considerar que a decisão proferida é contrária ao previsto na Lei aplicável, além de que, viola e fez uma errada e incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 131º, 136º e artigo 194º do CIRE.

3. Além disso, acerca da mesma matéria, a decisão proferida mostra-se contrária a decisões já proferidas anteriormente por Tribunais Superiores – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo 2115/19.2T8STS-E.P1.S1 de 06.04.2022, disponível em www.dgsi.pt e ainda Acórdão n.º 08A3102, do STJ, datado em 25.11.2008, disponível em www.dgsi.pt.

4. Por decisão proferida, acordam os Juízes desta 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, assim se confirmando a decisão recorrida, fundamentandoque,I-No apenso dereclamaçãode créditos no âmbito do processo de insolvência, a impugnação da lista de credores reconhecidos referente à inclusão ou exclusão de créditos, seus montantes e qualificação, tem que ser obrigatoriamente deduzida no momento processual a que se reporta o n.º 1 do art.º 130.º do CIRE. II- A apresentação posterior, a coberto de um pedido de retificação da lista, por existência de um erro na mesma, não pode ser admitida, por manifestamente intempestiva. III- Consequentemente, os créditos assim reclamados devem ser declarados verificados nos termos reconhecidos pelo administrador da insolvência, pelos respetivos montantes e qualificação, ainda que sem prejuízo da sindicância por parte do juiz em caso de erro manifesto evidenciado pela própria lista ou pela análise dos elementos juntos aos autos. IV- Não é esse o caso quando determinados credores/trabalhadores reclamam os seus créditos laborais, o AI reconhece os mesmos na lista apresentada, que depoisnão sofreimpugnaçãonessaparte,nadaobstandoassim a que o juiz os possa logo julgar verificados, com valor de sentença, à luz do art.º 136.º do CIRE.”.

5. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida, nomeadamente, com o efeito cominatório pleno atribuído à alegada falta de impugnação de créditos apresentada,

6. Não tendo o Tribunal a quo admitido, nem apreciando a informação e documentação que se encontrava junta aos autos pela Insolvente, ora Recorrente.

7. A Recorrente apresentou nos autos impugnação de créditos relativamente aos créditos reclamados pelos Trabalhadores e pelos fornecedores.

8. O Administrador de Insolvência juntou aos autos a lista definitiva de créditos sem que tivesse apreciado as reclamações de créditos apresentadas pelos Credores, limitando-se a reconhecer os créditos reclamados, sem que tivesse confirmado os créditos junto da Insolvente, nem confirmado com a contabilidade da Insolvente.

9. O Administrador de Insolvente notificado para se pronunciar relativamente às impugnações de créditos, apenas juntou aos autos requerimento no sentido da notificação à Insolvente para esclarecer nos autos o critério adotado para efeitos do cálculo das indeminizações por antiguidade para evitar situações desigualdade entre Credores.

10. Apesar de não ter sido notificada para o efeito, a Insolvente tendo tido conhecimento do requerimento, juntou aos autos requerimento a requerer a retificação do valor e qualificação dos vários créditos reclamados e reconhecidos pelo Administrador de Insolvência e alegou que: “com vista à conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista de créditos que foi junta aos autos pelo administrador judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129º do CIRE, com a inclusão de montante indevidos, e erradas qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva, e certamente por se tratar de erro de natureza substancial, cuja rectificação implica ficarem afectados direitos das partes e o cumprimento do principio da igualdade entre os Credores”.

11. E ainda que: “deverão os termos das impugnações apresentadas pela Insolvente ser tidas como válidas, para efeitos da verificação substancial e formal dos títulos dosreclamados e reconhecidos na lista de créditos apresentada pelo administrador judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129º do CIRE, e consequentemente, serem apenas considerados e reconhecidos e qualificados os créditos devidamente reclamados, com a aplicação do mesmo critério e cumprimento do princípio da igualdade entre Credores.”.

12. O Tribunal a quo não admitiu o requerimento/impugnação junto aos autos pela Insolvente, por considerar a mesma intempestiva, além disso, decidiu os créditos reclamados nos autos, por violação do princípio de igualdade entre os credores (violação do princípio previsto no artigo 194º do CIRE).

13. Certo é que a Insolvente tem legitimidade para pôr em causa a não relacionação de créditos contra a Insolvente,da mesma forma que, a Insolvente pode igualmente defender a exclusão de créditos da lista, o que fez no caso em concreto.

14. Foi nesse sentido que a Recorrente juntou aos autos o requerimento que agora foi considerando como intempestivo pelo Tribunal a quo.

15. Não pode o Tribunal a quo decidir no mesmo processo e perante a mesma situação de créditos, neste caso dos trabalhadores, de forma diferente perante a mesma causa de pedir – créditos laborais e valores de indemnização por antiguidade e resolução do contrário.

16. Certo é que, o Tribunal a quo considerou igualmente intempestivo a impugnação de créditos apresentada pela Insolvente, por errada e incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 131º, 136º e artigo 194º do CIRE.

17. Nem pode o Tribunal a quo atribuir à impugnação de créditos ou à falta dela, o efeito cominatório pleno da confissão dos factos/créditos alegados e reclamados pelos Credores nos autos e neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo 2115/19.2T8STS-E.P1.S1 de 06.04.2022, disponível em www.dgsi.pt,

18. Mostrando-se claramente a decisão recorrida contrária à decisão recorrida.

19. Ao contrário do entendimento e da decisão do Tribunal a quo, existindo prova nos autos contrária ao que é reconhecido nos autos pelo Administrador de Insolvência, sem que tenha sido confirmada e consultada a contabilidade da Insolvente, não pode o Tribunal a quo levar à procedência automática da pretensão dos credores pelos créditos reclamados o efeito cominatório pleno.

20. E mesmo que a Insolvente não viesse aos autos esclarecer e prestar toda a informação relativamente aos créditos reclamados pelos Credores, a verdade é que o Tribunal a quo não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes dessalista, nem dosdocumentos edemais elementos de que disponha, com a inclusão, montante, ou qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva, o que no caso contrário não se verificou.

21. No mesmo sentido e contrário à decisão aqui proferida e recorrida, o Acórdão n.º 08A3102, do STJ, datado em 25.11.2008, disponível em www.dgsi.pt. “I Perante a lista de credores apresentada pelo administrador da insolvência, e mesmo que dela não haja impugnações, o Juiz não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes dessa lista, nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante, ou qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva. II Detetando a existência, nessa lista, de erro manifesto, se este for de natureza meramente formal, sendo a sua retificação insuscetível de influir nos direitos das partes, nada se que obstea que desde logo proceda a tal retificação e a que elabore logo de seguida sentença de homologação e graduação. III -Mas, se se tratar de erro de natureza substancial, cuja retificação implique ficarem afetados direitos das partes, os princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes implicam a impossibilidade de imediata elaboração de tal sentença, uma vez que a alteração que, com o fim de retificação desse erro, seja efetuada, origina que a lista de credores passe a ser distinta. IV Nessa hipótese, deve o Juiz determinar a elaboração de nova lista de credores, retificada nos termos que indique, pelo administrador de insolvência, abrindo-se novo prazo para impugnações.”

22. A verdade é que, o Administrador de Insolvência reconheceu os créditos reclamados pelos Credores sem que tivesse confirmado os mesmos relativamente à existência dos créditos, nem mesmo tomou posição ou impugnou o critério legal para efeitos do reconhecimento dos créditos a título de indeminização por antiguidade/resolução do contrato.

23. O Administrador de Insolvência não respondeuàsimpugnações de créditos relativamente aos créditos dos Trabalhadores, antes requereu a notificação da Insolvente para confirmação dos créditos, o que fez.

24. A Insolvente prestou todos os esclarecimentos aos autos relativamente aos créditos reclamados pelos Credores – Trabalhadores com vista ao cumprimento do princípio da igualdade entre os Credores e com vista a que os credores perante a mesma situação fossem tratados por igual.

25. O Tribunal a quo limitou-se a desconsiderar o requerimento junto aos autos pela Insolvente e toda a provacareada nos autosrelativamente aos créditos a apreciaredecidir, sem que apreciasse e decidisse acerca dos mesmos.

26. Não pode o Tribunal a quo tratar o que é igual de forma diferente, e neste caso em concreto, o Tribunal a quo não só não admitiu o requerimento junto aos autos pela Insolvente, como pretende graduar os créditos não impugnados, violando assim o princípio da igualdade entre credores, bem como atribuiu o efeito cominatório pleno aos créditos não impugnados, por não admitir o requerimento junto aos autos pela Insolvente. Mais,

27. O Tribunal a quo não cumpriu com a notificação à comissão de Credores para se pronunciar em relação às impugnações de créditos, violando, assim o disposto no artigo 136º, n.º 1 do CIRE.

28. Não pode o Tribunal a quo proferir decisão de homologação relativamente aos créditos alegadamente não impugnados, sem apreciar toda a matéria alegada nos autos e sem que aprecie a prova que se encontra junta aos autos.

29. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo o requerimento junto pela Insolvente não poderá, nem é qualificada como impugnação de créditos, antes requerimento a carrear para os autos toda a prova necessária e esclarecimentos necessários para que os credores –Trabalhadoressejamtratados de igualforma emcumprimento do princípioda igualdade entre Credores que, no caso em concreto, não está a ser respeitado pelo Tribunal a quo devendo o requerimento apresentado pela Insolvente ser admitido e apreciado para todos os efeitos legais, e consequentemente, a decisão proferida ser alterada, admitindo o requerimento apresentado e o mesmo considerado para efeitos da decisão final de graduação e verificação de créditos.

30. Além disso, o Tribunal a quo viola, por não se aplicar no caso em concreto das impugnações decréditos, o efeitocominatório pleno, porexistir matéria a provanos autos que leva a uma decisão diferente daquela que é o reconhecimento dos créditos, tal como reclamados pelos Credores.

31. Por fim, por não se aplicar o efeito cominatório pleno e por existir nos autos matéria e prova, por apreciar e considerar para efeitos do reconhecimento dos créditos, mesmo trazia aosautos em fase posteriorà fase dasimpugnações de créditos, não pode o Tribunal a quo desconsiderar a mesma e simplesmente aceitar os créditos reclamados e proferir sentença homologatório dos créditos sem qualquer fundamentação e perante uma clara violação do princípio da igualdade entre Credores, devendo ser admitido o requerimento junto aos autos pela Insolvente

32. Considerando oalegado,e porfaltadefundamento e violação claradeprincípios basilares neste processo, nomeadamente, princípio da igualdade entre Credores, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, deverá a decisão proferida ser revogada no sentido de ser admitido o requerimento junto aos autos pela Insolvente, ser notificado o Administrador de Insolvência para se pronunciar em relação aos créditos reclamados pelos Credores, nomeadamente aos Trabalhadores e para que possa confirmar os créditos junto da contabilidade da Insolvente e consequentemente seja apresentada nova lista de créditos, nos termos do disposto no artigo 129º do CIRE e ainda que seja revogada a decisão de homologação dos créditos não impugnados, por não se aplicar o efeito cominatório pleno aos presentes autos.”

6. Colocada a possibilidade de inadmissibilidade da revista, foi proferido despacho no âmbito de actuação do art. 655º, 1, ex vi art. 679º, do CPC.

Apresentou pronúncia a Recorrente: (i) pretende e requer que o recurso interposto seja admitido na modalidade de revista excepcional, nos termos e para os efeitos do art. 672º, 1, c), e 2, c), do CPC; (ii) alega a contradição do acórdão recorrido com o acórdão do STJ cuja certidão foi junta supervenientemente nos autos.


Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir, enfrentando desde logo a questão prévia da admissibilidade da revista.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

A) Factualidade apurada

Com relevância, remete-se para os factos descritos no Relatório que antecede.

B) Admissibilidade da revista normal

1. A acção é tramitada por apenso (“A”) aos autos principais de insolvência da pessoa colectiva «RARI»: art. 148º do CIRE.

Deste modo, o seu regime recursivo junto do STJ não segue o regime da revista, atípico e restritivo, contemplado pelo art. 14º, 1, do CIRE; antes segue o regime geral da revista enquanto espécie (v. AUJ do STJ n.º 13/2023, de 17/10/2023, publicado in DR 1.ª Série, de 21/11/2023, págs. 11 e ss).

Neste regime, inclui-se o impedimento que constitui irrecorribilidade para o STJ constituído pela “dupla conformidade”, tal como previsto no art. 671º, 3, do CPC.

2. O art. 671º, 3, do CPC, determina a existência de “dupla conformidade decisória” entre a Relação e a 1.ª instância como obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de revista normal ou regra junto do STJ, em relação aos segmentos decisórios e seus fundamentos com eficácia jurídica autónoma (objecto de impugnação) nos quais se verifica identidade de julgados, sem fundamentação essencialmente diferente e sem voto de vencido, ou, para além disso, em que a decisão recorrida, no ou nos segmentos decisórios recorridos (mesmo que sem confirmação integral no dispositivo) e seus fundamentos atendíveis, se revela mais favorável, qualitativa ou quantitativamente, à parte recorrente (mesmo que só com procedência parcial do recurso).

3. Verifica-se que a fundamentação das instâncias no que toca às questões da (i) qualificação do requerimento de rectificação da insolvente como impugnação de créditos reclamados, (ii) tempestividade ou não da impugnação como tal qualificada e correspondente não admissão do articulado e da (iii) consequência da falta de impugnação tempestiva no que respeita ao reconhecimento e verificação por sentença homologatória de créditos constantes da relação apresentada pelo AI, tal como reapreciadas pela Relação, não se traduz em qualquer desvio aos correspondentes regimes jurídicos aplicáveis, sem prejuízo de desenvolvimento argumentativo do acórdão recorrido, nomeadamente para a última questão (interpretação do art. 136º, 1, do CIRE e procedência da pretensão dos credores em causa pelos créditos reclamados em face da não impugnação por intempestividade): v. as págs. 10 a 14 do acórdão recorrido em face da decisão de não admissão do requerimento-impugnação e sentença de homologação de 1.ª instância; sendo, por isso, estas decisões, para efeitos da aplicação do art. 671º, 3, decisões “conformes” no dispositivo decisório e na fundamentação, sem voto de vencido, que obstam ao recurso ordinário de revista normal.

Transcreve-se o pertinente do acórdão recorrido:

“(…) cumpre então dilucidar, pois é esse o objeto central do presente recurso, se o requerimento junto pela insolvente aos autos em 10/02/2022 consubstancia uma verdadeira impugnação à lista de credores oportunamente apresentada pelo AI, tal como o entendeu o tribunal recorrido.

E dúvidas não temos que assim o é.

Com efeito, no requerimento apresentado, a insolvente alude à inclusão na lista de créditos que foi junta aos autos pelo administrador judicial, de montante indevidos, impondo-se, segundo diz, por se tratar de erro de natureza substancial, retificar a aludida lista, reconhecendo-se apenas em parte os valores reclamados.

Conclui, invocando que “deverão os termos das impugnações apresentadas pela Insolvente ser tidas como válidas, para efeitos da verificação substancial e formal dos títulos dos reclamados e reconhecidos na lista de créditos apresentada pelo administrador judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129º do CIRE, e consequentemente, serem apenas considerados e reconhecidos e qualificados os créditos devidamente reclamados, com a aplicação do mesmo critério e cumprimento do princípio da igualdade entre Credores”.

Da leitura do assim requerido, em 10/06/2023, dúvidas não há, retira-se uma verdadeira impugnação à lista de créditos apresentada nos autos pelo Sr. administrador da insolvência em 21/11/2022, e nos mesmos termos, diga-se, das impugnações que, numa primeira fase, a insolvente apresentara já nos autos relativamente a outros trabalhadores.

Com efeito, facilmente se constata que os termos da ‘retificação’ que agora peticiona são idênticos aos fundamentos deduzidos nas impugnações apresentadas relativamente a outros credores, utilizando a insolvente as mesmas expressões “…não aceitando o valor remanescente” e “…valor que desde já se impugna”, naquilo que consiste numa verdadeira impugnação da lista de credores, culminando mesmo com o pedido de “… deverão os termos das impugnações apresentadas pela Insolvente ser tidas como válidas…”.

É por demais evidente que a insolvente, a coberto de uma aparente ‘retificação’ da lista apresentada, pretende verdadeiramente, e mais uma vez, impugnar a lista de credores, relativamente aos créditos de trabalhadores não indicados nas impugnações oportunamente deduzidas.

E, veja-se, em nenhum momento do requerimento agora apresentado a insolvente alude a qualquer erro, que se exige “manifesto”, diga-se, e que cumprisse corrigir - isto, claro, sem esquecer que qualquer retificação, a existir, apenas poderia ser da iniciativa do Administrador de Insolvência, que é entidade competente, à luz do CIRE, para introduzir no processo a lista definitiva de credores - limitando-se, isso sim, a impugnar os créditos reconhecidos a diversos trabalhadores, nos mesmos moldes em que, então no momento próprio, fez relativamente a outros credores, afirmando que apenas reconhece parte desses créditos e requerendo a sua respetiva redução, não indicando, de resto, as razões pelas quais não concorda com os valores reconhecidos na lista definitiva de credores, a razão pelos quais os mesmos estão errados e têm que se corrigidos, limitando-se, sem mais, a pedir a sua redução.

A insolvente pretende, pois, com o requerimento em apreço, impugnar os créditos reconhecidos na lista apresentada.

Ora, não havendo qualquer dúvida que o prazo para a impugnação da lista de credores é de 10 dias após a apresentação desta lista pelo Administrador de Insolvência, verificamos então que, estando largamente ultrapassado aquele prazo, o requerimento em análise é manifestamente extemporâneo. (…)

Por ser assim, confirma-se a decisão recorrida que considerou o requerimento apresentado nos autos pela insolvente como uma verdadeira impugnação da lista de créditos reconhecida, julgando-a, consequentemente, intempestiva.”;

“Resta agora aferir se o tribunal agiu erradamente, operando um efeito cominatório pleno, com a procedência automática da pretensão dos credores em causa pelos créditos reclamados.

Diz-nos então o já mencionado n.º 1 do art.º 136.º do CIRE, na parte que agora importa, que «Junto o parecer da comissão de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que tal junção se verifique, o juiz declara verificados com valor de sentença os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados, salvo o caso de erro manifesto (…)».

Vimos já que a própria natureza do processo de insolvência, e o princípio da igualdade consagrado no artigo 194.º do CIRE, impõem uma decisão justa e equitativa, que obriga a que o juiz, neste enquadramento, exerça um efetivo controle judicial, analisando a lista apresentada pelo Administrador de Insolvência. Veja-se, no que concerne a esta matéria, os acórdãos já acima citados.

O conceito de “erro manifesto”, a que alude o preceito assinalado (como, de resto, o n.º 3 do art.º 130.º do mesmo código) tem sido entendido em termos amplos.

Carvalho Fernandes e João Labareda (na obra acima citada, pág. 528) dizem que «(..) a inexistência de impugnações não constitui garantia significativa da correção das listas elaboradas pelo administrador da insolvência. Este reparo deve ser entendido em função dos curtos prazos concedidos pela lei, quer ao administrador da insolvência, para elaborar as listas, quer aos interessados para as impugnar. Nota tanto mais relevante quanto é certo serem, na grande maioria dos casos, em número significativo os créditos reclamados e volumosos os documentos que instruem as reclamações. Por outro lado, impressiona, no que respeita às garantias, que a sua constituição esteja normalmente dependente do preenchimento de requisitos formais ad substantiam, cuja falta seja, afinal de contas, puramente ignorada ou desconsiderada por mero efeito da falta de impugnação. Por isso, defendemos que deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite».

Por ser assim, nada impede que o juiz diligencie no sentido de obter os esclarecimentos que julgue serem imprescindíveis para suprir e/ou esclarecer a lista apresentada, promovendo as diligências que julgue necessárias e adequadas à verificação dos aludidos créditos e à sua graduação. E essa sindicância, a que o juiz está obrigado, deve ser feita, não apenas através do que da mesma consta, mas também do que resulta do processo de insolvência, incluindo os respetivos apensos.

No caso dos autos, não tendo sido impugnada a lista de créditos apresentada pelo AI, no que concerne aos aludidos trabalhadores, representados pelo MP, e não decorrendo da aludida lista ou dos documentos juntos qualquer erro que impeça a verificação dos mencionados créditos – erro que, diga-se, não foi apontado pela recorrente nos autos - pois que se limitou a apresentar os valores que reconhece como créditos sem mais, mormente os que entende corresponderem à indemnização devida - nem mesmo em sede de recurso – onde se limita a dizer que o tribunal recorrido não poderia homologar a lista apresentada por falta de impugnação à mesma, sem apontar qualquer erro que a lista evidencie ou que resulte em contrário de algum documento específico que impeça a sua homologação - não vemos qualquer fundamento para que a lista não fosse homologada nos termos em que o foi, com a verificação dos créditos dos aludidos trabalhadores.

(…)

Não vemos, pois, quaisquer razões para alterar o decidido nem a recorrente as aponta, não reportando qualquer erro crasso ou manifesto que a lista apresentada cumprisse retificar.

É verdade que o AI não respondeu às impugnações de créditos tempestivamente apresentadas pela insolvente no que concerne a determinados trabalhadores, antes requerendo a notificação daquela. Não obstante, diga-se, tal questão releva apenas para as impugnações tempestivas, e não as em causa no requerimento de 10/06/2023, sendo certo que, seja como for, o tribunal a quo indeferiu o pedido de notificação, por entender que o pretendido pelo AI não tem fundamento legal.

Finalmente, diremos ainda, a comissão de credores não tem de ser notificada pelo juiz para se pronunciar, pois o que decorre do processado dos arts. 130.º a 136.º do CIRE é que tem de ter atenção à concatenação dos prazos ali indicados, juntando o parecer no momento certo, sendo certo que a não apresentação da mesmo nenhuma consequência processual relevante acarreta, não impedindo essa falta a tramitação prevista no art.º 136.º do CIRE, sendo a lei bem clara ao dizer que o prazo começa a correr no termo do prazo para as respostas às impugnações (Carvalho Fernandes e João Labareda, obra acima citada, págs. 537 e 538).”

Daqui resulta que, tendo o acórdão recorrido sido lavrado por unanimidade (sem voto de vencido) e norteado no âmbito do mesmo quadro jurídico em que se moveram as decisões de primeira instância para alcançar um resultado idêntico àquele que se obtivera na primeira instância, é de afirmar que, na Relação, não se adoptou uma fundamentação que deva ser tida como essencialmente diferente, desde logo porque a segunda pronúncia não se estriba em inovações que traduzam enquadramento diverso do instituto jurídico e disciplina legal em que assentaram a sentença proferida em 1.ª instância para as questões decididas. Tal implica que, considerando a opção legislativa de irrecorribilidade consagrada no art. 671º, 3, do CPC, o recurso de revista normal não é admissível no presente caso – seja no âmbito da revista do art. 671º, 1, seja no âmbito da revista do art. 671º, 2 (reapreciação de decisões interlocutórias com natureza processual proferidas em 1.ª instância/“velhas”), do CPC.

Para esta conclusão, sufragam-se os anteriores Acs. do STJ, em cuja fundamentação nos revemos e para os quais remetemos, ao abrigo do art. 663º, 5, 2.ª parte, ex vi art. 679º, do CPC: 14/5/2019, processo n.º 526/15; 4/7/2019, processo n.º 1677/16; 10/11/2020, processo n.º 4258/18; 2/3/2021, processo n.º 30690/15 e processo n.º 1035/10; 7/7/2021, processo n.º 5835/18; 20/12/2022, processo n.º 4509/19; 3/5/2023, processo n.º 1866/14; 15/6/2023, processo n.º 2444/20; 2/11/2023, processo n.º 3992/19; e de 9/7/2024, processo n.º 331/19; sempre in www.dgsi.pt.

4. O art. 671º, 3, implica a irrecorribilidade em revista do acórdão proferido pela Relação, a não ser que (1.ª parte do art. 671º, 3) fossem invocadas situações de revista extraordinária (art. 629º, 2, 1.ª parte do normativo), ou fosse interposta revista excepcional, a título principal ou a título subsidiário (nos termos do art. 672º, sempre do CPC, parte final do normativo) – sem prejuízo de poder não ser admitida para a “dupla conformidade” referida à revista do art. 671º, 2, do CPC (v. questão recursiva da apelação identificada sob (ii): não admissão da impugnação, relativa à sorte processual desse articulado na tramitação do processo1) – e configurado o recurso, nas suas alegações e conclusões, de acordo com os pressupostos de tais modalidades de impugnação em sede de revista; não sendo interpostas nestas modalidades a revista enquanto espécie, nem obedecendo à respectiva configuração (em especial de acordo com as Conclusões que delimitam o objecto recursivo, nos termos do art. 637º, 1, e 2, 1.ª parte, do CPC), aplica-se sem mais o obstáculo recursivo do art. 671º, 3, do CPC para efeitos de inadmissibilidade da revista ordinária na modalidade normal ou regra.

Assim sendo.

5. Verifica-se que a revista não é de todo configurada com o cumprimento dos ónus recursivos e de alegação referidos à revista excepcional ou à revista extraordinária, nomeadamente a baseada em oposição jurisprudencial que legitimasse a superação da irrecorribilidade; logo, apenas pode ser configurada como revista normal ou regra.

Em primeiro lugar, a Recorrente nunca se refere à existência da “dupla conformidade” decisória entre as instâncias, condição para lançar mão das modalidades recursivas que permitem superar a respectiva irrecorribilidade – facto indesmentível e manifestamente decisivo para a configuração do recurso.

Em segundo lugar, a propósito dos acórdãos referidos pela Recorrente como suporte da sua argumentação, é claro que não se cumpre o ónus específico de demonstrar que existe uma contradição jurisprudencial relevante e que, portanto, a diversidade de julgados a que respeitam os acórdãos referidos (e só um deveria ser) em confronto com o acórdão recorrido é consequência de uma interpretação divergente da mesma questão fundamental de direito na vigência da mesma legislação, conduzindo a que uma mesma incidência fáctico-jurídica tenha sido decidida em termos contrários, promovendo assim a impugnação recursiva para o STJ por via de uma revista excepcional ou extraordinária.

Verificados os autos e a peça recursiva correspondente à revista interposta, regista-se, isso sim, que a Recorrente se limita a afirmar o seu inconformismo com a fundamentação e as conclusões finais do acórdão recorrido, ainda que suportando a sua falta de resignação com jurisprudência do STJ e da Relação de Lisboa. Ou seja, ignora-se por completo como base recursiva qualquer das hipóteses taxativamente ditadas pelo CPC como vias exclusivas de acesso para o conhecimento do recurso no STJ em face da “dupla conformidade”.

O certo é que, sendo esta uma condição primária de recorribilidade, não se faz referência e não se identifica acórdão (e um só) que estivesse em oposição com o acórdão recorrido para cada uma das questões reapreciadas e, por isso e nessa circunstância, fosse o fundamento da contradição jurisprudencial com acórdão do STJ ou de qualquer Relação, elencando os termos de identidade fáctico-jurídica que baseassem a oposição de julgados e que importasse dirimir na revista para a questão jurídica solvenda; só assim fazendo se poderia ultrapassar a regra de irrecorribilidade e possibilitar a admissão da revista – cfr. arts. 672º, 1, c), e 2, c); 629º, 2, d), CPC –, sendo que, nos casos que constituem excepções à irrecorribilidade das decisões, deverão ser ainda vistos com mais rigor e necessariamente indicados nas alegações e, mais concretamente, nas conclusões (art. 637ºº, 2, 1.ª parte, CPC) os “motivos que devem levar o tribunal a admitir o recurso”2.

Na verdade, o que o Recorrente faz não configura de todo a “demonstração” (como demandado nessas hipóteses recursivas de “ultima ratio”) de uma contradição jurisprudencial como fundamento específico do recurso para as questões jurídicas reapreciadas pela Relação no acórdão recorrido, não se identificando para efeitos de configuração e admissibilidade recursivas as contradições entre os fundamentos e sentido do acórdão recorrido e os fundamentos e sentido de outro acórdão, limitando-se a manifestar a sua discordância com o julgamento realizado pelo acórdão recorrido e esses outros acórdãos – o que, aliás, mesmo que fosse de admitir que as revistas tivessem sido requeridas noutra ou noutras modalidades, sempre seria causa de “rejeição” liminar do recurso (v., em esp., o art. 672º, 2, c), do CPC

Em suma: falece a configuração da revista em modalidade diferente da normal e, de tal sorte, a enunciação e demonstração de que subsiste uma diversidade de julgados relativa aos acórdãos em confronto, como resultado de uma interpretação divergente da mesma questão fundamental de direito na vigência da mesma legislação, conduzindo a que uma mesma incidência fáctico-jurídica tenha sido decidida em termos contrários, para o caso de contradição jurisprudencial.

Mais: no requerimento de interposição, vislumbra-se que o recurso se fundamenta no art. 685º do CPC, manifestamente a despropósito no cumprimento do art. 637º, 1, do CPC e escapando à lógica recursiva subjacente às revistas superadoras da “dupla conforme” e acesso da impugnação ao conhecimento do STJ em revista.

Neste contexto, a apresentação superveniente de um requerimento com a certidão comprovativa de um desses acórdãos do STJ, com nota de trânsito, não logra de todo permitir ver na revista uma configuração que ela não admite ou suprir a não interposição de revista apta e idónea na modalidade própria a superar a irrecorribilidade de que sofre o acórdão recorrido.

6. Não obstante, veio a Recorrente requerer, em resposta ao despacho proferido no âmbito do poder-dever oferecido pelo art. 655º do CPC, que a revista seja admitida como revista excepcional, alegando pela primeira vez a situação de “dupla conformidade”.

Sinal inequívoco de que reconhece que a revista interposta, tal como requerida e formatada nas alegações e nas conclusões, não obedeceu à configuração de uma revista na modalidade excepcional, como modalidade da espécie de recurso ordinário de revista admitido junto do STJ (art. 215, 1.ª, CPC), desde logo porque não foi alegada a irrecorribilidade ditada pelo art. 671º, 3, do CPC e afirmada, para efeitos do art. 672º, 1, c), a contradição ou contradições na questão ou questões jurídicas que foram identicadamente decididas e que se pretendiam ser novamente apreciadas no STJ.

Seja como for.

A resposta/pronúncia deduzida no âmbito do art. 655º do CPC, típico para exercício de contraditório restrito à questão do não conhecimento do objecto do recurso tal como foi requerido e formatado nas alegações e conclusões, é insusceptível de aproveitamento processual para mudar ou acrescentar o(s) fundamento(s) e o objecto recursivo delimitados nas alegações originais e tempestivas, tendo em vista reconfigurar a modalidade da revista interposta de acordo com o requerimento anterior de interposição e sua fundamentação, nem pode servir para alargar esse mesmo objecto para outras situações de (potencial ou efectiva) admissibilidade recursiva – como agora pretende a Recorrente, acrescentando (em rigor, mudando) a admissibilidade à luz da revista excepcional figurada no art. 672º, 1, c), do CPC.

É, por isso, essa pretensão superveniente processualmente ilegítima e inadequada para tal intento recursivo, ou ainda para sanar ou suprir qualquer vício originário, se tal fosse possível (v. arts. 641º, 2, em esp. a), 6, 643º, 4, CPC), assim como extemporânea e infundada depois da interposição feita (v. arts. 637º, 1, 2, 1.ª parte («fundamento específico de recorribilidade»); 638º, 1, 639º, 1 e 2, CPC), surgindo como prejudicada a apreciação e conhecimento de tal admissibilidade nessa sede e oportunidade3.

III. DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em não tomar conhecimento do objecto do recurso.

Custas pela Recorrente, mas com isenção (arts. 4º, 1, u), e 3º, 1, RCP, e 529º, 1, CPC).

STJ/Lisboa, 17 de Setembro de 2024

Ricardo Costa (Relator)

Maria Olinda Garcia

Maria do Rosário Gonçalves

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1. Neste sentido, CARLOS LOPES DO REGO, “Problemas suscitados pelo modelo de revista acolhido no CPC. O regime de acesso ao STJ quanto à impugnação de decisões interlocutórias de natureza processual”, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Maria Helena Brito, Volume II, Geslegal, Coimbra, 2022, pág. 481.↩︎

2. V. ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 637º, págs. 132, 135.↩︎

3. Por comodidade, sobre este regime e sua consequência prática para a admissibilidade recursiva, remete-se para os Acs. do STJ de 2/3/2021, processo n.º 1198/19, 15/3/2022, processo n.º 17315/16, 12/7/2022, processo n.º 5029/15, 20/12/2022, processo n.º 3241/15.2T8GMR.G1.S1, 30/3/2023, processo n.º 206/14, 3/5/2023, processo n.º 1866/14, e de 16/11/2023, processo n.º 2034/15; sempre in www.dgsi.pt.↩︎