Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
768/21.0T8VIS.C2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
SENTENÇA DE CONDENAÇÃO GENÉRICA
CASO JULGADO FORMAL
CASO JULGADO MATERIAL
JUROS DE MORA
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MORA DO DEVEDOR
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
Data do Acordão: 07/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I - Sempre que o cálculo da indemnização fundada numa responsabilidade civil, aquiliana ou delitual, operado pelas instâncias haja assentado no critério não normativo da equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do seu valor - mas apenas o controlo dos limites e pressupostos no âmbito dos quais se moveu o juízo equitativo na apreciação casuística da especificidade do caso concreto.

II - O incidente da liquidação destina-se a converter uma condenação genérica numa condenação específica ou líquida, em condenar o lesante numa prestação indemnizatória determinada, em conformidade com os resultados desse mesmo incidente – resultados que devem estar em exacta correspondência com o título que lhe serve de base, pelo que a decisão condenatória exerce uma função delimitadora, designadamente dos limites objectivos, i.e., relativos ao objecto da obrigação de indemnização a cuja liquidação há que proceder, limites que, força do seu trânsito em julgado, não são outros que não os limites objectivos do caso julgado, formal e material, correspondente.

III - Como os resultados da liquidação devem respeitar, por força do caso julgado formado sobre a decisão de condenação genérica que serve de título, os limites dessa mesma condenação, se esta não contiver a condenação na obrigação acessória de juros, à decisão que proceder à liquidação da obrigação primária de indemnização não é lícito – sob pena de violação do caso julgado – condenar na última daquelas obrigações.

IV - A teoria da diferença é imprestável para a determinação do dano de privação do uso, na medida em que a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida se adequa a privações definitivas e não a privações temporalmente delimitadas, pelo que a determinação do valor da indemnização daquele dano deve operar por recurso ao critério não normativo da equidade.

V - Ainda que o cômputo da indemnização deva ser efectuado por aplicação do critério não normativo da equidade, por força dos princípios estruturantes e regulativos da igualdade e da confiança, impõe-se, na determinação do seu valor, um esforço de uniformização e de unidade na aplicação do direito desde que haja entre as realidades comparadas, apesar de serem simultaneamente idênticas e diversas, uma relação de semelhança, i.e., se apresentarem as mesmas características essenciais.

VI - Se o dano da privação do uso de veículos pesados de mercadorias foi fixado, por acórdãos dos tribunais da Relação, em cinco casos em € 100,00 diários, num caso em € 120, 00 diários e noutro, em € 150,00 diários, julga-se adequada, para reparar o dano de igual espécie, objecto do recurso, por aplicação do critério não normativo da equidade, considerando a duração da privação da utilização - 337 dias -, o fim a que os dois veículos estavam afectados e a ausência de quaisquer outros parâmetros d.e facto susceptíveis de influir no juízo correspondente, a indemnização de € 100,00 diários

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.

Fronteiras e Aromas Unipessoal, Lda., pediu ao Sr. Juiz de Direito do Juízo Central Cível de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ... que condenasse Zurich Insurance PLC, Sucursal em Portugal, a indemnizá-la:

- Dos danos e perdas decorrente do acidente de viação cuja responsabilidade se imputa a título de culpa à segurada no valor total de € 60 496,89 (€ 35 000,00 pela perda do Scania + e 8 000.,00 pela perda total do semi-reboque + € 12 177,12, pela indemnização pela paralisação de ambos os veículos + € 5 000,00 pela perda da carga não recuperada, mais o lucro visada com a mesma) a que acrescem juros de mora desde a data do acidente até integral e efectivo pagamento;

- A título de privação do uso dos referidos veículos, no valor mínimo diário (fora os Domingos) de € 253, 69, para cada um dos veículos, desde a data de 22-01-2021 (em que declinou a responsabilidade pelo acidente) até à disponibilização do equivalente pecuniário necessário para a substituição destes veículos, acrescidos de juros de mora até final, a liquidar em execução de sentença.

Fundamentou estas pretensões no facto de, no dia... de Dezembro de 2020, na EN n.º ...26, ao Km 226, o veículo ligeiro de passageiros ..-AF-.., de e conduzido por AA, cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros se encontrava transferida para a ré, ter invadido a faixa de rodagem contrária, na qual circulava o seu veículo pesado de mercadorias ..-AF-.., marca Scania, que acoplava o semi-reboque L-153085, conduzido pelo seu gerente, embatendo violentamente na sua parte frontal esquerda, de desde o dia do acidente estar privada da utilização da Scania, que valia € 35 000,00, e do semi-reboque, que valia € 8 000,00, que a ré, que não assumiu a responsabilidade pelo acidente, considerou que não eram passíveis de reparação, e que utilizava para o transporte de batatas e cebolas a granel de Espanha para os comercializar em Portugal, e de ter ficado prejudicada em € 5 000,00 com a perda da carga que transportava, e em € 2 000,00 por semana por virtude da privação da utilização da Scania durante 27 dias e do semi-reboque durante 21 dias, dano que deve ser indemnizado pelos valores que resultam do acordo entre a APS e ANTRAM, que para veículos pesados de mercadorias internacionais, é de € 253,69 diários, sendo indiferente que não seja associada da última.

A ré defendeu-se por impugnação, afirmando, designadamente, desconhecer grande parte dos factos alegados pela autora e que foi o condutor do veículo Scania que deu causa ao sinistro ao ter invadido a hemi-faixa de rodagem na qual circulava a viatura ..-AF-.., acabando por colhê-la.

O Sr. Juiz de Direito, por sentença de 20 de Dezembro de 2021, depois de concluir que é ostensivo que foi o comportamento ilícito da condutora do veículo ..-AF-.. que levou ao embate, julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré no pagamento à autora das seguintes quantias:

1. € 13 000, a título de perda total do veículo articulado (tractor e semi-reboque);

2. € 2 500,00 a título de paralisação do veículo;

3. € 5 319,77 a título de perda da carga transportada;

4. Juros à taxa legal, sobre cada uma das referidas quantias, desde a citação, quanto às quantias mencionada em 1. e 3, e desde a data da decisão quanto ao demais, referido em 2., sempre até integral pagamento

Porém, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 8 de Março de 2022, julgando parcialmente procedente o recurso ordinário de apelação interposto pela autora desta sentença, - no qual pedia a condenação da autora a indemnizá-la pelo valor dos prejuízos sofridos com a perda total dos seus dois veículos pesados (€ 35 000, 00 para a Scania e € 8 000,00 para o semi-reboque), com a paralisação destes desde a data do acidente até à declaração de perda total destes (€ 12 177,12) e ainda com a privação do seu uso para a substituição destes veículos (no valor diário de € 235,69 para cada um deles), por si peticionados, e a liquidar em execução de sentença, se necessário - modificou a parte 2 – do segmento decisório, fixando-se em € 4 800,00, e condenando-se ainda a R. a pagar, desde 22.01.2021, o valor que se vier a liquidar em sentença, a título de privação do uso, até à disponibilização do equivalente pecuniário necessário para a substituição dos veículos da A.

Regressado o processo à 1.ª instância, a autora deduziu incidente de liquidação de condenação genérica, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe, além dos juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre o valor que vier a ser liquidado:

a) A quantia de € 253,69 a título de privação diária do uso dos seus veículos Scania e semi-reboque Schmitz, desde a data de 21-01-2021 até 1-03-2022, ou seja, durante 337 dias, no valor global de € 85,493,53, conforme acordo de paralisação aceite e subscrito pela R. junto aos autos, que a vincula e serve de critério de fixação de indemnização diária para tal privação do uso.

Ou, subsidiariamente, caso se entenda que aqui se não deva aplicar este quantitativo diário constante das tabelas entre ANTRAM/APS

b) A quantia de € 120,00 a título de privação diária do uso dos seus veículos Scania e semi-reboque Schmitz, desde a data de 21-01-2021 até 1-03-2022, ou seja, durante 337 dias, no valor global de € 80 880,00 (€ 120,00 diários X 2 veículos, X 337 dias) (tal como arbitrado pela Relação a título de paralisação de cada um deles, sendo que os prejuízos da paralisação são os mesmos que na privação do uso destes).

Oferecido o articulado de oposição, e produzidas as provas, o Sr. Juiz de Direito, por sentença de 11 de Julho de 2023, com fundamento numa regra de três simples, se pelos 43 dias de 9 de Dezembro de 2020 a 21 de Janeiro de 2021, o tribunal superior determinou o valor de € 4 800,00, então pelos 403 que medeiam entre 22 de Janeiro de 2021 e 1 de Março de 2022, será de considerar o valor de € 44 986,0465, e assim, atendendo aos limites permitidos pelos factos provados – dentro daqueles que, anteriormente, foram fixados pela sentença ilíquida – liquidou a quantia a arbitrar, a ser paga pela requerida à requerente, no montante de € 44 986,05.

Autora e ré interpuseram desta sentença recursos ordinários autónomos de apelação – pedindo a primeira, a condenação da segunda a pagar-lhe o valor máximo peticionado de € 85 493, 53, a título de privação dos seus dois veículos pesados de mercadorias entre 22 de Janeiro de 2021 a 1 de Março de 2022, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e a última a fixação da quantia em liquidação no montante de € 6 500,00, e o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 5 de Março de 2024, julgando improcedente o recurso da requerente e parcialmente procedente o da requerida, liquidou a indemnização em € 17 500,00.

É este acórdão que a autora, requerente, impugna através do recurso ordinário de revista – no qual pede a sua revogação e a condenação da recorrida a pagar à recorrente o valor máximo peticionado por esta de € 85,493,53 a título de privação de dois dos seus veículos pesados mercadorias entre 22 de janeiro de 2021 a 1 de março de 2022, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:

1ª O douto Acórdão do Tribunal da Relação, aqui recorrido, decidiu liquidar a condenação genérica da recorrida na quantia de € 17.500,00, e não na quantia peticionada pela recorrente no valor de € 85.493,53 ou, no mínimo de € 80.880,00, em vez dos € 44.986,05 que foi liquidada na sentença recorrida.

2ª Tal condenação, agora liquidada no montante de € 17.500,00, reporta-se aos prejuízos sofridos pela recorrente pela privação do uso de dois dos seus veículos pesados de mercadorias (Scania e Semirreboque), num hiato de tempo de 403 dias, entre 22 de janeiro de 2021 a 1 de março de 2022.

3ª No recurso da ação principal, o Tribunal da Relação, por não se conhecer o acordo celebrado entre a ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias) e a APS (Associação Portuguesa de Seguros) sobre a paralisação de veículos afetos ao transporte rodoviário de mercadorias, socorreu-se dos parâmetros fixados pela jurisprudência em situações semelhantes.

4ª Apontando como referência o Acórdão da Relação de Coimbra de 6.2.2018 Proc. 189/16.7T8CDN, disponível na página www.dgsi.pt, que diz: “No caso de veículos pesados de mercadorias, nacional e internacional, a indemnização tem tendência a não ser inferior a € 100,00 por cada dia de paralisação”.

5ª Sucede que, os veículos acidentados, apesar de se articularem, não formam um só veículo, mas dois veículos autónomos, ou, como referido pela Relação “um conjunto de veículos (reboque e semirreboque) material e juridicamente autónomos”.

6ª Nesse sentido, o valor a liquidar em sentença terá de considerar a paralisação não de um, mas de dois veículos.

7ª Tendo a recorrente, no incidente de liquidação chegado ao valor peticionado, no montante de € 85.493,53, considerando o referido acordo em vigor celebrado entre a ANTRAM e a APS.

8ª Acordo esse que fixa o valor diário, para a privação de uso de um veículo pesado superior a 26 até 40 toneladas, afeto a serviço internacional, é de € 253,69/dia.

9ª Ora, não havendo outros valores de referência, nem o mercado de aluguer de veículos (rent-a-car) oferecer este tipo veículos pesados de mercadorias, não há outra forma de quantificar os danos suportados pela privação de uso para este tipo de veículos, que não seja perceber o que o setor aplica ou tem regulado.

10ª O que, plenamente se aplica aos presentes autos, e justifica assim que o referido acordo seja aplicado para quantificar os danos sofrido pelo recorrente, com a privação de uso dos seus dois veículos.

11ª Consequência do acidente da responsabilidade da recorrida, a recorrente não os pode utilizar por 337 dias (403 dias, menos domingos e feriados), desde a data em que a requerida declinou a responsabilidade pelo seu pagamento (22.01.2021) até ao efetivo pagamento da indemnização pela perda dos veículos (01.03.2022).

12ª Se a recorrente esteve privada de utilizar os seus dois veículos por 403 dias (cerca de treze meses), só se pode concluir que teve um grande dano pela paralisação dos mesmos, conforme já ficou demonstrado na ação principal.

13ª É assim indiscutível que a recorrente utilizava estes veículos diariamente em transportes nacionais e internacionais designadamente para Espanha.

14ª Pelo que a presente liquidação no montante de € 17.500,00 é desproporcionada para o tempo de privação de uso e tipo de veículos sinistrados (ambos pesados de mercadorias).

15ª Em todo o caso, não se compreende, a quantificação dos danos pela privação de uso no montante de € 17.500,00, que condena a requerida a pagar o valor de €25,96 por cada veículo pesado da requerente (€ 17.500,00: 337 dias = € 51,93 para os dois veículos) (€ 51,93 : 2 veículos = € 25,96 para cada veículo).

16ª Assim, o douto Acórdão, atribui uma indemnização aos dois veículos pesados de mercadorias um valor equiparado ao aluguer de um de um veículo ligeiro de passageiros.

17ª Na verdade, a recorrida é um representada da APS, e obrigou-se a pagar tal valor, em caso de acidente, pela paralisação deste tipo de veículos rodoviários de mercadorias, aos associados da primeira.

18ª A apelante/recorrente viu-se privada de usar os seus veículos, privando-se de manter o seu negócio e consequentemente os seus compromissos com fornecedores e clientes, vê a sua faturação baixar, como se registou na ação principal.

19ª De registar ainda que que não servia de nada a recorrente reclamar a recorrida qualquer veículo de substituição, porque não existem no mercado estes tipos veículos pesados para aluguer.

20ª A privação de uso destes veículos, ficou a dever-se exclusivamente à incúria da recorrida que ao se desresponsabilizar pelo acidente e ter pago o valor da perda dos mesmos à recorrente passados 403 dias depois.

21ª Não pode ser considerar um enriquecimento ilegítimo por parte da recorrente ser indemnizada pelo valor peticionado no presente incidente, que após ter sido privada dos seus dois veículos pesados num hiato de tempo de 403 dias, entre 22 de janeiro de 2021 a 1 de março de 2022.

22ª A privação de uso de ambos os veículos por 403 dias, o uso intenso dos mesmos pela recorrente até ao acidente, são factos dados como provados na ação principal e confirmados pelo Acórdão do Tribunal da Relação de 08.03.2022.

23ª Certo é que a recorrente com a privação dos seus veículos sofreu prejuízos avultados.

24ª Ao valor que vier a ser liquidado acresce juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Não foi oferecida resposta.

2. Delimitação do âmbito objectivo do recurso e enunciação da questão concreta controversa.

O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, transitado em julgado, proferido na causa principal, depois de declarar – aderindo à jurisprudência contida no acórdão de 18 de Janeiro de 2004 (04B312) do Supremo Tribunal de Justiça - que o tractor e o semi-reboque são um conjunto de veículos material e juridicamente autónomos, pelo que a paralisação de qualquer deles deve relevar também autonomamente como fonte de danos – relegou para liquidação ulterior a quantificação da indemnização devida pela recorrida à recorrente pela privação do uso daqueles dois veículos, desde 22 de Janeiro de 2021 até à disponibilização, pela última à primeira, do equivalente pecuniário para a sua substituição, que só ocorreu em 1 de Março de 2022. É, assim, incontroverso, por força do trânsito em julgado daquele acórdão, que a recorrente está adstrita do dever de indemnizar a recorrente daquele dano, pelo que apenas resta, como objecto admissível da discussão, o quantum da obrigação correspondente.

Como o âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, a única questão colocada à atenção deste Tribunal Supremo é, portanto, a de saber qual é o quantum da indemnização que deve ser arbitrada à recorrente para reparar o dano que suportou com a privação do uso dos seus veículos – o tractor e o semi-reboque – imputável a uma culpa negligente do condutor do veículo automóvel relativamente ao qual a recorrida, assumiu, por virtude de um contrato de seguro de responsabilidade civil, os danos causados com ele a terceiros (art.º 635.º nºs 2, 1.ª parte, e 3.º a 5.º, do CPC).

Na petição ou requerimento inicial do incidente de liquidação, a recorrente pediu, a título principal, que essa indemnização fosse fixada em no valor global de € 85 493,53, correspondente a 337 dias de privação do uso dos veículos, multiplicados pela quantia diária de € 253,69 – mas a sentença final do incidente computou em 403 dias aquela privação. Dado que, porém, na revista a recorrente pede que a obrigação de indemnização seja quantificada em € 85 493,53, deve entender-se que – apesar daquela se referir, nas conclusões da sua alegação, a 403 dias de privação da utilização - que o período atendível dessa inibição ou exclusão do uso é apenas de 337 dias (art.º 236.º n.º 1, do Código Civil).

Nitidamente, o acórdão impugnado na revista utilizou como critério de decisão, para proceder à especificação ou liquidação da obrigação genérica de indemnização, um critério não normativo de decisão: a equidade. Ponto que é relevante, considerada a restrição da competência decisória do Supremo à matéria de direito, limitação que não deve ser entendida no sentido de que toda e qualquer questão de direito é susceptível de fundamentar o recurso de revista (art.ºs 674.º do CPC e 46.º da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto). Relativamente à admissibilidade deste recurso ordinário há que contar, desde logo, com as limitações que decorrem da teleologia do recurso de revista, que a exclui sempre que ele não possa realizar qualquer função de harmonização da aplicação da lei, o que sucede quando o critério de decisão utilizado pela Relação não seja normativo – mas individual ou concreto – como acontece, por exemplo, quando a decisão é orientada pela discricionariedade ou pela equidade. Ao contrário dos critérios normativos de decisão – que se baseiam em leis abstractas e gerais e assentam num princípio de universalização, pelo que todos os casos semelhantes devem ser decididos do mesmo modo – os critérios não normativos baseiam-se num princípio de especialidade, segundo o qual cada caso deve ser decidido atendendo às suas particulares e atribuem ao tribunal a possibilidade de decidir segundo o que se mostrar conveniente e oportuno para a prossecução de um dado interesse. A consequência do uso de critérios de decisão não normativos – que assentam na discricionariedade judiciária - é a inadmissibilidade do seu controlo pelo tribunal de revista – excepto no tocante à verificação dos pressupostos e limites do critério de decisão escolhido – v.g. a equidade – e à correcção do valor da reparação e da compensação fixado pelas instâncias, por aplicação desse critério, caso se afaste, de modo substancial, do arbitrado para casos iguais ou, ao menos, similares. Dito doutro modo: sempre que o cálculo da indemnização ou compensação operado pelas instâncias haja assentado no critério não normativo da equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do seu valor - mas apenas o controlo dos limites e pressupostos no âmbito dos quais se moveu o juízo equitativo na apreciação casuística da especificidade do caso concreto1.

Portanto, os poderes de controlo do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do recurso de revista, sempre que uma indemnização tenha sido fixada equitativamente, são actuados – apenas – quanto aos aspectos seguintes: em primeiro lugar, quanto à correcção do critério de decisão escolhido, i.e., se no caso, o tribunal podia resolver segundo a equidade (art.º 4.º do Código Civil); em segundo lugar, no tocante à consideração das categorias ou tipos de danos reconhecidos e admitidos como relevantes; em terceiro lugar, relativamente à ponderação dos critérios, legais e jurisprudenciais, de determinação ou individualização do valor da indemnização; por último, se na avaliação das várias categorias ou espécie de danos foram observados os limites que, segundo a lei e a jurisprudência, devem ser respeitados (art.º 8.º, n.º 3, do Código Civil). E isto mesmo que estejam em causa danos puramente patrimoniais em que a equidade actua como último recurso (art.º 566.º, n.ºs 1 a 3, Código Civil).

Realmente, por força dos princípios estruturantes e regulativos da igualdade e da confiança, impõe-se, ainda aqui, um esforço de uniformização e de unidade na aplicação do direito – scilicet, na determinação do valor da indemnização - desde que haja entre as realidades comparadas, apesar de serem simultaneamente idênticas e diversas, uma relação de semelhança, i.e., se apresentarem as mesmas características essenciais (art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa e 8.º, n.º 3, do Código Civil). Como a semelhança é uma característica de realidades desiguais, a ponderação sobre as características essenciais dos diversos casos são ou não suficientemente próximas não deve basear-se na razão prática ou na intuição – mas em juízos valorativos.

A exacta determinação do âmbito objectivo do recurso reclama, ainda, um esclarecimento complementar.

A recorrida foi condenada, no primeiro acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, na indemnização do dano suportado pela recorrente com a privação do uso dos seus dois veículos que viesse a apurar ou a liquidar-se. O incidente da liquidação, no âmbito do qual foi proferido o acórdão recorrido, destina-se, precisamente, a converter aquela condenação genérica numa condenação específica ou líquida, em condenar a recorrida numa prestação indemnizatória determinada, em conformidade com os resultados desse mesmo incidente – resultados que devem estar em exacta correspondência com o título que lhe serve de base (artºs 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC). Acórdão que, assim, exerce uma função delimitadora, designadamente dos limites objectivos, i.e., relativos ao objecto da obrigação de indemnização a cuja liquidação há que proceder, limites que, força do seu trânsito em julgado, não são outros que não os limites objectivos do caso julgado, formal e material, correspondente. Por outras palavras: os resultados da liquidação devem respeitar, por força do caso julgado formado sobre a decisão de condenação genérica que serve de título à liquidação, os limites dessa mesma condenação. Por isso que, por exemplo, se a decisão de condenação genérica se limitar a condenar na indemnização do dano que ulteriormente se liquidar, omitindo qualquer condenação no tocante à obrigação acessória de juros, á decisão que proceder à liquidação da obrigação primária de indemnização não é lícito – sob pena de violação do caso julgado – condenar na última daquelas obrigações. A decisão de liquidação não pode alterar o que se resolveu na decisão que serve de título a essa mesma liquidação, pelo que nele não pode ser pedido o que não foi pedido ou não foi reconhecido no anterior processo declarativo2.

3. Fundamentos.

3.1. Fundamentos de facto.

O acórdão impugnado na revista considerou provados e não provados os factos seguintes:

3.1.1. Factos provados.

.7. A R pagou o valor da indemnização referente à perda destes dois veículos à A.

.8. Fê-lo em 01-03-2022.

.16. (…) Entre a ANTRAM e APS foi celebrado acordo, denominado, “acordo de paralisação”, o qual obriga os representados da segunda, em caso de acidente de viação, a liquidar, aos associados da primeira, as importâncias constantes do Anexo I deste acordo pela paralisação dos seus veículos afetos ao transporte rodoviário de mercadorias.

.17. O valor diário para a paralisação de um veículo pesado superior a 26 até 40 toneladas, afeto a serviço internacional, é de € 253,69.

.21. A R é uma representada pela APS.

.23. A A não é associada da ANTRAM.

.25. O peso bruto do conjunto dos veículos da A é de 37,5 toneladas.

3.2.2. Factos não provados.

.7. Só por força da condenação na 1ª Instância, e pendente o recurso, nesta parte, (…).

.16. A fim de uniformizar critérios sobre o custo de paralisação desta categoria de veículos (…).

.33. Valor que a A deixou de realizar na sua atividade económica em virtude da privação do uso dos seus veículos.

.38. A margem bruta do negócio em cada carga é de € 1639,77 (5.139,77 -3.500)

.39. Os custos médios do transporte são de € 500 para combustível e pneus e da mão-de-obra de embalagem e peso no seu armazém e sacos são de € 380 para mão de obra + € 120 para os sacos.

.40. A A obtém em cada carga um lucro médio líquido de € 639,77 (1639,77 – 1000,00).

.41. Comercializando por semana duas cargas, a A. obtém um lucro médio de € 1278,54 (639,27 x 2).

.42. A A obtém um rendimento (lucro) líquido médio mensal de € 5.114,16 (1278,54 X 4).

3.2. Fundamentos de direito.

A condenação genérica no cumprimento de uma prestação pode, assim, dar lugar à incerteza ou à iliquidez da obrigação. A obrigação é incerta quando a respectiva prestação não se encontra determinada ou individualizada; é ilíquida quando a sua quantidade não se encontra determinada. A iliquidez pode referir-se quer a prestações pecuniárias quer a prestações de dare.

É axiomático que as obrigações ilíquidas não podem ser realizadas de forma coactiva, pela razão evidente de que não se pode executar o património do devedor antes de determinar a quantia devida ou pedir a entrega de uma coisa antes de saber a quantidade que deve ser prestada (art.º 704.º, n.º 6, do CPC). Assim, a condenação em quantia ilíquida tem de ser liquidada (art.º 609.º, n.º 2, do CPC).

A regra é esta: a liquidação há-de fazer-se no processo de declaração que tenha por objecto o direito à prestação e, portanto, só pode reservar-se para momento ulterior, em última extremidade, quando não seja possível fazê-lo naquele processo (art.º 358.º, n.º 1, do CPC). Neste caso, a liquidação tem lugar depois do proferimento da sentença, em incidente declarativo específico que, caso seja admitido, dá lugar à renovação da instância declarativa anterior extinta (art.º 358.º, n.º 2, do CPC). De modo que, quando a existência da obrigação não ofereça dúvida mas se desconhece o respectivo quantum, a única solução admissível é a condenação do responsável no dever de prestar – e a remessa da fixação do quantum da prestação para momento posterior (art.º 564.º, n.º 2, do Código Civil)3.

Portanto, diversamente da solução normal para as situações de non liquet – que é o proferimento de uma decisão contra a parte onerada com a prova – a incerteza sobre a quantia devida justifica apenas que se relegue para momento ulterior a sua quantificação (art.ºs 346.º, in fine, do Código Civil, e 414.º do CPC). Esta solução parece decorrer da circunstância de, na determinação do quantum da obrigação, não se poder ficcionar o facto contrário àquele que devia ser provado como fundamento da decisão do tribunal4.

Este pensamento transparece nitidamente na solução disposta na lei para o caso de, mesmo no incidente ulterior específico da liquidação, a prova produzida pelas partes se mostrar insuficiente para fixar a quantia devida: quando isso sucede, incumbe-se o juiz de a completar, mediante indagação oficiosa e, nomeadamente, através da produção de prova pericial (artº 360.º, n.º 4, do CPC). Mesmo aqui, a persistência do non liquet sobre a quantidade da obrigação não dá lugar à intervenção da regra de julgamento representada pelo ónus da prova e ao consequente desfavorecimento da pretensão do credor, antes se impõe ao tribunal o dever de ultrapassar a deficiência, mediante iniciativa própria.

No caso de a prova produzida não permitir resolver a questão de facto representada pela quantidade da obrigação devida, ou seja, no caso de dúvida insanável ou irredutível – ou questão insanável ou irredutivelmente incerta – sobre o quantum da prestação e na impossibilidade de o tribunal decidir contra a parte a quem o facto aproveita – o credor – pergunta-se qual deve ser a atitude do juiz. A resposta comum – não inteiramente incontroversa5 – é a de que o juiz deve recorrer, como última ratio, á equidade (art.º 566.º, n.º 3, do CPC)6. Equidade – como justiça do caso concreto – que, porém, sob pena de um julgamento puramente arbitrário ou atrabiliário, não prescinde de um suporte de facto, por mínimo ou reduzido que seja7. O que vincula à conclusão de que maior ou menor amplitude da base de facto deve, evidentemente, ser ponderada na determinação do quantum da obrigação que se liquida por recurso – que é o último – à equidade, dado que este critério não normativo de decisão não serve para alijar, por inteiro, o não cumprimento, pelo credor da obrigação quantitativamente indeterminada, do ónus da prova do valor do dano a que está indiscutivelmente adstrito (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).

O acórdão impugnado adiantou, para divergir do valor da obrigação de reparação encontrado pela sentença da 1.ª instância, a fundamentação seguinte:

Não sendo a requerente associada da ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias), o acordo subscrito por esta organização e pela APS (Associação Portuguesa de Seguros) não lhe pode ser aplicado diretamente; ainda que se aplicasse, os valores constantes do anexo I deste acordo estão previstos para períodos de paralisação curtos, situados entre o acidente ou a sua participação e o reconhecimento da perda total do veículo e não para situações em que está em causa a indemnização pela privação do uso durante cerca de 13 meses; o valor venal dos veículos, em caso de prova do uso intensivo do veículo, não obstante não constituir um limite ao valor da indemnização pela privação do uso, não pode deixar de ser ponderado, com o fim de se evitar um enriquecimento ilegítimo da requerente; não se tendo provado qualquer prejuízo concreto que a requerente haja sofrido em consequência da privação do uso, mostra-se adequado a ressarcir este dano, segundo a equidade, mostrando-se adequada uma indemnização no montante de 17.500,00, atento o uso intensivo dos veículos que era feito pela apelante, o tempo de privação, a circunstância de não ter considerado necessário requerer um veiculo de substituição, continuando a prosseguir a sua atividade e o valor venal dos veículos.

O acórdão é correcto ao escolher, como critério de decisão, o critério não normativo da equidade. Por duas razões, de resto.

De um aspecto, dada a extrema avareza ou exiguidade da matéria de facto adquirida para o processo que obstaculiza, de todo, a uma determinação, exacta ou precisa, do valor do dano; de outro – como este Tribunal tem sublinhado – porque a noção de dano pressuposto pela chamada teoria da diferença não deve aplicar-se ao dano da privação do uso, dado que não atende, como deveria, à privação temporária ou transitória de um bem (art.º 566.º, n.º 2, do Código Civil). Dito doutro modo: a teoria da diferença é imprestável para a determinação do dano de privação do uso, na medida em que a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que pude ser atendida se adequa a privações definitivas e não a privações temporalmente delimitadas8. O critério de decisão aplicável para a determinação da quantidade da obrigação de reparação do dano da privação do uso dos veículos automóveis da recorrente a que a recorrida deve ser vinculada é, assim, incontroversamente, o critério não normativo da equidade que funciona, aqui, como último e mesmo como único recurso (art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil).

O acórdão impugnado também se julga correcto no segmento em que se recusou a aplicar, para a quantificação da obrigação de indemnização, os valores diários convencionados no acordo concluído entre a Associação Nacional de Transportes Públicos de Mercadorias (ANTRAM) e a Associação Portuguesa de Seguros (APS). De um lado, porque a recorrente não é membro de qualquer das associações, partes desse contrato; de outro porque, por período de paralisação se entende, de harmonia com a cláusula 3.ª, n.ºs 6 e 13 daquele acordo, no caso de o veículo ficar impossibilitado de circular, apenas o período que decorre entre a data do acidente e a data proposta pela empresa de seguros para a peritagem, a que acrescem apenas o dia da peritagem e o período necessário para a reparação indicado no relatório da peritagem e, no caso de perda total, o tempo contado desde a data do acidente ou data da recepção da participação do acidente e a data em que a empresa de seguros comunicar ao associado da ANTRAM a situação de perda total, respectivamente. Patentemente, não é esse o caso do recurso em que o período de privação do uso se refere ao acordo temporal compreendido entre 21 de Janeiro de 2021, data em que segundo a recorrente a recorrida declinou a responsabilidade pelo acidente, e 1 de Março de 2022, data em que a recorrente recebeu da segunda a indemnização pela perda dos dois veículos. Mas não sendo os valores convencionados naquele contrato aplicáveis ao caso, nada impede, todavia, a sua ponderação ou consideração na formulação do juízo de aequanimitas por recurso ao qual o quantum da indemnização deve ser concretizado9.

Entre os elementos ou factores tidos em conta pelo acórdão contestado para a formulação do juízo de equidade por recurso ao qual fixou a quantidade da indemnização devida, conta-se o valor venal dos veículos que, no seu ver, não obstante não constituir um limite não pode deixar de ser ponderado, com o fim de se evitar um enriquecimento ilegítimo da apelante/requerente. Crê-se que o valor persuasivo deste argumento deve ser francamente desvalorizado.

O que está em causa e a única coisa que releva, no tocante ao dano da privação do uso, pela recorrente, dos seus veículos, é o valor económico das utilidades que os bens lhe conferiam, atenta a finalidade a que os afectava, se pudesse continuar a utilizá-los nas condições previstas, em termos de normalidade. Sejam os veículos mais novos ou mais antigos, mais ou menos valiosos, desde que o seu proprietário os utilizasse normalmente e não se mostrando que a sua vetustez ou desgaste ou quaisquer outros factores teriam alterado a continuação desse uso normal ou corrente, a privação do uso deverá ser compensada ou reparada atendendo exclusivamente à desvantagem económica decorrente desse uso normal que, também em termos de normalidade, os veículos se destinavam a proporcionar e, efectivamente, proporcionavam, pelo que se deve desconsiderar aqueles factores, relevantes apenas quando esteja em causa indemnização pelo valor da coisa, por perda ou substituição10.

Um rápido bosquejo pelas espécies jurisprudenciais – das quais as mais comuns e numericamente mais expressivas são as provenientes das Relações - que procederam a determinação do quantum da reparação do dano da mesma espécie daquele que é objecto do recurso e, portanto, com as quais a situação jurídica em torno da qual gravita a controvérsia, apresenta uma relação de semelhança ou proximidade material, dá-nos o quadro seguinte:

Acórdão da Relação de Guimarães de 27.04.2023 (1790/22): privação do uso, durante 25 dias, de reboque afectado à actividade comercial de transporte de mercadorias e aluguer de veículos, e cuja utilização a lesada facturava uma média mensal superior a € 21 300,00 - € 150,00 diários;

Acórdão da Relação de Coimbra de 7.11.2023 (167/22): privação do uso durante 201 dias de veículo pesado de mercadorias afectado ao exercício da actividade de transporte rodoviário de mercadorias: € 100,00 diários;

Acórdão da Relação de Lisboa de 12.10.2023 (7233/20): veículo pesado de mercadorias, valendo, à data do acidente entre € 20 900,00 e € 22 800,00, paralisado durante 42 dias - € 120,00 diários;

Acórdão da Relação de Coimbra de 15.02.2022 (2889/20): privação durante 145 dias de veículo pesado de mercadorias (tractor) utilizado diariamente no transporte de matérias primas para a indústria de cerâmica e vidro da lesada – € 100,00 diários;

Acórdão da Relação de Guimarães de 27.02.2020 (272/18): veículo pesado de mercadorias afectado à actividade comercial de transportes rodoviários, nacionais e internacionais, imobilizado durante 18 dias úteis: € 100,00 diários;

Acórdão da Relação de Guimarães de 11.09.2018 (1792/12): veículo pesado de mercadorias afecto ao transporte terrestre de mercadorias paralisado durante 38 dias - € 100,00 diários;

Acórdão da Relação de Coimbra de 6.02.2018 (189/16): veiculo pesado de mercadorias utilizado no transporte, nacional e internacional de mercadorias, imobilizado durante 20 dias: € 100,00 diários.

Desde que o acórdão impugnado fixou a indemnização diária pela privação de cada um dos veículos da recorrente em € 25,96, segue-se, como corolário que não pode ser recusado, que se distanciou consideravelmente dos valores comumente fixados para casos materialmente comparáveis e, portanto, que se afastou, de modo substancial e injustificado – dos critérios ou padrões que, generalizadamente, são adoptados para concretizar a obrigação de indemnização quantitativamente incerta objecto do recurso, abalando desse modo a segurança na aplicação do direito, que exige a adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformes e, em última análise, o princípio da igualdade11.

Assim, considerando o largo tempo da privação do uso dos veículos, a finalidade a que, de harmonia com a sua destinação objectiva, a recorrente os afectava, a ausência absoluta de prova de um qualquer prejuízo concreto e os valores comumente arbitrados em casos valorativamente comparáveis para reparar o dano da privação do seu uso, julga-se correcto, por recurso ao critério não normativo da equidade, fixar o quantum da obrigação de indemnização daquele dano em € 100,00 diários, quantia que multiplicada pelo dias de privação do uso de ambos os veículos determina um valor global de indemnização deveras considerável. Mas a recorrida só dela se deve queixar dado que um dos parâmetros indiscutivelmente relevante para a quantificação da obrigação de indemnização a que está vinculada lhe é inteiramente imputável: a longa duração da privação do uso, consequente ao retardamento, desrazoável e infundado, no cumprimento da sua obrigação, decorrente do contrato de seguro, de reparar o dano da perda dos dois veículos da recorrente.

A recorrente pede, na revista, a condenação da recorrida, no pagamento de juros de mora, contados desde a citação da última até pagamento, pedido que também formulou no requerimento ou na petição inicial do incidente de liquidação e no recurso de apelação que interpôs da sentença que procedeu a essa liquidação, decidido pelo acórdão impugnado na revista.

A leitura da sentença da 1.ª instância que procedeu liquidação da condenação genérica contida no primeiro acórdão da Relação de Coimbra e do segundo acórdão desta Relação, objecto da revista, mostra que nenhum destes actos decisórios condenou a recorrida no cumprimento da obrigação acessória de juros moratórios, ou sequer se pronunciou sobre um tal pedido. Uma tal omissão compreende-se ou justifica-se pela consideração, ainda que meramente implícita, da função delimitadora que é exercida pela decisão de condenação no cumprimento da obrigação ilíquida, que determina designadamente os limites objectivos, i.e., os respeitantes ao seu objecto, da liquidação. Assim, no caso, desde que o acórdão da Relação de Coimbra, ao julgar o recurso de apelação interposto pela recorrente, se limitou a condenar na indemnização do dano da privação do uso que ulteriormente se liquidasse tendo omitido qualquer condenação no tocante à obrigação acessória de juros – omissão que se explica, por tal condenação não lhe ter sido pedida, pela recorrente, naquele recurso - falta de todo título para, na liquidação, considerar esta última obrigação e para condenar a recorrente na realização da prestação pecuniária correspondente. Em todo o caso, ainda que aquela omissão não devesse considerar-se justificada – com o consequente desvalor da invalide substancial, de qualquer daqueles actos decisórios – a verdade é que, em momento algum se arguiu o vício da nulidade correspondente que, consabidamente, não é oficiosamente cognoscível (art.ºs 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte, e 4, e 666.º do CPC).

De resto, a indemnização moratória nunca seria devida desde a citação da recorrida para a acção ou sequer da notificação daquela para deduzir oposição ao incidente da liquidação da condenação genérica.

No caso da obrigação de indemnização, há ou pode haver duas indemnizações diferentes, sucessivas, que se somam a favor do credor: uma é a indemnização cujo objecto se pretende liquidar, resultante de um primeiro facto constitutivo de responsabilidade, que tanto pode ser a mora ou o não cumprimento da obrigação, como um facto ilícito extracontratual; outra é a indemnização pela mora no cumprimento da obrigação de indemnizar, depois de esta ser liquidada12.

No tocante à responsabilidade do devedor no caso de mora no cumprimento da obrigação de indemnização, importa distinguir duas regras fundamentais: de um lado, o critério fundamental comummente designado pela teoria da diferença; de outro, a regra específica relativa às obrigações pecuniárias, de harmonia com a qual a reparação do dano sofrido pelo credor com o retardamento no cumprimento consiste nos juros legais (artºs 566 n.º 2, 804.º, n.ºs 1 e 2. e 806.º, n.º 1, do Código Civil). A primeira regra vale para o comum das obrigações; a segunda resolve-se numa espécie de indemnização a forfait específica das obrigações pecuniárias. Relativamente a esta modalidade particular de obrigações, funciona, em regra, uma dupla presunção iuris e de iure: a de que a mora causa sempre um dano; que esse dano nunca é inferior ao juro legal13 (art.º 806.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Em qualquer dos casos, o escopo é sempre a remoção do dano, resultado que se atinge se o lesado receber uma soma com a qual possa agora conseguir as mesmas vantagens e utilidades que o facto constitutivo da responsabilidade lhe fez perder. Computando-se o dano como uma diferença no património, segue-se que se trata de uma grandeza que evolui a todo o momento e, portanto, para se conseguir um resultado quanto possível perfeito, deve tomar-se por base o último momento possível14.

Tratando-se, porém, de obrigações pecuniárias, i.e., obrigações que têm por objecto uma prestação em dinheiro, através da qual o devedor visa assegurar um determinado valor patrimonial expresso num montante monetário nominal, a indemnização correspondente ao juro legal é aplicável tanto à obrigação de indemnização primária como à obrigação de indemnização resultante do não cumprimento da primeira.

São, porém, frequentes as obrigações que, tendo embora por objecto, uma prestação diversa de dinheiro no momento da sua constituição – visando proporcionar ao credor o valor económico de um determinado bem, serviço ou realidade patrimonial – são convertidas posteriormente numa soma em dinheiro, que assim funciona como simples instrumento necessário de medida desse valor e de cumprimento dessa obrigação. É o que sucede com a obrigação de indemnização quando a reconstituição natural não seja viável15: o dinheiro é apenas o substituto ou sucedâneo do objecto inicial da prestação, porquanto é o valor que determina a quantidade (art.º 566.º do Código Civil).

Segundo o entendimento corrente, as obrigações de valor são estrutural e funcionalmente distintas das obrigações pecuniárias, dado que têm por objecto próprio uma prestação de valor e não uma prestação de soma, na qual a moeda serve apenas como medida e não como verdadeiro instrumento de pagamento, além de que tal valor deverá corresponder, por regra, não ao valor nominal à data da constituição da obrigação, mas antes ao valo real apurado à data da sua posterior conversão ou liquidação. O caso mais emblemático, de fonte legal, consiste na obrigação de indemnização, em que a prestação pecuniária desempenha uma função instrumental e acessória: a obrigação de indemnização tem por objecto próprio sancionar a responsabilidade civil e reintegrar o património do credor à situação em que se encontraria se a lesão ou dano se não tivesse verificado; todavia, não sendo viável essa reintegração em espécie, torna-se necessário recorrer à prestação consistente numa soma de dinheiro, correspondente ao valor do dano e da perda real patrimonial sofrida e liquidar a obrigação por essa via.

Dívidas há, realmente, que, sendo embora solvíveis em dinheiro, não têm directamente por objecto o dinheiro, mas atribuição de um poder aquisitivo de uma prestação de outra natureza. Tal é, justamente, o caso da obrigação de indemnizar – quando a indemnização se faz em dinheiro – da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sine causa, da obrigação de alimentos, etc. A particularidade relevante da dívida de valor é a de não lhe ser aplicável o princípio nominalista e de, consequentemente, ser admissível fixação do seu montante em momento posterior ao da constituição da respectiva obrigação (art.º 550.º do Código Civil).

Trata-se, em geral, de obrigações ex-lege em que está primariamente em causa é a reintegração de um património ou a substituição do valor de um bem. Por isso antes da operação de liquidação do débito em moeda legal, há que proceder à avaliação e os critérios dessa avaliação não estão de antemão, determinados: estas dívidas não seriam, pois, originariamente dívidas de dinheiro – mas, segundo a terminologia corrente, dívidas de valor. A dívida de indemnização não é, pois, uma dívida pecuniária em sentido estrito, mas uma dívida de valor.

Como, porém, uma vez feita a conversão da obrigação de indemnização de dívida de valor para dívida de dinheiro, o credor passa a correr o risco das oscilações da moeda, qualquer desvalorização monetária que ocorra entre o momento da liquidação da obrigação de harmonia, designadamente com o critério disponibilizado pela teoria da diferença, e o do seu pagamento efectivo é suportada pelo lesado; por consequência, a atribuição desse valor não lhe conferirá afinal a reparação integral do dano sofrido (artº 566 nº 2 do Código Civil). Para reparar o dano decorrente do atraso no cumprimento dessa obrigação, reconhece-se, então, ao credor o direito de exigir do devedor a indemnização correspondente aos juros legais, e, mesmo, tratando-se de responsabilidade aquiliana, a faculdade de demonstrar que a mora lhe causou dano superior ao juro, legal ou convencionado (art.ºs 805.º, n.º 3, e 806.º, n.º 3 do Código Civil, na sua redacção actual).

No caso do recurso, a liquidação da obrigação primária de indemnização e a sua conversão em obrigação pecuniária, só ocorreu no momento em que se procedeu ao seu cômputo por aplicação do critério não normativo da equidade e, portanto, só a partir desse momento se coloca o problema da reparação do dano resultante do retardamento da sua satisfação. Nestas condições, a obrigação de reparar o dano com o atraso no cumprimento da obrigação de indemnização era exigível, em princípio, desde o momento em que o devedor se considera constituído em mora (artºs 804.º n.ºs 1 e 2 e 806.º, nº 1, do Código Civil). E esse momento é o da sua citação para a acção (art.º 805.º, n.º 3, do Código Civil).

Mas esta conclusão só é exacta se a decisão final sobre o valor da indemnização não tiver procedido a uma avaliação actualizada, i.e., reportado ao momento em que aquela é proferida, do dano; sempre que a indemnização pelo facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, o respectivo valor vence juros de mora a partir da decisão actualizadora e não desde a citação (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002, de 9 Maio de 2002, DR I Série A, n.º 146 de 27 de Junho de 2002).

Ora, no caso do recurso, tendo a indemnização do dano da privação do uso sido computada por aplicação do critério normativo da equidade e, consequentemente, de modo actualizado, os juros nunca seriam devidos desde a citação – mas desde a data do proferimento deste acórdão.

O recurso deve, nos termos apontados, proceder – mas só parcialmente.

Do percurso argumentativo percorrido extraem-se, com proposições conclusivas mais salientes, as seguintes:

- Sempre que o cálculo da indemnização fundada numa responsabilidade civil, aquiliana ou delitual, operado pelas instâncias haja assentado no critério não normativo da equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do seu valor - mas apenas o controlo dos limites e pressupostos no âmbito dos quais se moveu o juízo equitativo na apreciação casuística da especificidade do caso concreto;

- O incidente da liquidação destina-se a converter uma condenação genérica numa condenação específica ou líquida, em condenar o lesante numa prestação indemnizatória determinada, em conformidade com os resultados desse mesmo incidente – resultados que devem estar em exacta correspondência com o título que lhe serve de base, pelo que a decisão condenatória exerce uma função delimitadora, designadamente dos limites objectivos, i.e., relativos ao objecto da obrigação de indemnização a cuja liquidação há que proceder, limites que, força do seu trânsito em julgado, não são outros que não os limites objectivos do caso julgado, formal e material, correspondente;

- Como os resultados da liquidação devem respeitar, por força do caso julgado formado sobre a decisão de condenação genérica que serve de título, os limites dessa mesma condenação, se esta não contiver a condenação na obrigação acessória de juros, á decisão que proceder à liquidação da obrigação primária de indemnização não é lícito – sob pena de violação do caso julgado – condenar na última daquelas obrigações;

- A teoria da diferença é imprestável para a determinação do dano de privação do uso, na medida em que a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que pude ser atendida se adequa a privações definitivas e não a privações temporalmente delimitadas, pelo que a determinação do valor da indemnização daquele dano deve operar por recurso ao critério não normativo da equidade;

- Ainda que o cômputo da indemnização deva ser efectuado por aplicação do critério não normativo da equidade, por força dos princípios estruturantes e regulativos da igualdade e da confiança, impõe-se, na determinação do seu valor, um esforço de uniformização e de unidade na aplicação do direito desde que haja entre as realidades comparadas, apesar de serem simultaneamente idênticas e diversas, uma relação de semelhança, i.e., se apresentarem as mesmas características essenciais;

- Se o dano da privação do uso de veículos pesados de mercadorias foi fixado, por acórdãos dos Tribunais da Relação, em cinco casos em € 100,00 diários, num caso em € 120, 00 diários e noutro, em € 150,00 diários, julga-se adequada, para reparar o dano de igual espécie, objecto do recurso, por aplicação do critério não normativo da equidade, considerando a duração da privação da utilização – 337 dias - o fim a que os dois veículos estavam afectados e a ausência de quaisquer outros parâmetros de facto susceptíveis de influir no juízo correspondente, a indemnização de € 100,00 diários.

A recorrente e a recorrida sucumbem, recíprocamente, no recurso. São, por isso, objectivamente, responsáveis, na medida precisa dessa sucumbência, pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se o acórdão impugnado e condena-se a recorrida, Zurich Insurance PLC, Sucursal em Portugal, a pagar à recorrente, Fronteiras e Aromas. Unipessoal Lda., a quantia de € 67 400,00.

Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção da respectiva sucumbência.

2024.07.02

Henrique Antunes (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Maria João Vaz Tomé

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1. Acs. do STJ de 26.01.2021 (688/18) e – por todos – de 21.01.2021 (6705/18).↩︎

2. Acs. do STJ 16.11.2021 (5097/05), de 16.12.2021 (970/18) e 30.09.2010 (1554/04).↩︎

3. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª edição, Almedina Coimbra, 1986, págs. 869 e 870 e nota (1) e Vaz Serra, RLJ, Ano 113, pág. 322.↩︎

4. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 110.↩︎

5. Salvador da Costa, Os Incidentes da instância, 8.ª edição, Almedina, 2016, pág. 261.↩︎

6. António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, pág. 417, e José Lebre de Freitas/ Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, pág. 702; Acs. do STJ de 29.06.2017 (4081/14), 29.05.2014 (130/09), da RP de 28.03.2012 (55/2000) e da RL de 01.10.2014 (2656/04).↩︎

7. O julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, que se distingue do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição. Portanto, a equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto. Cfr. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in o Direito, Ano 122, 1990, Abril-Junho, pág. 272, e Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pág. 143, e os Acs. do STJ de 31.01.2012 (875/05) e 07.10.2010 (3515/03).↩︎

8. Acs. do STJ de 02.02.2023 (262/19) e de 13.07.2017 (184/14); Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, UCE, Lisboa, 2015, pág. 58.↩︎

9. Ac. do STJ de 29.11.2022 (6886/18).↩︎

10. Ac. do STJ de 23.11.2011 (397-B/1998).↩︎

11. Na formulação do Ac. do STJ de 30.05.2019 (3710/12).↩︎

12. Antunes Varela, RLJ Ano 102, pág. 86, e Simões Patrício, As novas taxas de juro no Código Civil, BMJ n.º 305, pág. 13.↩︎

13. José Engrácia Antunes, A Moeda, Estudo Jurídico e Económico, Almedina, 2021, págs. 488 e 489, M. Graça Trigo/M. Nunes Martins, art.º 806.º (Mora nas Obrigações Pecuniárias, 1136, in Comentário ao Código Civil, (Das Obrigações em Geral), págs. 1133-1137, UCE, Lisboa , 2018; Ac. do STJ de 05.06.2020, CJ,STJ, XXVIII, II, 2020, págs. 40 a 47.↩︎

14. Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Coimbra, 1955, pág. 274.↩︎

15. Manuel de Andrade, RLJ Ano 77, pág. 226, Pinto Monteiro, Inflação e Direito Civil, Coimbra, 1984, pág. 22 e ss., Baptista Machado, Nominalismo e Indexação, RDES, 1977, págs. 56 e 57 e Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 672.↩︎