Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1/20.2GABJA.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
NULIDADE
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
MEDIDA DA PENA
ESCOLHA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 02/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Sumário :
I - O crime de tráfico de estupefacientes previsto nos termos do art.º 21.º, do DL n.º 15/93, de 22-01, constitui a norma referência para as diversas modalidades de que se reveste o crime, designadamente o agravado (art. 24.º) e o de menor gravidade (art. 25.º), todos os preceitos do mesmo diploma legal.
II - Na sua aplicação concreta há que atender a circunstâncias relacionadas com a atuação delituosa dos arguidos, tais como o facto de cederem vários tipos de estupefaciente – cocaína, canabis e MDMA, etc. –, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente, o número de pessoas a quem a droga é cedida/vendida e a frequência e o local do “abastecimento” efectuado pelos arguidos, bem como o proveito que os mesmos retiram da sua actividade. A estas circunstâncias acresce a verificação dos factores atinentes às exigências de prevenção geral presentes no caso, a intensidade do dolo, a ilicitude e as exigências de prevenção especial, relativas a cada um dos arguidos.
III - No que respeita ao art. 25.º do mesmo diploma DL n.º 15/03, referente ao tráfico de menor gravidade, há que ter em conta que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída e de se ter em consideração circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
IV - Para a decisão de suspender ou não a pena de prisão, são decisivos os critérios de prevenção, geral e especial, de socialização, sem qualquer apelo aos critérios da culpa. A suspensão da execução da pena só poderá ser aplicada se o Tribunal concluir por “um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido”, na medida em que a simples censura da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
V - Não se verifica o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, se não existe a afirmação ou a negação ao mesmo tempo de um argumento, nem ocorre que tenham sido proferidas afirmações contraditórias com base na matéria de facto em que assentou a convicção do tribunal “a quo”. E, não se verifica oposição entre a fundamentação e a decisão, pois, esta só existirá quando a fundamentação de facto e/ou de direito apontar para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença constar decisão de sentido inverso.
VI - Face a um quadro de regularidade e do número de vezes que os arguidos forneciam os estupefacientes para o consumo individual dos diversos consumidores, o que implicaria a detenção de quantidades que garantissem esse abastecimento contínuo e reiterado, fica demonstrado que a sua actividade era habitual e repetida, não sendo susceptível de ser considerada como reveladora de uma acentuada diminuição de ilicitude e, portanto, insusceptível de se enquadrar no tráfico de menor quantidade, p. e p. nos termos do art. 25.º, por referência ao art. 21.º do DL 15/03, de 22-01.
VII - Uma ponderação global dos factos não aponta para uma situação de gravidade consideravelmente diminuída, pois pesa, desfavoravelmente contra os arguidos, a qualidade, a quantidade e a diversidade do estupefaciente detido e a existência de potenciais “clientes”, os eventuais consumidores que habitualmente os procuravam para adquirir as doses de que necessitariam para satisfazer o seu vício, garantindo assim o escoamento do estupefaciente que transacionavam e a obtenção de vantagens patrimoniais.
VIII - O n.º 3, do art. 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23-02, prevê uma agravação autónoma das penas dos crimes cometidos com arma, independentemente de estes terem sido cometidos com recurso a armas proibidas ou licenciadas ou de o agente se encontrar autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente – n.º 4, do mesmo preceito legal.
IX - A lei pune a posse de qualquer tipo de armas ou munições, mesmo as obsoletas (art. 2.º, n.º 3, al. aa)), não exigindo um perigo concreto associado à sua posse, e pune, igualmente, a posse isolada de partes essenciais de armas de fogo, mesmo que separadas da própria arma.
X - O crime de detenção de arma proibida é um crime de perigo abstrato que não exige para a sua consumação a existência de dano ou lesão, nem a efetiva colocação em perigo do bem jurídico tutelado pela incriminação – a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas –, pelo que, a simples posse está abrangida pelas normas incriminadoras, não obstante não ter sido comprovada a sua operacionalidade ou capacidade letal.
XI - Considerando o número de armas e de munições detidos e o perigo inerente, enquadrando-se a conduta do agente como sendo de média gravidade, a aplicação da pena de multa em substituição da pena de prisão não satisfaz, minimamente, as necessidades de prevenção geral que o crime de detenção de arma proibida exige, impondo-se razoável e adequadamente, a aplicação de uma pena de prisão.
XII - A suspensão da execução da pena de prisão deverá ter na sua base um juízo de prognose social favorável ao arguido, ao seu comportamento futuro e assentar numa expetativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, será suficiente para alcançar a sua ressocialização, afastando-o da prática de futuros crimes.
Decisão Texto Integral:


Recurso Penal

Processo n.º 1/20.2.GABJA.S1

5ª Secção Criminal

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – RELATÓRIO
1. AA e BB interpuseram o presente recurso penal do acórdão de 14/12/2022, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja Juízo Central Cível e Criminal ... - Juiz ..., doravante Tribunal de 1ª Instância, que os julgaram, em tribunal colectivo, decidindo:
B- Condena-se o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22/01 com referência ao disposto nas Tabelas I-B, I-C e II- A anexa àquele diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
C- Condena-se o arguido BB pela prática em autoria material e em concurso real dos seguintes crimes:
• um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22/01 com referência ao disposto nas Tabelas I-B e I-C anexa àquele diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
• um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo 86º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 2, por referência ao artigo 2º, n.º 1, alíneas g), aq), p) e i) e n.º 3, alíneas p) e ab) e ao artigo 3º, n.º 2 alínea x) e n.º 5, alíneas a) e e), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 2 (dois) anos de prisão;
D- Condena-se o arguido BB na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.
E- Não aplicar a pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de arma.;”.


2. Os Recorrentes definiram nas conclusões das suas alegações o objecto dos presentes recursos, nos termos seguintes:
A. O arguido AA, pugnando pela alteração da medida da pena que lhe foi aplicada, concluiu:

1- O arguido AA, ora Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência ao disposto nas Tabelas I-B, I-C e II- A anexa àquele diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

2- Não se conformando com o douto Acórdão em que o Arguido, ora Recorrente, foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 da Lei 15/93, na pena única de seis anos de prisão, vem o arguido AA, ora Recorrente, respeitosamente apresentar à consideração de VV. Digníssimas Exas. o presente recurso, porquanto;

3- Não ficou provado que o arguido AA, ora Recorrente, fosse parte de uma rede de tráfico de produtos estupefacientes que, entre outros, seria por si alimentada, a qual atuaria nas localidades de ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sendo ele quem na maioria das vezes se abasteceria de produto estupefaciente em zona não concretamente apurada, normalmente com uma periodicidade quinzenal, a fim de depois vender, a troco de dinheiro, aos consumidores que para o efeito o procuram, nas referidas zonas.

4- Não ficou igualmente provado que arguido AA, ora Recorrente, efectuasse gastos de 100,00€ por noite.

5- Não ficou identicamente provado que o arguido AA ora Recorrente vendesse estupefacientes a terceiros fornecedores de crianças/jovens em idade escolar.

6- Não ficou também provado que o arguido AA ora Recorrente efetuasse transações de € 4.500,00.

7- Não ficou igualmente provado que o arguido AA vendera estupefaciente em locais, quantidades e com frequência diferente do que resultou provado em sede de Audiência.

8- Tudo o que ficou provado na Acórdão ora recorrido foi o que o arguido AA, ora Recorrente, confessou sem reservas, ponto a ponto, quando lhe foi lida a Acusação.

9- Ficou igualmente provado que o Arguido AA, ora Recorrente, era consumidor de estupefacientes.

10- O arguido AA, ora Recorrente, tem 25 anos feitos há pouco tempo e admitiu a quase totalidade dos factos que resultaram provados.

11- O arguido AA, ora Recorrente, foi o único arguido neste processo que manifestou o seu arrependimento.

12-O arguido AA, ora Recorrente, foi o único arguido neste processo que confessou sem reserva os factos que ele cometera.

13-O arguido AA, ora Recorrente, foi igualmente o único arguido a ter verbalizado a consciencialização da gravidade dos factos por si cometidos.

14-Na senda do seu espírito de autocrítica e consciencialização do desvalor e consequências gravosas da sua conduta, o arguido AA, ora Recorrente sempre demonstrou arrependimento.

15-O arguido AA, ora Recorrente contribuiu de forma relevante para a descoberta da verdade.

16-No Relatório Social elaborado a 23-09-2022 pela Delegação Regional de Reinserção ... e ... – ... foi relatado que AA, ora Recorrente, apresenta -se como um jovem adulto com indicadores de uma boa inserção familiar, social e laboral.

17-Neste Relatório foi referido que AA encontra-se bem integrado na respetiva área de residência, possui um leque alargado de amigos, junto dos quais convivia nos seus tempos livres.

18-Neste Relatório é referenciado que AA vive a sua respetiva posição processual com sofrimento, sentimento de falha, pelo facto de ter desiludido a família.

19-Mais é referido neste Relatório que o conjunto familiar se mantém unido no apoio ao AA ora Recorrente e que a nível laboral, os presentes autos não aparentam ter perturbado o interesse da entidade patronal na reintegração de AA no respetivo posto de trabalho, pretendendo recebê-lo logo que a sua situação jurídico-penal o permitir.

20-Este Relatório concluía que, caso viesse a ser condenado, esta Equipe considerava que AA apresentava condições para sujeição a medida não privativa da liberdade, com sujeição a tratamento/acompanhamento à problemática de consumos de estupefacientes, com acompanhamento por parte daqueles serviços, porquanto se identificara tal problemática de risco.

21-No RELATÓRIO DE PERÍCIA SOBRE A PERSONALIDADE (artº 160º do Código de Processo Penal) elaborado a 30/09/2022 pela Delegação Regional de Reinserção ... e ... - Equipa de ... nas escalas de risco selecionadas neste Relatório sobre a personalidade do Arguido AA, ora Recorrente, ficou provado que o arguido ora Recorrente apresenta um resultado de 9 pontos, o que indica um perfil de risco baixo.

22-Neste Relatório foi assinalado ainda a integração laboral favorável, aos vários níveis da participação/desempenho e interações.

23-Neste RELATÓRIO DE PERÍCIA SOBRE A PERSONALIDADE (artº 160º do Código de Processo Penal) elaborado a 30/09/2022 pela Delegação Regional de Reinserção ... e ... - Equipa de ... concluiu que os critérios quanto ao nível de risco/ necessidades criminógenas apontariam valores baixos.

24-Igualmente neste Relatório de Perícia sobre a Personalidade de Arguido AA, ora Recorrente, é declarado que se mostram consistentes os vínculos a contextos convencionais, (família e trabalho) e há também consistência nos projetos de futuro, apresentados em moldes normativos.

25-Mais é relatado neste Relatório que o Arguido AA, ora Recorrente revela sentido de responsabilidade face às consequências do atual confronto com o sistema de administração da justiça penal, que acata.

26-Ou seja, o Arguido AA, ora Recorrente é um jovem adulto com indicadores de uma boa inserção familiar, social laboral e que quanto ao nível de risco/ necessidades criminógenas estas apontam valores baixos.

27-A nível laboral, os presentes autos não aparentam ter perturbado o interesse da entidade patronal na reintegração do Arguido AA, ora Recorrente, no respetivo posto de trabalho, pretendendo recebê-lo logo que a sua situação jurídico-penal o permitir.

28-O Arguido AA, ora Recorrente, encontra-se social, familiar e profissionalmente integrado e reconhece a gravidade dos factos praticados.

29- O Arguido AA, ora Recorrente tem um comportamento adequado no meio prisional, revela capacidade de autocrítica.

30- Entende assim o Arguido AA, ora Recorrente que a medida da pena (seis anos de prisão), deveria situar-se entes entre os quatro anos e os cinco anos de prisão, por forma a possibilitar a suspensão da sua execução, nos termos do artigo 50º do Código Penal.

31-Ora, conforme determina o art. 40.º do CP, a aplicação de penas visa, por um lado, reafirmar a confiança dos cidadãos na validade e vigência da norma violada sempre que a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime (prevenção geral positiva) e, por outro, a reintegração do agente na sociedade através da “prevenção da reincidência”. (prevenção especial positiva).

32- A escolha da pena terá, assim, de ser perspetivadas em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados neste artigo.

33- In casu, no respeitante às exigências de prevenção geral, entende-se que as mesmas poderão ser medianamente elevadas, considerando o bem jurídico em causa.

34-No caso em análise, por outro lado e com especial relevância há a possibilidade da reintegração do agente na sociedade, através da “prevenção da reincidência” (prevenção especial positiva).

35-Igualmente conforme escreve Figueiredo Dias, a propósito do artigo 50º do Código de Processo Penal, «O carácter facultativo que a lei atribui à aplicação desta espécie de pena não deve induzir em erro: não se trata aqui de “mera “faculdade" em sentido técnico jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e, portanto, nesta acepção, de um poder-dever.» — cf. DIAS, Jorge Figueiredo, "Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime ", Coimbra Editora, Coimbra 2005, p. 341.

36- O pressuposto formal contido no artigo 50º do CP encontra-se preenchido.

37-Na senda do factor de ressocialização, entende-se que não se deve condenar na execução de uma pena, sem antes passar pelo regime de suspensão, mediante o regime de prova, o que, nos presentes autos faria todo o sentido.

38-Igualmente como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2021, processonº 381/16.4GAMMC.C1.S1 (acessível emwww.dgsi.pt),“As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados”.

39-“Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetam tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral”

40-“A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial”.

41-“As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime”.

42-“Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critério derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização  Figueiredo, "Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime ", Coimbra Editora, Coimbra 2005, p. 341.

36-O pressuposto formal contido no artigo 50º do CP encontra-se preenchido.

37-Na senda do factor de ressocialização, entende-se que não se deve condenar na execução de uma pena, sem antes passar pelo regime de suspensão, mediante o regime de prova, o que, nos presentes autos faria todo o sentido.

38-Igualmente como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2021, processo nº 381/16.4GAMMC.C1.S1 (acessível em www.dgsi.pt), “As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados”.

39-“Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetam tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral”

40-“A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial”.

41-“As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos,  proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime”.

42-“Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critério derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização forma permitiria a este voltar para junto da sua família, reingressar ao seu posto de trabalho, em detrimento de o afastar da sociedade.”.


B. Por sua vez, o arguido BB, pugnando pela nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, ou se assim não for entendido, que se proceda à “requalificação jurídica do crime” e se proceda à redução das penas aplicadas, concluiu:
IV Conclusões
1ª- O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” no dia 21 de outubro de 2022, que condenou o arguido pela prática, em autoria material e em concurso real de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22/01 e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo 86 º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 2, por referência ao artigo 2.º, n.º 1, alíneas g), aq), p) e i) e n.º 3, alíneas p) e ab) e ao artigo 3º, n.º 2 alínea x) e n.º 5, alíneas a) e e), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, em cúmulo jurídico na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.
2ª- O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito, concretamente quanto à falta de fundamentação de facto e de direito, requalificação jurídica do crime e medida da pena.
3ª- O Tribunal “a quo” condenou o arguido, ora recorrente, por remissão para os factos imputados ao arguido AA, retirando de tais factos que “a sua conduta não pode igualmente ser considerada como de menor gravidade”.
 4ª- Ao remeter para as considerações que fundamentam a condenação do arguido AA, o Tribunal “a quo” parte do pressuposto que os produtos, quantidades, meios e modos de atuação deste são comparáveis ou idênticos aos utilizados pelo recorrente e, na verdade, não são, como também não o são os antecedentes criminais e as condições de vida de um e outro.
- Efetivamente, confrontada a factualidade dada como provada, verifica-se que os produtos estupefacientes (o recorrente não vendia MDMA), as quantidades, os meios e os modos de atuação usados pelo coarguido AA não são comparáveis aos utilizados pelo recorrente, como também não são equiparáveis os valores obtidos com o produto da venda de produtos estupefacientes que, no caso do recorrente, não lhe permitiram sequer obter ganhos para satisfazer as suas necessidades básicas devida, bemcomo, o pagamento das dívidas e despesas de funcionamento do restaurante.
6ª- Por outro lado, o Tribunal “a quo" na sua motivação limita-se a dizer que a convicção resultou da conjugação das regras de experiência com o teor das declarações dos arguidos que as prestaram, dos depoimentos das testemunhas e dos meios de prova identificados no Acórdão de que recorrer sem justificar através de um raciocínio lógico-dedutivo e um exame crítico das provas, nomeadamente da prova testemunhal.
7ª- A fundamentação remissiva como a que foi adotada pelo Tribunal “a quo” é inapta a cumprir o dever de fundamentação e consubstancia uma contradição insanável da fundamentação nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. b) do CPP.
8ª-Acresce que, os fundamentos de direito que sustentam a decisão de condenar o arguido,  ora recorrente, estão em contradição com a decisão, na medida em que a fundamentação aponta para uma decisão muito menos gravosa, designadamente na parte em que o Tribunal “a quo” referencia o Acórdão 21.12.93, Proc. n.º 432/93-Decisões do Tribunais de 1ª Instância, 1993, pág. 286, no qual se lê que “a aplicação de penas de prisão, não substancialmente gravosas, aplicadas a indivíduos não reincidentes, acabará por conseguir efeitos mais positivos, com vista à sua recuperação e reinserção do que penas de prisão substancialmente mais elevadas”, o que leva a crer que, no caso “sub juditio”, a conduta do recorrente seria subsumida no art.º 25.º, atenta a ausência de antecedentes criminais, a factualidade dada por provada, as circunstancias da vida do recorrente em que a atividade se desenvolveu e não no art.º 21.º conforme foi decido, consubstanciando uma contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. b) do CPP.
9ª- Concluiu-se, assim, que o Tribunal “a quo” não fundamentou a sua decisão de condenar o recorrente por referência aos locais, tempo da duração da atividade, regularidade, quantidades envolvidas eao universo de consumidores, conforme decorre do art.º 97.º, n.ºs 1, al. a) e 5 do CPP, com expressa consagração constitucional no art.º 205.º n.º 1 da CRP, constituindo, em si mesmo, um corolário do princípio do processo equitativo e justo,
consagrado no art.º 20.º, n.º 4 da CRP e no art.º 6.º da CEDH.
10ª- Ao não fundamentar a sua decisão, o Tribunal “a quo”, violou o disposto nos art.º 97.º, n.º 1, al. a) e 5.º do CPP e os artigos 3.º, n.º 2, 13.º, 18.º, 20.º, n.ºs 4 e 5, 28.º, 32.º, 203.º, 204.º e 205.º, todos da CRP, sendo, consequentemente, a decisão nula por violação de imperativos constitucionais, por ofensa grave de direitos e liberdades fundamentais pessoais do arguido.
11ª- A conduta do arguido, ora recorrente, deve assim ser enquadrada na previsão do art.º 21.º conjugado com o art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, e não como foi nos termos do art.º 21.º do mesmo diploma legal, porquanto o grau de ilicitude é, no caso concreto, reduzido, pois a forma de atuação rudimentar de venda a retalho (a um núcleo reduzido de amigos e conhecidos residentes na área de residência do recorrente), aliada à sua toxicodependência, ao dinheiro e quantidade de produtos estupefacientes apreendidos, permite-nos concluir que estamos perante uma situação de pequeno tráfico de rua completamente distinta da do grande tráfico.
12ª- Assim, ao decidir diferentemente, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de janeiro.
13ª- Quanto à medida da pena, atenta a matéria dada como provada, as penas aplicadas de 5 (cinco) anos de prisão pela prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do Dec. Lei n.º 15/93, e 2 (dois) anos pela prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86.°, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, são injustas, desproporcionais e manifestamente excessivas, assim como é excessiva e desproporcional a pena aplicada em cúmulo jurídico de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva.

14ª- A medida da pena aplicada ao arguido excede a medida da culpa e, consequentemente, não salvaguarda as necessidades de prevenção geral, por manifestamente excessiva, nem as necessidades de prevenção especial, atento a factualidade e as circunstancia em que os factos ocorreram, a personalidade do arguido, a sua integração social e familiar, a ausência de antecedentes criminais, o facto de já ter cumprido 16 (dezasseis) meses de prisão preventiva com referências muito positivas constantes do relatório social, revela-se muito severa e negativa para a sua recuperação e reinserção social.

15ª- Efetivamente, da ponderação e a conjugação da factualidade provada, com as concretas circunstâncias da prática dos crimes, os motivos que determinaram a conduta do arguido (quer a conduta anterior quer posterior à prática dos factos), a sua personalidade, a sua integração social, familiar e profissional, as suas condições pessoais, a ausência de antecedentes criminais, o facto de já ter cumprido 16 (dezasseis) meses de prisão preventiva, resulta que as necessidades de prevenção geral e especial impõem forçosamente a aplicação de penas mais favoráveis do que as que lhe foram aplicadas.

16ª- Quanto ao crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, compulsada a matéria de facto dada como provada e todo o enquadramento e circunstancialismo envolvente, designadamente a forma de atuação rudimentar de venda a retalho a um núcleo reduzido de amigos e conhecidos residentes na área da sua residência, aliada à sua toxicodependência, ao dinheiro e quantidade de

produtos estupefacientes apreendidos, permite-nos concluir que estamos perante uma situação de pequeno tráfico de rua completamente distinta da do grande tráfico, pelo que, entende o recorrente que o grau de ilicitude é reduzido, tal como o considerou o Tribunal “a quo” relativamente ao coarguido CC.

17ª- Efetivamente, confrontando os factos dados como provados relativamente ao recorrente com os factos dados como provados relativamente ao coarguido CC, verifica-se que as condutas de ambos são equiparáveis, designadamente no que à quantidade de produtos estupefacientes e valor em dinheiro apreendidos, equipamentos utilizados, universo de consumidores e meios rudimentares usados, pelo que, devia o Tribunal “ a quo”, ter igualmente valorado o grau dei licitude da conduta do recorrente como consideravelmente reduzido.

18ª- Acresce que o Tribunal “a quo” não valorou as últimas declarações do arguido em audiência de julgamento, no âmbito das quais mostrou arrependimento sincero e uma atitude autocrítica da sua conduta, revelando reprovação do seu comportamento e, consequente, interiorização dos valores sociais e capacidade para aferir da adequabilidade dos respetivos comportamentos e de se determinar de acordo com tal juízo, conforme consta do relatório social.

19ª-Por outro lado, verifica-se que a pena aplicada ao arguido, ora recorrente, quando comparada com as penas aplicadas aos outros coarguidos é desproporcional e excessiva atento o doseamento da pena de 6 (seis) anos de prisão aplicada ao arguido AA e da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses aplicada ao arguido CC pela prática do crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade p. p. pelos art.ºs 21.º e 25.º do Decreto-Lein.º15/93, sendo, por conseguinte, tal doseamento violador do próprio princípio da igualdade de tratamento deste coarguido em relação aos restantes, ferindo-se, assim, o princípio consagrado no art.º 13.º da Constituição

20ª- Quanto ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.°, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, o Tribunal “a quo” valorou erradamente o grau de ilicitude como elevado apenas com base no número de armas e sua natureza, sem que tivesse ponderado se o seu mau estado de conservação (facto dado como provado), as tornava inoperacionais ou impossibilitavam o disparo, pois que, para se aferir do grau de ilicitude é relevante saber se tais armas estavam ou não aptas a disparar e quanto a isso nada foi apurado.

21ª- De referir que, consta dos factos dados como provados (facto 18, al. d) que a arma Tanfoglio Giuseppe, modelo GT28, com a “aparência de arma de fogo” e destinada ao disparo de “munições sem projécteis ”, conforme consta do relatório pericial, o que significa que se trata de uma pistola de alarme destinada a tiros de salva, cuja finalidade é unicamente a de produzir um efeito sonoro em espetáculos teatrais, sessões fotográficas,

gravações cinematográficas e televisivas, reconstituições históricas, desfiles, atividades desportivas, formação e treino de caça (cf. art.º 2.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro), não resultando, portanto, da sua detenção ou mesmo do seu uso qualquer perigo.  

22ª- Consta também do relatório pericial que a referida arma tem “o cano obstruído por um travessão/ cruzeta,” donde se concluiu que tal arma está inapta a disparar e confirma que a sua detenção não representa qualquer perigo social.

23ª- Acresce que, embora o arguido não tenha prestado declarações em sede audiência de julgamento, o mau estado de conservação das armas aliado à declaração do arguido em sede de contestação, na qual invocou que as armas pertenceram ao seu pai, permite, por um lado, aferir da veracidade da sua declaração, facto omisso na fundamentação de facto e de direito, e, por outo, que não apenas as armas mas também as munições já estavam na habitação da mãe do arguido quando, em 2008, este se mudou de Lisboa, onde residia e trabalhava, para a residência da mãe, a fim de lhe prestar o apoio de que esta carecia por àquela data já evidenciar sintomas de demência provocada pela doença de Alzheimer.

24ª- Em consequência, devia o Tribunal “a quo” ter considerado reduzida a ilicitude da conduta do arguido.

25ª- Também não andou bem o Tribunal “a quo” ao considerar que a conduta do arguido integra a tipificação de dois sub-tipos do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, n.º 3 e nº 4 do mesmo preceito, a que correspondem duas molduras penas distintas, levando à punição pela conduta mais grave, porquanto nenhuma prova foi feita, nem sequer consta dos autos qualquer referência à prática, por parte do arguido, de qualquer outro tipo de crime associado à detenção e uso das armas, que possa fundamentar a conclusão a que chegou o Tribunal “a quo”, com base na qual decidiu condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos.

26ª- Efetivamente, não existe qualquer prova de ligação entre a detenção das armas pelo arguido, ora recorrente, com a conduta relacionada com a atividade de tráfico de estupefacientes pela qual veio a ser condenado.

27ª- Pelo que, não deve a pena a aplicar ao arguido ser agravada nos termos do n.º 3 e 4 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

28ª- Por outro lado, ainda quanto ao crime de detenção de arma proibida, entende o recorrente que o Tribunal “a quo” devia ter optado pela aplicação de um pena de multa em detrimento da pena de prisão, porquanto a conduta do arguido não reveste de gravidade tal que imponha a opção por pena privativa de liberdade, pelo que, devia o Tribunal “a quo” ter optado por uma pena de multa, a qual se revela adequada e suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, em conformidade com a regra ínsita no art.º 70.º do Código Penal que impõe ao tribunal dar preferência à sanção não privativa da liberdade sempre queesta realize deforma adequada e suficiente as finalidades da punição.

29ª- Atento todo o exposto, o Tribunal “a quo” ao não valorar factos essenciais relativos à personalidade, condições pessoais e económicas do arguido, a sua integração familiar, social e profissional, a ausência de antecedentes criminais e o facto de já ter cumprido 16 (dezasseis) meses de prisão preventiva, com referências muito positivas no relatório social junto aos autos determinantes da medida concreta da pena, violou o disposto nos art.ºs 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.

30ª- Em consequência, o crime de tráfico de produtos estupefacientes deve ser requalificado como crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art.ºs 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, ou, se assim não entenderem os(as) Excelentíssimos(as) Conselheiros(as), ser reduzida a medida da pena de prisão aplicada no seu “quantum”, aplicando-se ao arguido uma pena situada no limite mínimo da moldura penal (4 anos).

31ª- Quanto ao crime de detenção de arma proibida, deve a pena de prisão aplicada ser substituída por pena de multa, nos termos previstos no art.º 86.°, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

32ª- Por mera cautela, caso os (as) Excelentíssimos(as) Conselheiros (as) assim não entendam, deve a pena de prisão de 2 (dois), aplicada pelo crime de detenção de arma proibida, ser reduzida no seu “quantum”, aplicando-se ao arguido uma pena situada no limite mínimo da moldura penal aplicável (1 ano).

33ª- Em cúmulo jurídico deverá a pena ser aplicada, dentro da moldura penal abstrata aplicável, balizada entre um mínimo de 4 (quatro) anos correspondente à pena concreta mais elevada e o máximo de 5 (cinco) anos correspondente à soma das penas parcelares em concurso, de harmonia com os critérios de proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tendo em atenção em conjunto os factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial.

34ª- Considera, assim, o recorrente justa, proporcional e adequada, a aplicação de pena situada a meio da moldura penal abstrata, ou seja, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual deverá ser suspensa, nos termos do disposto no art.º 50.º do Código Penal, por igual período, sujeita ao regime de prova (cf. n.º 2 do mesmo art.º).

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências Senhores/as Conselheiros/as suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, declarando-se nulo o Acórdão recorrido, por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos do disposto nos arts.º 97.º, n.º 1, al. a) e 5.º, 410.º, n.º 2, al. a) do CPP e art.º 3.º, n.º 2, 13.º, 18.º, 20.º, n.ºs 4 e 5, 28.º, 32.º, 203.º, 204.º e 205.º, todos da CRP ou, caso assim não se entenda, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que:

A) Proceda à requalificação jurídica do crime e, em consequência, condene o arguido pelo crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art.ºs 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, ou, se assim não entenderem os(as) Excelentíssimos(as) Conselheiros(as), reduza a medida da pena aplicada no seu quantum, aplicando ao arguido uma pena situada no limite mínimo da moldura penal (4 anos);

B) Substitua a pena de prisão de 2 (dois) anos por detenção de arma proibida aplicada ao arguido por pena de multa, nos termos previstos no art.º 86º, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, ou caso assim não entendam os(as) Excelentíssimos(as) Conselheiros(as), reduza a medida da pena aplicada no seu quantum, aplicando ao arguido uma pena situada no limite mínimo da moldura penal aplicável (1 ano);   

C) Condene o arguido, em cúmulo jurídico, na pena que resultar da moldura penal abstrata decorrente das condenações que vierem a ser aplicadas nos termos das anteriores alíneas A e B, a qual deverá ser suspensa, nos termos do disposto no art.º 50.º do Código Penal, por igual período, sujeita ao regime de prova (cf. n.º 2 do mencionado artigo),”.


3. O Exmo. Magistrado do MP, junto do Tribunal de 1ª Instância respondeu ao recurso, pugnando por a decisão recorrida dever manter-se, concluindo que:
A. Relativamente ao arguido DD “(…) atendendo à quantidade das drogas vendidas, à sua qualidade, aos proventos económicos obtidos e ao lapso temporal em que foi desenvolvida a actividade criminosa, … a pena aplicada é justa e não ultrapassa a medida da culpa.”, que “ O acórdão recorrido referiu expressamente os fundamentos da medida da pena, designadamente o grau de ilicitude o dolo directo e intenso e as necessidades de prevenção geral e especial prementes e o juízo de prognose a considerar.”, e que “ (…) a pena aplicada é justa e equilibrada, nada havendo a censurar nesse tocante.”.

B. Relativamente ao arguido BB, não se verifica no acórdão recorrido o vício apontado pelo recorrente de contradição insanável da fundamentação nos termos do art.º 410.º n.º2, al. b), do CPP, pois, o tribunal a quo “(…) não operou a fundamentação com base em qualquer premissa antagónica”, nem se verifica que “(…) as circunstâncias em que os factos provados ou não provados colidem com a fundamentação da decisão”; e quanto ao enquadramento da conduta do arguido recorrente na previsão do art.º 25.º do Decreto Lei 15/93 de 22 de Janeiro e não no seu artigo 21.º, considera que a fundamentação do Tribunal é “clara e exaustiva” no sentido de não considerar a conduta do arguido como de menor gravidade, sendo certo que, “(…) não se verificou na conduta do arguido uma diminuição da ilicitude da sua conduta, pois atendendo à factualidade dada como provada, sobretudo no que tange à qualidade e quantidade de produto estupefaciente vendido, à forma como foi sendo realizado, por vezes, num restaurante utilizado como fachada para o “negócio”, e o estupefaciente entregue junto com a conta da refeição, o período de duração d atividade e o seu volume, não se poderá considerar a conduta do arguido como de menor gravidade, uma vez que a sua ilicitude não é de forma alguma diminuída.”; por sua vez, quanto à qualificação jurídica do crime de detenção de arma proibida, defendeu que bem andou o tribunal a quo que “(…) perante uma situação em que o arguido detinha numa mesma ocasião armas e munições de diferente natureza e classificação legal, que integram a tipificação de dois sub-tipos do art. 86º da Lei n.º 5/2006 – n.º 3 e n.º 4 do mesmo preceito - e a que correspondem duas molduras penais distintas, será punido pela conduta mais grave”; concordando com a opção e fundamentação do tribunal quanto à aplicação da pena de prisão ao invés da pena de multa e considerando que a pena aplicada é justa e equilibrada, nada havendo a censurar nesse tocante.


4. Por despacho judicial do Tribunal de 1ª Instância de 23/11/2022, o recurso foi admitido para este Supremo Tribunal, tendo em consideração o disposto no artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, que dispõe recorrer-se para o STJ de acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente a matéria de direito.


5. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso do recorrente BB e da improcedência do recurso do arguido AA, considerando essencialmente que:

• Não deverá ser alterada a decisão no que se refere ao recorrente AA, ou seja, deverá ser julgado improcedente o recurso, mantendo-se a sua condenação pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22/01 com referência ao disposto nas Tabelas I-B, I-C e II- A anexa àquele diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

• Já quanto ao coarguido BB deverá manter-se a condenação aplicada pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo 86º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 2, por referência ao artigo 2º, n.º 1, alíneas g), aq), p) e i) e n.º 3, alíneas p) e ab) e ao artigo 3º, n.º 2 alínea x) e n.º 5, alíneas a) e e), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 2 (dois) anos de prisão;

• Mas devendo – com base nos factos dados como provados (e inexistindo qualquer contradição ou a falta de fundamentação alegados no recurso), alterar-se a qualificação jurídica de tais factos, sendo o arguido/recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos arts.º 21º e 25º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22/01 com referência ao disposto nas Tabelas I-B e I-C anexa àquele diploma legal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

• Sendo, em cúmulo jurídico, aplicada ao arguido a pena única de 4 (quatro) anos de prisão.

• Pena que fique suspensa na sua execução por idêntico período, sujeita a regime de prova.”.


6. Os recorrentes foram notificados, para se pronunciar, conforme art.º 417.º, n.º 2 do CPP, respondendo o arguido AA, essencialmente com os mesmos argumentos que utilizou no seu recurso e insistindo pela sua condenação “(…) em pena inferior a cinco anos, suspensa na sua execução, permitirá uma verdadeira prevenção especial positiva, pois desta forma permitiria a este voltar para junto da sua família, reingressar de imediato ao seu posto de trabalho, em detrimento de o afastar da sociedade” .


7. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTOS
1. De facto

O acórdão do Tribunal de 1ª Instância, de 21/10/2022 fixou a matéria de facto dada como provada, nos seguintes termos:

1.Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde 2019 que o arguido AA (conhecido por “EE”) se dedica à actividade de compra e venda de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína, haxixe, cannabis, MDMA e anfetaminas, entre outros, na modalidade de venda directa ao consumidor, o que faz com intenção lucrativa.

2. O arguido AA desenvolve a sua actividade nas localidades de ..., ..., ..., ... e ..., abastecendo-se de produto estupefaciente em zona não concretamente apurada, normalmente com uma periodicidade quinzenal, a fim de depois vender, a troco de dinheiro, aos consumidores que para o efeito o procuram, nas referidas zonas.

3. A venda a consumidores é efectuada mediante contactos prévios, por telemóvel ou via WhatsApp, Messenger ou Telegram, na sequência dos quais este diz-lhes para, ou passarem por casa dele, ou no restaurante “o...” ou o próprio se desloca às referidas localidades e junto daqueles para entregar o estupefaciente, recebendo o respectivo dinheiro em troca, para o que fazia uso, de forma indiscriminada, dos veículos de matrícula ..-..-RO e ..-..-ET.

4. Nessa sequência, o arguido AA efectuou, entre tantas outras, as seguintes vendas de produto estupefaciente, em quantidades não determinadas, mas pelo menos 1grama/ dose individual:

i. Dia 11.09.2020, cocaína, a FF, na rua onde reside, no ....

ii. Dia 23.09.2020, cocaína, a GG (condutor veículo matrícula ..-..-IC), à porta do estabelecimento “o...”, sito no ....

iii. Dia 24.09.2020, cocaína, a FF, no estacionamento da praia do ..., ....

iv. Dia 19.02.2021, canábis, a HH (condutor do veículo matrícula ..-..-UA), à porta do estabelecimento “o...”, no ....

v. Dia 09.04.2021, canábis, ao utilizador do n.º ...44;

vi. Dia 13.04.2021, cannabis, a II, no estabelecimento “o...”, no .... vii. Dia 16.05.2021, cocaína, a GG, na ....

viii. Dia 20.05.2021, cocaína, a GG, em local não especificado. ix. Dia 27.05.2021, cocaína, a GG, na casa deste.

x. Dia 01.06.2021, canábis, a II, na ....

xi. Dia 19.06.2021, canábis, a JJ, em local não apurado. xii. Dia 26.06.2021, cocaína, a II, em ..., ....

5. O arguido AA vendia diversos tipos de estupefacientes a diversas pessoas, com regularidade mais ou menos predefinida, o que aconteceu com:

- FF, que adquiriu ao arguido cocaína desde 2019, em quantidades e com periodicidade não concretamente apurada, pelo que pagava € 60,00 por grama;

- GG, que adquiriu ao arguido cocaína desde Fevereiro de 2021, pelo menos duas vezes, uma grama de cada vez, pelo que pagava € 50,00 por grama;

- II, que adquiriu canábis ao arguido desde Agosto de 2020, um número não apurado de vezes, três a quatro gramas de cada vez, pelo que pagava € 20,00; comprou igualmente cocaína ao arguido, desde a mesma altura, um número não apurado de vezes, uma ou duas gramas de cada vez, pelo que pagava € 60,00 a grama.

- KK, que adquiriu ao arguido cocaína desde Maio/ Junho de 2019, pelo menos 3 vezes, uma a três grama de cada vez, pelo que pagava € 60,00 por grama;

- LL “MM”, que adquiriu várias vezes “sacos” de canábis ao arguido, correspondente a três ou quatro gramas, desde Outubro de 2019, pelo que pagava € 20,00 ou € 30,00; assim como o arguido lhe cedeu algumas vezes cocaína para consumir;

- NN que desde cerca final de 2019 consumiu por diversas vezes canábis e cocaína que o arguido lhe cedeu.

- OO”, que adquiriu canábis ao arguido desde Abril/ Maio de 2021, uma vez por mês, cerca de 20 gramas de cada vez (um saco), pelo que pagava € 50,00;

- PP, que adquiriu pelo menos uma vez ao arguido, meia grama de cocaína, pelo valor de € 30,00 e que adquiriu ainda ao arguido um saco de canábis, cerca de três, quatro gramas, pelo que pagou € 20,00;

-Diogo QQ, entre uma a duas vezes adquiriu uma grama de cocaína de cada vez, pelo valor de € 60,00; também adquiriu canábis ao arguido pelo que pagou € 7,00 por grama, assim como também adquiriu ao arguido, em alturas festivas e por mais do que uma vez, pacotes de uma grama de MDMA, pelo que pagou o valor unitário de € 25,00/ € 30,00. Vezes houve ainda que o arguido lhe cedeu “riscos de cocaína” para com ele consumir.

- RR, que adquiriu várias vezes cocaína ao arguido, desde cerca do final de 2019, o qual lhe pagava em dinheiro ou com um jantar, ou a quem o arguido, também por várias vezes, “oferecia” cocaína para consumir.

6. No dia 13.07.2021, o arguido AA tinha na sua posse e na sua disposição, dentro da sua residência:

a) PRODUTO ESTUPEFACIENTE

- 5,550g de canábis (FLS/SUMID), com um grau de pureza de 10,4%, suficiente para 32 doses individuais1 dentro de um frasco de vidro, no chão, ao lado da mesa de cabeceira, no quarto do pai do arguido;

- 4,330g de canábis (FLS/SUMID), com um grau de pureza de 0,8%, suficiente para menos de 1 dose diária, dentro de um frasco de vidro, no chão, ao lado da mesa de cabeceira, no quarto do pai do arguido;

- 314,400g de canábis (FLS/SUMID), com um grau de pureza de 12,2% suficiente para 766 doses diárias, dentro de um saco plástico preto e dentro de um tupperware no quarto do pai do arguido;

- 1,241g de canábis (RESINA), com um grau de pureza de 2,3% suficiente para menos de 1 dose diária, dentro de uma caixa azul, numa prateleira de estante no quarto do pai do arguido; - 1,780g de canábis (RESINA), com um grau de pureza de < 0,2%, sem dose quantificável, dentro de um saco plástico e dentro de um frasco de vidro, no meio da roupa, no quarto do pai do arguido.

- 8 comprimidos (SEM BLISTER) de MDMA, de cor roxa, com 3,975g e com um grau de pureza de 22,7%, suficiente para 9 doses diárias individuais, dentro de um tupperware transparente e no quarto do arguido;

- 28 comprimidos (SEM BLISTER) de MDMA, de cor rosa, com 13,557g e com um grau de pureza de 27,2%, suficiente para 36 doses diárias individuais, dentro de um tupperware transparente no quarto do arguido;

- 35,860g de cocaína (CLORIDRATO), com um grau de pureza de 38,9%, suficiente para 69 doses diárias, dentro de um saco plástico no quarto do arguido;

- 18,705g de cocaína (CLORIDRATO), com um grau de pureza de 58,0%, suficiente para 54 doses diárias, dentro de um saco plástico no quarto do arguido;

- 2,757g de cocaína (CLORIDRATO), com um grau de pureza de 52,2%, suficiente para 7 doses diárias, dentro de um saco plástico no quarto do arguido;

- 8,921g de MDMA, com um grau de pureza de 58%, suficiente para 51 doses diárias, dentro de um saco plástico no quarto do arguido;

- 62,500g de canábis (FLS/SUMID.), com um grau de pureza de 13,8% suficiente para menos de 172 doses diárias, dentro de um tupperware transparente, com tampa amarela, no chão, junto à cama no quarto do arguido;

- 1,473g de canábis (RESINA), com um grau de pureza de <0,2%, sem dose quantificável, no interior de uma caixa metálica no interior do roupeiro e no quarto do arguido;

- 1,278g de canábis (RESINA), com um grau de pureza de 11,5% suficiente para 2 doses diárias, em cima de um tabuleiro e em cima da secretária no quarto do arguido;

- 2,220g de canábis (RESINA), com um grau de pureza de 4,5% suficiente para 1 dose diária, dentro de uma caixa metálica, na terceira gaveta da cómoda e no quarto do arguido;

- 0,204g de MDMA, com um grau de pureza de 59,3%, suficiente para 1 dose diária, dentro da primeira gaveta da secretária, no quarto do arguido;

- 1,113g de canábis (RESINA), com um grau de pureza de 2,0% suficiente para menos de 1 dose diária, no interior de um cinzeiro, na parte superior do armário e na cozinha;

b) MATERIAL

- Três balanças de precisão, duas de cor preta e uma de cor rosa, todas no interior do armário da cozinha.

- Duas facas de cozinha, com as lâminas queimadas, que serviam para realizar corte de canábis (resina), no interior da primeira gaveta da mesa de cabeceira, no quarto do arguido.

- Diversos recortes circulares idênticos aos utilizados para acondicionar doses individuais de estupefacientes, na terceira gaveta da cómoda, no quarto do arguido;

- Seis embalagens transparentes vazias, na primeira gaveta da secretária e no quarto do arguido;

- Dois sacos de plástico transparentes, cheios de recortes circulares, habitualmente utilizados para acondicionar doses individuais de estupefaciente, nomeadamente cocaína, na primeira gaveta da secretária e no quarto do arguido;

- Um saco do supermercado “A...”, contendo no seu interior inúmeras embalagens de sacos herméticos, de pequenas dimensões, novos, os quais serviam para acondicionar doses individuais de estupefaciente, na parte superior do microondas, na cozinha.

c) DINHEIRO – Total € 1.110,00

- Um maço de notas do Banco Central Europeu, no valor total de €1.110,00 (mil cento e dez euros), dentro de uma sapatilha de desporto, no quarto do arguido.

d) APARELHOS ELECTRÓNICOS

- Um Tablet, marca Apple, de cor preto, modelo IPAD A 1432/MD528CP/A, com o n.º série ..., em cima da secretária, no quarto do arguido;

- Um computador portátil, marca HP, de cor cinzento, em cima de uma pequena mesa de centro, na cozinha;

- Um telemóvel, marca Apple, modelo IPHONE 12 Promax, IOS/MOD12Promax128GB-MGDA3QL/A, com os IMEI’s ...21 e ...92, dentro do veículo de matrícula ..-..-ET, habitualmente conduzido pelo arguido.

7. O arguido AA, destinava todos estes bens apreendidos nos autos à sua actividade de tráfico de estupefacientes, assim como o dinheiro apreendido é fruto da mesma actividade. 8. Recebia mensalmente do trabalho que desempenha na A..., o valor de € 816,66 (por referência ao mês de Junho de 2021).

9. O arguido AA frequentava bares e restaurantes, onde efectuava consumos de refeições e de bebidas.

10. O veículo BMW de matrícula ..-..-ET conduzido pelo arguido AA encontra-se registado em nome de seu pai.

11. O arguido AA filmava-se com frequência a manusear enormes quantidades de notas bem como na posse de elevada quantidade de produto estupefaciente.

12. O arguido manteve a actividade de compra e venda de estupefaciente até ser detido e presente a primeiro interrogatório em 15.07.2021.

13. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde final de 2019, que o arguido BB se dedica à actividade de compra e venda de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína e cannabis, na modalidade de venda directa ao consumidor, o que faz com intenção lucrativa.

14. Para tanto, o arguido BB era previamente contactado, por telefone pelos compradores e usava o estabelecimento comercial que explora, o restaurante “o...” para fazer as entregas e receber o respectivo preço ou indo ao encontro destes no veículo de matrícula ..-JL-...

15. Alturas houve, também, em que o arguido AA comprava produto estupefaciente ao arguido BB.

16. No exercício da actividade de tráfico de estupefaciente, o arguido BB efectuou, entre outras não identificadas, a seguinte venda de produto estupefaciente:

• Dia 26.02.2021, cinco gramas de cocaína, a FF, no largo do restaurante “o....

17. Além da venda supra referida, o arguido BB vendia cocaína e canábis a:

i) GG, cocaína, um número não determinado de vezes, pelo preço de € 60 a grama, no restaurante “S...” após prévio contacto telefónico;

ii) SS, cocaína, um número indeterminado de vezes, pelo preço de €60 a grama, no restaurante “o...”.

iii) TT, cocaína, um número indeterminado de vezes, pelo preço de €60 a grama no restaurante “o...”.

iv) KK, que adquiriu ao arguido cocaína desde Junho de 2020, pelo menos uma vez por mês, uma grama de cada vez, pelo que pagava € 60,00;

v) FF, que adquiriu ao arguido cocaína desde 2020, uma a cinco gramas de cada vez, pelo que pagava € 60,00 por grama e fazia-o com uma regularidade entre 1 vez por semana a uma vez por mês dependendo do dinheiro que tinha;

vi) II, que adquiriu cocaína ao arguido entre 5 a 10 vezes, uma grama de cada vez, pelo que pagava € 60,00;

vii) PP, adquiriu canábis ao arguido, em número não concretamente apurado, mas por diversas vezes, sendo que o arguido ainda lhe ofereceu, por diversas vezes, “riscos de cocaína” que aquela consumia.

viii)UU, uma ou duas vezes, adquirindo uma grama de cocaína de cada vez, pela qual pagava €60,00;

ix) VV, adquiriu cocaína ao arguido em número não concretamente apurado, mas pelo menos duas vezes, cerca de uma grama de cada vez, pela qual pagava € 60,00;

x) LL “MM”, a quem cedia cocaína para consumirem em conjunto;

xi) WW, desde a segunda metade de 2019, uma ou duas gramas de cocaína de cada vez, o que fazia de quinze em quinze dias ou uma vez por mês, pagando € 60,00 por grama.

18. No dia 13.07.2021, o arguido BB tinha na sua posse e na sua disposição:

a) PRODUTO ESTUPEFACIENTE

- 1,140g de canábis (FLS/SUMID), com um grau de pureza de 7,8%, suficiente para 1 dose diária individual2, dentro de uma caixa de plástico, no quarto do arguido, na sua residência sita no ..., ..., ...;

- 0,152g de cocaína (CLORIDRATO), com um grau de pureza de 51,7%, suficiente para menos de uma dose individual diária, na posse do arguido;

b) DINHEIRO – Total € 330,00

- 1 nota do Banco Central Europeu, com o valor facial de € 10,00, no quarto do arguido; - 6 notas do Banco Central Europeu, com o valor facial de € 50,00, no quarto do arguido. - 1 nota do Banco Central Europeu, com o valor facial de € 20,00, que trazia consigo;

c) EQUIPAMENTO ELECTRÓNICO

- 1 telemóvel, marca Samsung, modelo Galaxy, cor azul, IMEI´s ...18 e ...10, que trazia consigo;

- 1 telemóvel, cor preta, marca Samsung, modelo SM-A202F/DS, com os IMEI’s ...38 e ...36, dentro do quarto do arguido;

- 1 telemóvel, marca NOKIA, modelo RM-970, cor preta, com o IMEI ...46, dentro do quarto do arguido;

- 1 Tablet, marca PRIXTON, modelo T7014QT0598000644, dentro do quarto do arguido;

- 1 computador portátil, marca HP, cor preta, modelo HSTNN-C84C, dentro do quarto do arguido

d) ARMAS

-Uma arma de marca Tanfoglio Giuseppe, modelo GT28, portátil, com carregador com capacidade para 7 munições de calibre 8mm, com aparência de arma de fogo, destinada ao disparo de munições sem projécteis, com cano obstruído por um travessão/ cruzeta, que utiliza munição de alarme ou salva e que pode ser convertida para disparar munição ou projéctil através de acção de uma carga propulsora combustível, de percussão central, não municiada, em mau estado de conservação, no quarto do arguido;

- Uma arma de ar comprimido, de calibre 6,5mm (.22), marca Norica modelo Storm, com cano de alma estriada, accionada por ar, destinada a lançar projéctil metálico, de calibre superior a 5,5mm, não municiada, em mau estado de conservação, no anexo à residência do arguido;

- Uma carabina de calibre 22LR, marca BRNO, modelo 2, com mira telescópica acoplada de marca North West 4X32, de cano longo, de repetição de cano de alma estriada, recarregada por acção do atirador, de percussão anelar, com carregador e em mau estado de conservação, no quarto do arguido.

- Um carregador de pistola (8mm), contendo no seu interior 4 munições de calibre 6,35mm, em mau estado de conservação, no quarto do arguido;

- 95 munições de calibre 22LR, de marca Remington, para arma de fogo de percussão lateral, em razoável estado de conservação, numa caixa de cartão, no quarto do arguido;

- 32 munições de calibre 22LR, de marca E numa peça de plástico, em razoável estado de conservação, no quarto do arguido;

19. O arguido BB destinava o produto estupefaciente e os equipamentos electrónicos apreendidos, mormente os três telemóveis, à sua actividade de compra e venda de cocaína e canábis, destinando igualmente a tal actividade o produto estupefaciente aprendido.

20. Assim como levava a cabo a actividade de compra e venda de estupefacientes como forma de conseguir rendimento extra para fazer face, entre o mais, às despesas do restaurante que explorava, mormente, mas não só, no período de pandemia, em que os estabelecimentos comerciais como o restaurante “o...” foram fortemente penalizados, com decréscimos abruptos de lucros.

21. O arguido BB não é titular de qualquer tipo de licença de uso e porte de arma, não registou ou manifestou qualquer uma das armas apreendidas e não deu qualquer justificação plausível para a detenção do material apreendido.

22. O arguido CC desde pelo menos o ano de 2019 que se dedica à compra e venda de produtos estupefacientes, em venda directa ao consumidor.

23. Para tanto, era por vezes previamente contactado pelos compradores por telemóvel.

24. Para realizar tais vendas de estupefaciente, o arguido usava os veículos de matrícula ..-JX-.. e ..-..-DQ para se deslocar para os locais de entrega ou efectuava as entregas em sua própria casa, recebendo ali ou aqui o respectivo dinheiro dos compradores.

25. O arguido CC vendia cocaína e canábis aos consumidores que o contactavam, o que aconteceu, por exemplo, com:

- FF, que adquiriu ao arguido cocaína desde meados de 2020, pelo menos três vezes, após prévios contactos telefónicos;

- SS, que adquiriu ao arguido cocaína há cerca de dois anos, uma grama de cada vez, o que fez pelo menos cinquenta vezes;

- XX, que adquiriu cocaína ao arguido desde final de 2019 durante cerca de 2 ou 3 meses, uma grama de cada vez pelo preço de €50 por grama, o que acontecia na oficina deste. - VV, adquiriu cocaína ao arguido pelo menos duas vezes, cerca de uma grama de cada vez, pela qual pagava € 60,00.

- TT, em 2019, uma grama de cocaína de cada vez, o que fez pelo menos seis vezes, pagando € 50,00 por grama.

26. No dia 13.07.2021, o arguido CC tinha na sua posse e na sua disposição, dentro da sua residência sita em ..., Apartado ...17, ...:

a) PRODUTO ESTUPEFACIENTE

- 2,100g de canábis (FLS/SUMID), com um grau de pureza de 3,7%, suficiente para uma dose individual diária, na mesa de cabeceira no quarto do sobrinho do arguido e dentro da casa do arguido;

b) DINHEIRO – Total € 270,00

- 1 nota do Banco Central Europeu, com o valor facial de € 50,00, debaixo do colchão, no quarto do arguido;

- 9 notas do Banco Central Europeu, com o valor facial de € 20,00, que o arguido trazia consigo;

- 3 notas do Banco Central Europeu, com o valor facial de € 10,00, que o arguido trazia consigo;

- 2 notas do Banco Central Europeu, com o valor facial de € 10,00, debaixo do colchão, no quarto do arguido;

c) EQUIPAMENTOS ELECTRÓNICOS

- 1 smarthphone, marca Samsung, modelo SM-A202F/DS, cor preta, IMEIs ...01 e ...02, que o arguido trazia consigo.

27. O dinheiro apreendido na posse do arguido era proveniente da venda de estupefaciente.

28. Os arguidos BB e CC, embora tenham actividades laborais, não têm actividade/ rendimentos reportados na Segurança Social recorrem à actividade de tráfico para obtenção de rendimento extra.

29. O arguido AA exerce actividade remunerada, mas tal não o impediu de levar a cabo a actividade de tráfico de estupefaciente nos termos descritos.

30. Os arguidos conheciam a natureza e características estupefacientes das substâncias que tinham na sua posse e que cediam e transaccionavam a troco de dinheiro e com intenção de obter lucro, bem sabendo não estarem autorizados a detê-las, tão pouco a vendê-las ou cedê-las, e que a detenção, comercialização e cedências são proibidas por lei e, ainda assim, não se inibiram de actuar do modo descrito.

31. Os arguidos conheciam ainda e disso estavam conscientes, dos malefícios que tais produtos estupefacientes provocam na saúde pública.

32. O arguido BB conhecia as características das armas e munições que detinha, sem justificação para a sua posse, sabendo que não estava legalmente habilitado/autorizado a tê-las consigo e a utilizá-las, que a sua detenção e utilização são proibidas por lei e carecem de licença de uso e porte e, não obstante, quis e agiu do modo descrito.

32. Os arguidos actuaram sempre de forma livre e deliberada, conscientes que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou relativamente ao arguido AA:

33. No decurso desta medida coactiva o arguido tem mantido um comportamento institucional adaptado, revelando-se cumpridor do normativo que rege o universo penitenciário.

34. À data da sua prisão, o arguido residia com o progenitor, com o qual sempre manteve um relacionamento afectivo próximo, quer em vida da avó, em cujo agregado permanecia durante os períodos de trabalho dos respectivos progenitores, quer posteriormente ao decesso desta.

Os progenitores colocaram termo à respectiva união há cerca de 4 anos, altura em que a progenitora regressou ao ..., país onde permanecem a residir os avós e tios materno. A irmã, de 11 anos, acompanhou a mãe. O arguido preferiu manter-se em Portugal, mantendo a ocupação laboral que já havia iniciado.

35. AA trabalhava havia quatro anos na empresa A..., com sede em ..., qual efectua o embalamento e exportação de mel, sendo um trabalhador cumpridor e sempre disponível para a realização de qualquer tarefa que lhe fosse destinada executar. A sua situação económica assentava no vencimento auferido, situando-se este, no início do contrato, no valor da remuneração mínima em vigor na altura, a qual tem vindo a ser actualizada. O arguido não apresenta despesas. As despesas concernentes aos consumos domésticos têm sido suportadas pelo progenitor. As refeições eram confeccionadas pelo avô, o qual assumia os respectivos encargos. Na actualidade tem sido a família, progenitores, tia e avô paternos, que se demonstra unida, quem apoia AA quer nas pequenas despesas que efectua na cantina do Estabelecimento Prisional, quer nas despesas decorrentes dos presentes autos.

36. Integrou-se no ensino em ..., localidade onde chegou a frequentar o 12.º ano, que não completou. Posteriormente, em ..., localidade onde permaneceu alguns meses, junto de familiar, concluiu o 12.º ano de escolaridade, em Curso ... nível secundário tipo C.

37. AA encontra-se bem integrado na respectiva área de residência. Possui um leque alargado de amigos, junto dos quais convivia nos seus tempos livres, não mantendo, contudo, actividades lúdicas organizadas.

38. Frequentador de festas e festivais, AA assume ter iniciado, no decurso desses eventos, consumos de substâncias alteradoras da consciência, nomeadamente, haxixe, alargando-o posteriormente aos finais de semana, registo que diz ter mantido até que a progenitora permaneceu em Portugal. Após a partida da mãe experienciou outras substâncias, nomeadamente, MDMA, anfetaminas e por fim cocaína, o que passou a efectuar cada vez com maior regularidade. No período inicial da sua reclusão foi medicado durante cerca de 3 meses, para a ansiedade e dificuldades em conciliar o sono.

39. O relacionamento intrafamiliar tem decorrido de forma adequada, quer com os progenitores e avós, quer com outros elementos da família alargada.

40. Vivencia a respectiva posição processual com sentimento de falha, pelo facto de ter desiludido a família.

41. Ao nível laboral, os presentes autos não perturbaram o interesse da entidade patronal na reintegração de AA no respectivo posto de trabalho, pretendendo recebe-lo logo que a sua situação jurídico-penal o permitir.

42. YY celebrou um Contrato de Crédito com a Credibom com um plano de pagamento a 10 anos, para a aquisição do veículo BMW com a matrícula ..-..-ET, com reserva de propriedade do veículo a favor daquela entidade.

43. Confessou parcialmente os factos.

44. O arguido AA não tem antecedentes criminais.

Mais se provou relativamente ao arguido BB:

45. O comportamento institucional do arguido decorre de forma adaptada, tendo- se integrado no ensino, vertente ..., para conclusão do 3.º Ciclo do Ensino Básico, nível de ensino já frequentado na juventude. Adere a ofertas formativas que lhe são propostas, nomeadamente cursos de francês e espanhol, que decorreram em pausa escolar.

46. À data da prisão residia só, em habitação isolada, periférica à localidade do ..., na qual habitou com a progenitora desde 2008 até à entrada deste familiar em Estabelecimento Residencial para Pessoa Idosa, ocorrida em 2019, face ao quadro de doença incapacitante da mesma, Alzheimer. Ultrapassava período de consumos regulares de substâncias estupefacientes, haxixe e cocaína, aos quais deixou de conseguir manter o controlo.

47. Vivenciava dificuldades económicas decorrentes do encerramento do restaurante que explorava desde 2019, reconvertido em take away em face da pandemia covid 19 e acúmulo de dívida à Segurança Social, à Autoridade Tributária e à EDP. No decurso da reclusão a irmã procedeu à liquidação das dividas, com recuso a venda de imóvel propriedade da família.

48. BB frequentou o ensino, até ao 9.º ano de escolaridade, nível de ensino que não concluiu. No presente integra o ..., Educação e Formação de Adultos, a fim de completar esse nível de escolaridade. O arguido cumpriu Serviço Militar e manteve contrato com o Exército durante aproximadamente 9 anos, no qual esteve adstrito aos Serviços Administrativos, em Lisboa. Posteriormente trabalhou numa empresa de segurança E..., no Estádio ... e nos S.... Há cerca de 14 anos estabeleceu-se no ..., junto da progenitora a fim de prestar-lhe apoio, porquanto esta já evidenciava sintomas de demência.

49. Sem dificuldades de inserção laboral, BB trabalhou na restauração, por um ano, enquadrou-se no empreendimento Z... durante cerca de 4 anos e de novo na área da restauração. Em 2019 estabeleceu-se por sua conta, iniciando a exploração de um restaurante no .... A respectiva situação económica assentou durante a maior parte da sua vida activa na remuneração percebida pelo trabalho que efectuava por conta de outrem. Posteriormente, reconduzia-se ao lucro/apuro da actividade de restauração que manteve por curto período, a coincidir com o período de pandemia, no qual se verificaram períodos de suspensão da actividade até á reconversão operada para a comercialização de refeições na modalidade de take away.

50. Ainda que nos meses que antecederam a respectiva prisão, BB ultrapassasse um período de levada instabilidade pessoal, em face de fase activa de consumos de substâncias estupefacientes que mantinha, e o espaço habitacional fosse caracterizado pela sujidade, desarrumação e destruição, encontrando-se abandonado/vandalizado, no meio sócio residencial não era perceptível o nível de degradação que o envolvia.

51. O período de prisão preventiva que decorre desde há mais de um ano, a par do sentimento de embaraço que tal situação lhe provoca, tem-lhe permitido a ponderação relativamente aos consumos de substâncias estupefacientes, aos quais não pretende regressar, manifestando o ensejo de reorganização pessoal e laboral, no que dispõe de apoio da irmã.

52. O arguido BB não tem antecedentes criminais.

Mais se provou relativamente ao arguido CC:

53. CC vive com o cônjuge, um filho de 32 anos de idade, uma filha de 28 anos de idade, uma neta, de 8 anos de idade e um sobrinho, ZZ de 37 anos de idade. Residem em habitação própria, tipologia T3, descrita como tendo razoáveis condições de habitabilidade; o sobrinho pernoita num anexo à habitação, embora faça as refeições junto do restante agregado. O imóvel localiza-se em zona sem prevalência de criminalidade.

54. CC encontra-se reformado por invalidez há cerca de 10 anos, devido a doença oncológica, recebendo 340€/mensais (trezentos e quarenta euros) de pensão de reforma. Faz alguns “biscates” em jardinagem e construção civil para complementar o seu rendimento, para além de alguma agricultura e pecuária no terreno envolvente à habitação para a subsistência do agregado familiar. O cônjuge também se encontra reformada há cerca de 4 meses, auferindo aproximadamente 280€ mensais (duzentos e oitenta euros), e colabora nas actividades de agro-pecuária. O filho mais velho trabalha na área da carpintaria, em ..., e colabora com o pai nas actividades que este vai desempenhando. A filha esta imigrada em ..., exerce actividade profissional na área da restauração. O sobrinho, de 38 anos de idade, realiza “biscates”, na área da construção civil.

55. Começou a trabalhar a partir dos 6 anos de idade, na agricultura e pecuária, coadjuvando os pais, e simultaneamente frequentava a escola, tendo concluído a 4ª classe com 16 anos, idade com que veio para Portugal, para junto do pai. Passou, então, a trabalhar na construção civil, actividade que desempenhou com regularidade até a reforma, inicialmente por conta de outrem e nos últimos anos antes da reforma tinha uma empresa em nome pessoal. Simultaneamente foi sempre desenvolvendo, no tempo livre, actividade de agro-pecuária em terreno circundante à habitação.

56. No meio comunitário é reconhecido a CC empenho e capacidade profissional, bem como um modo de vida pacato, sem registo de qualquer conflitualidade com a população da zona onde reside há cerca de vinte anos.

57. A existência do presente processo não causou impacto negativo, em relação à sua imagem, na família e no meio.

58. Por sentença transitada em julgado no dia 01.06.2018, proferida no âmbito do processo comum singular n.º 53/15.... do Juízo de Competência Genérica ... (J...) foi o arguido CC condenado pela prática, em 05.07.2015, de um crime de detenção de arma proibida na pena de 70 dias de multa, á razão diária de € 6. A pena foi declarada extinta.

***

Não se provou que:

- o arguido AA dedica-se à venda de estupefaciente desde o ano de 2015.

- o arguido AA é parte de uma rede de tráfico de produtos estupefacientes que, entre outros, é por si alimentada, a qual actua nas localidades de ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., sendo ele quem na maioria das vezes se abastece de produto estupefaciente em zona não concretamente apurada, normalmente com uma periodicidade quinzenal, a fim de depois vender, a troco de dinheiro, aos consumidores que para o efeito o procuram, nas referidas zonas.  

- por vezes, também entrega produtos estupefacientes à consignação a terceiros, como por exemplo fez com o arguido AAA;

- o arguido AA desenvolve ainda a actividade em comunhão de esforços com terceiros, a quem entrega estupefaciente para que vendam, reportando o lucro a si.

- o arguido AA vendeu estupefaciente em locais, quantidades e com frequência diferente do que resultou provado;

- o arguido AA efectuou as seguintes vendas de estupefacientes:

•Dia 22.09.2020, cocaína, a NN, condutor do veículo ..-XG-.., à porta do estabelecimento “o...” sito no ...;

•Dia 22.09.2020, cocaína, a NN, condutor do veículo ..-XG-.., à porta do estabelecimento “o...” sito no ...;

•Dia 23.09.2020, cocaína, BBB (condutor veículo matrícula ..-BV-..) e outro indivíduo (condutor do veículo matrícula ..-..-QH), à porta do estabelecimento “o...”, sito no ...;

•Dia 24.09.2020, cocaína, a um individuo não identificado, no estacionamento da praia do ..., ...;

•Dia 02.10.2020, cocaína, a individuo não identificado, à porta do estabelecimento “o...”, no ...;

•Dia 16.10.2020, cocaína, a FF, na Rua ..., à porta do n.º 34ª, em ...;

•Dia 12.11.2020, cocaína, a indivíduo não identificado, condutor do veículo de matrícula ..-TP-.., à porta do estabelecimento “M...”, no ...;

•Dia 27.11.2020, cocaína, a CCC, à porta do estabelecimento “o...”, no ...;

•Dia 23.03.2021, cocaína, a BB, na residência deste;

•Dia 03.05.2021, canábis, a LL, na ...;

•Dia 07.05.2021, cocaína, ao arguido BB, no estabelecimento “o...”, no ...;

•Dia 08.05.2021, cannabis, a indivíduo não identificado, utilizador do n.º ...93, na residência deste;

•Dia 15.05.2021, MDMA (“pastilha”), a RR;

•Dia 30.06.2021, cocaína, a dois indivíduos não identificados, na ...;

•Dia 04.07.2021, cocaína, a indivíduo não identificado, utilizador do n.º ...57, nos ...;

•Dia 05.07.2021, cocaína, a DDD”, em lugar não propriamente apurado;

•Dia 07.07.2021, dose(s) de estupefaciente(s), ao utilizador do n.º ...38 (cartão pré-pago), em lugar não propriamente apurado;

•Dia 13.07.2021, cocaína, a GG, em quantidade não apurada, em casa de GG.

- o arguido AA efectuava gastos de 100,00€ noite;

- o arguido AA vendia estupefacientes a terceiros fornecedores de crianças/jovens em idade escolar;

- o arguido AA efectuou transacções de € 4.500,00;

- BB adquiria o produto estupefaciente, entre outros, ao arguido AA, habitual frequentador do estabelecimento comercial “o...”, o qual, além de lhe vender tal produto, ainda lhe deixava “à consignação” produto estupefaciente, mormente cocaína, para que este vendesse directamente a terceiros;

- estes dois arguidos mantêm uma relação de vendedor-comprador e mesmo de partilha de estupefaciente.

- o arguido BB compra ainda produto estupefaciente ao Arguido CC.

- no exercício da actividade de tráfico de estupefaciente, o arguido BB efectuou, entre outras não identificadas, as seguintes vendas de produto estupefaciente, em quantidades não determinadas, mas no mínimo 1 grama/ uma dose individual:

•Dia 27.11.2020, cocaína, a EEE à porta do estabelecimento “o...”, no ...;

•Dia 21.01.2021, cocaína, a GG, no monte onde o arguido;

•Dia 24.01.2021, cocaína, a GG, mas o mesmo que já antes

lhe havia pedido “laranjas” querendo reportar-se a estupefaciente (cocaína), no restaurante “o...”;

•Dia 27.01.2021, cocaína, a GG, no restaurante “o...”;

•Dia 28.01.2021, canábis ou cocaína, a individuo não identificado, que conduziu e estacionou uma retroescavadora no largo de terra batida do restaurante “o...”;

•01.02.2021, cocaína, a SS, no restaurante “o...”;

•01.02.2021, cocaína, a TT, no restaurante “o...”; •  04.02.2021, cocaína, a GG, no restaurante “o...”;

•07.02.2021, cocaína, a GG, na residência do arguido BB;

•Dia 15.02.2021, cocaína, a FFF”, em local não determinado;

•Dia 17.02.2021, cocaína, a FF, no restaurante “o...”;

•Dia 24.02.2021, cocaína, a FF, em local não concretamente apurado;

•Dia 26.02.2021, cocaína, ao condutor do veículo ..-LB-.., no largo do restaurante “o...”;

•Dia 26.02.202, a individuo não identificado, junto ao estabelecimento “S...”;

•Dia 26.02.2021, cocaína, a II, junto ao “Sopas”;

•Dia 03.03.2021, cocaína, a GG, no estabelecimento “o...”;

•Dia 04.03.2021, cocaína a GG, no estabelecimento “o...”;

•Dia 08.03.2021, cocaína, a FF, no estabelecimento “o...”;

•Dia 15.04.2021, cocaína, a GG, no estabelecimento “o...”, no ...;

•Dia 02.05.2021, cocaína, a PP, no estabelecimento “o...”, no ...;

•Dia 07.05.2021, cocaína, a PP, no estabelecimento “o...”, no ...;

•Dia 23.05.2021, “uma grade de comprimidos”, a UU, no estabelecimento “o...”, no ...;

•Dia 07.07.2021, cocaína, a VV, no estabelecimento “o...”, no ....

- o arguido BB vendeu estupefaciente em quantidades e com frequência diferente do que resultou provado.

- a carabina e a arma de ar comprimido pertenceram ao pai do arguido BB.

- o arguido CC vendia cocaína e cannabis ao arguido BB sempre com fito lucrativo;

- o arguido CC adquire a terceiros o produto estupefaciente que vende aos arguidos dos autos;

- o arguido CC vendeu cocaína ao utilizador do n.º de telemóvel ...62 e ainda a indivíduo não identificado;

- no exercício da actividade de tráfico de estupefaciente, o arguido CC efectuou, pelo menos, as seguintes vendas de produto estupefaciente ao arguido BB, em quantidades não apuradas, mas sempre, no mínimo, uma grama/ uma dose individual:

•Dia 21.01.2021, cocaína, num local denominado “GGG”;

•Dia 23.01.2021, cocaína, em local desconhecido;

•Dia 26.01.2021, cocaína, no restaurante “o...”;

•Dia 04.02.2021, cocaína, em lugar não apurado;

•Dia 05.02.2021, cocaína, em ...;

•Dia 11.02.2021, cocaína, “no sítio da obra”;

•Dia 12.02.2021, cocaína, no restaurante “o...”;

•Dia 18.02.2021, cocaína, “na obra”;

•Dia 20.02.2021, cocaína, “na obra”.

- o arguido CC vendeu estupefaciente em quantidades e com frequência diferente do que resultou provado.

***

Não deixaram de se provar quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, nem foram tidas em consideração alegações conclusivas ou de direito, referências a meios de prova ou aqueles que constituem mera negação daqueles constantes da acusação/pronúncia..”.



2. De direito
2.1. Enquadramento legal

Ambos os arguidos interpuseram o recurso per saltum, para este Supremo Tribunal de Justiça, fundando-se no disposto nos artigos 427.º e 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, visando a reapreciação da matéria de direito, e pedindo, essencialmente a redução das penas aplicadas de modo a ser possível a suspensão da execução da pena de prisão.

Nos termos do art.º 432.º do CPP estabelece-se, taxativamente, os casos em que tem lugar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, visando, exclusivamente a reapreciação da matéria de direito, aí se referindo que:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;”.

É o caso dos autos em que os arguidos, ora recorrentes que, essencialmente o que pretendem é a reapreciação da pena de prisão que lhes foi aplicada em medida superior a 5 anos de prisão, visando a apreciação dos critérios utilizados no acórdão recorrido para a escolha e medida da pena, conforme o disposto nos art.ºs 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.

Não obstante, o arguido BB, apesar de indicar que o seu recurso se cinge à matéria de direito, visa ainda discutir a matéria de facto, considerando que em seu entender se verifica o vício previsto nos termos da  al. b), do n.º 2, do art.º 410.º, do CPP, ou seja, contradição insanável da fundamentação. E, visa também discutir a qualificação jurídica dos factos quer relativamente i) ao crime de trafico, entendendo que devia ser condenado por um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. nos termos do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, ii) quer relativamente ao crime de detenção de arma proibida, por entender que andou mal o tribunal de 1ª instância “(…) ao considerar que a conduta do arguido integra a tipificação de dois sub-tipos do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, n.º 3 e nº 4 do mesmo preceito, a que correspondem duas molduras penas distintas, levando à punição pela conduta mais grave, porquanto nenhuma prova foi feita, nem sequer consta dos autos qualquer referência à prática, por parte do arguido, de qualquer outro tipo de crime associado à detenção e uso das armas, que possa fundamentar a conclusão a que chegou o Tribunal “a quo”, com base na qual decidiu condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos.” .


2.2. O crime de tráfico de estupefacientes está previsto nos termos do art.º 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que constitui a norma referência para as diversas modalidades de que se reveste o crime, designadamente o agravado (art.º 24.º) e o de menor gravidade (art.º 25.º), todos os preceitos do mesmo diploma legal.

O bem jurídico protegido com a incriminação é a saúde pública, nas suas componentes física e mental, tal com tem vindo a ser assinalado pela jurisprudência e doutrina – a título de exemplo, vd. o Ac. do STJ de 10/10/2018, Proc. n.º  5/16.0GAAMT.S1 ou o Ac. de 02/10/2014, Proc. n.º 45/12.8SWSLB.S1, ambos em www.dgsi.pt.

Nos termos do art.º 21.º, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, para a verificação do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual os arguidos, ora recorrentes, foram condenados basta que que alguém, “ (…) sem que para tal se encontrar autorizado, (…) por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver (…) substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III …”, sendo punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Na sua aplicação concreta há que atender a circunstâncias relacionadas com a atuação delituosa dos arguidos, tais como o facto de cederem vários tipos de estupefaciente – cocaína, canabis e MDMA, etc. –, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente, o número de pessoas  a quem a droga é cedida/vendida e a frequência e o local do “abastecimento” efectuado pelos arguidos, bem como o proveito que os mesmos retiram da sua actividade. A estas circunstâncias acresce a verificação dos factores atinentes às exigências de prevenção geral presentes no caso, a intensidade do dolo, a ilicitude e as exigências de prevenção especial, relativas a cada um dos arguidos.

Já no que respeita ao art.º 25.º do mesmo diploma DL 15/03, referente ao tráfico de menor gravidade, importa ter presente há que ter em conta que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, “(…) tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”. Trata-se de se ter em consideração circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

Como se referiu no Ac. do STJ de 30/04/2008, Proc. n.º 08P1416, em www.dgsi.ptA diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico. A justeza da intervenção, para a adequada prossecução também de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes e médio traficante (artigos 21º, 22º e 24º) e o pequeno (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substancias que consomem (artigo 26º).”.

O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão, (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto), e do bem jurídico protegido, a saúde pública.


2.3. Nos termos do art.º 71.º, do CP, a medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, em especial, verificadas todas as circunstâncias, referidas expressamente no fundamento da sentença que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente:

 “a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.

Ou seja, a determinação da medida da pena é fixada dentro dos limites da moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e de critérios de prevenção geral e especial, visando-se com a sua aplicação “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, conforme art.º 40.º, n.º 1, do CP. A culpa funciona como limite da medida da pena (n.º 2, do art.º 40.º, do CP).


2.4. E, quanto à suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Para a decisão de suspender ou não a pena de prisão, são decisivos os critérios de prevenção, geral e especial de socialização, sem qualquer apelo aos critérios da culpa. A suspensão da execução da pena só poderá ser aplicada se o Tribunal concluir por “um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido”, na medida em que a simples censura da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na verdade, a pena de substituição de suspensão da execução constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes. Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos de prognose sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.


3. Dos recursos
3.1.O recorrente BB interpôs o presente recurso alegando verificar-se i) nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito e contradição entre os fundamentos de direito que sustentam a decisão de condenar o arguido; ii) que seja alterada a qualificação do crime de tráfico de estupefaciente p. e p. nos termos do art.º 21.º, para o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. nos termos do art.º 25.º, ambos os preceitos do DL 15/03 de 22 de Janeiro e que não deve a pena a aplicar ao arguido ser agravada nos termos do n.º 3 e 4 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro; e, iii) ainda, pugnando pela redução das penas parcelares em que foi condenado, de modo a que lhe seja aplicada uma pena única, que permita ficar suspensa na sua execução.

Vejamos.


3.1.1. Da contradição insanável da fundamentação

Entende o recorrente que o Tribunal “a quo” o condenou por remissão para os factos imputados ao arguido AA, retirando de tais factos, que “a sua conduta não pode igualmente ser considerada como de menor gravidade”, verificando-se contradição com a decisão, pois a fundamentação levaria a crer que o mesmo seria punido pelo crime de menor gravidade, considerando que a fundamentação remissiva como a que foi adotada pelo Tribunal “a quo” é inapta a cumprir o dever de fundamentação e consubstancia uma contradição insanável da fundamentação nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. b) do CPP.

Porém, sem razão.

Como bem explicita o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, não se verifica a existência deste vício sendo o objetivo final do recorrente, que, com base na matéria de facto provada que não impugnou se alcance uma outra qualificação jurídica.

Com efeito, da matéria de facto provada e da motivação e fundamentação do tribunal de 1ª instância relativa ao recorrente BB, não se verifica que ocorra qualquer contradição com a decisão, posto que se mostra comprovado que o arguido pelo menos desde 2019, se dedicava à actividade de compra e venda de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína e cannabis, na modalidade de venda directa ao consumidor, o que fazia com intenção lucrativa, que para era previamente contactado, por telefone pelos compradores e usava o estabelecimento comercial que explorava, o restaurante “o...” para fazer as entregas e receber o respectivo preço ou indo ao encontro destes no veículo de matrícula ..-JL-.., que vendeu produto estupefaciente a diversos consumidores identificados; que tinha na sua posse no dia 13/07/2021, as quantidades de produto estupefaciente e o dinheiro, identificados, e que essa sua actividade se destinava a obter um ganho extra para fazer face às dificuldades económicas que passou a ter com a exploração do seu restaurante; de igual modo se provou que tinha na sua posse as armas descritas não dando explicação para a sua detenção – factos provados 13 a 21, da matéria de facto provada.

E, com base nesta matéria de facto o tribunal considerou que relativamente a ele e quanto à natureza dos produtos estupefacientes que o arguido vendia valiam as a considerações que efectuou relativamente ao arguido AA. Efectivamente disse-se naquele aresto:

Igual conclusão a retirar relativamente à conduta do arguido BB.

Valem aqui as considerações expendidas acerca da natureza do produto estupefaciente por este vendido – cocaína e canábis. O período de tempo em que perdurou a actividade é igualmente significativo, como também o são a regularidade e as quantidades envolvidas. Acresce que este arguido utilizava o seu restaurante como fachada para o negócio de venda de estupefaciente, dissimulando as transacções como se de fornecimento de refeições em take-away se tratasse, procurando iludir as autoridades. Donde, a sua conduta não pode igualmente ser considerada como de menor gravidade.” – sublinhado nosso.

Ou seja, ao contrário do pretendido pelo arguido recorrente, as considerações remissivas efectuadas no acórdão recorrido ativeram-se à natureza do produto vendido pelo arguido – cocaína e canábis – o que bem se compreende e é aceitável na lógica e compreensão interna da motivação e fundamentação da decisão, sem que isso signifique falta ou contradição na apreciação dos factos provados e na condenação por tais factos.

Aliás, o tribunal bem explicitou a sua fundamentação e as razões que a determinaram, descrevendo com pormenor o modo como os arguidos prestaram declarações e como o arguido BB confessou parcialmente a sua actividade de venda de estupefacientes, assentando a sua convicção no depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência, não tendo dúvidas sobre a origem dos objectos apreendidos e que eram resultado dessa mesma actividade e/ou utilizados pelos arguidos na prossecução da mesma actividade ilícita.

Assim sendo, não se verifica que o acórdão recorrido padeça do alegado vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, posto que não existe a afirmação ou a negação ao mesmo tempo de um argumento, nem ocorre que tenham sido proferidas afirmações contraditórias com base na matéria de facto em que assentou a convicção do tribunal “a quo”. Nem se verifica a indicada oposição entre a fundamentação e a decisão, pois, esta só existirá quando a fundamentação de facto e/ou de direito apontar para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença constar decisão de sentido inverso.

Não é o caso dos autos. O que se verifica é que o arguido recorrente entende valorar a prova produzida de modo diverso do que foi efectuado pelo tribunal de 1ª instância, qualificando a sua conduta como integrando um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, sendo certo que, da motivação e fundamentação da matéria de facto que o tribunal de 1ª instância efectuou não se vislumbram quaisquer razões que colidam entre si, nem qualquer oposição lógica entre a fundamentação e a decisão, que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Termos em que não se verificando a existência de qualquer contradição, muito menos insanável, da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão condenatória do arguido, nessa parte, improcedem as suas alegações.

3.1.2. Da qualificação jurídica
a) Entende o recorrente BB, no que é acompanhado pelo Ministério Público junto do STJ, que a sua conduta deve ser integrada “(…) na previsão do art.º 21.º conjugado com o art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, e não como foi nos termos do art.º 21.º do mesmo diploma legal, porquanto o grau de ilicitude é, no caso concreto, reduzido, pois a forma de atuação rudimentar de venda a retalho (a um núcleo reduzido de amigos e conhecidos residentes na área de residência do recorrente), aliada à sua toxicodependência, ao dinheiro e quantidade de produtos estupefacientes apreendidos, permite-nos concluir que estamos perante uma situação de pequeno tráfico de rua completamente distinta da do grande tráfico”.

Como já se deixou dito, o crime de trafico de menor gravidade implica que se verifique uma considerável diminuição da ilicitude, por referência à verificação na acção concreta do arguido, de circunstâncias objectivas e factuais, designadamente dos meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos, transacionados.

Da matéria de facto provada resulta demonstrado que o arguido BB, além de consumidor, se dedicava à actividade de venda de estupefacientes desde o final do ano de 2019 e até à data da sua detenção em Julho de 2021, tendo pelo menos fornecido cocaína (esta considerada uma droga “dura”) e canábis, por mais de uma vez e em quantidades diversas, a mais de 10 consumidores, sendo que de entre eles o identificado arguido AA e os identificados no ponto 17, da matéria de facto provada.

Tais circunstâncias de tempo, modo de abastecimento, venda e número de consumidores, sendo de fornecimento regular (entre uma vez por semana, de 15 em 15 dias ou mensalmente) pagando os consumidores a quantia de 60 (sessenta) euros a grama de cocaína, bem como a característica de droga “dura” inerente à cocaína, a que acresce a circunstância de o arguido utilizar o seu estabelecimento comercial como meio de encobrimento da sua actividade ilícita, disfarçada no serviço de “take-away” de comida fornecida pelo estabelecimento – facto 14, da matéria de facto provada –, não se pode considerar como se tratando de circunstâncias ocasionais ou esporádicas, nem se tratando de um fornecimento isolado de rua. Pelo contrário, o que se verifica é que o concreto modo de fornecimento e transacção de estupefacientes protagonizado pelo arguido BB, era contínuo e reiterado, a “clientes” certos, que ocorreu durante um período alargado de quase dois anos, só interrompido pela sua prisão.

Nesta medida, a actividade ilícita de trafico de estupefacientes levada a cabo pelo arguido não resulta de uma actividade isolada, espaçada no tempo mas, antes, de uma actividade desenvolvida com regularidade, com a venda de quantidades que suficientemente garantiam um “(…) rendimento extra para fazer face, entre o mais, às despesas do restaurante que explorava, mormente, mas não só,” – factos 20 e 28, da matéria de facto provada.

Por isso, face ao quadro de regularidade apontado e do número de vezes que fornecia os estupefacientes para o consumo individual dos diversos consumidores, o que implicaria a detenção de quantidades que garantissem esse abastecimento contínuo e reiterado, demonstrando que a sua actividade era habitual e repetida, não sendo susceptível de ser considerada como reveladora de uma acentuada diminuição de ilicitude e, portanto, insusceptível de se enquadrar no tráfico de menor quantidade, p. e p. nos termos do art.º 25.º, por referência ao art.º 21.º do DL 15/03, de 22 de Janeiro.

E, nem sequer está em causa o facto de o arguido ser consumidor de cocaína e de, em consequência dessa sua adição se encontrar em situação de dificuldades económicas de tal modo que não conseguiu fazer face às suas despesas e manutenção de uma vida ordenada – factos 46 e 47, da matéria provada –, pois, está demonstrado que essa sua incapacidade resultou do descontrolo dos consumos regulares de substâncias estupefacientes, como o haxixe e a cocaína, levando-o a descurar os seus deveres profissionais. Mas, não o impediu de continuar a traficar o estupefaciente que foi identificado como sendo por ele fornecido, sendo certo que para o efeito certamente que o mesmo dispunha de capacidade de, por sua vez, se abastecer para poder vender.

Por outro lado, tais circunstâncias de consumo impõem a ponderação da sua conduta ilícita em termos de exigências de prevenção especial, porquanto se reflectem negativamente no seu comportamento. O mesmo se diga quanto ao facto de no dia 13/07/2021, o arguido deter quantidades de canábis suficiente para uma dose ou de cocaína suficiente para menos de uma dose, pois, tais factos não são significativos nem ilidem os factos provados quanto à sua actividade ilícita de tráfico de estupefacientes. Apenas, demonstram que à data o arguido detinha aquela quantidade de estupefaciente e não que praticara um crime de tráfico de menor gravidade.

Considerando o exposto entende-se que nada há a censurar ao acórdão recorrido no que concerne à condenação do arguido BB pela prática de um crime de tráfico previsto e punido no art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/03, de 22 de Janeiro.

Improcede, pois, o recurso na parte respeitante.

b) Alega, ainda, o recorrente BB que o tribunal recorrido errou por ter integrado e tipificado a sua conduta pela prática de um crime de detenção de arma proibida, nos termos do art.º 86.º, n.º 3 e nº 4, da lei n.º 5/2006, sem que se perceba “(…) a referência feita no Acórdão à tipificação dos n.ºs 3 e 4 do mencionado art.º 86.º porquanto, nenhuma prova foi feita, nem sequer consta dos autos qualquer referência à prática, por parte do arguido, de qualquer outro tipo de crime associado à detenção e uso das armas, que possa fundamentar a conclusão a que chegou o Tribunal “a quo”, com base na qual decidiu condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos de prisão.”

No acórdão recorrido considerou-se o seguinte:
O arguido BB encontra-se ainda pronunciado pela prática de um crime de detenção
de arma proibida, previsto e punido pelo 86º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 2, por referência ao artigo 2º, n.º 1, alíneas g), aq), p) e i) e n.º 3, alíneas p) e ab) e ao artigo 3º, n.º 2 alínea x) e n.º 5, alíneas a) e e), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
(…) Dos factos provados resulta que ao arguido BB foram apreendidos as seguintes armas e munições (…)
(…) Não tinha licença ou de qualquer forma estava autorizado a detê-las, o que sabia ser necessário, agindo pois com dolo directo.
Uma vez que estamos perante uma situação em que o arguido detinha numa mesma ocasião armas e munições de diferente natureza e classificação legal, que integram a tipificação de dois sub-tipos do art. 86º da Lei n.º 5/2006 – n.º 3 e n.º 4 do mesmo preceito - e a que correspondem duas molduras penais distintas, será punido pela conduta mais grave.”.

O n.º 3, do art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, prevê uma agravação autónoma das penas dos crimes cometidos com arma, independentemente de estes terem sido cometidos com recurso a armas proibidas ou licenciadas ou de o agente se encontrar autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente – n.º 4, do mesmo preceito legal.

Como expressamente resulta do disposto dos n.ºs 3 e 4, do art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, o crime cometido com arma só ocorre “(…)quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.”. E, só nessa medida é que as penas aplicáveis são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo – negrito nosso.
Ora, a circunstância apresentada pelo tribunal recorrido considerando que o facto de o arguido ter na sua posse armas e munições “numa mesma ocasião” integra a  tipificação de dois sub-tipos do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006 – n.º 3 e n.º 4 do mesmo preceito – a que correspondem duas molduras penais distintas, punindo-o pela conduta mais grave, resulta de um erro de indicação das normas em que se integra a conduta do arguido e pelas quais veio o mesmo a ser, efectivamente, condenado: as als. c) e d), do n.º 1, do art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006.

Na verdade, da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido, não resulta demonstrado que o arguido tivesse feito uso das armas e munições que foram encontradas na sua residência, na sequência da execução de mandados de busca e apreensão, por virtude da sua detenção pela prática de ilícitos relacionados com o tráfico de estupefacientes; nem sequer resulta apurado que as trazia consigo nos momentos e ocasiões em que transaccionara o estupefaciente que traficava ou no momento em que foi detido. Efectivamente, apenas resulta que, no dia 13/07/2021, o arguido BB tinha na sua posse e na sua disposição, as armas e munições em causa, que se encontravam em espaços da sua residência, mais concretamente no quarto e no anexo à residência do arguido  – facto 18, al. d), da matéria de facto provada.
  
Por isso, não se pode afirmar (nem foi isso que o tribunal recorrido fez) que a sua conduta se integra no tipo ilícito de “crime cometido com arma”, previsto nos n.ºs 3 e 4, do art.º 86.º, da Lei n.º 5/2006, pois, apenas se provou que o mesmo tinha na sua disponibilidade as armas e munições em causa, incorrendo no crime de detenção de arma proibida p. e p. nos termos do art.º 86.º, n.º 1, als. c) e d), da Lei n.º 5/2006, por que veio a ser condenado.
A referência à moldura criminal mais grave é a que resulta da punição prevista para a detenção de armas e de munições, enquadradas nas als. c) e d), do n.º 1, do art.º 86.º, tendo o tribunal optado pela punição mais grave, ou seja, a prevista na referenciada al. c) que prevê a pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos de prisão para o crime de detenção de arma proibida.

De notar que, tratando-se de uma situação de facto em que, se verifica que a detenção das armas e das munições resultou apurada na sequência de um acção de busca e apreensão e que o arguido detinha, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e de lugar, de mais do que uma arma e munições variadas, o que ocorre é uma única acção, correspondente a uma única violação do bem jurídico tutelado e, portanto, ao preenchimento de um só tipo de crime de detenção de arma proibida, ainda que a detenção tenha por objecto uma pluralidade de armas ou munições, da mesma classe ou de diferentes classes, com distintas previsões legais.
Por isso, o arguido incorreu num só crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos do art.º 86.º, n.º 1, al. c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, aliás incriminação essa por que foi condenado.

De qualquer modo, tal circunstância não se reflectiu no enquadramento jurídico da decisão.

3.1.3. Da medida da pena
Pugna o recorrente BB que, tendo sido condenado na pena de 5 anos de prisão pela prática do crime de tráfico p. e p. nos termos do art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/03, deve tal pena ser reduzida para uma pena situada no limite mínimo da moldura penal (4 anos).

E, do mesmo passo, quanto ao crime de detenção de arma proibida por que foi condenado na pena de 2 anos de prisão, alega o recorrente que deve a pena de prisão aplicada ser substituída por pena de multa, nos termos previstos no art.º 86.°, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, ou caso tal não seja entendido, deve a mesma ser reduzida no seu “quantum”, aplicando-se uma pena situada no limite mínimo da moldura penal aplicável (1 ano). Para tal alega que o tribunal de 1ª instância “(…) valorou erradamente o grau de ilicitude como elevado apenas com base no número de armas e sua natureza, sem que tivesse ponderado se o seu mau estado de conservação (facto dado como provado), as tornava inoperacionais ou impossibilitavam o disparo,…”, e que, mal andou o mesmo tribunal por no acórdão recorrido ter considerado que a sua conduta “(…) integra a tipificação de dois sub-tipos do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, n.º 3 e nº 4 do mesmo preceito, a que correspondem duas molduras penas distintas, levando à punição pela conduta mais grave, porquanto nenhuma prova foi feita, nem sequer consta dos autos qualquer referência à prática, por parte do arguido, de qualquer outro tipo de crime associado à detenção e uso das armas,…”.

a) Quanto à medida a pena pela prática do crime de tráfico, p. e p. nos termos do art.º 21.º

Na aplicação concreta da pena atende-se ao grau de ilicitude colocado na comissão do ilícito, revelada no modo da sua execução, persistência de prosseguimento da acção e intensidade do propósito de concretizar o desígnio criminoso, circunstâncias estas apuradas em sede de audiência de julgamento.

O crime de tráfico de estupefaciente é caracterizado como um ilícito penal que fica preenchido com um único acto conducente ao resultado previsto no tipo, sendo um crime de perigo comum, cuja punição se exige a ponderação da prevenção da prática de futuros crimes – neste sentido, Ac. do STJ de 13/05/2020, Proc. n.º 168/17.7PAMDL.S1, em www.dgsi.pt.

O recorrente discorda da medida da pena aplicada por crime de tráfico, pretendendo a sua redução para pena de prisão, próxima do limite mínimo legalmente considerado pelo crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º, do DL 15/93, que é punido com a pena de prisão entre de 4 a 12 anos de prisão.

No caso o tribunal recorrido considerou que relativamente ao arguido BB se verificavam as seguintes circunstâncias a ter em consideração na aplicação da pena:
Especificamente quanto ao arguido BB:
- No âmbito do tráfico comum, o grau de ilicitude da sua conduta situa-se num patamar médio baixo considerando a natureza do produto, volume de transacções, meios utilizados (utilizado o restaurante como fachada para o negócio de tráfico), período de duração da actividade;
(…)
- Agiu com dolo directo;
- A circunstância de ser consumidor de estupefacientes;
- A personalidade, que resulta dos factos provados e condições de vida;
- A ausência de antecedentes criminais.”
Tendo entendido como adequada a condenação do arguido na pena de 5 anos de prisão, considerando que o grau de ilicitude se situava no nível médio baixo atendendo à natureza do produto, volume de transacções, a utilização do restaurante como fachada para o negócio de tráfico e o período de duração da actividade ilícita, ter o arguido agido com dolo directo, e a ausência de antecedentes criminais, sem especificar de que modo a  personalidade do arguido e as suas condições de vida relevavam para aplicação daquela medida da pena, limitando-se a remeter para os factos provados.

Efectivamente tem razão o recorrente quando refere que o tribunal recorrido não ponderou relevantemente as suas circunstâncias pessoais e condições de vida – conclusão 29.ª, do recurso. Ora, dos factos provados, além de relevar a ausência de antecedentes criminais (o que se exige a todos os cidadãos em termos de comportamento social), sobre as condições de vida e a personalidade do arguido relevam também, as circunstâncias sociais que resultam do facto de o mesmo, apesar de se ter envolvido numa actividade ilícita que causa graves danos sociais e de saúde pública, revela capacidade para se auto-regenerar, como se comprova pelo seu comportamento no meio penitenciário, recuperando o estudo e ponderando seriamente afastar-se dos consumos de substâncias estupefacientes, visando a reorganização pessoal e laboral, no que dispõe de apoio da irmã – factos 48 a 51, da matéria provada.

Entende-se que estas circunstâncias não foram devidamente valoradas no acórdão recorrido, impondo-se uma redução da pena, porquanto o grau de ilicitude colocado na comissão dos factos é de facto de mediana gravidade (como se reconhece no acórdão recorrido) e a culpa do arguido não pode ser considerada elevada, antes correspondendo a um grau normal na comissão do crime, tendo em atenção as circunstâncias factuais provadas, sendo sabido que são fortes as exigências da prevenção geral nesta área da criminalidade.

Quanto à prevenção especial é de considerar que, as circunstâncias de tempo e de modo de actuação concreta do arguido, vendendo uma quantidade significativa de doses de cocaína e de canábis, a número não completamente determinado de indivíduos, mas seguramente mais de 10, numa prática reiterada, repetida e regularmente levada a cabo por cerca de dois anos, de forma dissimulada por meio da venda no seu restaurante, usado como disfarce da sua actividade, sendo o arguido consumidor do mesmo tipo de estupefaciente, impõe-se garantir que o mesmo não volte a delinquir, pois, não fora a circunstância de ter sido detido pelas autoridades, teria continuado a distribuir e a transaccionar os estupefacientes em causa nestes autos.

As circunstâncias atenuantes relevantes apontadas ao ora recorrente e que resultaram apuradas em sede de julgamento relacionadas com o seu comportamento após a sua detenção em prisão preventiva, merecem ser ponderadas, pois, não há dúvida que na fixação concreta da pena de prisão aplicada ao ora recorrente há que atender às necessidades de prevenção geral e especial, ao grau de ilicitude colocado na comissão do ilícito, revelada no modo da sua execução e ao propósito de concretizar o desígnio criminoso, sem esquecer que o crime de tráfico de estupefacientes constitui actualmente um dos factores de maior perturbação e comoção social, elevados danos que causa para bens e valores fundamentais de uma sociedade, como para a saúde física e psíquica dos seus consumidores, em particular de jovens, a que acresce o lucro que esse “negócio” gera de modo ilegal e que é reintroduzido na economia social.
O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade, mas, do mesmo passo, não podem ser descuradas as finalidades de reinserção dentro do modelo de prevenção especial” – Ac. do STJ de 18/01/2023, Proc. n.º  419/21.3JELSB.S1, em www.dgsi.pt.

Por isso que,  ponderadas as circunstâncias do caso, os interesses preventivos e o nível da culpa, entende-se que uma pena graduada, próximo do limite mínimo da pena abstrata aplicada, se mostra adequada e satisfaz as exigências de prevenção que no caso importa salvaguardar, julgando-se adequado à gravidade dos factos praticados pelo arguido aplicar, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Nessa parte o recurso merece provimento.

b) Quanto à medida a pena pela prática pela prática do crime de detenção de arma proibida
O recorrente insurge-se quanto ao facto de no acórdão recorrido se ter valorado como elevado o grau de ilicitude na prática deste crime por que foi o arguido condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão, apenas com fundamento no número de armas detidas, sem que tivesse tido em consideração o estado em que, comprovadamente, as mesmas se encontravam e que consta dos relatórios periciais, tornando-as “obsoletas ou inoperacionais, impossibilitando o disparo”.

Relativamente a tais factos o tribunal deu como provado nos pontos 18, al. d), e 21, da matéria de facto provada, as armas encontradas na posse do arguido, sua natureza e estado de conservação, alicerçando a sua convicção no Relatório de Exame pericial às armas, de fls. 2740 a 2752, tal como resulta da motivação da matéria de facto.
E, relativamente ao estado das armas, deu-se como provado que todas se encontravam em mau estado de conservação, excepção feita às munições que se encontravam em razoável estado de conservação, sendo certo que o arguido não é titular de qualquer tipo de licença de uso e porte de arma, não registou ou manifestou qualquer uma das armas apreendidas e não deu qualquer justificação plausível para a detenção do material apreendido, não se tendo provado que a carabina e a arma de ar comprimido pertenceram ao seu pai.

Quanto à fundamentação para a aplicação da medida concreta da pena pela prática deste crime, o tribunal recorrido refere-se singelamente dizendo que “Relativamente ao crime de detenção de arma proibida, são bastante significativas as necessidades de prevenção geral sendo conhecido o elevando número de crimes de idêntica natureza cometidos diariamente, a proliferação de armas ilegais e suas consequências nefastas.”, considerando muito telegráficamente que “(…) relativamente ao crime de detenção de arma proibida, o grau de ilicitude é elevado, considerando o elevado número de armas/munições detidas e sua natureza;”.

A lei pune a posse de qualquer tipo de armas ou munições, mesmo as obsoletas (art.º 2.º nº 3 al. aa) ) não exigindo um perigo concreto associado à sua posse. Assim se percebe que a lei puna, igualmente, a posse isolada de partes essenciais de armas de fogo, por exemplo, mesmo que separadas da própria arma. Trata-se de um crime de perigo abstrato que não exige para a sua consumação a existência de dano ou lesão, nem a efetiva colocação em perigo do bem jurídico tutelado pela incriminação, a ordem, segurança e a tranquilidade públicas.

De acordo com a prova efectuada, as armas detidas pelo arguido recorrente encontravam-se em mau estado de conservação e as munições em razoável estado de conservação, mas apesar disso o arguido não deu uma explicação para a sua posse que fosse considerada plausível pelo tribunal – facto 21, da matéria de facto provada – não possuindo o mesmo qualquer título para as ter consigo. E, apesar de as mesmas não terem sido testadas com vista a comprovar o seu grau de inoperacionalidade ou de impossibilidade de disparo, é possível aferir-se o grau de ilicitude colocado na comissão do ilícito atendendo às regras da experiência.

Na realidade, considerando o conjunto de circunstâncias factuais comprovadas e relacionados com as condições de vida do arguido mostra-se evidenciado que o estado em que o mesmo vivia, as condições de higiene e destruição em que a sua casa se encontrava e o estado de conservação das armas em causa, dificilmente seriam as mesmas utilizadas pelo arguido ou estariam em condições de serem utilizadas. Não obstante, porque a sua simples detenção é passível de preencher o elemento de danosidade social que as armas e munições representam, colocando em crise a segurança e a ordem públicas, a sua posse está abrangida pelas normas incriminadoras, não obstante não ter sido comprovada a sua operacionalidade ou capacidade letal.

A pena prevista para o crime por que foi condenado o arguido recorrente crime de detenção de armas e munições proibidas, ao abrigo da al. c) do n.º 1, do art.º 86.º, da Lei 5/2006, é a de pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

O arguido pede que a pena de prisão aplicada deva ser substituída por pena de multa, considerando a regra ínsita no art.º 70.º do Código Penal que impõe ao tribunal dar preferência à sanção não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – conclusão 28.ª, do seu recurso –, ou em alternativa uma pena situada no limite mínimo da moldura penal aplicável (1 ano) – conclusão 32.ª, do seu recurso.

No caso, em face da prova produzida, a aplicação da pena de multa, em substituição da pena de prisão não satisfaria minimamente as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, sendo possível determinar que a gravidade do comportamento ilícito imputado ao arguido, visto o número de armas e de munições ter alguma expressão significativa e o perigo inerente, importa enquadrar a sua conduta como sendo de média gravidade, impondo-se razoável e adequadamente, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos dos art.º 86.º, n.º 1, als. c) e d), n.º 2, por referência ao art.º 2.º n.º 1, als. g), aq), p) e i) e n.º 3, als. p) e ab) e ao art.º 3.º, n.º 2 al. x) e n.º 5, als. a) e e), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, condená-lo na pena de 1 (um) ano e 3 (meses) de prisão.

c) Considerando que o arguido recorrente praticou mais do que um crime tendo sido condenado em penas de prisão, impõe-se ponderar a aplicação de uma pena única, em obediência ao disposto no art.º 77.º, co CP, tendo em consideração os factos e a personalidade do arguido, já ponderadas na aplicação das penas parcelares.

Assim, considerando os termos do n.º 2, do citado art.º 77.º, do CP, a pena de conjunto “(…) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”.

No caso, ao arguido foram aplicadas as penas parcelares de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de tráfico de estupefaciente e de 1 (um) ano e 3 (três) meses, pelo crime de detenção de arma proibida, o que implica que a pena de conjunto tem como limite máximo 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão e como limite mínimo 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo, no caso em concreto entende-se como adequada, proporcional e justa, aplicar ao arguido a pena única de 5 (cinco) anos de prisão, reduzindo, deste modo, a pena aplicada pelo Tribunal recorrido.

d) A suspensão da execução da pena de prisão deverá ter na sua base um juízo de prognose social favorável ao arguido, ao seu comportamento futuro e assentar numa expetativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, será suficiente para alcançar a ressocialização do arguido, afastando-o da prática de futuros crimes, sendo que as circunstâncias relacionadas com as suas condições de vida e o apoio familiar da sua irmã de que beneficia são susceptíveis de fundamentar esse juízo de prognose favorável em termos de poder fundamentar a suspensão da execução de pena.

Efectivamente, tendo em atenção as considerações expendidas sobre a questão da suspensão da pena, entende-se subscrever o parecer do Exmo. Senhor PGA, junto deste Supremo Tribunal na parte em que refere: “Note-se que estamos perante arguido primário, cuja motivação para a prática dos atos residiu no descontrolo no consumo de estupefacientes e período em que se viu privado, por via da situação de pandemia, dos proventos que auferia através da sua atividade ligada à restauração, acumulando dívidas, entrando numa situação de elevada instabilidade pessoal. Antes havia mantido um percurso pessoal adequado, em termos escolares e profissionais, estando atualmente a frequentar aulas e tem ponderado relativamente ao consumo de substâncias estupefacientes, aos quais não pretende regressar, manifestando o ensejo de reorganização pessoal e laboral, para o que tem apoio familiar.”.

Assim sendo, considerando na perspetiva do direito penal preventivo o facto positivo de ao arguido não serem conhecidos antecedentes criminais, mostra-se ajustado e adequado para a  reintegração social do arguido e satisfaz as exigências de prevenção geral e especial, suspender a execução da pena de prisão por período igual, na condição de esta ser acompanhada de estrito regime de prova, conforme art.º 50.º, do CP.
Termos em que, na parte respeitante procede o recurso.


3.2. O recorrente AA interpôs o presente recurso, sendo que a sua pretensão é a de ver alterada a medida concreta da pena que lhe foi aplicada porquanto, em seu entender, “(…) confessou sem reservas, … era consumidor de estupefacientes…tem 25 anos… manifestou o seu arrependimento… ter verbalizado a consciencialização da gravidade dos factos por si cometidos… contribuiu de forma relevante para a descoberta da verdade…, apresenta -se como um jovem adulto com indicadores de uma boa inserção familiar, social e laboral... que a medida da pena (seis anos de prisão), deveria situar-se entes entre os quatro anos e os cinco anos de prisão, por forma a possibilitar a suspensão da sua execução, nos termos do artigo 50º do Código Penal.” – conclusões 8.ª, 9.ª, 10.ª, 11.ª, 13.ª, 15.ª, 16.ª 28.ª e 30.ª, das alegações de recurso.

No aresto recorrido, o Tribunal de 1ª Instância disse que para os factos dados como provados e para a formação da convicção do Tribunal contribuiu a confissão prestada de modo credível, pelo arguido que “(…) admitiu a quase totalidade dos factos que resultaram provados. Relatou as suas condições de vida, o início do consumo de estupefaciente e a escalada que levou à venda, culminando na sua detenção. Situou o início da actividade em 2019 e efectuou ressalvas relativamente a alguns consumidores e quantidades vendidas.”.

Do mesmo passo, fundamentou a sua convicção, do seguinte modo: “Arguido AA

Em causa a venda de cocaína, canábis e MDMA. A cocaína é uma das chamadas drogas duras que têm efeitos devastadores na saúde daqueles que as consomem e na vida de todos aqueles que os rodeiam (…) o MDMA constitui também um sério risco para a saúde (…)que é uma droga sintética e deve ser considerada como “droga dura”, tem um efeito imediato e prejudicial sobre o corpo humano, sendo susceptível de criar um alto grau de dependência e provocar habituação desde que se inicia o seu consumo.”.

No aresto recorrido bem se explicou por que razão os factos integravam o crime de tráfico de estupefacientes por que se condenou o arguido recorrente, referindo-se expressamente que “ A actividade foi exercida durante o período de cerca de dois anos ininterruptamente, movimentando quantidades expressivas de estupefaciente e de dinheiro, abastecendo consumidores de várias localidades e em locais diversos, utilizando viaturas distintas nas suas deslocações para o efeito. Acresce a elevada quantidade de produto estupefaciente (cocaína, canábis e MDMA), quantia monetária e demais objectos relacionados com tal actividade que foram apreendidos a este arguido e que são também demonstrativos da dimensão da sua actividade. Por tudo o exposto, entendemos que a sua actividade não pode ser considerada como de menor gravidade.”.

Efectivamente, da análise da matéria de facto verifica-se que o arguido AA agiu com conhecimento de que não lhe era permitido deter e vender a terceiros o estupefaciente identificado e encontrado em sua casa e usado por si para transaccionar junto dos eventuais consumidores – conforme os pontos 3 a 7, 11 e 12, da matéria de facto provada –, subsumindo-se que tal quantidade e diversidade de produto estupefaciente (canábis, comprimidos de MDMA e  cocaína, de vários níveis de pureza) se destinava à venda a terceiros.

Com efeito, do aresto resulta apurado por que modo, o arguido adquiria o estupefaciente em causa e como procedia à sua venda a outros consumidores, auferindo com essa sua actividade vantagens patrimoniais que exibia – facto provado sob o ponto 11, da matéria provada –.

Ao contrário do pretendido pelo recorrente, da matéria de facto provada e da motivação para a decisão do acórdão recorrido resulta evidenciado que o arguido, em face da qualidade e quantidade do produto estupefaciente, cedia e transaccionava a troco de dinheiro e com intenção de obter lucro, bem sabendo não estar autorizado a deter tais substâncias, nem a vendê-las ou cedê-las, e que essas detenção, comercialização e cedências são proibidas por lei.

Por outro lado, está demonstrado que o arguido desenvolve uma atividade laboral (facto provado, sob o ponto 29, da matéria de facto provada), pelo que a venda de estupefacientes constituiria, uma fonte extra de obtenção de rendimentos, resultante de uma actividade ilícita regular, como bem observou o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer: “(…) estamos perante grande tráfico, estamos perante atividade que decorreu durante anos, estando em causa drogas de vários tipos, incluindo drogas ‘duras’, nomeadamente MDMA, numa atividade que acabou por ser regular e não meramente esporádica, já tendo – embora de forma ainda bastante incipiente – alguma organização (modos de contacto, forma e vários locais das entregas, utilizando veículos automóveis para o efeito), e envolvendo quantidades não negligenciáveis: basta ver o que provado ficou quanto a vendas e valores envolvidos, assim como quanto ao que foi encontrado na casa do arguido e que serviria para fabrico de elevado número de doses”.

Uma ponderação global destes factos não aponta para uma situação de gravidade consideravelmente diminuída, pois pesa, desfavoravelmente contra o arguido, a qualidade, a quantidade e a diversidade do estupefaciente por ele detido e a existência de potenciais  “clientes”, os eventuais consumidores que habitualmente o procuravam para adquirir as doses de que necessitariam para satisfazer o seu vício, garantindo assim o escoamento do estupefaciente que o mesmo transacionava e a obtenção de vantagens patrimoniais.

Saliente-se que apesar da confissão parcial do arguido e de não ter antecedentes criminais (factos provados sob os pontos 43 e 44, da matéria de facto provada), tais circunstâncias não são suficientes para justificar uma ilicitude diminuta, pois que a actividade de tráfico, essencialmente cannabis e cocaína sendo que esta droga integra o grupo das designadas drogas duras, foi desenvolvida pelo arguido ora recorrente de forma persistente e consistente. Os meios utilizados no desenvolvimento da actividade de tráfico não foram incipientes, pelo que, nada há a censurar quanto à qualificação dos factos efectuada pelo tribunal de 1ª Instância que, no decurso do julgamento, livremente apreciou a prova produzida, mostrando-se a mesma bem analisada e fundamentada, pelo que bem andou aquele tribunal ao considerar que “(…) a sua actividade não pode ser considerada como de menor gravidade.”.

Com efeito, das circunstâncias factuais provadas, como o número de pessoas identificadas como compradores, a repetição das vendas, as quantidades adquiridas e vendidas e os montantes pecuniários envolvidos no negócio, tudo é bastante revelador da dimensão de um tráfico que na verificação objectiva e subjectiva do tipo comum se mostra de ilicitude elevada, sobretudo se se tiver em consideração o meio social onde tal actividade era desenvolvida e o dano social causado com tal actividade em meios urbanos ou rurais de pequena dimensão, tal como tem vindo a ser salientado na jurisprudência deste Supremo Tribunal “(…) na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.” – Ac. STJ de 09/03/2017, Proc. n.º 91/14.7GBLMG.C1 .S1, em www.dgsi.pt.

Por isso, considerando a matéria de facto provada, bem andou o Tribunal de 1.ª Instância, qualificando correctamente a conduta do recorrente e integrando-a juridicamente na previsão legal, ou seja, na prática de crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. nos termos do art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência ao disposto nas Tabelas I-B, I-C e II- A anexas àquele diploma legal.

Na aplicação concreta da pena atende-se ao grau de ilicitude colocado na comissão do ilícito, revelada no modo da sua execução, persistência de prosseguimento da acção e intensidade do propósito de concretizar o desígnio criminoso, circunstâncias estas apuradas em sede de audiência de julgamento.

O crime de tráfico de estupefaciente é caracterizado como um ilícito penal que fica preenchido com um único acto conducente ao resultado previsto no tipo, sendo um crime de perigo comum, pluriofensivo, cuja punição exige a ponderação da prevenção da prática de futuros crimes – neste sentido, Ac. do STJ de 13/05/2020, Proc. n.º 168/17.7PAMDL.S1, em www.dgsi.pt.

O Tribunal de 1ª Instância fundamentou o enquadramento jurídico-penal dos factos considerados provados, condenando o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, conforme o art.º 21.º, do DL 15/03, de 22 de Janeiro, referindo sobre a medida concreta da pena, que “(…)Dentro do tráfico comum, o grau de ilicitude situa-se num patamar médio baixo, considerando por um lado a natureza dos produtos (cocaína, canábis e MDMA), as quantidades apreendidas (bastantes expressivas), a duração da actividade, regularidade e volume de transacções;

- Agiu com dolo directo;

- A sua personalidade e condições de vida, que se extraem dos factos provados;

- A contribuição bastante relevante para a descoberta da verdade;

- A circunstância de ser consumidor de estupefacientes;

- A sua idade;

- A ausência de antecedentes criminais.”,

considerando adequada a condenação do arguido, relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes na pena de 6 anos de prisão.  


3.3. Ponderadas as circunstâncias do caso, os interesses preventivos e o nível da culpa, entende-se que uma pena graduada, próximo do limite mínimo da pena abstrata aplicada, mostra-se adequada e satisfaz as exigências de prevenção que no caso importa salvaguardar.

Com efeito, da análise dos factos constata-se um grau de ilicitude mediano expresso no tipo de drogas que transaccionava (cocaína, canábis e MDMA) e o modo reiterado e sucessivo em que o ora recorrente desenvolveu a actividade de tráfico de estupefacientes; o número de toxicodependentes que lhe compravam a droga de forma continuada e permanente; o preço que pagavam pelas doses dispensadas na actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido recorrente, proporcionando-lhe avultadas vantagens patrimoniais que o mesmo exibia; o dolo intenso e directo, revelado no desprezo pela saúde dos consumidores e na intenção de obtenção de lucro fácil e rápido são considerações que não deixam de pesar na ponderação da medida da pena a aplicar ao recorrente, sendo relevantes no caso o respeito e a observância das exigências de prevenção geral e especial, considerando que o arguido é, também ele consumidor de estupefacientes. Por outro lado, também se mostram relevantes as circunstâncias provadas quanto às suas condições de vida e de comportamento no meio prisional, bem como o facto de ser considerado na entidade empregadora onde trabalhava, antes de detido.

Deste modo, tendo na conta o que se deixou expendido sobre os malefícios sociais que o crime de tráfico de estupefacientes importa para a sociedade, efectuando um juízo de equilíbrio e de proporcionalidade, julga-se adequado à gravidade dos factos praticados pelo arguido AA aplicar-lhe, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p.p. pelos arts.ºs 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Considerando a pena aplicada, e tendo presente o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, fica prejudicada, por impossibilidade legal, a apreciação da questão da suspensão da execução da pena.

Procede, assim, parcialmente o recurso do arguido.

III – DECISÃO

Termos em que, acordando, se decide:
a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, revogando nessa parte o acórdão recorrido e condená-lo:
i.  na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico p. e p. nos termos do art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
ii. Na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos do art.º 86.º, n.º 1, als. c) e d), n.º 2, por referência ao art.º 2.º n.º 1, als. g), aq), p) e i) e n.º 3, als. p) e ab) e ao art.º 3.º, n.º 2 al. x) e n.º 5, als. a) e e), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro;
iii. Em cúmulo, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
iv. Nos termos do art.º 50.º, do CP, suspender a execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão por igual período, acompanhada de regime de prova.
b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, revogando o acórdão recorrido na parte respeitante e condená-lo pela prática de um crime de tráfico p. e p. nos termos do art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (meses) de prisão.
c) Sem custas.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relator)

Agostinho Torres (Adjunto)

António João Latas (Adjunto)