Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | AGOSTINHO TORRES | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO MEDIDAS DE COAÇÃO PRISÃO PREVENTIVA DECISÃO SUMÁRIA IMPROCEDÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 10/31/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Sumário : |
I. Tem sido jurisprudência constitucional afirmar uma distinção fundamental entre penas e medidas de coação, com fundamento na sua distinta natureza e nas diferentes finalidades que lhes subjazem. As medidas de coação são, inevitavelmente, precárias, desde logo porque a lei determina a sua cessação ou substituição por medida menos gravosa, respetivamente, quando tenham deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artigo 12.º do CPP). II. Ao contrário do que sucede em relação a decisões de natureza condenatória, o sacrifício do direito ao recurso é, pelo menos parcialmente, compensado pela possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da decisão do juiz de instrução criminal, em relação à imposição de medidas de coação. III. Têm-se por verificadas as exigências constitucionais em termos de restrição do direito ao recurso para o STJ quando em recurso para a Relação pelo MPº de medidas de coação fixadas na 1ª instância além do TIR, esta as agrava para, nomeadamente, prisão preventiva, não sendo pois desproporcional a inamissibilidade daquela restrição de recurso para o STJ, nos termos do artº 400º nº1 alinea c) do CPP na redacção da lei 94/2021 de 21.12. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 8/23.8GACLD-B.C1.S1
Acordam os juízes na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório 1.1- Por decisão Sumária do ora relator neste STJ, prolatada a 4 de Outubro de 2024, não foi admitido para este Supremo Tribunal, por se considerar irrecorrível a decisão da Relação, o recurso interposto pela arguida e recorrente nestes autos, AA, do Acórdão do Tribunal da Relação que, em recurso do MPº, lhe agravou as medidas de coacção (proibição de contactos e apresentações policiais) já fixadas na 1ª instância, aplicando prisão preventiva. 1.2.-A recorrente vem reclamar desta decisão sumária dizendo: [1.A decisão sumária proferida conclui pela inadmissibilidade do recurso. Ora não aceita a recorrente tal decisão. 2.O presente recurso incide sobre a decisão proferida que impôs à arguida medida de coacção de prisão preventiva, com o que não nos podemos conformar. 3.A arguida viu o seu estatuto coactivo agravado, sendo a decisão recorrível nos termos do disposto no art. 400º nº 1 al. c) do CPP , 4.Porquanto tal decisão é uma decisão absolutamente inovadora e atento o espirito da norma (art. 400º nº 1 al. c) do CPP), ademais sendo aplicada a mais gravosa das medidas, 5.Tal alteração da medida de coacção e o espirito da alteração legislativa com a incorporação da al. c), a presente decisão é sob pena de inconstitucionalidade recorrível. 6.Não podendo aceitar que a arguida a quem foi aplicada medida de coacção não privativa da liberdade veja por decisão da Relação alterado tal estatuto para medida privativa da liberdade, sem poder reagir contra tal decisão, 7. Sendo admissível a instância de recurso, Impondo-se a admissão do recurso e a sua subsequente admissão nos termos do já referido dispositivo legal ( art. 400º nº 1 al. c) do CPP), 9. O entendimento realizado na decisão sumária viola os princípios basilares do direito penal, os direitos de defesa, 10. Porquanto o espírito da norma sempre terá de ser integrador da presente situação, pois que agravado o estatuto coactivo para a mais grave das medidas de coacção,não permitir instância de recurso à arguida é coartar-lhe os seus direitos de defesa. 11. A interpretação realizada na decisão sumária da norma integradora do direito de recurso é manifestamente inconstitucional. 12. Na decisão sumária faz-se menção a um Acórdão do TC, referindo no entanto que tal situação comporta alteração de medida de coacção menos gravosa e por conseguinte totalmente diferente da dos presentes autos, mais referindo “ não vemos razão de peso para considerar qualquer desproporcionalidade da norma restritiva do recurso nos termos da interpretação que vimos mantendo”, 13. Ora, sempre que alguém que está sujeito a medida de coação não privativa se vê confrontado com inovadora aplicação de medida de coacção privativa da liberdade e fica sem possibilidade de recurso, existe desproporcionalidade, 14. Não fará sentido que com a alteração legislativa e de acordo com o espírito da lei, a arguida vendo o seu estatuto coactivo alterado para prisão preventiva não detenha sequer uma instância recursiva, 15. Tal é manifestamente inconstitucional, 16. Porquanto violador dos direitos liberdades e garantias e outrossim grosseiro coartar das garantias de defesa subjacente ao direito penal. 17. Pelo que, em face do exposto, deverá o Recurso apresentado ser avaliado e apreciado em conferência, o que se requer.” 1.3- Por sua vez o MPº neste STJ respondeu emitindo parecer no sentido da rejeição da reclamação. II. O Direito Cumpre decidir: 2.1- A reclamada decisão sumária teve o seguinte teor: [“I- Relatório 1.A arguida AA veio interpor recurso para este STJ do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) que, dando provimento ao recurso do Ministério Público de despacho de 1ª instância que fixara medida de coação à arguida (de proibição de contactos com clientes, toxicodependentes e fornecedores de estupefaciente e apresentação às 2ª, 4ª e 6ª a partir de 9.2.2022 ao posto de GNR de ... das 8h às 20h. (arts 200º nº 1 d), 198, 204 b) e c), 193º do C.P.P.), a agravou, aplicando–lhe a medida de coacção de prisão preventiva. 2. A arguida impugna a decisão do TRC pretendendo a reposição da medida anterior. Tal decisão considerou, em síntese, que os factos indiciados apontavam mais intenso perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito, sendo por consequência insuficientes as medidas não detentivas inicialmente aplicadas. Nomeadamente, refere, nas suas conclusões: “(…) C. Medidas essas que se encontram a ser cumpridas sem qualquer registo de incidente ou incumprimento. F. Ora, a arguida encontra-se em liberdade e com o regime coactivo aplicado desde 08.02.2024, ou seja, há precisamente 5 meses G. Sendo que para além de não existir neste período qualquer facto de que a arguida tenha prosseguido na actividade criminosa.. pelo contrário, a mesma encontra-se a trabalhar e sem qualquer registo de conduta delituosa, pelo que tal atesta que efectivamente o Meritíssimo JIC quando concluiu na aplicação tal atesta que efectivamente o Meritíssimo JIC quando concluiu na aplicação que fez das Medidas de coacção de que o perigo de continuação de actividade criminosa estava suficientemente acautelado com o estatuto coactivo aplicado, concluiu acertadamente, H. Sendo totalmente irrazoável que volvidos 5 meses se venha agora falar em perigo de continuação de actividade criminosa, e determinar a prisão preventiva como única medida que acautela tal perigo, quando a realidade, o decurso do tempo demonstra exatamente o contrário, I. Ou seja, não existe qualquer participação da arguida nos 5 meses em qualquer facto ilícito, sendo que a realidade traduz que o estatuto coactivo aplicado à arguido foi suficiente, adequado e proporcional, J. Dizer que somente a prisão preventiva acautela o perigo de continuação da actividade criminosa da arguida, volvidos 5 meses após a aplicação de estatuto coactivo não privativo da liberdade e que efetivamente cumpriu o desiderato de acautelar tal perigo é nonsense e de uma enorme discricionariedade! K. Considerando-se que tal medida é desproporcional, excessiva e desadequada L. A arguida detém 23 anos de idade, está integrada, tem família, residindo desde a data d 1º interrogatório com a sua mãe, e encontra-se a trabalhar, cumpre escrupulosamente com as medidas de coacção que lhe foram aplicadas e que sem duvida nenhuma são, como o decurso do tempo tem revelado suficientes para acautelar o apontado perigo de continuação de actividade criminosa. M. O Meritíssimo JIC apontou tais medidas como eficazes, suficientes e adequadas, explicando que a arguida detém um papel secundário face ao seu marido, N. Explicitando, como resulta dos autos que é notório o ascendente deste para com aquela e como é divergente a sua indiciada intervenção no ilícito, O. Factos objetivos, concretos e inquestionáveis demonstram validamente (até pelo decurso do lapso de tempo entretanto ocorrido), que as apresentações três vezes por semana , acompanhadas pela imposição de demais proibições aplicadas á arguida em 08.02.2024 , acautelam eficazmente tal perigo de continuação da atividade criminosa. A medida agora aplicada à arguida surge como excessiva, desproporcionada, desadequada, na medida em que ao contrário do que prescreve o art. 202º nº 1 do CPP, porquanto existem outras concretamente aplicadas que se revelam idóneas pelo que, determinar a prisão preventiva, é desrespeitar o caráter concretamente subsidiário da medida de coacção capital, aplicável unicamente “ se considerar inadequadas ou insuficientes , no caso, as medidas de coacção previstas nos artigos anteriores”. R. Atentemos que o despacho ora recorrido, refere que “ é de considerar razoável , a forte probabilidade ( risco sério e concreto) , caso viesse a ser colocada em liberdade, de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito” S. Não se aplica o caso viesse a ser colocada em liberdade! A arguida foi colocada em liberdade em 08.02.2024, sendo que volvidos cinco meses em liberdade se mostra que o seu estatuto coactivo é adequado, suficiente e proporcional aos concretos perigos, U. Colocá-la agora em prisão preventiva, quando a realidade reproduz tal SUFICIÊNCIA é de uma enorme injustiça e de uma flagrante violação dos mais basilares princípios de legalidade e necessidade subjacentes à aplicação de qualquer medida de coacção e bem assim aos princípios específicos subjacentes à concreta medida de prisão preventiva, da subsidiariedade e precariedade. V. Equacionar o que em teoria podia ter acontecido, quando o decurso do tempo revelou que o juízo de prognose feito pelo Meritíssimo JIC estava corretíssimo, W. Equacionar perigos que se visam acautelar e sob tal pretexto determinar um agravamento da medida de coacção aplicando medida privativa da liberdade quando a realidade com o decurso do tempo revelou que as medidas impostas à arguida efetivamente acautelaram os elencados perigos é contraproducente, ilógico e antijurídico. X.Pelo que deverá REVOGAR-SE a medida de coacção de prisão preventiva determinada, mantendo-se o regime coactivo aplicado à arguida em 08.02.2024, ou seja, apresentações 3 vezes por semana proibição de contactos com clientes, toxicodependentes e fornecedores de produto estupefaciente, porquanto suficiente, adequada, necessária e proporcional. Y. O despacho recorrido fez incorrecta apreciação dos factos e viola o artigo 32º nº 2, e o artigo 27º e o artigo 28º da Constituição da República Pública, o art. 202º o artigo 204º e o do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado, (…)] A. Consta o seguinte na decisão do Tribunal da Relação ora recorrida: [“(…) Por se mostrar fortemente indiciada a prática pela arguida de um crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p., pelo menos, pelo artigo 21º, n° 1, do D.L. n° 15/93, de 22/01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexa ao dito diploma (cominado com pena máxima superior a 5 anos de prisão), e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 3º, nº 5, alínea l) e 86º da Lei nº 5/2006, de 23/24, em 8.2.2024, após o 1º interrogatório judicial, foi aplicada à arguida AA a medida coactiva de apresentações periódicas (prevista no artigo 198º do CPP) e de proibição de condutas, no caso, proibição de contactos com clientes, toxicodependentes e fornecedores [prevista no artigo 200º, nº 1, alínea d) do CPP]. Fundamentou-se tal despacho vno perigo de continuação da actividade criminosa, v,aludindo-se no seu ponto 14 d) ao artigo 204º, alínea b) do CPP, o que indicia que foi ponderada a existência de perigo de perturbação do decurso do inquérito (nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova). No fundo, o tribunal entendeu que as actuações do arguido e da sua companheira não são iguais. Para ele, existe um ascendente do elemento masculino do casal (ao qual aplicou a medida mais gravosa – prisão preventiva), entendendo que a situação da AA, sem a direcção do BB, faz diminuir as exigências cautelares do caso. Escreveu-se o seguinte: «(…) é possível fazer um juízo de prognose em favor da sua liberdade. Na verdade, sem meios de liderança, sem dinheiro, e sem estrutura, o risco de atuação é reduzido e assim (4) O despacho recorrido alude às tipificações penais preenchidas pela conduta da arguida no seu ponto 9. (…) a sua liberdade fica condicionada à proibição de contactos, toxidependentes5, e fornecedores de estupefaciente e apresentação à 2ª, 4ª e 6ª feira ao posto da GNR de ... das 8h. às 20h. (arts. 200º, nº 1 d), 198, 204 b) e c), 193 do C.P.P.)». Discorda o MP, entendendo que existe um fortíssimo perigo de continuação de actividade criminosa, «fazendo crer que caso não seja aplicada à arguida medida adequada a mesma irá continuar a perpetrar crimes de natureza idêntica». Por isso, defende a aplicação à arguida uma medida coactiva detentiva (prisão preventiva ou a medida do artigo 201º do CPP). 3.4. Não estão em causa os indícios, os quais se têm por seguros e inquestionáveis. As tipificações legais também são as correctas [estando indicada a prática, pelo menos, do crime (simples) de tráfico de estupefacientes, podendo o decurso do inquérito descobrir causas de agravação deste tráfico]. O tráfico por si levado a cabo, há algum tempo, exprime o exercício, por parte da arguida, de uma “actividade» ilícita com algum grau de «profissionalismo» e não propriamente de uma acção isolada ou de acções esporádicas. 3.5. Restam-nos os pressupostos do artigo 204º do CPP. AQUI CHEGADOS, o que importa debater são circunstâncias que possam agravar as exigências cautelares que justificaram a imposição originária das aplicadas medidas de coacção. O despacho recorrido invoca o seguinte requisito geral do artigo 204º, alínea c), 1ª parte: perigo de continuação da actividade criminosa E alude à alínea b) desse artigo 204º. Em lado algum alude à circunstância prevista no artigo 204º, alínea c) in fine do CPP. (5) A palavra mais certa será «toxicodependentes». 3.7. Quanto ao perigo da continuação da actividade criminosa da arguida, há que dizer que este não se confunde, necessariamente, com a consumação de novos actos criminosos, devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada [a fórmula usada no artigo 204º/1 c) do CPP, é: «em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido»]. Existirá este perigo sempre que possa ser possível formular, com alguma facilidade, um juízo de prognose que aponta com forte probabilidade para a prática de novos crimes da mesma natureza. Diga-se que tal juízo de perigosidade social deverá estar sempre conexionado com a existência dessa conduta ilícita e não com quaisquer preocupações genéricas de defesa social, que sejam jurídico-penalmente neutras. Existe, então, o perigo real de continuação da actividade criminosa? O despacho recorrido entendeu que sim, e nós com ele. Apesar de não ter antecedentes criminais, esta mulher faz parte de uma rudimentar organização que, desde Julho de 2023 até Fevereiro de 2024, traficou estupefacientes sem dó nem piedade (de si e, sobretudo, dos outros), detectando-se uma inegável maturação da resolução criminosa que se prolongou por demasiado tempo. Analisada a causa, temos também por muito forte a convicção de que esta mulher continuaria a traficar caso continuasse em liberdade, não se lhe conhecendo actividade profissional remunerada. E acreditamos que, se não tivesse ocorrido esta oportuna detenção, o tráfico continuaria. O perigo é mais do que virtual e hipotético, sendo muito real, pois. Ora, tendo em conta o tipo de material que lhe foi apreendido – sobretudo, a quantidade diversificada de «estupefaciente» -, e o número de transacções efectuadas (contámos mais de 60, 42 das quais levadas a cabo directamente (6) pela AA ao consumidor comprador, sendo óbvio que ela conhecia de todas as entregas feitas pelo seu companheiro, irmanada que estava com ele nesta actividade de tráfico, e feitas pelos outros co-arguidos, esses sim em actividade mais instrumental do que decisiva), não se pode, fundadamente, deixar de temer que ela venha a prosseguir a sua actividade delituosa, não obstante ter sido instaurado o presente processo. O perigo da continuação da actividade é, pois, premente e muito presente. O tribunal entendeu que no caso da AA não se exigia a prisão preventiva pois o companheiro BB é quem conduz os carros de gama, sobre ele há antecedentes criminais, tendo ele «energia motivacional para ultrapassar advertências públicas», «conhece o meio de fidelização próprio do negócio de estupefacientes (ao estilo tribal) e conhece a clientela há muito fixa, tendo nome e assim prestígio no meio» (extractos do despacho de sustentação do despacho recorrido, com data de 5/5/2024). Neste ponto, estamos em absoluta concordância com a explanação do MP neste recurso. De facto, parece-nos que a AA exerce um papel central (ao lado do companheiro) na presente denunciada actividade de tráfico, sendo sua co-autora e sem qualquer indício de que seja a «companheira obediente» que o tribunal quis fazer passar. (6) São paradigmáticos os relatórios de vigilância existentes nos autos e que dão conta da activa intervenção desta mulher no tráfico em causa. Em lado algum está escrito que os homens são os Chefes destas organizações, e que as mulheres se limitam a ser peões subalternos e secundários nestas engrenagens ilícitas, mal se compreendendo esta visão algo sexista da humanidade também aqui no campo da ilicitude. Pelo menos, dos autos não se retira essa subalternidade. Não vemos, assim, quaisquer válidas razões para colocar a arguida AA num patamar inferior ao do BB na condução e execução deste tráfico. Note-se até que no despacho recorrido se deixa isto escrito: «5. Para os factos constantes da promoção estarem indiciados teve-se em linha de conta os autos de vigilância de onde se extrai que ao logo dos últimos meses referidos na promoção vendiam estupefaciente a quem aparecesse, sendo que foi visualizado pelo opc várias pessoas a encontrarem-se com os arguidos BB e AA, sendo que os restantes arguidos tinham um papel secundário, em concreto de entrega de droga a mando daquele, ou como transportadores. Ou seja, aqui, neste segmento, os secundários são os outros arguidos, que não o BB e a AA. Diga-se até que o facto de ambos desenvolverem uma actividade de tráfico algo rudimentar e pouco sofisticada permite que aquele se mantenha, o que acentua o perigo de continuação da actividade criminosa. De facto, mostra-se fácil à arguida continuar a contactar, nomeadamente, com os demais arguidos (note-se até que nem sequer foi ela proibida de com eles contactar), bem como comunicar com os habituais contactos, o que poderá permitir que esta cadeia se mantenha, agora encabeçada pela sua pessoa, conhecedora que é de toda a panóplia de contactos de fornecedores e consumidores (pode ela tripular carros menos potentes, mas isso não a tem impedido de traficar a céu aberto, admitindo-se até que o companheiro BB, dono de veículos de gama, acabará por não ser possuidor de carta de condução – cfr. artigo 78º da promoção do MP que antecede o auto de 1º interrogatório). Foram apreendidas à arguida quantidades de droga (dita «dura») e de dinheiro, sem outra explicação que não o exercício efectivo de uma ilícita actividade de tráfico. Há, pois, perigo de continuação da actividade perigosa, nos mesmos moldes avançadas pelo tribunal para a situação do arguido BB, não se vendo válidas razões para distinguir a sua situação da do seu companheiro, no que tange às exigências cautelares. 3.8. E existe ainda o perigo da alínea b) do artigo 204º do CPP pois pode haver intervenção da arguida junto dos compradores, pressionando-os a não testemunharem «desvirtuando a prova testemunhal a produzir» [cfr. ponto 14.d) do despacho recorrido]. 3.9. Por último, vejamos se é de aplicar a medida do artigo 201º do CPP. A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção – art 193º, nº 2, do CPP. Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares – nº 3, do preceito referido. A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer – nº 4 do art. 193º do CPP.
Tal obrigação de permanência, com vigilância electrónica, diga-se, tem sido igualmente considerada ineficaz para evitar o perigo de fuga, dada a relativa liberdade de actuação que confere à pessoa a ele sujeita. 3.10. Merece-nos, assim, censura a decisão tomada, só havendo que julgar procedente este recurso, determinando a aplicação à arguida, a exemplo do que se fez com o seu companheiro, da medida coactiva da PRISÃO PREVENTIVA. Na realidade, na fase em que se encontra o processo, atentas as concretas circunstâncias da sua conduta e a gravidade do crime em apreço (trafica-se, neste caso, em zonas limítrofes de escolas secundárias – cfr. artigo 94º da promoção do MP que antecede o auto de 1º interrogatório e que serviu de base para a incriminação de facto e de direito), não havendo fundados motivos para crer que exista causa de isenção da sua responsabilidade, sendo expectável que lhe venha a ser aplicada prisão efectiva (art. 193º, nº 1 do CPP), é de considerar razoável, a forte probabilidade (risco sério e concreto), caso viesse a ser colocada em liberdade, de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito. Repete-se: as exigências cautelares que neste caso se fazem sentir são elevadas, considerando a gravidade das condutas evidenciadas nos autos integradoras do dito crime, a importância dos bens jurídicos violados e a sanção que previsivelmente lhe virá a ser aplicada. Como tal, entendemos que a prisão preventiva é a medida de coacção que se revela suficiente e, sobretudo, adequada e proporcional ao caso concreto, atentas as circunstâncias que se descreveram e os elementos de prova de que dispomos neste momento. 3.11. Nessa medida, a decisão recorrida não foi adequada, concluindo-se que foram violados os preceitos legais invocados pelo MP recorrente, só podendo proceder, por isso, o recurso ora em apreço. (…)”] 4. Admitido o recurso, o MPº neste STJ promove a rejeição do mesmo por irrecorribilidade. E, de acordo com o artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não se encontra o tribunal superior, no caso, o Supremo Tribunal de Justiça, vinculado por decisão que admita o recurso. Ora bem. 5 . A Decisão do TRC não conheceu a final, do objeto do processo, nos termos da alínea c) do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, mas substituiu , revertendo a da primeira instância, a medida de coacção a que se encontrava sujeita a recorrente por medida de coação mais gravosa, a de prisão preventiva. Consequentemente, trata-se de decisão que altera, agravando-o, o estatuto coativo da arguida. 6. Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal que não é admissível recurso: (…) “c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º; (…). E também é certo que: […] Da letra da lei resulta inequivocamente que apenas admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, acórdãos da Relação proferidos em recurso de decisão da 1.ª instância que havia denegado a aplicação de qualquer medida cautelar ou de garantia patrimonial e que, revogando essa decisão, decide aplicar, inovatoriamente, ao arguido qualquer medida coativa com exceção do termo de identidade e residência ou medidas de garantia patrimonial. (sublinhado nosso)-( Nuno Gonçalves. In Revista do STJ -Jan /jun 2022, pags 84 e 93 ess) Por sua vez, nos temos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam, irrecorríveis, proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º. 7. Porém, embora na verdade se trate de decisão do Tribunal da Relação que, inovatoriamente (agravando a fixada inicialmente), aplica a medida de coação de prisão preventiva, fá–lo na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público da decisão impugnada que havia aplicado à arguida a medida de coacção de proibição de contactos com clientes, toxicodependentes e fornecedores de estupefaciente e apresentação às 2ª, 4ª e 6ª a partir de 9.2.2022 ao posto de GNR de ... das 8h às 20h. (arts 200º nº 1 d), 198, 204 b) e c), 193º do C.P.P. 8. A decisão do TRC não revogou uma decisão de 1.ª instância que tenha decidido não aplicar qualquer medida de coação, para além do TIR, mas sim uma decisão de 1.ª instância que aplicara medida de coação bem diferente de TIR aplicando em sua substituição a prisão preventiva. 9. O artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal é norma que prevê uma exceção, que na sua literalidade (à partida determinando uma interpretação mais estrita) se aplica aos casos visados e bem identificados ficando delimitado pela exclusão o seu espectro de abrangência. 10. Confirmada a regra aplicável de que nos termos da referida alínea c) do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, não é admissível, no caso, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e estando perante um caso em que não se inova a partir de TIR mas de medida mais robusta que este, ainda que não limitadora da liberdade, devemos concluir pela inadmissibilidade, por irrecorribilidade, do recurso interposto. 11. Na linha do já expendido pelo Exmº Juiz Conselheiro Nuno A. Gonçalves, (in A Revista – Supremo Tribunal de Justiça, disponível em linha no URL:< a-revista-n1.pdf (stj.pt)>:) “ São pressupostos cumulativos da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça que: (i) a 1.ª instância tenha recusado, – “tenha decidido não aplicar” – a imposição de qualquer medida coativa ao arguido, diferente do termo de identidade e residência ou de qualquer medida de garantia patrimonial; e (ii) que a Relação, em recurso, decida aplicar, inovatoriamente, alguma daquelas medidas. Com esse novo segmento daquela norma, reforça-se o direito de defesa do arguido permitindo-lhe submeter ao reexame, pelo Supremo Tribunal de Justiça, acórdão da Relação que em recurso contra decisão da 1.ª instância que havia indeferido a aplicação de qualquer medida coativa ou de garantia patrimonial, aplica, inovatoriamente, alguma ou algumas daquelas medidas, diferente daquele a que obriga o art.º 196.º - cfr. também artigo 61.º n.º 6 alínea c). […] Da letra da lei resulta inequivocamente que apenas admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, acórdãos da Relação proferidos em recurso de decisão da 1.ª instância que havia denegado a aplicação de qualquer medida cautelar ou de garantia patrimonial e que, revogando essa decisão, decide aplicar, inovatoriamente, ao arguido qualquer medida coativa com exceção do termo de identidade e residência ou medidas de garantia patrimonial. Continua a não admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, acórdão da Relação que em recurso revoga ou declara extintas medidas de coação ou de garantia patrimonial aplicadas pela 1.ª instância. Resulta ainda que não é recorrível acórdão da Relação que, em recurso, altera, agravando-o, o estatuto coativo do arguido, aplicando-lhe medida ou medidas de coação ou de garantia patrimonial diferentes, ainda que mais graves, das que tinham sido aplicadas na decisão da 1.ª instância.” – cf. pp. 84–85. (…)” 12. Ora, não havendo fundamento para apreciar as questões suscitadas no recurso, porquanto prejudicadas preliminarmente pela questão da rejeição do recurso, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, deve o presente recurso ser rejeitado por inadmissibilidade. Ainda assim, em acautelamento de um eventual inconformismo em matéria de inconstitucionalidade da interpretação convocada, salienta-se que seguimos aqui bem de perto as considerações e fundamentos explanados no sentido da constitucionalidade da norma, contidos no Ac TC de 20 de junho de 2024 , nº 492/2024- Processo n.º 558/21, ainda que ali se tenha pensado a questão à luz da redacção anterior à recente alteração ao artº 400º nº1 alinea c) do CPP introduzida Lei 94/2021( nesta parte com contornos e teleologia a nosso ver mal explicados) mas que entendemos actuais e de manter. 13. Ali se pode ler: (com transcrição dos segmentos relevantes) [“(…) O Tribunal Constitucional tem afirmado, repetidamente, «caber na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados», bem como não ser «arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do STJ, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada. Essa limitação do recurso apresenta-se como “racionalmente” justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade» (Ac. n.° 357/2017). (…) sendo verdade que se trata da irrecorribilidade de acórdão proferido (…) Contudo, isso também não significa que seja de descartar toda a construção operativa do sentido do parâmetro desse direito fundamental para a hipótese em causa. A análise jusconstitucional acerca das medidas de coação inovatoriamente impostas impõe uma concretização autónoma e ajustada do direito ao recurso penal. Estando em causa medidas de coação, cabe, pois, antes de mais, atentar em tal figura processual, distinguindo-a da pena, e determinando as eventuais consequências dessa distinção para aplicação dos parâmetros constitucionais mobilizáveis. (…) cabe agora avaliar a questão de constitucionalidade trazida a estes autos: a da conformidade com a CRP da interpretação normativa conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea c) e 432.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal (CPP), no sentido da irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação que, inovadoramente em relação à não aplicação de qualquer medida de coação em primeira instância, aplica ao arguido as medidas de coação de suspensão do exercício da Advocacia e de prestação de caução. (…) a jurisprudência constitucional em matéria de direito ao recurso, entendido enquanto pilar das garantias de defesa do arguido em processo penal, nos termos do artigo 32.º da CRP, tem sofrido algumas oscilações, ao longo do tempo. No entanto, é possível dela extrair alguns corolários perenes, comuns até a decisões de sentido oposto, e plenamente aplicáveis no caso em apreço. Assim, e como ponto de partida, é pacífica a distinção entre direito ao recurso e duplo grau de jurisdição. O primeiro visa assegurar o reexame de uma decisão desfavorável à parte vencida e o segundo garantir a possibilidade de o reexame de uma decisão jurisdicional ser levado a efeito por um órgão jurisdicional distinto e hierarquicamente superior ao do juízo originário. Contudo, ainda que se reconheça uma estreita interconexão entre ambos, e que, em muitas circunstâncias, a garantia de duplo grau de jurisdição concretize o direito ao recurso, da existência daquele não pode deduzir-se, automaticamente, a garantia deste último, que tem um valor próprio e destacado ao abrigo do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Em segundo lugar, a jurisprudência é constante e reiterada no sentido de reconhecer que “a restrição do recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça adotada pelo legislador encontra, portanto, justificação em interesses de celeridade e eficiência da administração da justiça penal, dignos de proteção à luz do texto constitucional. Apesar disso, indispensável será, ainda, que a compressão do direito fundamental em causa na solução da limitação do recurso, para além de adequada e mesmo necessária, tendo em vista, designadamente, resguardar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, não se apresente como excessiva para assegurar os fins prosseguidos, designadamente tendo em vista os efeitos que produz na garantia de defesa do arguido.” (cfr. Acórdão n.º 595/2018). Nestes termos, reconhece-se ao legislador um razoável espaço de liberdade de conformação, nesta matéria, tendo como limites a garantia da existência do duplo grau de jurisdição (que constitui uma condição necessária, mas não suficiente, daquele direito) e o respeito pelos princípios constitucionais, maxima, do princípio da proporcionalidade. Em terceiro lugar, cabe notar que as divergências jurisprudenciais já assinaladas se situam no âmbito da delimitação das imposições constitucionais em matéria de direito ao recurso de decisões “condenatórias”. A posição que prevaleceu no Acórdão n.º 523/2021 funda-se numa distinção entre “as exigências de tutela, no estrito plano do direito ao recurso, perante decisões condenatórias em pena de prisão efetiva (independentemente da respetiva quantificação) das decisões condenatórias em outras penas”, tendo-se entendido que só no caso da condenação em pena de prisão efetiva a Constituição exigiria a garantia de acesso ao STJ como concretização do direito ao recurso. Todavia, mesmo no Acórdão n.º 31/2020, ficou claro que apenas no que se atém a decisões condenatórias pode entender-se estar em causa o conteúdo essencial das garantias de defesa, nos termos do artigo 32.º da CRP: “Isto porque somente após a prolação da decisão condenatória poderá o arguido dela recorrer. Antes disso, é-lhe impossível recorrer de uma condenação que ainda não existe. Daí decorre, na expressão do Acórdão n.º 429/2016, que se trata de uma “situação em que as garantias de defesa exigem o acesso a uma nova instância” (ponto 20). Caso contrário, estaríamos perante a supressão dos direitos constitucionais de defesa, especificamente, do direito ao recurso, o que conduziria a que os critérios que presidiram à escolha da pena e à determinação da sua medida concreta adquirissem definitividade, sem fiscalização jurisdicional que os reapreciasse.” 16. Do exposto, decorrem consequências para o caso em apreço, dado ser aqui desadequada toda a argumentação expendida em relação a decisões condenatórias. Como acima se assinalou, há uma distinção fundamental entre penas e medidas de coação, com fundamento na sua distinta natureza e nas diferentes finalidades que lhes subjazem. Recorde-se que as medidas de coação são, inevitavelmente, precárias, desde logo porque a lei determina a sua cessação ou substituição por medida menos gravosa, respetivamente, quando tenham deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artigo 12.º do CPP). (…) recorde-se o regime garantístico que preside ao decretamento das medidas de coação que tem como pilar fundamental o respeito pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artigo 193.º do CPP). Pressupondo a possibilidade da sua aplicação a um inocente, as normas sobre esta matéria procuram acautelar, num exercício exigente de concordância prática, os direitos do sujeito processual afetado por tais medidas, e assegurar que este só se vê obrigado a suportá-las na estrita medida em que sejam necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (artigo 193.º, n.º 1, do CPP), condições que devem ser verificadas, com rigor, pelo juiz. Finalmente, assinale-se que, no presente caso, e ao contrário do que sucede em relação a decisões de natureza condenatória, o sacrifício do direito ao recurso é, pelo menos parcialmente, compensado pela possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da decisão do juiz de instrução criminal, em relação à imposição de medidas de coação. Tendo em consideração que, como já se explicou, determinam os n.ºs 2 e 3 do artigo 194.º do CPP que só em circunstâncias específicas pode o juiz aplicar medida de coação mais grave, quanto à sua natureza, medida ou modalidade de execução, da requerida pelo Ministério Público, e que não pode decretar medida de garantia patrimonial mais grave do que a requerida por aquele, a previsibilidade das medidas de coação e garantia patrimonial imponíveis em sede de recurso é significativa, permitindo uma defesa mais robusta. Em razão de tudo o que se afirmou, têm-se por verificadas as exigências constitucionais em termos de restrição do direito ao recurso, no que toca à interpretação normativa ora em crise. É evidente que a limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça que ela comporta serve os interesses na otimização dos recursos e num funcionamento célere e eficiente do sistema de justiça, os quais merecem tutela jurídico-constitucional. Por outro lado, os imperativos decorrentes dos sub-princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito também não parecem postergados: a precariedade, por natureza, das medidas em causa, o regime garantístico que rodeia a sua imposição, e a possibilidade de cessação a todo o tempo, caso deixem de verificar-se os pressupostos legais para a sua imposição, justificam a escolha do legislador de limitar, nesta matéria, o acesso ao último grau de jurisdição ordinária, por um lado, porque não se divisam soluções alternativas que pudessem assegurar idêntico grau de racionalização do acesso à justiça e de celeridade no âmbito do processo penal; e, por outro lado, porque as medidas de tutela jusfundamental que presidem às normas que regulam as medidas de coação parecem aptas a assegurar um equilíbrio logrado dos direitos em conflito. (…) Apenas se entende que a composição dos interesses, direitos, e valores constitucionais conflituantes levada a cabo pelo legislador se situa dentro da margem de conformação que a Constituição lhe atribui, constituindo uma restrição fundamentada do direito ao recurso e, nesses termos, conforme à CRP. (…)”] Nesta linha de entendimento, o Tribunal Constitucional decidiu então: “Não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea c) e 432.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, no sentido da irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação que, inovadoramente em relação à não aplicação de qualquer medida de coação em primeira instância, aplica ao arguido as medidas de coação de suspensão do exercício da advocacia e de prestação de caução;” 14. Embora se trate ali de uma situação em que tenha sido fixada medida diferente menos gravosa que a da prisão preventiva, ao contrário do que aconteceu nos presentes autos, não vemos razão de peso para considerar qualquer desproporcionalidade da norma restritiva do recurso nos termos da interpretação que vimos mantendo. II- Decisão Pelo exposto, decide-se não admitir para este Supremo Tribunal, por irrecorribilidade, o recurso interposto pela arguida do Acórdão do Tribunal da Relação que lhe agravou as medidas de coacção fixadas na 1ª instância , aplicando prisão preventiva. (…)”] 2.2- Perante esta Decisão veio a reclamante convocar, como se viu, a violação dos seus direitos de defesa limitando-se a afirmar a inconstitucionalidade da interpretação de não admissibilidade e a desproporcionalidade da norma restritiva do recurso. No fundo, nada de essencial adianta de novo ou de maior relevo ao decidido, nomeadamente no sentido de propor à análise da conferência novas perspectivas além das que foram analisadas na decisão sumária, limitando-se a mera conclusividade da sua posição. Na Decisão Sumária foram amplamente referenciadas as razões constitucionais da limitação do direito ao recurso, tendo-se concluído, após o desenvolvimento da argumentação pertinente, que a posição assumida não era inconstitucional e não violava o direito de defesa. Assim, nada mais de relevante merecendo que deva indicar-se, é de julgar improcedente a reclamação, confirmando-se na íntegra a decisão sumária reclamada. III- DECISÃO Pelo exposto, julga-se improcedente a reclamação. Taxa de justiça em 2 UC a cargo da reclamante (Tabela III do RCP) STJ, 31 de Outubro de 2024 (certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP) Agostinho Torres (relator) Vasques Osório (1.º adjunto) Jorge Reis Bravo (2.º adjunto) |