Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2719/1B.0T8AVR.L3.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
DESCARACTERIZAÇÃO DA DUPLA CONFORME
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
GRAVAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
ERRO DE JULGAMENTO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
Data do Acordão: 11/14/2024
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA NORMAL. REMESSA À FORMAÇÃO
Sumário :
I. Mostra-se suficiente a apreciação da matéria de facto que o acórdão recorrido efectuou, uma vez que, para além de ter procedido à audição da prova gravada, acolheu a fundamentação de facto da sentença e procedeu a uma reapreciação efectiva dos meios de prova indicados, não se limitando a aderir ao juízo probatório da 1ª instância, antes formando uma verdadeira e própria convicção.

II. Assim, não merece censura a apreciação da prova realizada pelo Tribunal da Relação, concluindo-se pela não verificação da alegada violação das normas processuais respeitantes à reapreciação da matéria de facto.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – Relatório


1. Na presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, que AA e BB intentou contra Novo Banco, S.A., após diversas vicissitudes processuais, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.


Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03-11-2022, na sequência de recurso dos autores, foi decidido «anular a sentença, exclusivamente no segmento da fundamentação da decisão de facto no que concerne aos Factos Não Provados, e, consequentemente determina-se que o Sr. Juiz fundamente a decisão, indicando quais os meios probatórios concretos, porque entendeu considerá-los Não Provados».


Em cumprimento do determinado pelo Tribunal da Relação, em 16-01-2023 foi proferida nova sentença.


Os autores apelaram novamente, tendo a Juíza relatora do Tribunal da Relação, por despacho datado de 04-05-2023, determinado que, por não haver lugar a recurso da sentença, salvo no que respeita ao segmento da fundamentação relativa aos factos não provados, se considerava tudo o mais não escrito.


Em 07-06-2023 foi proferido acórdão que julgou a apelação dos autores improcedente e confirmou a decisão da sentença.


2. Inconformados, os autores interpuseram recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, em 09-10-2024, e em conformidade com o disposto no Provimento n.º 19/23 do Senhor Presidente deste Tribunal, foi redistribuído à presente relatora.


3. Formularam os recorrentes as seguintes conclusões:


«1ª Com interesse para o presente e conforme resulta do aí alegado, os recorrentes, quer no primitivo recurso interposto da douta decisão de 1ª instância (conclusões 6ª a 10ª) quer no novo recurso (conclusões 4ª a 8ª do novo recurso), abordaram a questão do incumprimento do dever de fundamentação, normativamente no quadro do n.º 4 do art. 607º, tendo expressamente adoptado a sua leitura efectuada no douto acórdão TRL de 07/06/2018, prolatado no processo 29369/15.0T8LSB.L1-6 (relatora: Desembargadora Cristina Neves).


2ª Ao encontro de tal leitura, começaram por apontar, explicando, os vários factos em que, no seu entender, o dever de fundamentar a sentença tinha sido cumprido (factos provados 1 a 16, 17 al. b), 18 a 24, 26 a 31, 37, 38, 42 a 45 e 49 a 51).


3ª Apontando que nos demais pontos da matéria de facto não havia sido cumprido o dever de fundamentação, ou seja, no que respeita aos factos provados 17 al. a), 25, 33 a 36 e 39 a 41, 47 e 48, especificando em relação a cada um deles qual a actividade crítica e ponderação omitidas, mormente quanto aos vários meios de prova presentes nos autos, cuja discussão se impunha.


4ª Já quanto ao facto provado 48 apontou-se ter sido este dado como provado sem que em seu abono se indicasse qualquer prova, o que parecia ademais constituir para lá de deficiente fundamentação, a nulidade correspondente à sua falta, sancionada nas als. c) e d) do art. 615º NCPC.


5ª Identicamente, após a prolacção do douto acórdão de 3 de Novembro de 2022, no qual, com referência aos factos dados como não provados em primeira instância, foi surpreendida a nulidade da sentença por falta de fundamentação, foi proferida (ainda que indevidamente) nova sentença da qual foi interposto recurso cujo objecto foi admitido, por douto despacho da Veneranda Relatora de 04/05/2023 (a fls. 816 e segs.), apenas quanto às conclusões 4ª a 8ª aí apresentadas.


6ª Nestas novas conclusões apontou-se que a fundamentação apresentada na nova decisão respeitante aos factos não provados, constituía um conjunto de afirmações quase todas genéricas, conclusivas e até meros comentários, o que se densificou com referência às várias matérias sobre que incidiram tais factos não provados


7ª Assim, com a excepção assinalada na conclusão 4ª do presente, o certo é que quer nas conclusões 6ª a 10ª do primitivo recurso, quer nas conclusões 4ª a 8ª do novo recurso, ambos interpostos da douta sentença de 1ª instância, se concluiu, singelamente, que havia sido violado o dever de fundamentação das decisões judiciais, tal como o mesmo se encontra consagrado no n.º 4, do art. 607º NCPC.


8ª Já as conclusões 11ª a 25ª da primitiva apelação, tiveram como objecto suscitar a reapreciação da matéria de facto, em detalhado cumprimento das exigências dos n.ºs 1 e 2 do art. 640º CPC, tendo aí defendido a alteração, total ou parcial da resposta dada aos factos dados como provados 17, al. a), 25, 33 a 36, 39 a 41 e 45 a 48, assim como a alteração dos factos não provados para provados e a consideração de um novo facto que reputaram de essencial, indicando-os como novos factos provados 52 a 57.


9ª Também nas conclusões 40ª a 49ª do primitivo recurso de primeira instância e com referência à apropriação pelo réu do montante depositado na conta à ordem nº 9030/8550/0005, de que os autores eram titulares foram suscitadas quer questões de apreciação factual, quer de aplicação normativa, concluindo-se pela inexistência de causa jurídica que legitimasse o comportamento do réu, cabendo aos autores, enquanto sujeitos activos do direito de propriedade sobre o saldo da conta bancária, o direito a ver-lhes restituído tal saldo.


10ª Apontando-se que a causa de pedir do ponto 3 do pedido formulado não é contratual, concluiu-se que os pedidos formulados correspondem à restituição material e jurídica decorrente da prévia e pedida declaração de nulidade, pelo que se imputou à decisão de 1ª instância a violação, por não aplicação, das normas dos arts. 1205º, 1206º, 1142º, 1144º, 280º, 1 e 289º, 1 todos do Código Civil.


11ª O presente recurso versa, pelo anteriormente exposto, não apenas o decidido no douto acórdão de 7 de Junho de 2023, como também, aquele de que é complemento, prolatado em 3 de Novembro de 2022, acórdão este em que, para além de, com referência aos factos dados como não provados em primeira instância, ter surpreendido a nulidade da falta de fundamentação, igualmente se tomaram decisões na matéria respeitante às conclusões 6ª a 10ª do primitivo recurso interposto da decisão de primeira instância.


12ª No douto acórdão de 3 de Novembro de 2022, com referência à específica matéria do cumprimento da norma que densifica o dever de fundamentação da sentença e que consta do art. 607º, 4 CPC, logo se declarou que os recorrentes arguiram a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 615º, 1, al. c) e d) CPC, mais se decidindo não ocorrer a prevista na al. c) (ps. 38 e 39 de tal aresto).


13ª Prosseguiu-se em tal douto aresto de 3 de Novembro de 2022, efectuando, primeiramente, a transcrição da fundamentação empregue na douta sentença, então, recorrida (ps. 39 a 42), do que se concluiu (p. 42, 6º parágrafo), concluindo singelamente por se ter a decisão suportado no “conjunto da prova produzida – depoimento de parte, testemunhal e documental.”


14ª Ainda no mesmo douto acórdão, enunciou-se a questão do dever de fundamentação das decisões judicias, numa perspectiva global, socorrendo-se para tal de citações jurisprudenciais e doutrinais (ps. 42, 7º parágrafo a 44, 3º parágrafo). Tendo-se concluído existir nulidade, por falta de fundamentação, com referência aos factos julgados como não provados (p. 44, 4º parágrafo), decidindo-se quanto ao mais não ter ocorrido a nulidade prevista na al. d), do n.º1, do art. 615º CPC (ps. 45 a 47 2º parágrafo).


15ª De realçar também a constatação efectuada no acórdão e respeitante à matéria dos factos provados 17, al. a) e 47 (conclusão 8ª do primitivo recurso): “Na verdade, nenhuma discussão crítica foi espelhada, mas tal como se disse supra, a deficiente fundamentação não acarreta a nulidade, pelo que inexiste a nulidade arguida.” (p. 46, 7º parágrafo, com sublinhado nosso).


16ª Quanto à matéria respeitante ao novo recurso interposto (conclusões 4ª a 8ª), assim como às demais questões não decididas no anterior aresto, as mesmas constituíram objecto do douto Acórdão de 7 de Junho de 2023, tendo, no domínio da questão do cumprimento do dever de fundamentação da sentença e que consta do art. 607º, 4 CPC, procedido pelo mesmo modo anterior, ou seja identificando a questão levantada em tais novas conclusões como constituindo a arguição de nulidade do inovadoramente fundamentado, quanto aos factos não provados (p. 41, 3º parágrafo).


17ª Prosseguiu o douto acórdão recorrido, efectuando, primeiramente, a transcrição da fundamentação empregue na douta sentença, então, recorrida (ps. 41 e 42), prosseguindo com a leitura jurídica do dever de fundamentação das decisões judicias, numa perspectiva global, socorrendo-se para tal de citações jurisprudenciais e doutrinais (ps. 43 a 46, 1º parágrafo), sendo que com referência à concreta matéria suscitada nas conclusões 4ª a 8ª do novo recurso, apenas o 2º parágrafo redigido na p. 46 do douto acórdão lhes é especificamente dirigido.


18ª No que ao recurso em matéria de facto respeita (conclusões 11ª a 25ª da primitiva apelação) no douto acórdão recorrido começou-se por efectuar ponderações jurídicas gerais a respeito do alcance dos requisitos e alcance do recurso em matéria de facto, em que se suscite a reapreciação da prova gravada (ps. 46, último parágrafo a 48, 1º parágrafo), prosseguindo pela enunciação das questões, neste tocante, levantadas pelos recorrentes (ps. 48, 2º parágrafo a 57, 5º parágrafo). Após, efectuou-se a síntese do depoimento da testemunha CC (ps. 57, último parágrafo a p. 60, 8º parágrafo), tendo sido feita alusão aos doc. 10 junto à contestação (a fls. 158 e ss.) e ao doc. 19 também junto à contestação, assim como das declarações de parte dos autores (p. 60, 9º parágrafo a p. 66, 5º parágrafo), tendo também aí sido feita alusão ao referido doc. 10.


19ª No parágrafo seguinte (p. 66, 6º parágrafo) declara-se: “Ora, tendo em atenção o extractado supra, os documentos juntos, bem como o depoimento da testemunha e declarações de parte, nenhuma alteração a fazer no que tange aos Factos Não Provados, cuja redacção, alicerçado na fundamentação da decisão de facto, bem como no seguinte:” [sic]


20ª Na mesma pág. 66 (7º parágrafo), inicia-se a especificada menção aos factos que os recorrentes pretendiam ver aditados como provados e que aí, seguindo a numeração sugerida no recurso, se dão, ao invés como não provados, para tanto sendo invocado (ps. 66, 7º parágrafo a 68), 4º parágrafo feita menção individualizada que infra se analisará.


21ª Finalmente quanto aos factos provados o decidido em recurso em matéria de facto foi (p. 68, 5º e 6º parágrafos): “No que aos Factos Provados concerne, face à fundamentação da decisão de facto, aos arts. Constantes da p.i. e contestação, documentos, declarações de parte e depoimento da testemunha indicados, não permitem tal conclusão, nenhuma alteração a fazer aos Factos Provados sob os n°s 17 a), 25, 33, 34, 36, 39, 40, 41, 45, 46, 47 e 48. Destarte, falece a pretensão.”


22ª Em matéria de direito, decidiu-se no douto acórdão recorrido (p. 69): “Defendem os apelantes a condenação do Banco réu. Face ao extractado supra, não houve lugar à alteração da decisão de facto. Apesar de alegado não lograram os autores provar, de tal tendo o ónus (art. 342/1 CC), os factos constitutivos do seu direito. As questões suscitadas pela apelante foram dissecadas com rigor, de forma concisa e clara, explanadas exaustivamente e alicerçadas em fundamentos sérios e convincentes na sentença impugnada, inexistindo, tal como se colhe do seu teor, qualquer aplicação errónea do direito aos factos apurados. Assim, tendo em atenção o explanado na decisão que, de forma exemplar, abordou e resolveu as [sic]


23ª A leitura apresentada pelos recorrentes procurou, como expressamente aí afirmado, ser convergente com o doutamente decidido no Acórdão TRL de 07/06/2018, prolatado no processo 29369/15.0T8LSB.L1-6, relatado pela Sr.ª Desembargadora Cristina Neves. Significa isto que a questão que cumpria resolver era se, nas matérias identificadas nas primitivas conclusões 6ª a 10ª e nas novas conclusões 4ª a 8ª, havia existido violação do disposto na norma do art. 607º, 4 CPC e qual a consequência que, apurando-se tal violação, se imporia extrair.


24ª No douto acórdão recorrido, com exclusão da matéria respeitante ao facto 48, foi ignorada a questão efectivamente suscitada. Afora a enunciação genérica de como deve ser efectuada a fundamentação das decisões judiciais, acompanhada de citações jurisprudenciais e doutrinais, omitiu-se, salvo melhor opinião, o dever de pronúncia sobre a generalidade das concretas matérias suscitadas no âmbito da questão do cumprimento, na decisão de 1ª instância, do densificado dever de fundamentação estabelecido no art. 607º, 4 CPC.


25ª Assim, ao decidir-se não ocorrer a nulidade da sentença, atribuindo a sua invocação aos recorrentes, quando estes não a haviam, nesta matéria, arguido, julgou-se questão que os recorrentes não suscitaram e deixaram-se por decidir as questões efectivamente levantadas. Neste domínio, pois, é o douto acórdão nulo, ao encontro da previsão da al. d) do art. 615º NCPC.


26ª Quanto ao julgamento em matéria de facto efectuado na douta decisão recorrida e começando pela matéria dos factos provados cuja resposta, cumprindo todos os requisitos exigidos nas alíneas do n.º1, do art. 640º CPC, os recorrentes pretendiam ver alterada (n°s 17 a), 25, 33, 34, 36, 39, 40, 41, 45, 46, 47 e 48) verifica-se, nos próprios termos que constam do douto acórdão recorrido, que a pura remissão para a fundamentação constante da decisão de 1ª instância, a alusão genérica à petição inicial e à contestação, a alusão a documentos, sem qualquer discussão do seu conteúdo e a simples remissão para uma súmula efectuada pelo Tribunal das declarações de parte e da testemunha CC não constituem formas válidas de satisfazer, desde logo o comando inscrito no já muito citado n.º 4, do art. 607º CPC, por não apresentar uma avaliação crítica dos meios de prova, por si e no seu confronto, por não explicitar o porquê do crédito conferido a uns elementos probatórios e o simétrico descrédito dos que se lhe contrapõem.


27ª Já no que respeita aos factos não provados que os recorrentes pretendiam ver como provados (e que numeraram de 52 a 57), apesar de existir a menção individualizada aos factos e a meios de prova, sempre com salvaguarda do devido respeito e melhor opinião, também aqui o mesmo dever de fundamentação não foi cumprido, uma vez que a avaliação e o confronto críticos não ocorreram.


28ª Quanto ao facto não provado que os recorrentes pretendiam viesse a ser o facto provado 52, a pura menção à impugnação efectuada pelo réu, na contestação, ao documento (12) junto com a mesma e a afirmação que de tal documento não se extrai o pretendido pelos apelantes, não constitui qualquer actividade crítica e menos ainda a apreciação da concreta discussão efectuada pelos recorrentes a este respeito.


29ª E o mesmo vale mutatis mutandis para o facto não provado que os recorrentes pretendiam viesse a ser o facto provado 53, em que se desqualifica o relevo dos documentos indicados pelos recorrentes, se faz mera menção aos depoimentos anteriormente sumulados e simplesmente se dá por findo o tratamento da matéria afirmando que afastada está a conclusão pretendida pelos apelantes.


30ª Com a salvaguarda que as matérias respeitantes à inversão do ónus da prova e da confissão serão especificadamente tratadas infra, as mesmas considerações mantêm validade para os factos não provados que os recorrentes pretendiam viessem a ser os factos provados 54 e 55 e 56, em que no douto acórdão recorrido se empregou a mesma exacta abordagem, sem qualquer discussão, confronto ou avaliação crítica da prova.


31ª Já no que respeita ao facto não provado que os recorrentes pretendiam viesse a ser o facto provado 57, verifica-se, por uma única vez, alguma discussão da matéria. A existência de alguma actividade crítica impõe, para o efeito de avaliar se foi suficiente para satisfazer as exigentes obrigações impostas no art. 607º, 4 CPC, que se tenha presente o conteúdo da conclusão 16ª do primitivo recurso interposto da douta decisão de 1ª instância, assim como a discussão efectuada na motivação e para que remete tal conclusão (págs. 14 e 15 de tal peça processual).


32ª Sendo este o contexto, parece claro que a ilação de terem os autores utilizado a linha de crédito (facto material não opinativo) teria de ter rasto documental, com, pelo menos, referenciais tempo (quando) e montante. Por outro lado, não dispensaria a análise do conteúdo dos documentos referidos na aludida conclusão 16ª, o que, também aqui, não ocorreu, pelo que também aqui ocorreu a violação da norma.


33ª Concluindo nesta parte em tencionada convergência com o decidido nos doutos Acórdãos STJ proferidos em 17/11/2021, processo 6524/10.4TBOER.L2.S2, relator: Conselheiro Oliveira Abreu e em 11/02/2016, no processo 907/13.5TBPTG.E1.S1, relator: Conselheiro Abrantes Geraldes (ambos publicados em www.dgsi.pt), ocorreu, pois, violação das normas dos artºs. 640º e 662º n.º 1 do Código de Processo Civil, assim como do método de análise crítica da prova prescrito no art.º 607º n.º 4, aplicável por força do disposto no art.º 663º n.º 2, todos do Código de Processo Civil, com a consequência de dever o processo ser remetido ao Venerando Tribunal da Relação para que proceda à apreciação do recurso em matéria de facto.


34ª Com referência aos factos não provados que os recorrentes pretendiam viessem a ser os factos provados 55 e 56 (conclusão 25ª do primitivo recurso interposto da decisão de 1ª instância) julgou-se na douta decisão recorrida não haver lugar à inversão do ónus da prova. Como assim é, cabendo a esse colendo Supremo Tribunal conhecer da matéria impõe-se analisar não os factos em litígio, antes os factos que a análise do processo nos patenteia.


35ª Ora, da análise do comportamento processual do réu, no que à ordenada junção de documentos bancários indispensáveis para a prova de dois dos dez temas de prova (B e C), efectuada na precedente motivação, resulta que o mesmo solicitou sessenta dias para juntar tais documentos atento o seu elevado volume, junção essa que só completou 169 dias depois, em que não junta extractos bancários (seus ou do BES a que sucede), não junta justificativos, apresenta em matéria de impostos 8 documentos que além de não englobarem o período anterior a 3 de Agosto de 2014 (BES), nada referem sobre a mesma cobrança entre 3 de agosto de 2014 a 31 de Julho de 2015, do mesmo passo como nada esclarece sobre juros cobrados, sendo que sobre comissões apenas apresenta um documento de 2018 que poderá ter escasso interesse.


36ª Temos, pois, que o réu, com referência a documentação de que só ele dispõe, cuja junção lhe foi ordenada e que o mesmo afirmou ser abundante, juntou aos autos, com relevo, 8 documentos e mais dois sem nenhum (comissões 2019), ou escasso (comissões 2018) relevo. É, também aqui, evidente que o réu, mais uma vez, não quis cumprir as suas obrigações, querendo também e com isso impedir os autores de fazer a prova que pretendiam, como aconteceu.


37ª O anterior serve para demonstrar que a obstinada intenção do réu de incumprir este seu dever processual, com a pretendida intenção de impossibilitar os autores de provarem esta parte da sua prova, tem na lei a sanção da inversão do ónus da prova, ao encontro do disposto no n.º2, do art. 344º CC. Pelo anteriormente exposto, ainda com referência ao julgamento da matéria da conclusão 25ª do primitivo recurso, interposto da decisão de 1ª instância foi violada a norma do n.º2, do art. 344º CC, com a consequência de dever o processo ser remetido ao Venerando Tribunal da Relação para que proceda na apreciação do recurso em matéria de facto e nesta matéria, com cumprimento da norma.


38ª No julgamento da conclusão 16ª, respeitante ao facto não provado que os recorrentes pretendiam viesse a ser o facto provado 57, decidiu-se quanto à invocada confissão: “De acordo com o art. 360 CC, todas as espécies de confissão (simples, qualificada e/ou complexa), são indivisíveis. Esta indivisibilidade só surge se o autor quiser aproveitar-se da confissão como meio de prova plena, mas neste caso tem de aceitar como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão. Assim, tendo em atenção o referido supra afastada está a aplicação deste art.”


39ª Antecipemos que a (não) aplicação da norma do art. 360º CC por este modo, parece, salvo melhor opinião, constituir manifesto lapso. De facto, trata-se de confissões aceites pela parte contrária, pelo réu, nos arts. 75º a 77º da sua contestação. Ou seja, não só o réu aceitou, “para não mais serem retiradas, as confissões dos Autores”, como a regra da indivisibilidade favorece estes e não o réu.


40ª Constituindo, patente violação das normas dos art. 358º, 1 e 360º CC, agora com referência ao julgamento da matéria da conclusão 16ª do primitivo recurso, interposto da decisão de 1ª instância, deve, em consequência, o processo ser remetido ao Venerando Tribunal da Relação para que proceda na apreciação do recurso em matéria de facto e nesta matéria, com cumprimento da norma.


41ª No facto provado 46 inscreveu-se uma conclusão jurídica (encontrando-se vencidas antecipadamente as obrigações dos AA.) que, como é entendimento pacífico, se deve ter como não escrita, ao encontro do que dispõe o art. 607º, 4 CPC.


42ª Também foram apurados como provados os factos 39 a 41, neste caso em violação das normas dos arts. 376º, 1 e 2 e 394º, 1 do Código Civil. De facto, o contrato de financiamento garantido com penhor financeiro corresponde aos documentos 2 e 7 juntos à contestação, devendo ter-se levado em conta a estipulação do n.º2, da cl. 14ª do doc. 7 e que dispõe pelo seguinte modo: O presente acordo apenas poderá ser alterado mediante acordo expresso, por escrito, das partes.


43ª Não existe qualquer documento nos autos que patenteie tal alteração contratual, não podendo o documento junto em audiência na sessão de 2 de Dezembro de 2021, correspondente a uma carta/interpelação do réu dirigida aos autores de 3 de Abril de 2018, servir tal fim uma vez que, ao não apresentar carácter sinalagmático, não é apto a provar uma qualquer alteração mediante acordo expresso, por escrito, das partes.


44ª Acresce que a previsão dos arts. 678º e 701º do Código Civil referida em tal comunicação estabelece a licitude da interpelação para reforço do penhor quando a insuficiência superveniente do valor da garantia não proceda de causa imputável ao credor. Ora, conforme decorre dos factos provados 18 a 22 (cujo teor e alcance se não disputou) e independentemente das demais questões sobre que incide dissídio, foi o réu quem lançou, publicitou e se empenhou no sucesso da operação que conduziu à venda das obrigações sobre as quais incidiu penhor financeiro. Assim, a cláusula 8.ª, n.º 1, do Contrato de Financiamento com Penhor de Obrigações, de 28 de julho de 2010, (documento 7 junto à contestação) ao estabelecer apenas o modo de cumprimento das obrigações de pagamento aí assumidas pelos autores, não tem, salvo melhor opinião, pertinência para o caso, uma vez que não se encontra documentalmente demonstrada a obrigação pressuposta no facto provado 46.


45ª No limite dos poderes de cognição desse Colendo Tribunal resta concluir pela violação das normas dos arts. 376º, 1 e 2 e 394º, 1, 678º e 701º todos do Código Civil, assim como dos n.ºs 4 e 5 do art. 607º, 5 CPC, com a consequência de dever o processo ser remetido ao Venerando Tribunal da Relação para que proceda à adequada reapreciação da matéria de facto.


46ª No douto acórdão recorrido fez-se uso da faculdade remissiva prevista no art 663º, 6 CPC. O uso da conjunção coordenativa correlativa “nem” tem o evidente significado da previsão da norma só ser aplicável se, cumulativamente, a matéria de facto não tiver sido impugnada, assim como se não houver lugar a qualquer alteração da matéria de facto por qualquer outro motivo, mormente por via de qualquer questão de conhecimento oficioso.


47ª Tal significa, que tendo existido recurso em matéria de facto da douta decisão de primeira instância, logo, tendo sido a matéria de facto impugnada, estava vedado ao Venerando Tribunal da Relação proceder à fundamentação por remissão, com suporte na norma do art. 663º, 6 CPC, pelo que também esta foi violada no douto Acórdão recorrido.».


Terminaram pedindo que o recurso seja julgado procedente e que, em consequência:


«a) Se[ja] o douto acórdão recorrido julgado nulo, ao encontro da anterior conclusão 25ª.


Sem prescindir,


b) Deve o processo ser remetido ao Venerando Tribunal da Relação para que proceda à apreciação do recurso em matéria de facto,


c) Deve, outrossim, e na procedência da pretensão anterior ser ordenado que em tal julgamento sejam respeitadas as normas referidas nas precedentes conclusões 37ª, 40ª e 45ª


d) Deve finalmente julgar-se que existindo recurso em matéria de facto se encontrava vedado o uso da previsão da norma do art. 663º, 6 CPC.».


O recorrido contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:


«A. Não pode o presente recurso de Revista Excepcional ser admitido, por falta de preenchimento do pressuposto legal previsto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a) e por ausência de alegação do preenchimento do pressuposto legal previsto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a);


Caso assim não se entenda:


B. Devem improceder a arguição de nulidade por omissão e por excesso de pronúncia;


C. Deve improceder a alegação de violação do dever de fundamentação do Tribunal a quo previsto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC;


D. Deve improceder a alteração da matéria de facto pretendida pelos Recorrentes a coberto da pretendida inversão do ónus da prova, por não ter sequer havido a alegação de qualquer conduta culposa do NB;


E. Deve improceder a alteração da matéria de facto pretendida pelos Recorrentes a coberto do instituto da indivisibilidade da confissão, porquanto o NB demonstrou nos autos a inexactidão dos factos que os Recorrentes pretendiam com isso ver provados, nos termos da parte final do artigo 360.º do CC;


F. Deve improceder a arguição de violação do valor probatório da prova documental;


G. Deve improceder a arguição de violação do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC; ou


H. Subsidiariamente, devem V. Exas. aplicar o Direito à matéria de facto provada e inalterada, nos termos do artigo 682.º, n.º 1, do CPC; e, por isso,


I. Deve o presente recurso improceder integralmente, mantendo-se, nos termos em que foi proferido, o Acórdão recorrido».


II - Admissibilidade do recurso


Ainda que os recorrentes tenham interposto o presente recurso de revista por via excepcional, designadamente nos termos do art. 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, suscitaram a questão da violação das normas que regulam os poderes próprios do Tribunal da Relação na reapreciação da decisão relativa à matéria de facto.


Importa apreciar da admissibilidade do recurso por via normal.


Com efeito, nos presentes autos, o acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e aderindo essencialmente à fundamentação da decisão recorrida. Contudo, perante as questões suscitadas pelos recorrentes, importa verificar se alguma ou algumas dessas questões, por se referir(em) à violação dos poderes normativos do Tribunal da Relação, permitem descaracterizar a dupla conforme impeditiva da admissibilidade do recurso por via normal.


De acordo com as conclusões da revista, são as seguintes as questões suscitadas pelos recorrentes:


a. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia ao não ter conhecido da questão relativa ao incumprimento pela sentença do dever de fundamentação nos termos do art. 607.º, n.º 4, do CPC - cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC (conclusões 1.ª a 25.ª);


b. Violação do disposto nos arts. 640.º, 662.º, n.º 1, 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do CPC, atendendo a que o acórdão recorrido (conclusões 26.ª a 33.ª):


i. No que se refere aos factos provados 17 a), 25, 33, 34, 36, 39, 40, 41, 45, 46, 47 e 48, que os recorrentes pretendiam fossem considerados não provados, não procedeu à apreciação crítica dos meios de prova e à discussão do seu conteúdo, fazendo uma pura remissão para a fundamentação constante da sentença, com uma alusão genérica à petição inicial e à contestação, a documentos e a testemunhas;


ii. No que se refere aos factos não provados que os recorrentes pretendiam que fossem dados como provados (factos 52 a 57), também não se verificou uma apreciação crítica da prova apesar de existir uma menção individualizada aos factos e meios de prova;


c. Impugnação da matéria de facto por violação de regras de direito probatório material (conclusões 34.ª a 45.ª):


i. Violação da regra relativa à inversão do ónus da prova prevista no art. 344.º, n.º 2, do CC: os factos não provados 55 e 56 deveriam ter sido considerados provados, uma vez que o réu não juntou toda a documentação de que dispunha (conclusões 34.ª a 37.ª);


ii. Violação das regras relativas à confissão previstas nos arts. 358.º e 360.º do CC: o facto não provado 57 deveria ter sido atendido como provado por ser matéria que foi confessada pelo réu nos arts. 75.º a 77.º da contestação (conclusões 38.ª a 40.ª);


iii. O facto provado 46 constitui uma conclusão jurídica, pelo que deve ter-se como não escrito (conclusão 41.ª);


iv. Violação do disposto nos arts. 376.º, n.ºs 1 e 2, e 394.º, n.º 1, do CC (formalidades ad probationem) relativamente aos factos provados 39 a 41, uma vez que o contrato de financiamento garantido com penhor financeiro só poderia ser alterado por acordo expresso escrito das partes não sendo admissível a sua alteração por documento unilateral do réu dirigido aos autores – cfr. carta datada de 03-04-2018 (conclusões 42.ª a 44.ª);


d. Violação do art. 663.º, n.º 6, do CPC ao, em matéria de fundamentação da decisão de direito, se ter simplesmente remetido para a fundamentação da sentença (conclusões 46.ª e 47.ª).


Uma vez que o recurso de revista se mostra fundado na desconformidade de lei processual por alegada violação do disposto no art. 662.º do CPC, invocando-se que o Tribunal da Relação não procedeu a uma efectiva e concreta apreciação crítica da fundamentação da matéria de facto, é o mesmo admissível por via normal, circunscrito à apreciação desta questão.


Relativamente à reapreciação da impugnação da matéria de facto (conclusões 34.ª a 45.ª), a respeito da qual os recorrentes invocam diversas violações de regras de direito probatório material, não têm tais questões aptidão para descaracterizar a dupla conforme impeditiva do recurso de revista por via normal, na medida em que, a verificarem-se, não são imputáveis inovadoramente ao Tribunal da Relação mas antes a ambas as instâncias (neste sentido, cfr., a título exemplificativo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13-10-2022, proc. n.º 12426/18.9T8PRT.P1-A.S1, e de 21-09-2021, proc. n.º 2380/08.0TBSTB.P2.S1, consultáveis em www.dgsi.pt). Deste modo, e apesar de os recorrentes terem erroneamente integrado esses alegados vícios do acórdão recorrido na violação do art. 662.º do CPC, tais questões não são susceptíveis de descaracterizar a dupla conforme, pelo que, nessa parte, a revista não é admissível por via normal.


Também a questão das arguidas nulidades (conclusões 1.ª a 25.ª) não permite descaracterizar a dupla conforme que se formou nos autos, conforme resulta da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal.


Nas palavras do sumário do acórdão de 26-11-2020 (proc. n.º 11/13.6TCFUN.L2.S1), disponível em www.dgsi.pt: «(…) II. A dupla conformidade não é descaracterizada – por não existir qualquer base legal para o efeito – nem pelos alegados erros de julgamento na aplicação de regras de direito probatório, nem pelos alegados erros na aplicação de regras de direito substantivo, nem pelas alegadas inconstitucionalidades na interpretação dessas normas de direito probatório e de direito substantivo. III. Tampouco é descaracterizada pelas alegadas nulidades do acórdão recorrido. O facto de os reclamantes virem, a este respeito, convocar posição diversa, não permite afastarmo-nos deste juízo, tanto por não existir base legal para o efeito, como por corresponder à jurisprudência reiterada deste STJ. (…)».


Quanto à questão da arguida irregularidade processual por a fundamentação da decisão de direito do acórdão recorrido ter sido realizada por simples remissão para a fundamentação seda decisão da 1.ª instância (conclusões 46.ª e 47.ª), e ainda que venha qualificada pelos recorrentes como sendo uma violação do art. 663.º, n.º 6, do CPC, assinale-se que, devidamente qualificada, a mesma se reconduz, em rigor, à invocação de nulidade por falta de fundamentação de direito, o que não permite descaracterizar a dupla conforme.


Conclui-se, assim, que o presente recurso apenas é admissível, por via normal na parte em que os recorrentes invocam a violação dos poderes conferidos ao Tribunal da Relação pelo art. 662.º do CPC por, alegadamente, não ter este procedido a uma efectiva e concreta apreciação crítica da impugnação da matéria de facto.


III – Questões a apreciar


Conforme resulta do ponto anterior do presente acórdão, a questão a apreciar no presente acórdão é a seguinte:


• Violação dos poderes conferidos ao Tribunal da Relação pelo art. 662.º do CPC por, alegadamente, não ter este procedido a uma efectiva e concreta apreciação crítica da impugnação da matéria de facto.


IV – Fundamentação de facto


1 - Os autores foram clientes do "Banco Espírito Santo, S.A.".


2 - Em 15-6-2006 e em 30-7-2007, respectivamente, os autores adquiriram obrigações lançadas pelos bancos islandeses "Landsbank" e "Kaupthing Bank".


3 - Em 28-7-2010, os autores e "Banco Espírito Santo, S.A." acordaram nos termos do documento 7, denominado contrato de financiamento com penhor de obrigações (doe. de fls. 146 a 154).


4 - Nos termos desse acordo, os autores entregaram ao BES a totalidade das obrigações "Landsbank" e "Kaupthing Bank", passando o BES a ser o titular dessas obrigações.


5 - Nos termos desse acordo, em contrapartida, o BES:


a) Entregou aos autores as Obrigações ESFG 2017 (ISINXS........61), cuja emitente foi a "Espírito Santo Finantial Group International Ltd.".


b) Concedeu aos autores um financiamento pelo valor de € 280.000,00, para fazer face a necessidades de tesouraria dos autores, sendo a garantia deste financiamento o penhor das Obrigações ESFG 2017.


6 - Nos termos da Cláusula 8a, n° 1, do Contrato de Financiamento com Penhor de Obrigações, de 28 de Julho de 2010, para pagamento de quaisquer montantes devidos ao abrigo do presente contrato, o Cliente autoriza o BES a, sem notificação prévia, debitar a Conta D/O pelos montantes correspondentes ao serviço da dívida e demais encargos correspondentes à parte do financiamento creditado".


7 - Em 14 de Novembro de 2011, foi executada a venda das 350.000, 00 Obrigações ESFG 2017, à cotação de 41,97%, tendo a conta de depósito à ordem dos autores sido creditada por um montante de € 155.742,42.


8 - Em consequência da venda, cessou o penhor das obrigações ESFG e o contrato de financiamento deixou de ter garantias associadas.


9 - Em 30-11-2011, os autores e o "Banco Espírito Santo, S.A." acordaram nos termos do documento 2, denominado alteração do acordo celebrado em 28 de Julho de 2010 (fls. 81 a 97).


10 - Nos termos acordados, no dia 30 de Novembro de 2011, foi executada uma compra de 514 000 credit linked notes (CLN) Bes Finance Ltd 6%2021 à cotação de 50, 18% pelo montante de € 257 935, 20, sendo o valor nominal dos títulos € 514.000,00.


11 - Da venda das 350 000, 00 Obrigações ESFG 2017 por € 155.742,42 e da compra das 514.000, 00 Obrigações BES Finance 2021 por €257.935,20 resultou um saldo negativo de € 102.192,78.


12 - As partes acordaram em aumentar o montante do contrato de financiamento de € 280.000,00 para € 382.000,00, prevendo-se, em substituição da garantia anteriormente prestada, o penhor das obrigações BES Finance 2021.


13 - Os autores declararam confirmar as operações, designadamente a aquisição das obrigações BES Finance 2021 e conhecer os riscos com elas relacionados, como sejam o risco de perda, total ou parcial, do investimento, seja por flutuações do valor do activo, seja pela insolvência do emitente ou do garante, ou por outros motivos de cariz económico, político ou de qualquer outra índole, que possam afectar os mercados, o sistema financeiro e a economia em geral.


14 - As partes acordaram que a garantia associada ao contrato de financiamento celebrado, em 28-7-2010, passaria a ser o penhor das Obrigações BES Finance 2021.


15 - Os autores declararam conhecer integralmente a composição da sua conta de instrumentos financeiros e serem titulares das 514.000 Obrigações BES Finance 2021, conhecendo as suas características e riscos.


16 - Em 3 de Agosto de 2014, o réu "recebeu", por efeito da Medida de Resolução, a generalidade do envolvimento contratual bancário dos autores com o BES.


17 - Os termos desse envolvimento eram os seguintes:


(a) O réu era credor de um financiamento por via de crédito em conta corrente com utilização pelos autores, à data, do valor de € 362 200,00 (trezentos e sessenta e dois mil e duzentos euros) (doe. 1).


(b) Os autores eram credores do réu ao abrigo da sua titularidade de 514.000 Credit Linked Notes (CLN) BES Finance LTD 6% 2021 (que passaram, entretanto, e denominar-se NB Finance LTD 6% 2021) ("Obrigações"), quer quanto ao pagamento de juros de cupão, quer quanto ao reembolso, na maturidade, do respectivo valor nominal.


18 - Teve início o processo de venda do réu, no âmbito do qual a "Lone Star", potencial adquirente, havia acordado com o Banco de Portugal que seria pressuposto da aquisição um exercício prévio de gestão de passivos ("LME" - Liability Management Exercise) do réu.


19 - Nos termos desse exercício, o réu proporia aos credores de diversos instrumentos de dívida de que era emitente a alteração dos respectivos termos e condições, de forma a que os mesmos passassem a contemplar uma call option a favor do réu.


20 - O lançamento da oferta correspondia a uma das condições prévias acordadas entre o BdP, o Fundo de Resolução e a "Lone Star", no âmbito da negociação da alienação a esta de parte da participação detida pelo Fundo de Resolução no capital social do réu (documento n° 14).


21 - A condição implicava um exercício de gestão de passivos (o LME) que visava uma extinção de passivos (perante os titulares das obrigações objecto do mesmo) num determinado montante agregado, por via da sua aquisição pelo emitente (o réu).


22 - Essa opção, uma vez aprovada pelos credores, seria exercida pelo réu, mediante o pagamento de uma percentagem do valor nominal de cada instrumento.


23 - Relativamente aos credores que viessem a aderir voluntária e integralmente ao LME era dada a possibilidade de constituição de um depósito a prazo com o valor a creditar em exercício da call option, de molde a compensar esses credores pelas expectativas de manutenção da titularidade dos instrumentos à maturidade.


24 - Antes da conclusão do LME colocavam-se dois cenários potenciais:


(a) A obtenção das maiorias necessárias em sede de assembleias de obrigacionistas que permitissem a alteração dos termos e condições dos diversos instrumentos de dívida, caso em que os titulares de cada série ficariam vinculados à decisão, ainda que não tivessem votado a favor, e, portanto, sujeitos ao reembolso antecipado por iniciativa do réu; ou


(b) A não obtenção das maiorias necessárias, o que poderia ditar o insucesso do LME e, consequentemente, inviabilizar a alienação do capital do R. ao potencial adquirente, circunstância que acarretava o risco sério de o réu entrar, nesse caso, em liquidação,


25 - Foram esses dois cenários que o réu transmitiu aos autores, dando-lhe conta dos detalhes do LME, dos riscos especiais que nesse momento afectavam as Obrigações e do depósito a prazo de que poderiam beneficiar os clientes que aderissem voluntariamente ao LME.


26 - A informação foi sendo tornada pública pelo BdP e pelo Fundo de Resolução, assinaladamente, o anúncio da oferta foi tornado público, em 24 de Julho de 2017, tendo o lançamento da oferta de aquisição sido previamente articulado com as autoridades de supervisão competentes, acompanhado de Memorando de Oferta e respectivas Adenda e Rectificação, disponíveis em:


https://www.novobanco.pt/site/cms.aspx?srv=207&stp=l&id=....03&fext=.pdf


https://www.novobanco.pt/site/cms. aspx?srv=207&stp= 1 &id=.....0&fext=.pdf


https://www.novobanco.pt/site/cms.aspx?srv=207&stp=1&id=.....2&fext=.pdf (documento n° 13).


27 - Em paralelo com o LME, o emitente apresentou aos obrigacionistas uma proposta de alteração dos termos e condições das obrigações que visava a introdução de um mecanismo de reembolso antecipado das obrigações por decisão do emitente.


28 - A proposta foi submetida a aprovação das assembleias de obrigacionistas (uma para cada série de obrigações), os quais, no caso das Obrigações tituladas pelos autores, deliberaram, validamente e pela maioria de votos exigida, a alteração dos termos e condições destas obrigações (documento n° 15).


29 - Por vontade e decisão dos respectivos obrigacionistas, foi permitido que o réu pudesse exercer livremente a opção de reembolso antecipado no contexto da oferta de aquisição que se encontrava em curso.


30 - Os obrigacionistas que votaram favoravelmente a alteração dos termos e condições sabiam que o exercício desta opção sucederia mediante o pagamento de uma percentagem pre-estabelecida do valor nominal das obrigações, acrescida do pagamento de juros vencidos, se aplicável,


31 - Acrescida da possibilidade de as contrapartidas recebidas serem colocadas em depósitos a prazo que o réu disponibilizou aos titulares que aderiram integral e voluntariamente ao procedimento proposto, com taxas de juro pré-estabelecidas, as quais variavam em função da série das obrigações.


32 - No dia 4 de Outubro de 2017, o réu anunciou o resultado positivo do exercício, resultante do facto de terem sido atingidas, com o LME, as condições de que dependia o sucesso e a implementação da operação (documento n° 16).


33 - Seguiu-se a implementação do LME, com o exercício da opção de reembolso pelo réu, pagamento das contrapartidas -mediante constituição, para os clientes que assim o desejaram (o que não foi o caso dos autores), de depósitos a prazo em nome dos titulares - e aquisição dos valores mobiliários em causa pelo réu, com a consequente extinção dos créditos e débitos associados aos mesmos (documento n° 17).


34 - Esta informação, e a demais relevante, para efeitos de informação aos titulares dos valores mobiliários visados foi sendo tornada pública pelo réu e disponibilizada no website da CMVM, em Portugal, e no website da Commission de Surveillance du Secteur Financier ("CSSF"), no Luxemburgo, como foi transmitida e explicada directamente a todos os titulares, como foi o caso dos autores.


35 - A operação de recompra foi sujeita a deliberações pelos respectivos obrigacionistas, os quais, em sede de assembleias devidamente convocadas, e pelas maiorias e em respeito pelos procedimentos legalmente exigidos, aprovaram a operação relativamente às obrigações de que os autores eram titulares.


36 - Os autores aderiram ao LME e recusaram a constituição do depósito a prazo de compensação com o valor pago pelo réu para recompra das Obrigações (documento n° 18).


37 - Tendo sido obtida a maioria necessária na assembleia relevante, o réu recomprou as Obrigações, tendo creditado na conta dos autores o valor de € 457.460,00.


38 - As obrigações encontravam-se, desde a celebração com o BES, em 30 de Novembro de 2011, do acordo de Alteração a Contrato de Financiamento com Penhor de Obrigações Celebrado em 28 de Julho de 2010, dadas em penhor financeiro como garantia do crédito em conta corrente concedido aos autores pelo BES (do qual o réu era credor).


39 - Não tendo os autores manifestado disponibilidade para a prestação de outra garantia em substituição do penhor financeiro, a solução que veio a ser acordada com os autores foi a amortização integral do crédito em conta corrente.


40 - Os autores assumiram perante o réu o compromisso de emitirem uma ordem de amortização nesse sentido, por débito na conta, que, entretanto, se encontraria creditada com o valor pago pelo réu em exercício da call option.


41 - Após a implementação do LME e a recompra das Obrigações pelo réu e consequente crédito do valor de € 457.460,00 (quatrocentos e cinquenta e sete mil, quatrocentos e sessenta euros) na conta, o réu interpelou os autores no sentido de lhe ser remetida a ordem de amortização integral do crédito em conta corrente, como os autores se tinham comprometido a fazer.


42 - Fê-lo, designadamente, através de mensagens de correio electrónico enviadas, em 22 de Dezembro de 2017 (na qual se incluiu a ordem que deveria ser assinada pelos autores e devolvida ao réu), 9 e 10 de Janeiro de 2018 e 9 de Fevereiro de 2018 (doe. 19).


43 - O réu notificou os autores, por carta datada de 18 de Abril de 2018, do vencimento antecipado das respectivas obrigações contratuais, que produziria efeitos três dias após essa data (doe. 20).


44 - Conferindo-lhes um prazo de cinco dias úteis para a amortização integral da linha de crédito e demais encargos.


45 - Os autores nada fizeram.


46 - O réu encontrando-se vencidas antecipadamente as obrigações dos autores, como estes não liquidaram aquele valor no prazo que lhes havia sido concedido para o efeito e estando para tal habilitado contratualmente pelos autores (cláusula 8a, n° 1, do Contrato de Financiamento com Penhor de Obrigações, de 28 de Julho de 2010), debitou a conta à ordem pelo valor global da dívida vencida (documento n° 21).


47 - Os movimentos bancários encontram-se justificados, tendo sido comprovados perante os autores (documento n° 10).


48 - As comissões devidas pelos autores encontravam-se definidas contratualmente, desde a abertura de conta e ao abrigo dos diversos acordos que, ao longo do tempo, estes foram celebrando com o BES.


49 - Os autores, desde a abertura de conta, solicitaram ao BES a "guarda de correio", ao invés de indicarem uma morada para a qual os extractos e demais correspondência pudessem ser remetidos (documento n° 11).


50 - A informação ia sendo prestada aos autores pelo seu gestor de conta DD, nomeadamente por via de correio electrónico, como foi em Setembro e Dezembro de 2013, bem como em Dezembro de 2014 (documento n° 12).


51 - Era remetida aos autores a sua posição global e um detalhe dos movimentos registados na conta durante o período relevante a que os extractos diziam respeito.


Não foram dados como não provados:


- O réu tenha intermediado a subscrição ou aquisição pelos autores de quaisquer instrumentos financeiros - todos os investimentos tiveram como intermediário o BES.


- O réu nunca tenha enviado extractos de conta aos autores, com discriminação dos movimentos registados.


- O réu tenha omitido qualquer informação relevante aos autores


- O réu tenha cobrado em excesso € 11.193,66, ou outro quantitativo, a título de juros remuneratórios, desde Dezembro de 2011 até 2017, no âmbito do contrato de abertura de conta corrente.


- Os autores tenham pago indevidamente ao réu quantia não inferior a € 6.500,00 a título de comissões.


- Os autores tenham pago em excesso ao réu quantia não inferior a € 1.500,00 de impostos e de juros, por força de movimentos bancários do BES e do réu, contra a vontade dos autores, de Dezembro de 2011 até 3-8-2018.


V – Fundamentação de direito


1. Alegam os recorrentes que o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 640.º, 607.º, n.º 4, 662.º, n.º 1, e 663.º, n.º 2, do CPC, na medida em que tal acórdão:


i. No que se refere aos factos provados 17 a), 25, 33, 34, 36, 39, 40, 41, 45, 46, 47 e 48, que os recorrentes pretendiam fossem considerados como não provados, não procedeu à apreciação crítica dos meios de prova e à discussão do seu conteúdo, fazendo uma pura remissão para a fundamentação constante da sentença, com uma alusão genérica à petição inicial e à contestação, a documentos e a testemunhas;


ii. No que se refere aos factos não provados que os recorrentes pretendiam que fossem dados como provados (factos 52 a 57), também não se verificou uma apreciação crítica da prova apesar de existir uma menção individualizada aos factos e meios de prova.


Vejamos.


O art. 662.º do CPC consagra um efectivo segundo grau de jurisdição quanto à apreciação da prova produzida, sendo imposto ao Tribunal da Relação, por força do que se encontra previsto no art. 607.º, n.º 4, ex vi art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC, que aprecie de forma crítica as provas indicadas como fundamento da impugnação, de forma conjugada e contextualizada, de modo a formar a sua própria convicção. Cfr. neste sentido, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 04-07-2023 (proc. n.º 19645/18.6T8LSB.L1.S1), de 15-06-2023 (proc. n.º 6132/18.1T8ALM.L1.S2), de 24-10-2023 (proc. n.º 24966/19.8T8PRT.P1.S1) e de 14-07-2021 (proc. n.º 1333/14.4TBALM.L2.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.


No caso dos autos, verifica-se que o acórdão recorrido procedeu (a páginas 48 a 68) à análise da prova produzida, em especial, realizou a audição da prova gravada, conforme se constata através do resumo dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte dos autores, conjugando-a com a demais prova documental constante dos autos, considerando não haver qualquer reparo a efectuar à decisão da matéria de facto constante da sentença da 1.ª instância.


Mais, o acórdão recorrido, para além de especificar o teor da prova testemunhal e das declarações de parte, tratou também de discriminar os pontos concretos da factualidade impugnada, agrupando a apreciação dos factos provados e dos factos não provados, mas indicando qual a posição assumida e, bem assim, a respectiva motivação. Tratou ainda de especificar alguns destes factos, em especial aqueles que decidiu com base em prova vinculada, motivando-os de forma mais evidente.


É verdade que, nesta discriminação da factualidade impugnada, a Relação escolheu restringir-se a enunciados sintéticos, resumindo o teor da prova produzida, em conjugação com a prova documental, auxiliando-se, igualmente, daquilo que foi entendido na sentença. Note-se, porém, que o relato que a Relação faz da prova testemunhal e das declarações dos autores não é uma mera transcrição da apreciação da prova da sentença, mas antes um verdadeiro exercício de audição da prova gravada, que não deixou de conjugar com a documentação constante dos autos.


Afigura-se que se mostra suficiente a apreciação da matéria de facto que o acórdão recorrido efectuou, uma vez que, para além de ter procedido à audição da prova gravada, acolheu a fundamentação de facto da sentença e procedeu a uma reapreciação efectiva dos meios de prova indicados, não se limitando a aderir ao juízo probatório da 1ª instância, antes formando uma verdadeira e própria convicção.


Pretenderiam os recorrentes que a intervenção do Tribunal da Relação consistisse na realização de um novo julgamento da matéria de facto. Porém, nas palavras do acima referido acórdão deste Supremo Tribunal 26-11-2020 (proc. n.º 11/13.6TCFUN.L2.S1), «a apreciação pelo tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas antes uma reapreciação do julgamento proferido pela 1ª instância, tendo em vista a correcção de eventuais erros da decisão».


Em face do exposto, não merece assim censura a apreciação da prova realizada pelo Tribunal da Relação, concluindo-se pela não verificação da alegada violação das normas processuais respeitantes à reapreciação da matéria de facto.


2. Atendendo a que os recorrentes invocaram a via excepcional para a admissibilidade do recurso, nos termos do art. 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, há que determinar a remessa dos autos à Formação nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 672.º do CPC.


VI – Decisão


Pelo exposto, decide-se:


a. Admitir o recurso, por via normal, na parte circunscrita à apreciação das questões da alegada violação das normas legais que regem o uso dos poderes do Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da matéria de facto, julgando improcedente a pretensão dos recorrentes com tal fundamento;


a. Determinar a remessa dos autos à Formação prevista no nº 3 do art. 672.º do CPC para apreciação da admissibilidade do recurso por via excepcional.


Custas a final.


Lisboa, 14 de Novembro de 2024


Maria da Graça Trigo (relatora)


Orlando Nascimento


Catarina Serra