Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA RECURSO DE REVISTA OPOSIÇÃO DE JULGADOS ACORDÃO FUNDAMENTO ACÓRDÃO RECORRIDO PRESSUPOSTOS COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
Data do Acordão: | 09/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
Sumário : | I - Para haver oposição de julgados, para efeitos do recurso de revista, no âmbito do art. 14.º, do CIRE, exige-se a verificação dos seguintes pressupostos: a) Verificação de uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão do STJ, que serve de contraponto e de fundamento à admissibilidade da revista; b) A existência da efetiva contradição de acórdãos, ou seja, deve estar-se perante uma oposição frontal e tal oposição frontal deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos (sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo); c) Dever a contradição dos acórdãos, verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico; d) Não haver acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ). II - Como resulta da LOSJ, no STJ não há que criar uma secção especializada de comércio, mas tão só, atribuir a uma determinada secção, a competência para a matéria. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº. 9385/22.7T8LSB-C.L1.S1
Acordam em Conferência na 6ª. Secção do STJ. 1-Relatório: Por sentença proferida nos autos, foi AA declarado insolvente. Desta sentença interpôs o insolvente recurso de apelação, tendo a Relação de Lisboa proferido acórdão com o seguinte teor na sua parte decisória: «Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, assim confirmando na íntegra a sentença recorrida». Uma vez mais, inconformado, veio o recorrente interpor recurso de revista para este STJ., concluindo as suas alegações, na parte que ora releva: a) Vem o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 14.º/1 in fine do CIRE, por o mesmo estar em oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2021 e publicado in www.dgsi.pt de que se protesta juntar certidão. b) Ambos os acórdãos versam sobre situações de facto substancialmente idênticas, baseando-se em situações materiais litigiosas que reclamam a aplicação do mesmo quadro jurídico-normativo. Na verdade, c)As situações de facto são idênticas, porque está em causa o requerimento de insolvência, em detrimento do processo de execução, por parte do credor que está munido de garantia hipotecária sobre bem imóvel do devedor mais que suficiente para o pagamento da quantia em dívida. d)E em ambos os casos, o processo de insolvência não foi utilizado para os fins para que foi desenhado, mas, antes, para pressionar o devedor, com a agravante, no caso do acórdão recorrido, de essa pressão ser outrossim exercida contra o órgão de soberania (tribunais). e) É que o recorrido BBVA, face à suspensão do processo de execução em curso e para ilegitimamente beneficiar do carácter urgente do processo de insolvência - e nada mais - no lugar de recorrer dessa decisão, atalhou caminho requerendo a declaração de insolvência do recorrido. f) Que, aliás, nenhuma culpa tem quanto à suspensão da referida execução e até já se disponibilizou no referido processo executivo para pagar a dívida mediante a venda do bem à remitente. g) Está em causa a mesma questão fundamental de direito, porquanto se cura de aferir a legitimidade ou interesse em agir do credor hipotecário em requerer a declaração da insolvência quando pode lançar do processo de execução. h) O acórdão recorrido, assenta na interpretação de que “Não se verifica a exceção dilatória de falta de interesse em agir quando o credor instaura processo, tendo em vista a declaração de insolvência do devedor, na pendência de Acão executiva por si intentada, ainda que nesta não se encontre demonstrada a insuficiência dos bens penhorados para satisfazer o crédito do exequente, quando fundamenta o seu pedido no nº 1 do artigo 3º do CIRE, invocando a verificação dos factos-índice de insolvência das alíneas a), b) e g) do nº 1 do artigo 20º do mesmo diploma.” i) Ao passo que no acórdão fundamento se decidiu que “A declaração de insolvência de um devedor pessoa singular acarreta consequências gravosas, tanto no plano pessoal e social (pela compressão de direitos fundamentais), como no domínio da gestão dos seus interesses de natureza patrimonial (previstas nos arts. 81.º e ss. do CIRE), pelo que tal declaração, quando requerida pelos credores, não deve basear-se, essencialmente, em argumentos de ordem processual-formal, mas antes (acomodando a flexibilidade indagatória que emerge do princípio do inquisitório, consagrado no art. 11.º do CIRE) sustentar-se numa aturada ponderação da situação patrimonial do requerido.” j) O acórdão recorrido diverge do acórdão fundamento, na medida em que se limitou a adotar um critério essencialmente de ordem processual-formal, baseando-se na aparente existência dos dois fatores-índice descurando proceder a uma aturada e esgotante ponderação da situação patrimonial do devedor, tendo em conta as finalidades do processo de insolvência. k) Cotejando ambos os acórdãos, vemos que no acórdão recorrido o tribunal a quo fez a uma interpretação restrita e literal aos fatores-índice, ao ponto de assentar em falsas premissas de facto, baseando-se numa espécie de verdade formal que, no entanto, é sempre falsa, como vamos demonstrar. l) Ao passo que no acórdão fundamento se lê que “…a insolvência, quando requerida por um credor, não deve ser decretada sem uma aturada ponderação da situação patrimonial do requerido, que demonstre inequivocamente a inviabilidade de soluções pessoalmente menos penosas para o devedor, ou seja, de soluções que permitam a satisfação do interesse dos credores com menor compressão de direitos fundamentais do devedor (como o recurso à ação executiva).” m) No acórdão recorrido, decidiu-se manter a declaração de insolvência do recorrente pessoa singular, não obstante resultar evidenciada uma falta de interesse em agir do requerente (pressuposto prévio e condição sine qua non) e uma superioridade do ativo imobiliário para satisfação do crédito do credor requerente. n) Ao passo que no acórdão fundamento foi revogada a declaração de insolvência do recorrente que havia sido decretada em dupla conforme pelas instâncias. o) O acórdão recorrido, assenta na ideia de que inexiste lei ou norma que impeça o credor de requerer a declaração da insolvência sem previamente recorrer à ação executiva, quando tal constitui s.d.r., um modo errado de interpretar a lei e aplicar o direito. p) Sem incorrer em abuso de direito ou abuso de posições processuais, o credor não pode escolher a seu belo talante qual o meio processual que vai utilizar, quando, como e com que finalidade. q) O uso do meio processual adequado à pretensão, sendo questão de interesse público e, portanto, oficioso, tem de obedecer ao que está prescrito na lei e os princípios da adequação e proporcionalidade impõem que, de entre os possíveis, se utilize o menos gravoso, como, aliás, decidido no acórdão fundamento. r) Portanto, se um credor por via do processo executivo puder ver satisfeito o seu direito de crédito, carece de interesse em agir ou legitimidade processual para requerer a declaração de insolvência do devedor, ainda que esta se venha a verificar, conforme trecho do acórdão fundamento reproduzido na conclusão l). s) Ademais, e citando o preclaro Professor José Lebre de Freitas “O recurso daquele credor ao processo de insolvência constitui um modo de defraudar os referidos arts. 697.º, CC, e 752.º, CPC.” t) Mais doutrinou que “Contendo o art. 697.º, CC, uma norma imperativa, tal como o art. 752.º, CPC, constitui fraude à lei procurar evitar a sua aplicação recorrendo à apreensão de outros bens do devedor em processo de insolvência, sem primeiro provar essa insuficiência.”. u) Ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, aliás, em desarmonia com o acórdão fundamento, a indagação do pressuposto processual do interesse em agir é anterior ao apuramento do pressuposto plasmado no artigo 3.º/1 do CIRE. v) De modo que faltando aquele não se conhece deste e que, ainda assim, e ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, não é único e como bem se sublinha no acórdão fundamento não se basta com uma avaliação perfunctória. w) O tribunal a quo contorna ainda a questão afirmando que “temos de reconhecer que o Banco tem interesse na instauração do processo de insolvência, de forma a este cumprir as finalidades consagradas no artigo 1º do CIRE”. x) Em que é que se materializa (utilidade derivada da procedência da causa) esse interesse não nos diz o acórdão recorrido, quando certo é que não só os demais credores do devedor não requereram até hoje a insolvência deste, y) como não mandataram o recorrido para ir defender interesses que não são seus e não têm interesse na formação de uma massa insolvente que em nada lhes aproveita e só retira capacidade ao devedor de ir cumprindo com as suas obrigações. (…) O BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA, S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL, bem como, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., Credor Reclamante, apresentaram as suas contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade do recurso. Foi dado cumprimento ao disposto no nº. 1 do art. 655º do CPC. Veio o recorrente apresentar requerimento, onde para além de sustentar a admissibilidade do recurso, veio aditar a arguição de uma nulidade, por infração das regras de competência. Foi proferida decisão sumária a julgar findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto. Desta decisão sumária veio o recorrente reclamar para a conferência, esgrimindo o mesmo argumentário. 2-Fundamentação: A decisão sumária proferida conheceu das questões suscitadas pelo recorrente, a qual se transcreverá, na medida em que, nada há a alterar. Disse a mesma: «Na situação vertente, veio o insolvente interpor recurso de revista sobre o acórdão da Relação, o qual confirmou a sua declaração de insolvência, entendendo que aquele se encontra em oposição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2021. Ora, nos termos plasmados no nº. 1 do art. 14º do CIRE, no processo de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo jurisprudência com ele conforme. Como se escreveu no Ac. do STJ, de 19-12-2023, in http://www.dgsi.pt.«A oposição relevante em termos de admissibilidade de recurso pressupõe que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, que determine a aplicação em cada um do mesmo regime legal, de modo direto conflituantes, com soluções de direito opostas e como tal inconciliáveis, e em conformidade contraditórias». A contradição de julgados exige, assim, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais, sendo as soluções em confronto, divergentes e no domínio da mesma legislação. A exigência de identidade do núcleo essencial das situações de facto é fundamental, pois, inexiste conflito jurisprudencial quando a diversidade de soluções jurídicas alcançadas para a composição dos interesses em litígio, num e no outro caso, assentam em diferenciações relevantes da matéria litigiosa, decorrendo a diversa solução adotada nos dois acórdãos de particularidades da matéria de facto subjacente aos litígios ( cf. neste sentido acórdão do STJ de 02.10.2014, Processo n.º 68/03.0TBVPA.P2.S1-A). Como referem Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3º Vol. (3ª edição) pág. 282, “a integração da previsão da norma que é objeto de interpretações ou aplicações divergentes faz-se com factos de certo tipo e não de qualquer tipo (…) não basta uma oposição sobre a interpretação abstrata de normas jurídicas, pois está em causa a solução de casos jurídicos, por definição concretos.” Com efeito, para se verificar uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento, é necessário que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes ou equivalentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o núcleo factual essencialmente idêntico ou equivalente, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória. Só há uma verdadeira contradição entre os acórdãos, quando a questão essencial, que constituiu a razão de ser e objeto da decisão, foi resolvida de forma frontalmente oposta na decisão em confronto. Assim, para haver oposição de julgados, para efeitos do recurso de revista, no âmbito do art. 14º do CIRE, exige-se a verificação dos seguintes pressupostos: - Verificação de uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão do STJ, que serve de contraponto e de fundamento à admissibilidade da revista; - A existência da efetiva contradição de acórdãos, ou seja, deve estar-se perante uma oposição frontal e tal oposição frontal deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos (sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo); - Dever a contradição dos acórdãos verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico. - Não haver acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ)». Aditar-se-á, ainda, a título exemplificativo, a seguinte jurisprudência do STJ, in www.dgsi.pt: Ac. do STJ, de 09.03.2021: « Duas decisões só são divergentes quanto à mesma questão fundamental de direito se têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – são análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, e que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso (isto é, que integre a ratio decidendi dos acórdãos em confronto». - Acórdão do STJ de 26.05.2021: «A oposição jurisprudencial que releva para efeitos da aplicação do regime de recursos especial do art. 14º, nº 1, do CIRE é a que se manifesta em decisões divergentes que tenham por base situações de facto análogas ou equiparáveis, subsumíveis a um mesmo quadro normativo, e em que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso. - Ac. do STJ, de 26.05.2021: «A oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação». Ac. do STJ de 08.02.2022: «A admissibilidade do recurso de revista, restrita e atípica, previsto no art. 14º, nº 1, do CIRE implica que o recorrente tem o ónus de demonstrar que a diversidade de julgados a que respeitam os acórdãos em confronto é consequência de uma interpretação divergente da mesma questão fundamental de direito na vigência da mesma legislação, conduzindo a que uma mesma incidência fáctico-jurídica tenha sido decidida em termos contrários. As decisões dos acórdãos em confronto entendem-se como divergentes se se baseiam em situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo - tendo em vista os específicos interesses das partes em conflito - são análogas ou equiparáveis, pressupondo a oposição jurisprudencial (frontal e expressa, por regra) uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, sendo que, nesse contexto, a questão fundamental de direito (ou questões fundamentais) em que assenta(m) a alegada divergência sobre a aplicação de determinada solução legal assume(m) um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso». Ac. do STJ. de 31.1.2023: «Não se verifica a oposição de acórdãos exigida pelo art. 14.º, n.º 1, do CIRE, quando a concreta diferença de sentido decisório entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento assenta na existência de bases factuais tipologicamente distintas, e não na existência de alguma diversidade interpretativa de qualquer norma do CIRE». Colocados estes parâmetros apreciemos a situação concreta. No acórdão recorrido, na parte relevante, apreciou-se da legitimidade e falta de interesse em agir do requerente do processo de insolvência e da verificação dos pressupostos para a declaração de insolvência. No acórdão fundamento delimitou-se a questão a dirimir, aos pressupostos da insolvência. Com efeito, enquanto no acórdão recorrido se apreciou do interesse em agir do requerente da insolvência, no acórdão fundamento, tal questão não foi suscitada nem apreciada. No acórdão recorrido, onde estavam em causa as alíneas a), b) e g) do nº. 1 do art. 20º do CIRE, vieram a ser julgadas preenchidas apenas as alíneas b) e e). No acórdão fundamento esteve em causa a verificação das alíneas a) e b) do nº. 1 do art. 20º do CIRE, nada se decidindo no concernente à alínea e). E no que se reporta à comum análise da alínea b), as situações são diversas. Efetivamente, no acórdão recorrido deu-se como provado, que o requerido deixou de pagar as prestações de dois contratos de mútuo que havia celebrado, obrigando o requerente a instaurar uma execução para cobrança de valores em dívida, tendo a execução sido sustada quanto à fração penhorada, em virtude do registo de duas penhoras prévias pela Fazenda Nacional. O requerido não pagou os empréstimos e a requerente não obteve até ao presente qualquer pagamento dos seus créditos. O requerido somente é proprietário da fração autónoma identificada em 9) dos factos provados e não dispõe de outro bem ou rendimentos que lhe permita satisfazer as dívidas vencidas, nem tem acesso a novo crédito bancário. Mais resultou dos factos provados do acórdão recorrido, que o requerido tem um passivo em montante superior ao seu ativo, bem como, o valor do único imóvel de que é titular tem um valor patrimonial inferior ao passivo. Ao requerido foram ainda instaurados dois processos executivos pelo Condomínio e foi condenado no âmbito de um outro processo, no pagamento de uma indemnização. No acórdão fundamento menciona-se que o património da apelante/insolvente, para além do imóvel identificado naqueles autos é também cotitular, do direito de propriedade sobre quatro parcelas rústicas, bem como, foi sinalizada perante os serviços de finanças como beneficiária de uma herança aberta por óbito do seu pai, cujo ativo é composto pela metade indivisa de três prédios urbanos e cinco prédios rústicos, de valor desconhecido. Ora, as situações fácticas respeitantes ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento, não apresentam qualquer similitude, sendo manifesto que os núcleos relevantes são completamente distintos. Assim, não se verifica a existência de identidade de questões de direito, de contradição de acórdãos, nem identidade do núcleo fáctico essencial. Veio, ex novo, o recorrente arguir a nulidade consistente na não existência neste STJ., de secção especializada de comércio e não ser da competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a criação de secções especializadas. Assim, entende que há uma incompetência absoluta do tribunal, bem como, inconstitucionalidade. Ora, nos termos do disposto no art. 65º. do CPC., as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada. A competência dos juízos de comércio encontra consagração no art. 128º da LOSJ (Lei 62/2013, de 26/8, com as inerentes atualizações). Face ao preceituado no artigo 54º deste normativo legal: 1 - As secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções, as secções criminais julgam as causas de natureza penal e as secções sociais julgam as causas referidas no artigo 126.º 2 - As causas referidas nos artigos 111.º, 112.º e 113.º são sempre distribuídas à mesma secção cível. 3 - As causas referidas no artigo 128.º são sempre distribuídas à mesma secção cível, distinta da indicada no número anterior. (…) Como alude o Artigo 48.º da mesma LOSJ. Funcionamento Compete às secções, segundo a sua especialização: a) Julgar os recursos que não sejam da competência do pleno das secções especializadas; g) Julgar, por intermédio do relator, os termos dos recursos a este cometidos pela lei de processo; i) Exercer as demais competências conferidas por lei. Por seu turno, dispõe o artigo 67º do mesmo diploma legal: Definição, organização e funcionamento 1 - Os tribunais da Relação são, em regra, os tribunais de segunda instância e designam-se pelo nome do município em que se encontram instalados. 2 - Os tribunais da Relação funcionam, sob a direção de um presidente, em plenário e por secções. 3 - Os tribunais da Relação compreendem secções em matéria cível, em matéria penal, em matéria social, em matéria de família e menores, em matéria de comércio e em matéria de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e supervisão, sem prejuízo do disposto no n.º 5. 4 - A existência das secções social, de família e menores e de comércio depende do volume ou da complexidade do serviço e a respetiva instalação depende de deliberação do Conselho Superior da Magistratura, sob proposta do presidente do respetivo tribunal da Relação. Ora, resulta do explanado que, contrariamente ao legislado para os Tribunais da Relação, no STJ., não são criadas secções de competência especializada de comércio, propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão e marítimo, mas poderão estas matérias ser distribuídas a determinadas secções por provimento do Presidente do STJ. As causas compreendidas no art. 128º da LOSJ são atribuídas sempre à mesma 6ª. Secção deste STJ. Esta secção, para além de ser competente para dirimir os litígios na área cível, também tem competência em matéria de comércio. Como resulta da própria LOSJ., no STJ. não há que criar uma secção especializada de comércio, mas tão só, atribuir a uma determinada secção, in casu, à 6ª secção, a competência para a matéria, como tem vindo a ser praticado há anos. Desta feita, não se verifica qualquer incompetência absoluta do tribunal, nos termos do art. 96º al. a) do CPC., não tendo sido praticada qualquer nulidade e muito menos qualquer violação dos arts. 111º e 165º da Constituição da República Portuguesa, inaplicáveis ao caso. A decisão sumária manter-se-á. Sumário: - Para haver oposição de julgados, para efeitos do recurso de revista, no âmbito do art. 14º do CIRE, exige-se a verificação dos seguintes pressupostos: - Verificação de uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão do STJ, que serve de contraponto e de fundamento à admissibilidade da revista; - A existência da efetiva contradição de acórdãos, ou seja, deve estar-se perante uma oposição frontal e tal oposição frontal deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos (sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo); - Dever a contradição dos acórdãos verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico. - Não haver acórdão de uniformização de jurisprudência (AUJ). - Como resulta da LOSJ., no STJ. não há que criar uma secção especializada de comércio, mas tão só, atribuir a uma determinada secção, a competência para a matéria. 3-Decisão: Pelo exposto, acorda-se em Conferência, indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular. Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie. Notifique. Lisboa, 17-9-2024
Maria do Rosário Gonçalves (Relatora) Amélia Alves Ribeiro Maria Olinda Garcia |