Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | AÇÃO DE PREFERÊNCIA DIREITO DE PREFERÊNCIA PRÉDIO CONFINANTE PRÉDIO RÚSTICO PRÉDIO URBANO ÓNUS DA PROVA ÓNUS DE ALEGAÇÃO FACTO CONSTITUTIVO PRESSUPOSTOS | ||
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Data do Acordão: | 12/19/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I. Quem se arroga o direito de preferência na aquisição de prédio rústico deve, nos termos do n.º 1 do art.º 1380.º do Código Civil, alegar e demonstrar, além do mais, que o adquirente do prédio não é proprietário confinante. II. O adquirente não é proprietário confinante, para os efeitos previstos no n.º 1 do art.º 1380.º do Código Civil, se o seu prédio for um prédio urbano. III. A lei civil não conhece a categoria de prédio misto: para o efeito de aplicação do regime previsto nos artigos 1380.º e 1381.º do Código Civil, há que classificar o prédio como rústico ou urbano. IV. Como critério de distinção entre prédio rústico e urbano tem avultado, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, a orientação de que deve prevalecer uma avaliação casuística, tendo subjacente a destinação ou afetação económica do prédio. V. Se se provar que o prédio dos adquirentes, confinante do prédio adquirido, é um prédio misto sito na região demarcada ..., em que mais de 70% da respetiva área é dedicada à exploração de vinha, e a parte restante é ocupada com a casa de habitação dos RR. adquirentes, jardim e campo de futebol, é legítimo concluir que a plantação e exploração da vinha, nesse prédio, constitui um aspeto essencial da afetação económica do prédio, suscetível de fundamentar a sua caracterização, para o efeito da atuação da preferência regulada nos artigos 1380.º e 1381.º do Código Civil, como prédio rústico. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA e mulher BB instauraram a presente ação declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra (1.ºs RR.) CC e mulher DD e (2.ºs RR.) EE e mulher FF, peticionando: 1) Ser declarado que assiste aos AA. o direito de preferência na venda do prédio rústico versado no artigo 1.º da petição inicial; 2) Condenar os 2.ºs RR. a ver isso decretado e, consequentemente, a abrir mão a favor dos AA., do prédio que adquiriram aos 1.ºs RR.; 3) Condenar os 1.ºs RR. a verem-se substituídos pelos AA., na versada venda, com as consequências legais; 4) Ser ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Predial ..., do registo da inscrição feito pelos 2.ºs RR., com base na mencionada escritura. Para tanto os AA. alegaram, em resumo, que, por escritura de compra e venda, os primeiros RR. venderam aos segundos RR. o prédio rústico que identificam, nos termos que consta da respetiva escritura. Os AA. são donos de um outro prédio rústico que identificam, o qual confina com o prédio objeto da compra e venda. Nunca lhes foi dada a opção de exercerem a preferência, tendo tido conhecimento da venda por terceiros. Cabe-lhes tal direito de opção, que pretendem exercer, já que os segundos RR. não reúnem os requisitos necessários para prevalecerem sobre o direito de preferência que assiste aos autores. 2. Citados, os RR. apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da ação. Para tanto alegaram, em síntese, não assistir razão aos AA., já que os segundos RR. adquirentes também são proprietários de um terreno confinante, que identificam, e continuam a exploração que era feita no prédio adquirido. Mais alegam que apesar de o seu prédio constar inscrito como prédio misto, tal só se verifica ao nível do registo predial, já que estão em causa um prédio urbano e um rústico, existindo uma predominância do rústico em termos de área, a qual, somada à área do prédio adquirido, se aproxima mais da área da unidade de cultura, que atualmente é de 4 ha, do que o prédio dos autores. 3. Procedeu-se à audiência prévia, tendo sido fixado à ação o valor de € 85 895,86, foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova 4. Procedeu-se a audiência de julgamento e em 11.12.2021 foi proferida sentença, nos termos da qual, julgando a ação procedente, decidiu-se: 1) Declarar que assiste aos AA. o direito de preferência na venda do prédio rústico identificado no artigo 1.º da petição inicial; 2) Condenar os segundos RR. a ver isso decretado e, consequentemente, a abrir mão a favor dos AA., do prédio que adquiriram aos primeiros RR.; 3) Condenar os primeiros RR. a verem-se substituídos pelos AA., na versada venda, com as consequências legais; 4) Ordenar o cancelamento na Conservatória do Registo Predial ..., do registo da inscrição feito pelos segundos RR., com base na mencionada escritura. 5. Os RR. apelaram da sentença e em 28.4.2022 a Relação de Guimarães proferiu acórdão que, julgando a apelação procedente, revogou a sentença recorrida e julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os RR. dos pedidos, com custas da ação e da apelação a cargo dos apelados/AA.. 6. Os AA. interpuseram recurso de revista desse acórdão, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: 1-Pelo presente recurso visam os AA./Recorrentes manifestar a sua discordância face ao douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que revogou a decisão proferida em Primeira Instância, julgando procedente o recurso interposto pelo 2ºs RR./adquirentes e, consequentemente, julgou improcedente a presente ação de preferência intentada pelos AA./Recorrentes. 2- No modesto entender dos Recorrentes, mal andou o Tribunal de Recurso ao declarar que a ação não deveria ter sido julgada procedente, em virtude de os AA. não terem provado um dos pressupostos constitutivos de que o n.º 1 do art. 1380º do CC faz depender o direito de preferência, no caso, não terem provado o pressuposto de os adquirentes não serem proprietários de prédio confinante. 4- Resulta dos autos que, no caso em apreciação, os autores demonstraram: que são proprietários de um prédio rústico confinante com o prédio rústico objeto da venda realizada entre os réus; que tanto o prédio dos autores como o prédio vendido, estão afetos a vinha da região demarcada ...; que a área de qualquer desses dois prédios rústicos, o dos autores e o vendido, é inferior à unidade de cultura prevista para esta região, a qual, no que respeita à vinha ..., é de 2,5 hectares (cfr. Portaria nº 19/2019 de 15/01, em vigor à data da venda em causa). 5- Ou seja, das decisões proferidas, extrai-se que os autores demonstraram os pressupostos exigidos pelo art. 1380º, nº 1 do Código Civil, para que possa ser-lhes reconhecido o direito de preferência na compra e venda realizada entre os réus, relativamente ao prédio objeto dessa compra e venda, com exceção do pressuposto de o adquirente não ser proprietário confinante. 6- Porém, impunha-se que Tribunal Recorrido, previamente à verificação de tais pressupostos, procedesse à apreciação da questão da natureza do prédio dos 2ºs RR/Recorridos, face ao disposto no art. 1381º do Código Civil, que prevê como exceção ao direito de preferência, no que para o caso interessa, que não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes, quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura. 7- Apreciação essa que foi devidamente realizada pelo Tribunal de Primeira Instância e omitida pelo Tribunal Recorrido. 8-Ora, verifica-se, desde logo, que o prédio dos 2º RR/adquirentes mostra-se registado como prédio misto (certidão de fls. 26 dos autos), sendo constituído por uma parte urbana, embora constituído também por uma parte rústica de vinha da região demarcada .... 9-Conforme salientado em Primeira Instância, é predominante, na jurisprudência, o entendimento de que, para funcionar a exclusão do direito de preferência, com base no facto de o terreno confinante constituir parte integrante de um prédio urbano, a que alude a norma da al. a) do art. 1381º do Código Civil, é necessário que o prédio tenha natureza predominantemente urbana. 10-Além disso, o art. 204º do C. Civil, considera existência jurídica exclusivamente aos prédios rústicos e aos prédios urbanos, revelando-os como coisas imóveis (nº 1, al. a), e define o prédio rústico como uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e o prédio urbano como qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (nº 2 do art. 204º do Código Civil). 11- Segundo o critério da teoria da afetação económica, consolidado em jurisprudência desse Supremo Tribunal de Justiça, o prédio será rústico ou urbano, conforme a sua essencial finalidade seja a exploração agrícola ou se contenha tendencialmente na habitação familiar; constituindo a casa residencial apenas um acessório destinado à exploração agrícola, o prédio será rústico - a lei civil não conhece o conceito de prédio misto. 12- Assentando a distinção numa avaliação casuística, tendo subjacente um critério de destinação ou afetação económica (Ac. STJ de 28.02.2008; Relator Cons. Dr. Fonseca Ramos; Ac ST 14.01.2021 in www.dgsi.pt). 13- No caso dos autos considerou-se que o prédio dos RR./adquirentes é um prédio predominantemente urbano, já que é constituído pela casa da habitação dos mesmos, com jardim, espaços de lazer, incluindo um campo de futebol com balneários, como consta do relatório da verificação não judicial qualificada, embora tenha também uma área de exploração agrícola, neste caso, de vinha. 14-Não sendo o facto de o prédio dos 2ºs RR. se mostrar descrito como prédio misto e ter dois artigos para efeitos fiscais, que altera a sua caracterização de acordo com a lei civil, como prédio urbano, já que não ficaram dúvidas de que a habitação é a função essencial de tal prédio e a que maior proveito económico traz aos proprietários (cfr. resultado do relatório pericial da prova por verificação judicial não qualificada). 15- Neste quadro, entendeu e bem a Mma Juiz de Primeira Instância que quando prevalece, na afetação conferida àquele espaço (integrado na matriz por um prédio urbano e por um prédio rústico) o elemento urbano, designadamente através da afetação do prédio a um fim habitacional, o exercício desse direito de preferência está excluído, nos termos da alínea a) do artigo 1381º do CC, pois a parte formalmente qualificada de rústica passa a assumir a natureza de parte componente de um prédio urbano (poderá mesmo ser vista como um logradouro deste, por referência ao segundo trecho do nº 2 do artigo 204º do CC) e o prédio, em si mesmo (parte rústica e urbana). 16- Em decorrência, decidiu-se em primeira instância que os A./Recorrentes demonstraram que são proprietários de prédio rústico confinante com o prédio objeto da venda; que ambos os prédios estão afetos ao cultivo, neste caso, vinha da região de marcada ...; que ambos os prédios possuem área inferior à unidade de cultura; e também que os adquirentes, embora sejam também proprietários de um prédio confinante, esse prédio não deve ser considerado como prédio rústico, como os réus alegaram a título de exceção, mas antes como prédio urbano, em que a parte rústica é parte componente do urbano que é a parte predominante. 17- Decisão essa que, por fazer a mais correta apreciação dos fatos provados e a melhor aplicação do direito, se visa recuperar por via do presente recurso. 18- Até porque o Tribunal de Recurso não apreciou ou deu qualquer relevo à natureza (urbana) do prédio dos 2ºs RR./adquirentes, dizendo, simplesmente, que a ação não deveria ter sido julgada procedente, em virtude de os AA. não terem provado um dos pressupostos constitutivos de que o n.º 1 do art. 1380º do CC faz depender o direito de preferência, no caso, não provaram o pressuposto de os adquirentes não serem proprietários de prédio confinante. 19- Como se vê, o Tribunal de Recurso partiu do pressuposto (errado) de que o prédio dos RR/adquirentes trata-se de um prédio rústico. 20- Todavia, ao contrário do alegado pelos RR./Recorridos ficou apurado, como se referiu já, que o prédio dos RR. tem predominância a parte urbana relativamente à parte rústica, tendo-lhe sido conferida natureza urbana. 21- Daí ter sido dada por não provada a exceção deduzida pelos RR. de que o prédio dos RR. EE e mulher, existe uma predominância do prédio rústico, dado que da área total do prédio dos segundos réus, 4.729 m2, correspondem a área descoberta e estão afetos a fins agrícolas (vinha da região demarcada ......) e apenas 147 m2 correspondem à área coberta (cfr. al. a) dos fatos não provados na d. decisão recorrida). 22- Pelo que, ao contrário do entendimento sufragado no douto acórdão recorrido, bem andou o Tribunal de Primeira Instância ao considerar verificados os pressupostos necessários para o exercício do direito de preferência pelos AA., no caso: que são proprietários de prédio rústico confinante com o prédio objeto da venda; que ambos os prédios estão afetos ao cultivo, neste caso, vinha da região de marcada ...; que ambos os prédios possuem área inferior à unidade de cultura; que os RR./adquirentes, embora sejam também proprietários de um prédio confinante, esse prédio não deve ser considerado como prédio rústico, (como os réus alegaram a título de exceção), mas antes como prédio urbano, em que a parte rústica é parte componente do urbano que é a parte predominante. 23- Assim não se tendo decidido, a decisão recorrida violou, entre outros normativos os artigos 204º, 342º, 1380º, 1381º do Código Civil. Os recorrentes terminaram o recurso nos seguintes termos: “No provimento do presente recurso, deve o douto acórdão recorrido ser revogado e, em sua substituição, ser recuperada e mantida a douta decisão proferida em Primeira Instância, declarando-se que assiste aos AA./Recorrentes o direito de preferência na venda do prédio rústico identificado no art. 1º da Petição Inicial, condenando-se os RR/Recorridos a ver isso decretado e, consequentemente, a abrir mão a favor dos autores, do prédio que adquiriram aos primeiros réus, assim se decidindo resultará melhor aplicação do Direito e realizada a JUSTIÇA!” 7. Os RR. contra-alegaram, rematando com as seguintes conclusões: 1- O acórdão recorrido não merece qualquer censura pois andou bem ao julgar a acção improcedente em virtude de os AA./recorrentes não terem provado um dos pressupostos constitutivos de que o art. 1380.º n.º 1 do CC faz depender o direito de preferência, ou seja, não terem provado que os RR. adquirentes não são proprietários de prédio confinante. 2- Aliás, provou-se exactamente contrário, pois ficou demonstrado que os adquirentes do imóvel em causa (2.ºs RR.) também são proprietários de um terreno confinante com o mesmo. 3- Estando provado que os RR. adquirentes são confinantes em relação ao prédio alienado, fica afastado, desde logo, o direito de preferência de que os AA. se arrogam, já que o exercício desse direito pressupõe que os terceiros adquirentes não sejam proprietários de prédio confinante. 4- Pois o direito de preferência existe só e apenas quando a alienação seja feita a proprietário não confinante, pois nos outros casos não tem qualquer sentido a atribuição do direito legal de preferência. 5- Com bem decidiu o d. acórdão recorrido, não estando em causa o exercício do direito de preferência por parte dos 2.ºs RR. (mas tão só dos AA./recorridos), também se entende que não havia fundamento para recorrer ao regime previsto no art. 1381.º do CC a fim de afastar a aquisição do direito de propriedade pelos 2.ºs RR. 6- Ao contrário do nosso enquadramento feito em sede de contestação, que assumimos estar errado, a natureza do prédio dos RR. adquirentes não releva para aferir do direito de preferência de que se arrogam os AA., apenas releva a natureza do prédio destes e do prédio adquirido. 7- Inexistindo o direito invocado pelos AA., não havia – nem há – que indagar dos pressupostos do n.º 2 do art. 1380.º do CC (que pressupõe uma situação de concurso de preferentes). 8- Mesmo que assistisse razão aos AA. e relevasse a natureza mista do prédio dos 2.ºs RR., o que só por mera hipótese se admite, deveriam aqueles ter invocado na petição inicial e provado o impedimento do direito de preferência dos 2.ºs RR., o que não sucedeu. 9- Os AA. também não alegaram que o prédio dos RR. adquirentes é um prédio misto, ou que o terreno destes constitui parte componente do prédio urbano, nem factos que permitissem concluir pela predominância do prédio urbano e consequente inexistência do direito de preferência daqueles. 10- Não podem os recorrentes basear o seu recurso num fundamento que não foi por eles alegado e que se traduz no oposto ao alegado pelos RR.. 11- Ainda que relevasse a natureza mista do prédio dos 2.ºs RR., contrariamente ao defendido pelos AA. apenas em sede de recurso e ao entendido pela Mma Juiz de primeira instância, o prédio dos RR. adquirentes não é um prédio predominantemente urbano, mas sim rústico. 12- Os AA., tal como a Mma Juiz de primeira instância confundem afectação económica com proveito económico. E nessa medida, baseados no relatório pericial, consideram que a parte urbana e a que maior proveito económico traz aos 2.ºs RR. 13- Ainda que o critério fosse o do proveito económico, não está correcta a conclusão de que a parte urbana é que traz mais proveito económico aos 2.ºs RR., pois o Sr. Perito ao calcular o proveito económico do prédio urbano (ao contrário do que fez com o rústico) apenas teve em conta o valor da renda que poderia ser cobrada, mas não teve em conta as despesas de construção e de manutenção de tal prédio. 14- Contrariamente ao entendido na d. sentença da primeira instância e pelos AA., o prédio rústico é que continua a dar rendimento aos 2.ºs RR., rendimento esse que ascende a 2.000€/ano, já deduzidas as despesas de produção (cálculo que o Sr. Perito não fez quanto ao prédio urbano). 15- Além disso, não consta dos factos provados qualquer matéria factual que permita concluir que a habitação é a função essencial do prédio misto, nem tal foi alegado pelos AA. O facto de ter sido dado como não provada a excepção alegada pelos RR. não significa que ficou provado o contrário. 16- Ainda que se tenham em conta as áreas constantes do relatório de verificação não judicial qualificada, o prédio rústico tem uma área cerca de três vezes superior à da parte urbana, ou seja, não se trata apenas de um logradouro do prédio urbano. 17- No caso dos autos não restam dúvidas, ao contrário do entendido em sede de primeira instância, salvo o devido respeito, que o prédio dos 2.ºs RR. se trata de uma exploração agrícola associada a uma casa. O terreno não constitui apenas um complemento da habitação. É um prédio com total autonomia e com inscrição matricial própria. 18- Cumpre ainda dizer que, ao contrário do alegado pelos AA., o Tribunal de recurso não partiu do pressuposto errado de que o prédio dos RR./adquirentes é um prédio rústico. Partiu do pressuposto que a natureza do prédio dos 2.ºs RR. não releva para aferir da existência do direito de preferência dos AA. e que efectivamente os RR. adquirentes têm um terreno confinante com o prédio vendido, o que é reconhecido pelos AA. e se deu como provado. 19- Pelo exposto, pensamos, com o devido respeito, que o acórdão recorrido fez a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos art.s 204.º, 342.º, 1380.º e 1381.º do C. Civil e dos arts. 5.º e 494.º do Código Processo Civil. Os recorridos terminaram pedindo que o recurso fosse julgado improcedente e, consequentemente, se mantivesse o acórdão recorrido. 8. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Os AA. invocam, nesta ação, serem titulares, nos termos do n.º 1 do art.º 1380.º do Código Civil, de direito de preferência na compra de um determinado prédio rústico. A questão que constitui objeto deste recurso, por sobre ela incidir controvérsia, é se se verifica o requisito negativo desse direito, isto é, o de o prédio não ter sido vendido a proprietário confinante. 2. As instâncias deram como provada a seguinte Matéria de facto 1. Por escritura de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial ..., da Dra. GG, em 14 de novembro de 2019, os réus CC e mulher DD venderam aos réus EE e mulher FF, além de um outro prédio urbano, pelo preço de 80 000,00 € (oitenta mil euros), o prédio rústico composto por mato, vinha da região demarcada ... e cultura arvense de sequeiro, inscrito com a área de 16 187 m2, mas com a área real de 16 433 m2, sito no Lugar ..., na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19 da referida freguesia, e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...92-B. 2. O imposto municipal sobre transmissões (IMT) pago, foi de € 4 000,00, e o imposto de selo pago, foi de € 960,00. 3. As despesas notariais com a celebração da escritura importaram em € 235,86 e as despesas conservatoriais com a inscrição do indicado prédio a favor dos segundos réus, foram de € 300,00. 4. Os autores são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito no Lugar ..., composto por vinha da região demarcada ..., inscrito com a área de 1 937 m2, mas com a área real de 1 920 m2, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 193-B, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...39. 5. O identificado prédio adveio ao domínio dos autores em 26.11.1993, por compra efetuada a HH e mulher II, através de escritura de compra e venda. 6. Este identificado prédio rústico dos autores, confronta do Norte e Nascente com o prédio rústico (artigo ...92-B) objeto da compra e venda celebrada entre os réus. 7. A possibilidade de exercerem o direito de preferência na compra e venda do prédio em causa, nunca foi concedida aos autores, pelos réus alienantes. 8. Os autores apenas ouviram falar da venda, por terceiros, após a sua efetivação. 9. O prédio optando não é encravado e tem estado destinado a vinha, e os autores pretendem destinar esse prédio, tal como o seu prédio confinante, à mesma exploração. 10. Os adquirentes do imóvel em causa (segundos réus) também são proprietários de um terreno confinante com o mesmo. 11. Os segundos réus continuam a exploração agrícola do prédio adquirido aos primeiros réus, tal como estes vinham fazendo. 12. Os segundos réus são donos e legítimos proprietários, há mais de 20 anos, do prédio misto sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto, a parte urbana por casa de rés-do-chão, 1.º e 2.º andares, inscrita na matriz sob o artigo...39, e a parte rústica, por vinha da região demarcada ..., inscrito com a área de 4 749 m2, a confrontar do norte e sul com caminho, do nascente com CC (1.º Réu marido) e JJ e do poente com KK, inscrita na matriz sob o artigo 6-A, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...22. 13. Esse prédio adveio-lhes por sucessão hereditária da herança do pai do segundo réu marido, LL, encontrando-se tal aquisição devidamente registada a seu favor pela inscrição Ap. 4 de 1987/03/26. 14. E confronta, do seu lado nascente, com o prédio objeto da presente ação (prédio rústico composto por mato, vinha da região demarcada ... e cultura arvense de sequeiro, inscrito com a área de 16 187 m2, sito no lugar das “...”, na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...92-B e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19). 15. A designação de prédio misto do prédio dos segundos réus, apenas se verifica a nível do registo predial, pois na matriz estão em causa um prédio urbano e um prédio rústico. 16. Da área total do prédio dos segundos réus, 3 350 m2 correspondem a área de cariz rústico (vinha da região demarcada ...) e 1 145 m2 correspondem a área de cariz urbano, com a casa de habitação dos réus, jardim e campo de futebol. 17. Os primeiros réus não enviaram qualquer comunicação aos autores, a informá-los dos termos da alienação. Na sentença, transcrita no acórdão recorrido, figura ainda, como Facto não provado, O seguinte: No prédio dos réus EE e mulher, existe uma predominância do prédio rústico, dado que da área total do prédio dos segundos réus, 4 729 m2 correspondem à área descoberta e estão afetos a fins agrícolas (vinha da região demarcada ...) e apenas 147 m2 correspondem à área coberta. 3. O Direito No livro III (Direito das Coisas) do Código Civil, título II (Do direito de propriedade), capítulo III (Propriedade de imóveis), secção VIII (Fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos), figura o art.º 1380.º, cujo n.º 1 tem a seguinte redação: “Direito de preferência 1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.” Este artigo é complementado pelo artigo seguinte, que tem a seguinte redação: Art.º 1381.º Casos em que não existe o direito de preferência “Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura; b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar”. Conforme já foi proficientemente explicado pelas instâncias, este regime visa propiciar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, com vista a alcançar-se uma exploração agrícola tecnicamente rentável e evitar-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente. O direito de preferência, conforme resulta da redação do n.º 1 do art.º 1380.º, pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante. Por se tratar de factos constitutivos é sobre aqueles que se arrogam titulares do direito de preferência e que pretendem que lhes seja judicialmente reconhecido esse direito que recai o ónus de alegação e prova de todos estes requisitos, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil. Entre eles conta-se o requisito, negativo, de que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante. Este é entendimento uniforme do STJ (cfr., v.g., acórdão de 07.7.1994, BMJ 439, pág. 562 e seguintes; 09.11.1999, processo 99A731, consultável, tal como os adiante citados, em www.dgsi.pt; 15.5.2007, processo 07A958; 14.01.2021, processo 892/18.7T8BJA.E1.S1; 03.11.2011, processo 7712/05.0TBBRG.G2.S1 Na ação destes autos, os AA. não alegaram a ocorrência do aludido requisito negativo. Ficaram-se por afirmações abstratas, que aqui se transcrevem: “12 – Mostrando-se ainda necessário que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante, ou sendo-o, na hipótese de concurso de preferentes proprietários de prédios confinantes, não se tratando de um caso de alienação de prédio encravado, aquele que pela preferência, obtenha a área que mais se aproxima da unidade de cultura fixada para a respetiva zona” “14 – Assim, o prédio dos AA. e o prédio alienado reúnem os citados requisitos para o exercício do direito de preferência. 15 – Sendo que os 2.ºs RR. não reúnem os requisitos necessários, nomeadamente para prevalecerem sobre o direito de preferência que assiste aos AA.” Na contestação, os RR. deram conta de que a pretensão dos AA. carecia de fundamento, “desde logo porque os adquirentes do imóvel em causa (2.ºs RR.) também são proprietários de um terreno confinante ao mesmo” (art.º 2.º da contestação). E passaram a descrever as características do prédio confinante dos 2.ºs RR., que qualificaram como prédio misto com predominância da parte rústica. Características estas que, no seu entender, fariam o seu direito de preferência prevalecer sobre o dos AA., à luz do critério previsto na alínea b) do n.º 2 do art.º 1380.º. Isto é, os 2.ºs RR. assumiram as vestes de preferentes concorrentes com os AA., defendendo que lhes cabia a preferência, em detrimento dos AA., à luz da alínea b) do n.º 2 do art.º 1380.º, a qual concede o direito de preferência “ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona.” Vejamos. A circunstância de o autor omitir a alegação de um facto essencial para a procedência da ação não obsta a que esse facto venha a ser considerado no julgamento, como facto complementar dos restantes factos essenciais alegados, posto que esse facto resulte da instrução da causa e tenha sido objeto do contraditório (art.º 5.º n.º 2 al. b) do CPC). Assim, se fosse o caso, não haveria obstáculo a que, findo o julgamento, se desse como provado que os 2.ºs RR. não eram, à data da aquisição do prédio objeto da preferência, proprietários confinantes. Assim obtendo os AA., uma vez verificados os restantes pressupostos, o reconhecimento do seu direito de preferência. Ora, o que ocorreu, in casu, pelo menos numa primeira aparência, foi precisamente o contrário: no n.º 10 da matéria de facto foi dado como provado que “Os adquirentes do imóvel em causa (segundos réus) também são proprietários de um terreno confinante com o mesmo.” Tanto bastou para a Relação, no acórdão recorrido, negar aos AA. o invocado direito de preferência. Para a Relação, “estando demonstrado nos autos que os RR. adquirentes eram, à data da aquisição, proprietários confinantes do prédio alienado, é evidente a inexistência do direito de preferência invocado pelos AA.” (pág. 23 do acórdão recorrido). Porém, se o prédio confinante pertencente ao adquirente não for um prédio rústico, não tem relevância para os efeitos aqui considerados. Com efeito, a aquisição do prédio rústico pelo proprietário confinante, titular de um prédio urbano, não consubstancia uma operação de emparcelamento de prédios rústicos. Assim, poderão atuar os direitos de preferência do ou dos outros titulares de prédios rústicos vizinhos. É por esta razão que o art.º 1381.º n.º 1 al. a) arreda o regime de preferência se algum dos prédios envolvidos constituir “parte componente de um prédio urbano”. Embora talvez não se tenha expressado pela forma mais feliz, foi a essa análise da questão que a primeira instância procedeu. Numa primeira fase, a primeira instância estabeleceu o confronto do prédio titulado pelos AA. com o prédio titulado pelos 2.ºs RR., à luz do n.º 2 do art.º 1380.º do Código Civil. E, após estabelecer que a unidade de cultura a considerar é de 2,5 hectares (vinha ...), nos termos da Portaria n.º 19/2019, de 15.01, em vigor à data dos factos, na sentença constatou-se que, tendo o prédio vendido a área de 16 433 m2, o prédio dos AA. a área de 1 920 m2 e a parte rústica do prédio dos RR. adquirentes a área de 3 350 m2, “não restam dúvidas de que é o prédio dos réus adquirentes que, juntamente com o prédio vendido, obtém área que mais se aproxima da unidade de cultura para a zona em causa.” Porém, seguidamente a primeira instância concluiu que o prédio confinante pertencente aos 2.ºs RR. era um prédio que, embora estivesse identificado no registo predial como um prédio misto, e embora na matriz predial viesse destrinçada uma parte urbana e uma parte rústica, cada uma delas com a sua inscrição matricial (n.ºs 12 e 15 da matéria de facto), para os efeitos da lei civil (art.º 204.º n.º 2 do Código Civil) era um prédio urbano, na medida em que, nesse prédio, a parte rústica era parte componente do urbano, que era predominante. Verificava-se, assim, relativamente ao prédio confinante dos RR. compradores, a situação prevista na alínea a) do art.º 1381.º do Código Civil, “o que lhes retira o direito de preferência”. A Relação, como se disse, bastou-se, para decidir o pleito concluindo pela improcedência da ação, com a constatação de que os 2.ºs RR., compradores do prédio alvo da preferência invocada pelos AA., eram proprietários de um terreno confinante com o mesmo. Ora, face ao alegado nos autos e ao sentido da decisão proferida na primeira instância, impõe-se ir mais além, e averiguar se, como se considerou na sentença, o terreno pertencente aos 2.ºs RR., que confina com o prédio rústico cuja aquisição os AA. pretendem, deve ser qualificado como prédio urbano e, consequentemente, irreleva para o efeito da não demonstração do requisito negativo enunciado em último lugar no n.º 1 do art.º 1380.º do Código Civil. O Supremo Tribunal de Justiça tem abordado amiúde, de forma uniforme, a questão do tratamento dos denominados “prédios mistos”, em sede de preferência na transmissão de prédios rústicos. Como exemplo do assim afirmado veja-se os acórdãos do STJ, de 28.02.2008, processo n.º 08A075; de 25.3.2010, processo n.º 186/1999.P1.S1; de 03.11.2011, processo n.º 7712/05.0TBBRG.G2.S1; de 21.01.2016, processo n.º 2563/07.0TBVCD.P1.S1; de 14.01.2021, processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1. Desse labor jurisprudencial emerge a conclusão de que o conceito de prédio misto vale apenas para efeitos fiscais, estatuindo o art.º 5.º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, que “Sempre que um prédio tenha partes rústicas e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal” e estabelecendo o seu n.º 2 que “Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto”. Trata-se de uma definição fiscal, assente num critério de predominância da parte principal, ou seja, a parte que avultar no conjunto é que determina a qualificação como prédio rústico ou urbano; se tal juízo de predominância não for alcançável, o prédio é considerado misto. A verdade, porém, é que a nossa lei civil não só não reconhece a categoria de prédio misto como um tertium genus, como também não atende ao tipo de inscrição matricial nem ao tipo de descrição predial, pelo que, para qualificar um prédio como sendo rústico ou urbano, há que recorrer à definição dada pelo artigo 204.º do C. Civil. Segundo o n.º 2 deste artigo, “Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”. Como critério de distinção entre prédio rústico e urbano tem avultado, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, a orientação de que deve prevalecer uma avaliação casuística, tendo subjacente a destinação ou afetação económica do prédio. Assim, de acordo com este critério, um prédio será rústico ou urbano conforme a habitação for fundamentalmente um meio de ligação à terra cultivada ou antes a terra constituir apenas um complemento da habitação e não um fim essencial da ocupação da habitação. Um prédio com parte rústica e parte urbana, qualificado, no seu conjunto, como misto para efeitos fiscais, será qualificado, para efeitos civis, designadamente do disposto no n.º 1 do art.º 1380.º do Código Civil, como prédio rústico quando, essencialmente utilizado para cultura ou cultivo agrícola, a parte urbana estiver ao serviço da parte rústica desse prédio, não gozando de autonomia funcional. E uma parcela de terreno, contígua a casa de habitação, será qualificada de prédio rústico ou logradouro de um prédio urbano, consoante não se destine ou seja destinada a proporcionar utilidade a este prédio. Será logradouro, se se apresentar como um espaço complementar e serventuário de um edifício com o qual constitui uma unidade predial, ou seja, como o terreno contíguo a prédio urbano que é ou pode ser fruído por quem se utilize daquele, constituindo um e outro uma unidade. Assim, aplicando estas considerações a casos concretos, o STJ ajuizou que era prédio urbano, e por isso insuscetível de atribuir ao respetivo proprietário direito de preferência sobre a aquisição de um prédio rústico confinante, um prédio misto, com área de 2200 m2, onde se encontrava implantada morada de casas que os donos usavam como habitação, existindo cultura arvense, amendoeiras e alfarrobeiras, construções rurais e um logradouro, apenas se tendo provado que os donos utilizavam a casa para habitação, nada se provando quanto à exploração da área rústica (citado acórdão do STJ, de 28.02.2008). Entendeu-se que era prédio rústico, como tal atributivo ao respetivo dono de direito de preferência na compra de prédio rústico confinante, um prédio misto designado de quinta, com a área total de 75 521,75 m2, correspondendo a área descoberta a 73 140 m2, afetada a fins agrícolas (pinhal, pastagem, mato, oliveiras e vinha) e apenas 381,75 m2 à área coberta. Considerou-se que o núcleo essencial do prédio, a sua destinação e afetação, eram próprias de um prédio rústico e não de um logradouro (citado acórdão do STJ, de 25.3.2010). Considerou-se que era prédio rústico, como tal passível de ser objeto do exercício do direito de preferência por parte de proprietários confinantes, o prédio misto composto de casas de habitação e caseiro de 2 andares, com área coberta de 556 m2, logradouro de 4 034 m2 e terreno de cultura e fruteiros de 7 238 m2, sendo o valor económico das casas de habitação (senhorio e caseiro) superior à parte restante do prédio, pelo menos três vezes. Entendeu-se que, face à extensão da parte agrícola do prédio, a habitação era fundamentalmente um meio de ligação à terra cultivada e não esta um mero complemento da habitação (citado acórdão do STJ, de 03.11.2011). Considerou-se que era prédio urbano (pelo que os respetivos proprietários não tinham direito de preferência na compra de um prédio rústico confinante) um prédio misto composto por uma parte urbana com a área bruta de construção de 175,30 m2, correspondente a “casa de rés do chão com 5 compartimentos para habitação, cozinha e dependência, com o valor patrimonial de € 8 180,00” e por uma parte rústica, com a área total de 29 hectares, composta por diversas parcelas classificadas como cultura arvense, com a área de 20 ha; montado de sobro com a área de 8 ha e oliveira e vinha, esta com 4 ha, tudo com o valor patrimonial de € 557,22. Relevou, para essa classificação, o facto de os proprietários usarem o prédio apenas para sua habitação, não exercendo aí qualquer atividade agrícola (citado acórdão do STJ, datado de 14.01.2021). Reportemo-nos ao caso destes autos. Está provado que o prédio confinante, titulado pelos RR. adquirentes, é um prédio misto sito no concelho do ..., composto, na parte urbana, por casa de rés-do-chão, 1.º e 2.º andares, e a parte rústica, por vinha da região demarcada..., inscrita com a área de 4 749 m2 (n.º 12 dos factos provados). Mais se provou que da área total do prédio dos RR. adquirentes (2.ºs RR.), 3 350 m2 correspondem a área de cariz rústico (vinha da região demarcada ...) e 1 145m2 correspondem a área de cariz urbano, com a casa de habitação dos RR., jardim e campo de futebol (n.º 16 dos factos provados). Resulta dos factos provados que mais de 70% da área do prédio dos 2.ºs RR. é utilizada em exploração agrícola. Exploração agrícola essa que caracteriza a região onde se insere, a região demarcada .... Por isso, é legítimo concluir que a plantação e exploração da vinha, nesse prédio, constitui um aspeto essencial da afetação económica do prédio, suscetível de fundamentar a sua caracterização, para o efeito da atuação da preferência regulada nos artigos 1380.º e 1381.º do Código Civil, como prédio rústico. É certo que a 1.ª instância considerou não provado que “No prédio dos réus EE e mulher, existe uma predominância do prédio rústico, dado que da área total do prédio dos segundos réus, 4 729 m2 correspondem à área descoberta e estão afetos a fins agrícolas (vinha da região demarcada ...) e apenas 147 m2 correspondem à área coberta”. Na apelação os RR. pretenderam que essa afirmação passasse a figurar entre os factos provados. Porém, a Relação rejeitou tal pretensão, com o fundamento de que a afirmação de que no prédio dos 2.ºs RR. “existe uma predominância do prédio rústico” constitui um juízo de valor, que não é subsumível a um juízo de facto, pelo que está vedado tomá-lo em consideração, quer ao nível dos factos provados, quer dos não provados. Cabia aos AA. o ónus de alegarem e demonstrarem que os adquirentes do prédio em relação ao qual se arrogavam a preferência, não eram proprietários de terreno rústico confinante. Os AA. não lograram satisfazer esses ónus. Pelo que a ação deve improceder, como se ajuizou no acórdão recorrido. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido. As custas da revista, na componente de custas de parte, são a cargo dos recorrentes, que nela decaíram (artigos 527.º n.ºs 1 e 2, e 533.º, do CPC). Lx, 19.12.2023 Jorge Leal (Relator) Manuel Aguiar Pereira Jorge Arcanjo |