Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUIS CORREIA DE MENDONÇA | ||
Descritores: | RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA CONVENÇÃO DE HAIA PROGENITOR AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA HABITUAL RESPONSABILIDADES PARENTAIS | ||
Data do Acordão: | 11/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA PROCEDENTE | ||
Sumário : | O interesse superior do menor é o elemento essencial de todo o sistema normativo de responsabilidade parental e, por isso, deve ser a consideração primordial a levar em conta, no momento de sopesar os diferentes interesses – do menor, dos progenitores e da sociedade- quando se trate de decidir sobre o regresso do menor ao país de onde foi deslocado. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº2695/23.8T8PTM.E1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça *** A Digna Magistrada do Ministério Público instaurou acção tutelar comum, na sequência de um pedido formulado pelo progenitor AA, transmitido pela Autoridade Central Portuguesa (DGRSP), ao abrigo do disposto nos arts. 1º, als. a) e b), 3º, als. a) e b), 4º, 5º, 7º. al. f), 8º, 11º, 12º e 26º, da Convenção de Haia Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Estado Português pelo Decreto-Lei nº 33/83, de 4 de Novembro, pedindo o regresso ao Brasil de BB, nascido a....01.2015. Alegou, em resumo, que os pais de BB são casados entre si, tendo a criança e os pais residido no Brasil, até ao dia 11.06.2023, data em que a progenitora se ausentou do país com a criança, sem o conhecimento ou autorização do pai e contra a sua vontade, vindo para Portugal, e ficando a residir em .... Desde essa data, o progenitor não teve mais contacto com a criança, nada sabendo sobre a mesma, recusando-se a requerida a fazê-la regressar ao Brasil. O exercício das responsabilidades parentais da criança não se encontra regulado. Foi designada data para inquirição da progenitora e da criança e, nos termos dos artigos 7°, n°. 2, al. c), 10º e 11º, todos da Convenção de Haia tentou-se o regresso voluntário da criança ou uma solução amigável junto da progenitora/requerida, o que não surtiu qualquer efeito. A requerida contestou. Alega, em síntese, que está separada do requerente desde 10.01.2022, e desde então o filho está a viver consigo. Já antes da separação manifestava ao requerente a vontade de vir para Portugal e este nunca se opôs. Desde que está em Portugal nunca aquele lhe pediu para regressar ao Brasil com o filho, tendo-lhe transmitido onde se encontravam. A criança tem, em Portugal, melhores condições para viver, por haver mais segurança (a casa onde residiam no Brasil foi assaltada duas vezes), tem assistência médica gratuita, o ensino é melhor e a natação é gratuita, para além do conforto material que pode dar ao filho, o qual adora viver perto do mar, indo à praia sempre que pode. A progenitora instaurou acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a qual se encontra suspensa, devido à instauração da presente acção. Instruídos os autos e produzida a prova foi proferida a seguinte decisão: « Atento o que fica exposto, e considerando o preceituado no artigo 3º, da Convenção de Haia Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto-Lei nº 33/83, de 4 de Novembro, resulta que a retenção da criança no nosso país é ilícita e, da matéria provada não resulta verificada qualquer uma das circunstâncias previstas nas alíneas a) e b), do art. 13º da Convenção, termos em que decido deferir ao pedido formulado nos autos e, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 1º alíneas a) e b), 3º alíneas a) e b), 4º, 5º, 7º. al. f), 8º, 11º, 12º e 26º, da Convenção de Haia Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto-Lei nº 33/83, de 4 de Novembro, determino o imediato regresso da criança BB, nascido a ....01.2015, ao Brasil». Inconformada, interpôs a progenitora competente apelação, mas sem êxito, visto que o Tribunal da Relação de Évora confirmou, sem voto de vencido, a decisão do primeiro grau. De novo inconformada, interpôs a mãe do menor competente recurso de revista excepcional o que foi aceite pela formação a que alude o artigo 672. São as seguintes as conclusões do recurso: 1. O regresso do menor ao Brasil, depois de residir durante mais de um ano em Portugal e de se encontrar absolutamente inserido no nosso país e no seio da sua nova dinâmica familiar, constitui um atentado ao seu superior interesse. 3. Nos termos do § 2 do artigo 13º da convenção de Haia, a oposição ao regresso, pode fundamentar-se na oposição da criança, desde que: “a criança se oponha e esta já tenha atingido um grau de maturidade que levem a tomar em consideração a sua opinião sobre o assunto”. 4. O douto Tribunal a quo procedeu à audição da criança de uma forma intimidatória e em ambiente desadequado à realização da mesma, o que pode ter condicionado as conclusões a que chegou, quanto à sua maturidade e à convicção do seu desejo de permanecer junto da mãe. 5. O menor, ouvido no processo, manifestou claramente que já se encontra totalmente integrado no ambiente familiar, social e escolar da sua residência em Portugal. 6. O douto Tribunal a quo deveria ter em conta que a criança se encontra absolutamente inserida na sua nova realidade, agora já há mais de um ano, constituindo uma violação do seu superior interesse, obrigá-lo a residir apenas com o Progenitor (o que nunca aconteceu anteriormente) e a mudar novamente de escola. 7. O regresso da criança ao Brasil, seja em que altura for, obrigá-lo-á a perder um ano letivo ou a um esforço acrescido, já que o calendário escolar do Brasil é diverso do português. consta que, para a Regulação das Responsabilidades Parentais deverá ser decidida através dos Tribunais Portugueses, que o Progenitor deverá proceder ao pagamento de pensão de alimentos provisória de 25% do seu rendimento, afirmando-se ainda (a Digníssima Promotora de Justiça – Ministério Público) que a criança deverá estabelecer residência com a mãe, pelo que, atentas as atuais condições de vida da criança, nunca deverá ser ordenado o seu regresso ao Brasil. 9. O douto Tribunal a quo determinou o regresso ao Brasil, quando deveria ter recusado ordenar tal regresso, atentas as atuais condições da criança e o seu superior interesse. NESTES TERMOS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E ANULADAS AS DOUTAS SENTENÇA E ACORDÃO PROFERIDOS, ORDENANDO-SE A RECUSA DO REGRESSO DA CRIANÇA AO BRASIL, E ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA! O MP apresentou contra-alegações, em que pugna pela confirmação do acórdão. Nada obstando à admissibilidade do recurso, cumpre agora reapreciar e deliberar. *** Constitui única questão decidenda saber se, no caso sujeito, se deve determinar o regresso imediato do menor ENZO ao Brasil, onde residia com a mãe, antes de vir com esta para Portugal, e onde continua a residir o pai, ou se, ao invés, deve indeferir-se o pedido de regresso. *** São as seguintes as afirmações de facto consideradas assentes nas instâncias. 1. A criança BB nasceu em .../01/2015, sendo natural de ..., Estado de ..., República Federativa do Brasil, e é filho de AA e de CC. 2. A criança encontra-se registada com a Certidão de Nascimento com o número de matrícula ...14, tendo como município de registro e unidade de federação de ..., Estado de ..., Brasil. 3. Os progenitores da criança contraíram entre si casamento no Brasil, na data de .../05/2010, no regime da comunhão parcial de bens. 4. A criança BB viveu com ambos os pais no Brasil, na Rua ..., em ..., ..., até à separação entre ambos, o que ocorreu quando o BB tinha cerca de 7 (sete) anos de idade. 5. Na sequência dessa separação o BB ficou a viver com a mãe, na casa onde moravam até à data, indo o pai viver para junto dos avós paternos. 6. O BB e a progenitora viveram na referida morada, no Brasil, até ao dia 11/06/2023, data em que a progenitora se ausentou daquele país, sem o conhecimento ou autorização do progenitor e contra a sua vontade. 7. Assim, no passado dia 11/06/2023, o BB veio com a sua progenitora para Portugal, sem o conhecimento e contra a vontade do progenitor. 8. Desde então, não mais o BB regressou ao Brasil, ficando a residir aqui em Portugal com a sua mãe, mais concretamente, na cidade de .... 9. Não se encontram reguladas as responsabilidades parentais da criança, sendo que, após a separação, o progenitor tinha convivência com a criança, contacto frequente e directo, não existindo divisão de guarda, nem existindo guarda exclusiva. 10. O progenitor de BB não autoriza a permanência da Criança em Portugal. 11. Em 15/06/2023 AA deu entrada junto da Autoridade Central do Brasil do pedido de regresso da BB ao Brasil. 12. Com a progenitora e a criança vieram DD, nascida a .../09/63, nacionalidade brasileira, portadora do passaporte ...81, EE, nascida a .../06/79, nacionalidade brasileira, portadora do passaporte ...47, e FF, nascida a .../03/02, nacionalidade brasileira, portadora do passaporte ...49. 13. Na presente data, o agregado familiar do BB é composto pela mãe / requerida e por: • DD – avó materna; • EE – tia materna e • FF – prima (filha de EE); 14. Residem em casa arrendada, sita em ..., na Rua .... 15. A renda de casa ascende a 850 € mensais, a qual é paga pela requerente, EE e FF. 16. A casa consiste num apartamento, tipologia 2, sendo constituído por: - cozinha com equipamento básico e uma pequena varanda exterior; - dois quartos, com camas de casal, um primeiro, o da criança partilhado com a sua mãe e o segundo, da tia que por sua vez partilha com a avó materna. - uma marquise fechada, de acesso ao quarto da tia / avó e sala de estar, onde se encontra um sofá cama, onde dorme a prima. - uma sala de estar e uma casa de banho; 17. O espaço destinado ao quarto a BB não está decorado de acordo com as suas necessidades, dispondo de mobiliário básico e de estilo antigo, não existindo grande possibilidade de ser criada uma área de estudo e de lazer para ele. 18. Existe ainda uma janela que permite luminosidade natural e arejamento e, em cima da cama de casal, que é partilhado pela mãe e filho, está colocado um peluche grande que pertence à criança. 19. Não dispõe de quintal, somente uma pequena varanda na zona da cozinha. 20. Aparentemente, não existem problemas habitacionais, no respeitante a aspectos estruturais e respectivo grau de conservação, dispondo o apartamento das infraestruturas básicas. 21. Não obstante identificarem-se fragilidades relacionadas com a privacidade dos diferentes elementos do agregado familiar e a inexistência de cama própria para cada elemento, o espaço encontrava-se organizado e cuidado, de forma a debelar estas dificuldades. 22. Na generalidade, trata-se de uma habitação “minimalista” no sentido de dispor de poucos ou praticamente nenhum objecto decorativo e os móveis são apenas os essenciais, sem grande conforto, não se apresentando como um espaço adequado em relação ao número de elementos do agregado familiar e das suas necessidades específicas. 23. Todavia, dispõe de equipamento básico (em particular, na cozinha), e a requerida transmitiu às técnicas que levaram a cabo a visita domiciliária que se trata de uma situação recente, tendo em conta que a família chegou a Portugal recentemente. 24. No momento da visita domiciliária, a habitação encontrava-se adequadamente higienizada e com a manutenção realizada, não foram observados (visíveis) factores / indícios que revelem um ambiente insalubre, dispondo de condições básicas de habitabilidade, de luminosidade e de higienização/arejamento. 25. A habitação está localizada no centro urbano, numa zona habitacional, com rede de vizinhança e com proximidade a equipamentos educativos, sociais e saúde, ainda a serviços essenciais, como farmácias, supermercados, CTT, CML, entidades policiais. 26. A habitação também está próxima de espaços de diversão infantil e equipamentos lúdicos, ainda, a espaços verdes. 27. O BB encontra-se integrado na Escola ..., equipamento afastado do centro urbano e da casa de família, mas que pertence ao agrupamento da sua área de residência, isto, pelo facto de não existirem vagas noutro equipamento mais próximo, estando a utilizar o transporte escolar assegurado pelos serviços camarários. 28. O agregado não dispõe de transporte próprio, todavia, tem acessibilidades e rede de transporte urbanos e regionais. 29. A requerida trabalhou inicialmente numa churrasqueira, em ... e, actualmente, está a trabalhar numa bomba de combustível, auferindo o salário mensal de 820,00 €. 30. Tem um horário laboral das 05h00 às 14h00 ou das 06h00 às 15h00. 31. É a mãe ou a tia materna que levam o BB à paragem de autocarro ou que o vão buscar quando chega, dependendo dos horários e folgas da requerida. 32. A tia materna está a trabalhar nas limpezas e a prima FF está a trabalhar na cafetaria do .... 33. A avó materna encontra-se numa cadeira de rodas, recebendo uma pensão do Estado Brasileiro. 34. O BB frequenta o 3º ano, do 1º Ciclo do Ensino Básico, na Escola do ..., desde o início do ano lectivo 2023/2024. 35. O BB é um aluno assíduo e pontual. 36. O seu comportamento é muito bom, revela sentido de responsabilidade e mostrou uma excelente adaptação à nova realidade, uma vez que o aluno é proveniente do Brasil. 37. Em termos de actividades escolares, o BB é um aluno participativo, revela empenho e interesse pelas atividades propostas, gosta de participar em todas as actividades dentro e fora da escola, como por exemplo nas aulas de adaptação ao meio aquático (natação). 38. Na relação interpessoal, o BB é uma criança educada, afável e de fácil empatia – este factor tem sido determinante no sucesso do aluno, uma vez que contribui para a estabilidade emocional e psicológica do aluno. 39. É um aluno respeitador tanto com o professor, como com as assistentes operacionais e colegas de turma. 40. Na avaliação escolar teve “Bom” às disciplinas de português, matemática, educação física e cidadania e desenvolvimento; “muito bom” a inglês. 41. Na informação escolar, o professor GG informa que: “Na área de português, o BB continua a acompanhar o desenvolvimento das aprendizagens sem dificuldade. O facto da pronúncia brasileira ainda estar bastante presente, faz com que a leitura e escrita surjam com algumas incorreções, mas com a vontade revelada pelo aluno em superar estas barreiras, será mais fácil ultrapassar as mesmas. O BB mantém o interesse pelas atividades propostas e é participativo. Ao longo do segundo semestre deverá dar continuidade ao seu bom desempenho. Na área de estudo do meio, o BB tem acompanhado com interesse as atividades propostas. Neste momento não revela dificuldades no acompanhamento das aprendizagens. Em relação ao apoio ao estudo, o aluno revela interesse e empenho nas atividades propostas, realiza sempre os trabalhos de casa e tem adquirido hábitos e métodos de estudo. (…) Na área de matemática, o BB também tem acompanhado as aprendizagens com interesse. O aluno revela bom raciocínio lógico, bom cálculo mental e aplica estratégias na resolução de problemas. O seu desempenho na organização e tratamento de dados também é bom. No decorrer do segundo semestre, deverá dar continuidade ao seu bom desempenho. Na Expressão Artística, o aluno tem acompanhado sem dificuldade as atividades propostas, revelando ser um aluno criativo e participativo (…) O aluno conhece, compreende e aplica os conhecimentos e conceitos, relacionando-os com muita segurança. Comunica com eficiência e correção linguística, usando a língua inglesa de forma muito clara e organizada. (…) Na área de Educação Física, o aluno mantém o interesse pelas atividades propostas. Movimenta-se com segurança, respeita as regras desportivas e demonstra capacidade de trabalho em equipa. Ao nível da coordenação motora e manipulação de objetos, o BB não revela dificuldades. (…) O BB ao longo do semestre, tem sido um aluno assíduo e pontual. O seu comportamento continua a ser considerado muito bom dentro e fora da sala de aula. É um aluno com elevado sentido de responsabilidade na realização de tarefas e nas relações interpessoais com os colegas. O BB participa com entusiasmo em todas as atividades propostas. No decorrer do segundo semestre deve dar continuidade a este bom desempenho.” 42. O BB fala diariamente com o pai, através de meios de comunicação à distância (WhatsApp) e por vezes também fala com os avós paternos. 43. O requerido continua a residir no Brasil, onde permanecem os avós, tias paternas e restante família materna do BB. 44. O requerente trabalha na área dos transportes, numa empresa que pertence à sua irmã, auferindo mensalmente, em média, entre dois a três mil reais. 45. Em 2020, quando ainda viviam juntos, o requerente e a requerida vieram a Portugal, na companhia do BB, tendo retornado ao Brasil. 46. Após a vinda a Portugal a requerida começou a manifestar junto do requerente a vontade de vir para Portugal, para aqui ficar a viver. 47. Todavia, o requerente não manifestou vontade de vir, porque considerava que ambos tinham uma “boa qualidade de vida”, já que ambos trabalhavam, o BB frequentava a escola e tinha reforço escolar, não vendo vantagens na mudança de país. 48. Residiam, então, numa casa que pertence à família do requerente e onde a requerida e o BB ficaram a viver após a separação (sita na Rua ...), optando o requerente para se mudar para junto de seus pais, embora na presente data tenha regressado a esta casa, onde se encontra presentemente a viver. 49. Perto desta casa situa-se a escola que o BB frequentava antes de vir para Portugal – Escola ... “Prof ...”, em ..., .... 50. No Brasil o BB era acompanhado por uma médica particular. 51. A família do requerente possui uma chácara, para onde costumavam ir aos fins-de-semana e onde o BB se divertia a brincar. 52. A casa onde viviam no Brasil foi assaltada. 53. O BB está adaptado às rotinas escolares e gosta da escola, onde já fez amigos com quem apenas brinca na escola. 54. O BB manifesta carinho e afecto por ambos os progenitores. 55. O BB gosta de natação, modalidade que frequenta. * As decisões das instâncias deram -bem ou mal é o que veremos adiante-, cumprimento às obrigações que o Estado Português assumiu ao vincular-se internacionalmente à Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto do Governo nº. 33/83, de 11 de Maio (adiante designada por Convenção). Na República Federativa do Brasil, a Convenção entrou em vigor em 14 de Abril de 2000, por meio do Decreto n.º 3413/00. Sobre o rapto internacional de crianças versa também o Regulamento (EU) n.º 2019/1111, do Conselho, de 25.6.2019. Todavia, ao contrário do que referem as instâncias, só as normas da Convenção devem ser aplicadas ao caso sujeito, considerando que o menor, hoje com 9 anos de idade, foi ilicitamente deslocado do Brasil para Portugal, onde ainda se encontra, ou seja, de um Estado não-Membro para um Estado Membro da União Europeia (sobre a difícil coordenação entre os instrumentos convencionais e internacionais, em matéria parental e de protecção de crianças, mas no sentido de o Regulamento só se a aplicar a raptos no espaço judicial europeu, Monica Herranz Ballesteros,« El reglamento (UE) 2019/1111 relativo a la competência, el reconocimiento y la ejecución de resoluciones, en matéria matrimonial y de responsabilidade parental y sobre a sustracción internacional de menores (versión refundida)», Revista Espanõla de Derecho Internacional, Vol. 73, n.º 2:247, Antonio J. Calzado LLamas, «Secuestro internacional de menores:el procedimento de restitucion», in:directora Beatriz Campuzano Diaz, Estudio del reglamento (EU) 2019/1111 sobre crisis matrimoniales, responsabilidade parental y sustracción internacional de menores, Aranzadi, Navarra, 2022, que explica que a aplicação do Regulamento não exige que a deslocação do menor de um Estado Membro para outro Estado Membro seja directa, podendo o itinerário da criança fazer-se por outros Estados; todavia as «normas do Regulamento já não têm aplicação se o menor fica retido num Estado terceiro», pág. 172; cfr. ainda Carmen Azcárraga Monzonis, «Sustracción internacional de menores», in: director Guillermo Palao Moreno, El Nuevo Marco Europeo em Materia Matrimonial, Responsabilidad Parental y Sustracción de Menores, Comentarios al Reglamento (UE) n.º 2019/1111, Tirant lo Blanch, Valencia 2022:259). Na definição de Anabela Susana Gonçalves, estamos perante uma situação de rapto internacional de crianças «quando há uma deslocação de crianças para um país estrangeiro, ou retenção da criança num país estrangeiro, em violação de um direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo de acordo com a lei de residência habitual de criança antes da deslocação ou retenção, desde que o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, ou devesse estar a ser, caso não tivesse ocorrido aa deslocação ou retenção» (Breve análise do rapto internacional de crianças na jurisprudência portuguesa, https://doi.org/10.21814/uminho.ed.305). Dito de forma mais sincopada, rapto internacional de criança significa a deslocação ou retenção ilícita de uma criança por um dos seus progenitores num país que não seja o da sua residência habitual. São relevantes para o caso sujeito, em particular, os seguintes dispositivos da Convenção: Artigo 1.º A presente Convenção tem por objecto: a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; Artigo 3.º A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado. Artigo 4.º A Convenção aplica-se a qualquer criança com residência habitual num Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de custódia ou de visita. A aplicação da Convenção cessa quando a criança atingir a idade de 16 anos. Artigo 5.º Nos termos da presente Convenção: a) O «direito de custódia» inclui o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência. b) (…). Artigo 13.º Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar: a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto. Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança. Resulta do exposto que, para que o pedido de regresso imediato possa ser julgado procedente, deve começar-se por determinar se a deslocação ou retenção da criança para e em Portugal foi ou não ilícita. Como diz a Sra. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza «averiguar da ilicitude da deslocação ou retenção de uma criança, alegada como fundamento do pedido de regresso apresentado nos tribunais portugueses, reconduz-se normalmente a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal, tinha o poder de por si só, decidir sobre o respectivo local de residência, ou se a deslocação foi ou não efectuada com o acordo ou com o consentimento do titular (ou co-titular) desse poder» («Jurisprudência sobre Rapto Internacional de Crianças», Julgar n.º 24:83). O segundo grau tratou desta matéria de maneira completa e exacta. Resulta provado que requerente e requerida celebraram entre si casamento em 29.5.2010, e desse matrimónio nasceu BB, no dia ....1.2015. Os pais do menor separaram-se em data indeterminada de 2022, sendo que o BB passou a viver só com a mãe, desde essa separação, tendo o requerente ido viver com os seus pais e avós. Esta situação manteve-se inalterada até 11.6.2023, data em que a mãe e o menor vieram para Portugal, sem o conhecimento ou autorização do progenitor e contra a sua vontade. A legalidade ou ilegalidade de uma deslocação ou retenção é apreciada em função dos direitos de guarda atribuídos nos termos do direito do Estado da residência habitual da criança, antes da sua deslocação ou retenção (acórdãos do Supremo Tribunal de 10.10.2013, Proc. 1211/08.6TBAND-A.C1.S1 e de 2.2.2023, Proc. 17505/20.0T8LSB-A.L1.S1). O Código Civil Brasileiro de 2002 preceitua que os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores (artigo 1630.º), que durante o casamento compete o poder familiar aos pais (artigo 1631.º), e que compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste quanto aos filhos, entre outros, em exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior e reclamá-los de quem ilegalmente os detenha (artigo 1634.º). Reconhecido é, por parte da opinio juris de ambos os países lusófonos, que a residência do menor é uma das questões fundamentais a dirimir em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais e que a deslocação de uma criança para um país estrangeiro, acompanhado de um dos progenitores, carece do consentimento do outro. Podemos, pois, concluir que, no caso sujeito, não tendo havido esse consentimento, pelo contrário, tendo a ajuizada deslocação sido efectuada sem o consentimento e contra a vontade do requerente, a mesma veste a capa da ilicitude. Verificada a ilicitude da deslocação, o tribunal tem de decretar o regresso da criança, salvo se ocorrer alguma das razões previstas no artigo 13.º da Convenção. Neste campo, é fundamental ter em consideração o justo equilíbrio entre os interesses concorrentes do menor, dos progenitores e da sociedade, sendo certo que o critério interpretativo prevalecente deve ser o do interesse superior do menor, como, aliás, resulta da Convenção dos Direitos das Crianças, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e ratificada por Portugal em 21.09.1990. Dispõe o art. 3º desta Convenção: 1-Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. 2- Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. Por outro lado, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (direito a respeito da vida privada e familiar), cria a obrigação processual, entre outras, às autoridades judiciais dos Estados contratantes de, sempre que seja apreciado um pedido de regresso de um menor, o tribunal examinar as alegações que sustentem a existência de risco grave para o menor em caso de o pedido de regresso ser deferido e deve pronunciar-se sobre esta matéria de forma articulada (sobre esta jurisprudência Rui Moura Ramos, O rapto de crianças no plano internacional. Alguns aspectos, Instituto Jurídico; FDUC, 2017 e commentario diretto da Sergio Beltrani, La Convenzione Europea dei Diritti dell`Uomo, Zanichelli Editore, 2022:721 ss). Observe-se que, de acordo com o artigo 1.º da CEDH, o exercício dos direitos e a fruição das liberdades garantidas pela Convenção pertencem, em geral, a todas as mulheres e a todos os homens, e não dependem do status de cidadão ou de estrangeiro. A recorrente alega que o Tribunal deveria ter tido em conta que a criança se encontra absolutamente inserida na sua nova realidade em Portugal, agora já há mais de um ano, constituindo uma violação do seu superior interesse, obrigá-lo a residir apenas com o Progenitor (o que nunca aconteceu anteriormente) e a mudar novamente de escola. Acresce que o regresso do BB ao Brasil, obrigá-lo-à a perder um ano lectivo ou a um esforço acrescido, já que o calendário escolar do Brasil é diverso do português. Tudo isto para concluir que deve ser negado o pedido de regresso do BB para o Brasil. Vejamos se tem razão. Importa levar em consideração, como dissemos, o interesse superior do BB. Visto estarmos diante de um conceito indeterminado, o mesmo carece de concretização. Resulta obrigatório atender às características do caso para estabelecer aquele interesse, devendo prestar-se atenção e valorar os elementos pessoais, familiares, materiais, sociais e culturais que concorrem na presente situação, priorizando-se o desenvolvimento integral do menor, devendo cuidar-se da sua saúde física e psíquica, respeitando a sua personalidade, mas também tomando em consideração circunstâncias económicas que assegurem a sua alimentação, educação e conforto pessoal. Provou-se que: O menor nasceu em ....1.2015, tendo por conseguinte, como já assinalámos, 9 anos de idade. O menor nasceu na constância do casamento dos seus progenitores e com os mesmos viveu até aos seus 7 anos, até data indeterminada de 2022, momento em que os seus pais se separaram. O BB ficou então a viver com a mãe. Quanto ao progenitor, foi viver com os seus pais. No entanto, apesar da separação, e, enquanto o BB esteve no Brasil, o requerente manteve contacto frequente e directo com o filho. Até que no dia 11.6.2023, a progenitora se ausentou do Brasil acompanhada do filho, vindo para Portugal. Desde então, não mais o BB regressou ao Brasil, ficando a residir em Portugal com a mãe, mais concretamente, na cidade de .... É pena que se tenha apurado tão pouco sobre as condições em que o menor e seus pais viviam antes da deslocação para Portugal e sobre as actuais condições sócio-económicas do progenitor. Sabemos tão-só, a este respeito que: Antes do menor vir para Portugal, o BB era acompanhado por uma médica particular, ia repetidamente para uma pequena propriedade campestre (chácara) pertencente à família do requerente, onde se divertia a brincar. Em contraste com estes dados positivos, a casa onde vivia foi assaltada. Depois do menor vir para Portugal e reportado ao tempo presente, sabemos que o requerente voltou a viver na casa, pertencente à sua família, onde, após a separação, a recorrente e o BB continuaram a habitar, que perto desta casa situa-se a escola que o BB frequentava antes de vir para Portugal-Escola ... «Prof ...», em ..., ...-, que o requerente continua a residir no Brasil, onde permanecem os avós, tias paternas e restante família materna do BB e, por fim, que o requerente trabalha na área dos transportes, numa empresa que pertence à sua irmã, auferindo mensalmente, em média, entre dois a três mil reais. Mais detalhada é, sem a menor dúvida, a matéria factual que retrata com clareza as actuais condições do BB. E essas são: Do ponto de vista familiar, o agregado familiar do BB é composto pela mãe / requerida e por: • DD – avó materna, com 61 anos; • EE – tia materna, com 45 anos, e • FF – prima (filha de EE), com 22 anos. Do ponto de vista habitacional, residem em casa arrendada, por €800/mensais, num r/c esquerdo, em .... paga pela requerente, EE e FF. A casa consiste num apartamento, tipologia 2, sem problemas estruturais e de conservação, sendo constituído por: - cozinha com equipamento básico e uma pequena varanda exterior; - dois quartos, com camas de casal, um primeiro, o da criança partilhado com a sua mãe e o segundo, da tia que por sua vez partilha com a avó materna (a mãe manifestou entretanto o propósito de arranjar uma cama só para o filho e uma secretária onde possa estudar). - uma marquise fechada, de acesso ao quarto da tia / avó e sala de estar, onde se encontra um sofá cama, onde dorme a prima. - uma sala de estar e uma casa de banho; O espaço destinado ao quarto a BB, dispõe de mobiliário básico e de estilo antigo, não existindo grande possibilidade de ser criada uma área de estudo e de lazer para ele. Existe ainda uma janela que permite luminosidade natural e arejamento e, em cima da cama de casal, que é partilhado pela mãe e filho, está colocado um peluche grande que pertence à criança. A casa não dispõe de quintal, somente uma pequena varanda na zona da cozinha, dispondo das infra-estruturas básicas. O espaço familiar encontrava-se organizado e cuidado, de forma a debelar fragilidades relacionadas com a privacidade dos diferentes elementos do agregado familiar e a inexistência de cama própria para cada elemento. O apartamento dispõe ainda de equipamento básico (em particular, na cozinha). No momento da visita domiciliária, a habitação encontrava-se adequadamente higienizada e com a manutenção realizada, não foram observados (visíveis) factores/indícios que revelem um ambiente insalubre, dispondo de condições básicas de habitabilidade, de luminosidade e de higienização/arejamento. A habitação está localizada no centro urbano, numa zona habitacional, com rede de vizinhança e com proximidade a equipamentos educativos, sociais e saúde, ainda a serviços essenciais, como farmácias, supermercados, CTT, CML, entidades policiais. A habitação também está próxima de espaços de diversão infantil e equipamentos lúdicos, ainda, a espaços verdes. Vejamos agora os aspectos relativos à integração do menor no meio social e seu aproveitamento escolar. O BB frequenta, desde o início do ano lectivo 2023/2024, o 3º ano, do 1º Ciclo do Ensino Básico, na Escola ..., equipamento afastado do centro urbano e da casa de família, mas que pertence ao agrupamento da sua área de residência, isto, pelo facto de não existirem vagas noutro equipamento mais próximo, estando a utilizar o transporte escolar assegurado pelos serviços camarários. Não dispondo de transporte próprio, mas com acessibilidades e rede de transportes urbanos e regionais, é a mãe ou a tia materna que levam o BB à paragem de autocarro ou que o vão buscar quando chega, dependendo dos horários e folgas da requerida. No que se reporta especificamente ao aproveitamento escolar, o BB revela um aproveitamento que se pode situar seguramente acima da média e promissor. Na verdade, quedou provado que: O BB é um aluno assíduo e pontual. O seu comportamento é muito bom, revela sentido de responsabilidade e «mostrou uma excelente adaptação à nova realidade, uma vez que o aluno é proveniente do Brasil». Em termos de actividades escolares, o BB é um aluno participativo, revela empenho e interesse pelas actividades propostas, gosta de participar em todas as actividades dentro e fora da escola, como por exemplo nas aulas de adaptação ao meio aquático, designadamente natação, modalidade desportiva que frequenta. É um aluno respeitador tanto com o professor, como com as assistentes operacionais e colegas de turma. Na avaliação escolar teve Bom às disciplinas de português, matemática, educação física e cidadania e desenvolvimento e Muito Bom a inglês. Como resulta da informação escolar, do professor GG, o BB tem um muito meritório desempenho em todas as disciplinas curriculares (português, estudo do meio, apoio ao estudo, matemática, organização e tratamento de dados, expressão artística e educação física), sendo de destacar algumas valorações do professor, como, por exemplo, a de que o BB mantém interesse e empenho nas actividades propostas e é participativo; tem acompanhado as aprendizagens com interesse; revela bom raciocínio lógico, bom cálculo mental e aplica estratégias na resolução de problemas; comunica com eficiência e correcção linguística, usando a língua inglesa de forma muito clara e organizada; movimenta-se com segurança, respeita as regras desportivas e demonstra capacidade de trabalho em equipa; realiza sempre os trabalhos de casa e tem adquirido hábitos e métodos de estudo, tudo isto para concluir que no decorrer do segundo semestre, o BB deverá dar continuidade ao seu bom desempenho, isto porque ao longo do semestre, tem sido um aluno assíduo e pontual. O seu comportamento continua a ser considerado muito bom dentro e fora da sala de aula. É um aluno com elevado sentido de responsabilidade na realização de tarefas e nas relações interpessoais com os colegas. O BB participa com entusiasmo em todas as actividades propostas». Acresce, last but not least que, na relação interpessoal, o BB é uma criança educada, afável e de fácil empatia – este factor tem sido determinante no sucesso do aluno, uma vez que contribui para a sua estabilidade emocional e psicológica. Atributos que terão certamente contribuído para que o menor esteja adaptado às rotinas escolares e goste da escola, onde já fez amigos com quem brinca. Finalmente, no que respeita às condições económicas do agregado familiar do menor, a requerida trabalhou inicialmente numa churrasqueira, em ... e, actualmente, está a trabalhar numa bomba de combustível, auferindo o salário mensal de 820,00 €. Tem um horário laboral das 05h00 às 14h00 ou das 06h00 às 15h00. A tia materna está a trabalhar nas limpezas e a prima FF está a trabalhar na cafetaria do .... A avó materna recebe uma pensão do Estado Brasileiro, de montante não determinado. Perante estes factos, não pode deixar de concluir-se que assiste razão à recorrente. A regra do regresso imediato da criança ao país de origem, em casos de deslocação e detenção ilícita por parte de qualquer um dos progenitores não é, como vimos, absoluta e encontra-se temperada pelo artigo 13.º, b) da Convenção. Como explica Luís Lima Pinheiro «o principal fundamento de oposição à decisão de regresso é o risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a danos de ordem física e psicológica ou, de qualquer outro modo, em situação intolerável. Este preceito deve ser interpretado à luz da primazia atribuída ao superior interesse da criança nas decisões que lhe dizem respeito pelo artº 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança” («Deslocação e retenção internacional ilícita de crianças, Revista da Ordem de Advogados, ano 74.º, 3-4:685). Parafraseando o Ac. STJ de 14.10.2021, Proc. 6810/20.5T8ALM.L1.S1, diremos que para uma criança com 9 anos de idade, que privou permanentemente com a mãe, e a quem está económica e afectivamente muito ligada, criança completamente integrada no seu meio social e escolar, em Portugal, tendo já alcançado no plano da formação escolar um aproveitamento muito bom e com inegável margem de progressão, num futuro próximo, separá-la desse meio e destruir estas amarras, representaria um choque psicológico e afectivo intolerável para o menor. Note-se que o desenvolvimento do BB, tendo em consideração a faixa etária em que se encontra, requererá o reforço das condições de segurança e confiança, que facilitarão e estarão na base do seu crescimento saudável e equilibrado, não sendo compatível com o provável trauma de mais uma mudança, em pleno ano lectivo, para condições de vida incertas e inseguras. Observe-se que a casa onde vivia no Brasil já foi assaltada, confirmando uma realidade que todas as estatísticas consideradas credíveis e citadas pelos mais prestigiados jornais internacionais suficientemente documentam. Se se compulsar, por exemplo, o NUMBEO, portal de estatísticas sobre vários sectores da vida em sociedade, a nível mundial, verificamos que a cidade de ... se encontra em 22.º lugar na taxa de indicadores de criminalidade, com um indicador de segurança de apenas 29,28 ao passo que a cidade do ..., a cidade portuguesa pior classificada no ranking, se encontra em 235.º lugar com um indicador de segurança de 67,12. Esses dados não são contrariados, pelo contrário, pelo Mapa de Segurança Pública 2024 do governo brasileiro, consultável na internet. O regresso da criança deve ser recusado nos casos em que a separação seja claramente mais prejudicial à criança do que a permanência com o progenitor que a deslocou ou reteve ilicitamente (Luís Lima Pinheiro, op.cit.:686). A orientação do citado acórdão de 14.1.2021 não é insólita nem solipsista. Em verdade, já no acórdão do STJ de 9.6.2021, Proc. 1677/20.6T8PTM-A.E1.S1, relatado pela aqui 1.ª adjunta, se fez uma análise dos artigos 12 e 13 da Convenção e se sublinhou sem equívocos, que a «eficácia e a operatividade normativa dos instrumentos jurídicos internacionais não se podem sobrepor, a qualquer custo, à consideração do superior interesse da criança em cada caso concreto, porquanto tal interesse se reconduz a um dos valores estruturantes da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, e se encontra também expressamente formulado no art.3º da Convenção Sobre os Direitos da Criança». Igual orientação foi seguida também no acórdão do STJ de 13.9.2022, Proc. 20722.T8VVC-A.E1.S1, no qual, com boas razões, se levou a sério o superior interesse da criança, fazendo-o prevalecer sobre a regra do regresso imediato. No caso sujeito, como se deixou depreender, autorizar o regresso do BB ao Brasil, é objectivamente gerar um grave risco de potenciar uma situação substancialmente intolerável e violadora do seu superior interesse nesta fase de desenvolvimento da sua personalidade. O que é o suficiente para, ao contrário do que foi decidido nas instâncias, se ter por justificado indeferir o pedido de regresso do menor ao Brasil. *** Pelo exposto acordamos em julgar procedente o recurso, e, consequentemente, em revogar o acórdão recorrido, não se ordenando o regresso de BB ao Brasil. Sem custas. *** Comunique o acórdão à Direcção Geral de Administração de Justiça e à Autoridade Central Portuguesa. *** (12.11.2024) Luís Correia de Mendonça (Relator) Maria Olinda Garcia Graça Amaral |