Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO LEONES DANTAS | ||
Descritores: | FACTO CONCLUSIVO JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO INDEMNIZAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/05/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS. DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO (POR INICIATIVA DO TRABALHADOR) / RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - ANTUNES VARELA, Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Novembro de 1984, in “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Ano 122.º, n.º 3785, Novembro de 1989, pp. 213 e ss., 219, 222. - MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 194. - MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, 2004, Almedina, p. 145. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 1152.º, 1154.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 646.º, N.º4, 712.º, 722.º, N.º3, 729.º, N.º3. CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 11.º, 127.º, N.º1, ALS. A), C) E D), 394.º, 395.º, 396.º. DL 564/99, DE 21/12: - ARTIGO 6.º, N.º4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 23/11/2011, PROCESSO N.º 238/06.7TTBGR.S1, DA 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT; -DE 24/11/2011, PROCESSO N.º 740/07.3TTALM.L1.S2, DA 4.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT; -DE 9/02/2012, PROCESSO N.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT; -DE 19/04/2012, PROCESSO N.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, DA 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : |
1 – As expressões «sob autoridade, direcção e fiscalização da ré», «estar integrada na organização da Ré, recebendo ordens e instruções desta, sujeita ao seu poder disciplinar» e a «A. executava as tarefas que lhe eram atribuídas e ordenadas pela Ré», sendo a Ré uma pessoa colectiva, comportam juízos fácticos de natureza conclusiva e são portadores de valorações jurídicas que permitem reportá-las ao thema decidendum, o que legitima a sua eliminação da matéria de facto dada como provada, nos termos do artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil; 2 – Constitui justa causa para a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, a conduta do empregador que integre violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, ou ofensa à respectiva integridade física ou moral, à liberdade, honra ou dignidade punível por lei, nos termos do artigo 394.º do Código do Trabalho de 2009. 3 − Para além do direito à resolução do contrato, o trabalhador tem ainda direito a uma indemnização a calcular, nos termos do artigo 396.º daquele Código, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade, sendo, em caso de fracção de ano, o respectivo valor calculado proporcionalmente, sendo que o valor mínimo não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades; 4 – Na fixação do número de dias relevante para o cálculo da indemnização deve atender-se ao valor da retribuição do trabalhador e à ilicitude do comportamento do empregador. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I AA intentou a presente acção, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, … ASSOCIADOS, S.A., presentemente denominada CC, S.A.[1], pedindo: a) A declaração de que entre as partes existia um contrato de trabalho sem termo, com efeitos reportados a 4/1/99; b) A declaração da licitude da resolução do contrato efectuada pela Autora, condenando-se a Ré a reconhecê-la, bem como a pagar-lhe uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, calculada com base em 45 dias de retribuição base, por cada ano de antiguidade, computando-se a mesma em € 27.756,43, acrescida da quantia de € 2.250,00 que, ilicitamente, a Ré lhe descontou na retribuição; c) A condenação da ré a pagar-lhe € 47.925,00 a título de retribuições em dívida devidamente discriminadas na petição e os correspondentes juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre tais quantias, desde o vencimento de cada uma e até efectivo e integral pagamento, ascendendo a € 17.426, 49 os vencidos até 9/2/2011; d) A condenação da Ré a pagar-lhe o montante de € 20.000,00 a título de indemnização por danos morais, acrescido de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.
Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese: - a) Que tendo sido trabalhadora subordinada da Ré, com efeitos reportados a 4 de Janeiro de 1999, resolveu, com justa causa para o efeito, o contrato de trabalho entre ambas; b) - Que do contrato de trabalho e da sua cessação resultaram para ela, sobre a Ré, os direitos de crédito cuja satisfação coerciva exige a prévia condenação judicial da Ré a reconhecê-los e a satisfazê-los.
A Ré deduziu contestação e reconvenção e, tendo a acção prosseguido seus termos, veio a ser decidida por sentença de 5 de Julho de 2012, cujo dispositivo é do seguinte teor: «Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada na mesma medida e, consequentemente, a) declaro que entre a A. e a Ré existiu um contrato de trabalho com início em 04/01/1999; b) declaro que a resolução do contrato efetuada pela A. foi-o com justa causa e, consequentemente, condeno a Ré – BB, … Associados, S.A. – a pagar à A. – AA – uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de € 20.014,21 (vinte mil e catorze euros e vinte e um cêntimos) acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento e c) condeno a Ré a pagar à A. a quantia total de € 30.519 (trinta mil quinhentos e dezanove euros) a título de pré aviso ilicitamente descontado e de férias, subsídios de férias e de Natal dos anos de 1999 a 2004, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar desde a data dos respetivos vencimentos e até integral efetivo pagamento. d) julgo a reconvenção improcedente por não provada, absolvendo a A. do pedido que contra ela foi deduzido». Inconformada com o decidido apelou a Ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, que veio a decidir o recurso interposto por acórdão de 9 de Fevereiro de 2013, nos seguintes termos: «Acordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de conceder parcial provimento à apelação da ré, com a consequente substituição do dispositivo da sentença recorrida pelo seguinte: a) declara-se que entre a autora e a ré existiu um contrato de trabalho com início em 01/02/2005; b) declara-se que a resolução do contrato efectuada pela autora foi-o com justa causa e, consequentemente, condena-se a ré a pagar à autora uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de € 6.525,00 acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da sentença recorrida e até efectivo e integral pagamento; c) condena-se a ré a pagar à autora a quantia de € 2.250 a título de pré-aviso ilicitamente descontado, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar da data da efectivação desse desconto e até integral efectivo pagamento; d) no mais, julga-se a acção improcedente, dela se absolvendo a ré; e) julga-se a reconvenção improcedente, absolvendo-se a autora dela. Custas da acção a cargo da autora e da ré, na proporção do decaimento. Custas da reconvenção a cargo da ré.»
Não conformada com esta decisão recorre agora de revista para este Tribunal a Autora, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «a) O presente recurso restringe-se à apreciação dos 3 aspetos em que o Acórdão recorrido revogou a sentença da 1.ª instância, a saber: qualificação da relação contratual existente entre as partes; créditos emergentes dessa qualificação; montante da indemnização. b) O Acórdão recorrido decidiu eliminar, para além do mais, os seguintes trechos da sentença proferida em 1ª instância, por serem conclusivos ou de direito: a) “ ... retribuição, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré...' - ponto 2 dos factos provados”; b) “ ... a estar integrada na organização da Ré, recebendo ordens e instruções desta, sujeita ao seu poder disciplinar e executando as funções próprias da categoria profissional de fisioterapeuta ... ponto 3 os factos provados”; c) “A A executava tarefas que lhe eram atribuídas e ordenadas pela Ré - ponto 4 dos factos provados”; c) Tendo, em consequência disso, alterado a redação dos pontos 2) e 3 dos factos provados na sentença e eliminado, pura e simplesmente, o ponto 4. d) Acontece que, ao contrário do que se sustenta no Ac. recorrido, as expressões acima transcritas não são conclusivas e ou de direito, não devendo, por esse facto, ser eliminadas. e) Sendo certo que, não se destinando o recurso de revista a reapreciar a matéria de facto, o certo é que não pode deixar de apreciar o respeito pelos Tribunais da Relação das regras processuais e substantivas atinentes aos seus poderes quanto àquela matéria. f) Pelo que, devem as expressões eliminadas pelo Acórdão recorrido ser mantidas, por não serem conclusivas ou de direito. E, em consequência, devem ser mantidos os factos 2) 3) e 4) da sentença de 1ª instância, nos seus precisos termos, uma vez que a alteração resultou pura e simplesmente daquela eliminação. Por outro lado, g) A lei aplicável à qualificação jurídica da relação existente entre as panes é o art. 1º da LCT (Lei n° 49 408 de 24.11.69), questão que não se mostra, ao que nos parece, controvertida. h) Donde resulta que, para que haja um contrato de trabalho, seja necessário que se verifique, cumulativamente, a existência de subordinação jurídica e económica. i) No caso concreto, face à matéria de facto assente (“8. A A. desde 4/01/1999 exercia a sua actividade exclusivamente para a Ré, dela auferindo os únicos rendimentos do trabalho"), a subordinação económica é indiscutível. j) E face à factualidade a considerar, nos termos que supra propugnamos, temos que: - a autora prestava a sua actividade exclusivamente para a ré de quem recebia os únicos proventos do trabalho; - recebia ordens e instruções da ré, estando sujeita a seu poder disciplinar; - prestava a sua atividade no consultório da ré, utilizando utensílios e instrumentos desta; - trabalhava todos os dias úteis, com um horário cujo início e termo não foi possível determinar, com um intervalo para almoço de duração e com início e termo que também não foi possível determinar. k) Em nosso entender, este conjunto de elementos fácticos não pode deixar de ser considerado suficiente para, no quadro legal aplicável, concluir pela existência de subordinação jurídica. I) E a tal não obsta, por um lado, não se encontrar provado o concreto horário de trabalho, dado que existindo este, como ficou demonstrado, o início e termo são, manifestamente, elementos secundários; e, por outro lado, também não obsta, como é sabido, a relação tributária e de segurança social, dado que a existência de "recibos verdes" constitui o elemento dissimulador generalizado da realidade contratual, como é do conhecimento geral. m) Deve o Acórdão recorrido ser revogado, na parte em que qualificou a relação contratual em vigor entre as partes, como consubstanciando um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho. n) Em consequência da alteração da qualificação efetuada pelo acórdão recorrido, deve este ser também revogado na parte em que revogou a sentença recorrida que condenou a ré a pagar à autora quantia 28 269,00€ a título de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal dos anos de 1999 a 2004, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar da data dos respectivos vencimentos e até efetivo pagamento. o) O Acórdão recorrido, no que respeita à indemnização pela resolução do contrato promovida pela autora recorrente, alterou, quer a antiguidade a considerar, em resultado da alteração da qualificação da relação contratual de 1999 a 2005, quer o montante por cada ano de antiguidade, passando de 45 dias da sentença para 30. p) No que respeita à antiguidade, revogando-se o Acórdão recorrido quanto à dita qualificação contratual, o contrato de trabalho teve o seu início em 1999, pelo que, a antiguidade a considerar é a que a sentença declarou, ou seja, 11 anos, 10 meses e 14 dias. q) No que respeita à medida da indemnização o Acórdão baixou de 45 dias fixados na sentença para 30 dias sem qualquer fundamento. r) Ora, a ilicitude do comportamento da Ré foi muito elevada e, teve como móbil um facto muito grave: impedir a amamentação da autora à filha de tenra idade (Cf. factos 18), 19), 37), 38) e 69)). s)E tal gravidade decorre, não só da relevância social da maternidade e da reconhecida valia da amamentação, mas também da qualidade pessoal dos gerentes da Ré, ambos médicos! Ou seja, também a culpa é muito elevada. t) E com aquele móbil, a ré tudo fez para impedir a prestação laboral da autora, de modo a levá-la a resolver o contrato, atingindo o núcleo essencial da sua prestação laboral: ou seja, a sua autonomia técnica, impondo restrições de acesso aos processos clínicos, obstaculizando a prestação de cuidados de saúde aos doentes (Cf. pontos 20), 21), 22), 24), 26), 27), 28), 29). u) E com grave reflexo no ambiente de trabalho e no desrespeito por regras de convívio e urbanidade que têm de ser preservadas no local de trabalho (Cf. pontos 18) 19), 38). v) O que causou, graves danos à Autora (Cf. pontos 25), 30). w) Ora, da conjugação de todos estes elementos de ponderação, não pode deixar de se concluir que para compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais da autora, a indemnização não pode ser fixada em menos de 45 dias, por cada ano de antiguidade e fração. x) O Acórdão recorrido violou a lei e, em especial, o art. 712º do C.P.C. art. 1º da LCT e art. 396º do C.T.» Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a manutenção da decisão de «1.ª instância, nos seus precisos termos, com as legais consequências». A Ré respondeu ao recurso interposto pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso. Notificado este parecer às partes veio a Autora pronunciar-se sobre o mesmo, na linha das posições por si defendidas nas alegações do recurso que interpôs.
Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3 e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que correspondem aos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, do anterior Código de Processo Civil, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, estão em causa na presente revista: a) – A alteração da matéria de facto dada como provada na 1.ª instância levada a cabo pelo Tribunal da Relação relativamente aos factos descritos sob os n.ºs 2, 3 e 4; b) – A qualificação jurídica do vínculo que ligou a Autora à Ré desde Janeiro de 1999 a Janeiro de 2005; c) – Se deve ser fixado em 45 dias o valor de referência para o cálculo da indemnização por justa causa da resolução do contrato, atenta a ilicitude do comportamento da Ré. II A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte: «1 - A Ré é uma sociedade anónima que se dedica à exploração de um consultório médico. 2 - No dia 04 de Janeiro de 1999, a A. e a R. estabeleceram um contrato verbal em que a A. se obrigava, mediante contraprestação pecuniária, a desempenhar as funções de fisioterapeuta, no consultório médico desta, situado na Rua …, nº …, na Figueira da Foz[2]. 3 - Desde então, a A. passou a executar, nomeadamente, as seguintes funções: avaliação das condições do doente com vista à programação de tratamento adequado à sua condição, de acordo com o diagnóstico do médico ortopedista; execução dos planos de tratamento elaborados pelo médico fisiatra; massagem terapêutica e reeducação motora[3]. 4 - (…)[4]. 5 - Desde a data referida em 2 até Fevereiro de 2005, a autora comparecia no consultório médico da ré, onde prestava a sua actividade de fisioterapeuta, todos os dias úteis, de manhã e de tarde, durante um número de horas por dia que não foi possível determinar com exactidão, beneficiando a autora, durante todos esses dias, de um intervalo para almoço de duração, com início e termo que não foi possível determinar; a partir de Fevereiro de 2005, a autora sempre teve um horário de trabalho fixado pela ré, de segunda-feira a sexta-feira, das 9 h às 17 h, com intervalo para almoço das 13 h às 14 h[5]. 6 - A partir de Fevereiro de 2005, a autora sempre executou as suas funções de acordo com as ordens e instruções dadas pelo Dr. DD e pela Dr.ª EE[6]. 7 - A partir de Fevereiro de 2005, quando, por qualquer motivo, a autora tinha de se ausentar, pedia prévia autorização ao Dr. DD ou à Dr.ª EE, como faziam todos os demais trabalhadores da ré.[7] 8 - A A. desde 04/01/1999, exercia a sua actividade exclusivamente para a Ré, dela auferindo os únicos rendimentos do trabalho. 9 - Todos os utensílios e instrumentos utilizados na prestação do seu trabalho eram da Ré que os colocava à disposição da A. 10 - Como contrapartida pela prestação da sua actividade profissional de fisioterapeuta no consultório médico da ré, esta pagou à autora, em cada um dos meses de Janeiro de 1999 a Janeiro de 2005, as quantias que por referência a cada um desses meses estão enunciadas nos documentos de fls. 36 a 73, aqui dadas por reproduzidas[8]. 11 - Para quitação das quantias referidas no ponto 10 dos factos provados, a autora colectou-se como trabalhadora independente e emitiu os respectivos “recibos verdes” documentados a fls. 36 a 73, aqui dadas por reproduzidas[9]. 12 - Relativamente às prestações pecuniárias que pagou à autora entre Janeiro de 1999 e Janeiro de 2005, a ré não efectuou descontos para a segurança social[10]. 13 - Até ao ano de 2005, a autora não gozou férias que lhe tivessem sido concedidas pela ré, nem recebeu desta quaisquer quantias pagas a título de retribuição de férias[11]. 14 - A A. e a Ré acordaram nos termos constantes de fls. 74 a 77, cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido. 15 - A partir de 01/02/2005, a A. passou a auferir uma retribuição base mensal que foi de € 811 nos anos de 2005 e 2006, de € 1.100 nos anos de 2007 e 2008 e de € 1.125 nos anos de 2009 e 2010, até à data da cessação da relação de trabalho. 16 - A Ré pagou à A., a título de “prémio de produtividade/assiduidade”, o montante médio mensal de € 202,22 em 2005; de € 198,33 em 2006 e de € 198,57 até Setembro de 2007. 17 - A A. continuou a amamentar a filha a partir do ano de idade. 18 - Devido ao facto de a A. continuar a amamentar a filha, criou-se um mau ambiente no local de trabalho, tendo a A. feito uma participação à ACT. 19 - A partir da intervenção da ACT, a Dr.ª EE deixou de dirigir a palavra à A., o que aconteceu, posteriormente, com o Dr.º DD. 20 - Em dia que não foi possível apurar concretamente, entre os meses de setembro e Novembro de 2010, foi negada à A. a consulta de um processo de um utente que ia iniciar os tratamentos, tendo a recepcionista dito à A. que não tinha autorização superior. 21 - A A. foi ao consultório do Dr.º DD pedir para consultar o processo clínico de um doente, o que lhe foi recusado. 22 - Desde 1999 que a A. trabalhava naquela clínica e sempre tivera autonomia técnica no seu trabalho como fisioterapeuta havendo sempre trabalho de equipa entre si e os médicos que acompanhavam os utentes. 23 - Existiu na clínica um médico fisiatra com quem a A. entrava em contacto sempre que era necessário e relevante. 24 - A A., em Outubro de 2010, voltou a pedir um processo de um utente para esclarecimento de algumas dúvidas e que não lhe foi facultado, tendo a recepcionista dito à A. que estava proibida de o fazer. 25 - A A., face às situações descritas em 20 e 24, sentiu-se vexada e humilhada. 26 - A A. enviou à Ré a carta junta a fls. 78 a 82, cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido. 27 - A Ré continuou a não facultar os processos clínicos dos doentes à A. e dos quais, esta, por vezes, necessitava para o desempenho concreto da sua atividade. 28 - Em Novembro de 2010, uma utente, no final do tratamento, queixou-se da insuficiência do mesmo, sem que a A. pudesse fazer nada, por ter de se limitar a seguir a prescrição do Dr. DD e por não ter o processo para fazer a avaliação da situação, como acontecera até finais de 2010 29 - (…) e nem ter possibilidade de contactar o Dr. DD pelo facto de este não estar na clínica. 30 - Com as condutas da Ré supra descritas em 20, 24, 27 e 28, a A. sentiu-se humilhada e rebaixada perante as colegas e utentes. 31 - (…)[12]. 32 - A A. enviou à Ré a carta junta a fls. 83 a 85, cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido. 33 - A Ré descontou a quantia de € 2.250 na retribuição da A. a título de denúncia sem aviso prévio. 34 - A Ré, de 04/01/1999 a 01/02/2005, não pagou à A. qualquer quantia a título de subsídios de férias e de Natal. 35 - A partir de setembro de 2007, na sequência de a A. ter entrado de baixa médica, a Ré deixou de lhe pagar o referido prémio de produtividade/assiduidade. 36 - A Ré, a partir de Abril de 2008, deixou de pagar à A. um prémio anual denominado de “gratificação”, em função dos resultados do consultório. 37 - A administração da Ré não aceitou com agrado ter de dispensar à A. duas horas por dia para amamentação. 38 - A partir da intervenção da ACT, os administradores da Ré passaram a tratar de todos os assuntos relativos à prestação de trabalho da A. por escrito. 39 - Devido às situações supra descritas em 18, 19, 20, 24, 27 e 28, a A. sentiu-se ansiosa e deprimida. 40 - A A. tem uma filha menor. 41 - A A., desde dezembro de 2008, tem sido seguida em consulta de psiquiatria no CHP de Coimbra, apresentando em agosto de 2010 um quadro depressivo reactivo para o qual contribuíram as situações referidas em 39, encontrando-se em tratamento com antidepressivos. 42 - Foi realizada uma reunião e entrevista entre a A. e os responsáveis da Ré e na qual foi acordado que a A. prestaria a sua actividade de fisioterapeuta na clínica da Ré na Figueira da Foz, fazendo as marcações e os respectivos tratamentos aos utentes; a A. apresentava à Ré o mapa mensal descritivo dos tratamentos prestados aos utentes com vista à divisão por metade dos montantes cobrados; os utentes provinham da clínica da Ré ou de outras e apresentavam-se com prescrições médicas e a A. prestava os tratamentos com a autonomia que lhes é inerente. 43 - O objeto comercial da Ré é a prestação de serviços médicos, fisioterapia, cirurgia e ortopedia. 44 - À A., como fisioterapeuta competia, além do mais, executar os tratamentos prescritos pelos médicos com a autonomia técnica inerente aos mesmos, sendo a mesma que acordava com os utentes as horas de atendimento tendo em conta o seu horário, as necessidades da clínica e a disponibilidade daqueles. 45 - A Ré, no final do ano, emitia as respectivas declarações. 46 - Se a A. faltasse comunicava a sua ausência aos utentes. 47 - Até Fevereiro de 2005, os descontos para a segurança social foram realizados pela A. no regime de trabalhadora independente e a A. era paga de acordo com os tratamentos que realizava e respectivos preços acordados com a Ré. 48 - A A. exercia as suas tarefas na Figueira da Foz, no local onde a Ré explora uma clínica médica polidisciplinar, onde são prestados os mais diversos serviços médicos, em diversas e variadas especialidades. 49 - Para o efeito foi disponibilizado à A. um local/ginásio, junto à área administrativa da recepção da clínica da Ré, onde a A. organizava e realizava o seu trabalho de fisioterapeuta com a autonomia inerente ao mesmo. 50 - A A. estava habilitada com a respetiva cédula profissional e realizava os tratamentos de fisioterapia aos doentes da clínica de acordo com as prescrições médicas que lhe eram entregues, podendo o médico esclarecer o conteúdo destas, se tal fosse necessário. 51 - A A., até Janeiro de 2005, não constou do mapa de férias nem do quadro de pessoal organizado pela Ré. 52 - A A., desde 1999 e até Fevereiro de 2005, esteve inscrita como trabalhadora independente / por conta própria. 53 - Efectuava, na pendência do identificado período, os seus descontos enquanto trabalhadora independente e procedia directamente aos pagamentos devidos à segurança social. 54 - A A. desde Janeiro de 1999 até Fevereiro de 2005, emitiu recibos de trabalhadora independente, sujeita a IRS e não foi inscrita na segurança social como trabalhadora da Ré. 55 - A A. era fisioterapeuta, especialista na realização das tarefas acordadas. 56 - A A. fez um seguro de acidentes de trabalho como trabalhadora independente; pagava a segurança social no mesmo regime e recebeu anualmente da Ré as respectivas declarações de retenção na fonte, enquanto trabalhadora independente, nunca as tendo devolvido. 57 - A A. requisitou e liquidou nos competentes serviços das finanças os livros de recibos verdes que entregava à Ré. 58 - Em Fevereiro de 2005, a Ré pretendeu efectuar uma remodelação nos serviços de fisioterapia da clínica. 59 - A partir de Fevereiro de 2005, a Ré pretendeu efectuar um controlo directo e efectivo sobre o número de pacientes a atender pela A. 60 - Em Fevereiro de 2005, foi acordado entre a A. e a Ré, nos termos constantes de fls. 74 a 77, o horário de trabalho de segunda a sexta feira, das 9 h às 17 h, com uma hora para almoço das 13 h às 14 h, tendo a marcação dos tratamentos de fisioterapia passado a ser feita pelas funcionárias administrativas da Ré FF e GG em conjugação com a A.. 61 - A Ré pretendia efectuar obras e alterações no local destinado ao serviço de fisioterapia. 62 - A A. esteve de licença de maternidade no ano de 2008. 63 - A Ré enviou à A. a carta junta a fls. 188 a 191, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. 64 - A Ré concedeu à A., até aos 18 meses da filha, as respectivas horas de amamentação. 65 - Após os 18 meses de idade da filha, a Ré solicitou à A. que apresentasse um atestado médico comprovativo de que continuava a amamentar. 66 - A A., durante o período em que amamentou a filha, tomava antidepressivos. 67 - A A. apresentou à Ré declarações médicas no sentido de que se encontrava a amamentar a filha e atestados médicos no mesmo sentido, em Novembro de 2009 e Janeiro de 2010. 68 - A Ré suspendeu o crédito de horas para amamentação da A. até à apresentação do atestado médico. 69 - A Ré solicitou a intervenção da Ordem dos Médicos sobre a situação da amamentação e respectivas declarações e atestados apresentados. 70 - Em Fevereiro de 2010, a A. deixou de gozar as horas de amamentação. 71 - A A. necessitava de uma prescrição médica para realizar as suas tarefas. 72 - O paciente é observado pelo médico competente que prescreve / indica o tratamento a efectuar. 73 - Os tratamentos a efectuar pelo fisioterapeuta são identificados na prescrição médica que lhe é facultada. 74 - O fisioterapeuta deve executar esses tratamentos de acordo com a prescrição médica identificada pelo médico competente. 75 - O processo clínico de um paciente é um documento confidencial. 76 - Qualquer dúvida que exista por parte do fisioterapeuta, no que tange à prescrição, é passível de ser esclarecida junto do médico autor da mesma. 77 - A A. foi ao consultório do Dr. DD, médico ortopedista, pedir para consultar o processo clínico de um doente e o pedido foi-lhe recusado. 78 - Um processo clínico pode ter várias fichas, respeitantes a cada especialidade, sendo que estas fichas, enquanto parte integrante do mesmo, são cobertas pelo sigilo profissional a que o mesmo se encontra sujeito. 79 - A prescrição médica identifica os tratamentos necessários a efectuar. 80 - O médico é sempre o responsável pela prescrição dos tratamentos. 81 - A Ré enviou à A. as cartas juntas a fls. 179 a 182. 82 - A Ré enviou à A. a carta junta a fls. 188 a 192, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido; a A. respondeu à mesma nos termos constantes de fls. 193 e a Ré respondeu a esta conforme consta de fls. 195 a 196, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. 83 - A A. queixava-se junto das trabalhadoras da Ré de ter muito trabalho. 84 - A A. esteve de baixa, por doença natural, de 23/04/10 a 03/05/10; de 05/05/10 a 16/05/10; de 17/05/10 a 15/06/10 e de 16/06/10 a 15/07/10. 85 - A A., durante um período de baixa, foi vista num bar, à noite.»
III 1 – Nas conclusões a) a f) das alegações do recurso de revista insurge-se a Autora contra a decisão recorrida na parte em que a mesma decidiu alterar a matéria de facto que vinha fixada da 1.ª instância, relativamente aos pontos n.º s 2), 3) e 4). Refere que «ao contrário do que se sustenta no Ac. recorrido, as expressões (…) não são conclusivas e ou de direito, não devendo, por esse facto, ser eliminadas» e que «não se destinando o recurso de revista a reapreciar a matéria de facto, o certo é que não pode deixar de apreciar o respeito pelos Tribunais da Relação das regras processuais e substantivas atinentes aos seus poderes quanto àquela matéria», pelo que, em seu entender «devem as expressões eliminadas pelo Acórdão recorrido ser mantidas, por não serem conclusivas ou de direito».
Sobre este ponto considerou-se na decisão recorrida o seguinte: «Previamente ao decidido conhecimento parcial do recurso da decisão sobre a matéria de facto importa apurar se existem ou não segmentos da decisão da matéria de facto que devem ser eliminados por comportarem meras conclusões ou matéria de direito. Na verdade, é sabido que os quesitos conclusivos não devem ser respondidos e que as respostas dadas a tais quesitos se devem ter por não escritas - arts. 511º/1 e 646º/4 do CPC, acórdãos do STJ de 26/09/12 (revista 1555/03.3TTLSB.L1.S1), de 24/11/2011 (revista 740/07.3TTALM.L1.S2) e de 23/9/09 (revista 238/06.7TTBGR.S1). O mesmo regime deve ser observado em relação aos quesitos que versem sobre questões de direito ou em relação às respostas sobre esses quesitos. Como assim, por identidade de razão, a decisão sobre a matéria de facto dada como provada deve ser expurgada de juízos e afirmações conclusivos que dela constem, o mesmo devendo decidir-se em relação aos trechos da decisão sobre a matéria de facto que contenham matéria de direito. Fazendo-o, diremos que no contexto destes autos em que um dos temas do litígio é, justamente, o de saber se existiu ou não entre a autora e a ré, entre Janeiro de 1999 e Fevereiro de 2005, um contrato de trabalho, com o necessário requisito da subordinação jurídica, sendo a ré uma pessoa colectiva, são conclusivos e/ou contêm matéria de direito, os seguintes trechos da decisão sobre a matéria de facto, dela devendo ser eliminados: a) “… retribuição e sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré …” – ponto 2 dos factos provados; b) “… a estar integrada na organização da Ré, recebendo ordens e instruções desta, sujeita ao seu poder disciplinar e executando as funções próprias da categoria profissional de fisioterapeuta…” – ponto 3 dos factos provados; c) “A A. executava as tarefas que lhe eram atribuídas e ordenadas pela Ré” – ponto 4 dos factos provados; (…) Como assim, os pontos 2) e 3) dos factos provados passarão a ter a seguinte redacção: 2 – No dia 04 de Janeiro de 1999, a A. e a R. estabeleceram um contrato verbal em que a A. se obrigava, mediante contraprestação pecuniária, a desempenhar as funções de fisioterapeuta, no consultório médico desta, situado na Rua …, nº …, na Figueira da Foz. 3 – Desde então, a A. passou a executar, nomeadamente, as seguintes funções: avaliação das condições do doente com vista à programação de tratamento adequado à sua condição, de acordo com o diagnóstico do médico ortopedista; execução dos planos de tratamento elaborados pelo médico fisiatra; massagem terapêutica e reeducação motora».
2 - O Tribunal decidiu, deste modo, eliminar o ponto n.º 4) da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância e retirar dos pontos n.º 2) e 3) as referências que dos mesmos constavam que considerou como sendo expressão de juízos e afirmações de natureza conclusiva, ou portadores de matéria de direito. Estavam em causa, como resulta do segmento transcrito, os segmentos «sob autoridade, direcção e fiscalização da ré» que constava do ponto n.º 2); o segmento «estar integrada na organização da Ré, recebendo ordens e instruções desta, sujeita ao seu poder disciplinar», que resultava do ponto n.º 3); e o ponto n.º 4) que referia que a «A. executava as tarefas que lhe eram atribuídas e ordenadas pela Ré».
A intervenção levada a cabo pelo Tribunal da Relação sobre a matéria de facto neste segmento louvou-se do disposto nos artigos 511.º, n.º 1 e 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, em vigor na data em que o acórdão foi lavrado, e materializa-se, em síntese, na eliminação de segmentos que se entendem como expressivos de juízos e afirmações de natureza conclusiva ou com conotação jurídica, com expressão em matéria que se insere no thema decidendum. Por tal motivo, essa intervenção pode ser objecto de censura por parte deste Tribunal, uma vez que não decorre dos poderes que são atribuídos àquele Tribunal pelo artigo 712.º do anterior Código de Processo Civil e não está por isso sujeita às restrições de conhecimento que decorrem do n.º 6 daquele artigo, ou dos artigos 729.º, n.º 3 e 722.º, n.º 3 do mesmo código. Conforme se considerou no acórdão desta secção de 24 de Novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2[13], «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que «[t]êm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» e «atento a que só os factos podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de Setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.» concluindo-se naquele aresto nos seguintes termos: «Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar e, quando isso não suceda, deve tal pronúncia ter-se por não escrita, cabendo ao Tribunal da Relação, no sobredito julgamento de facto, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no n.º 4 do artigo 646.º citado, matéria em que também não está sujeito às alegações das partes». Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do recurso, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto (quesito) integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto do recurso ou da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado, em nome dos princípios que inspiram a norma do referido n.º 4 do artigo 646.º do C.P.C. 3 - A distinção, por um lado, entre factos e juízos de valor sobre matéria de facto que terão necessariamente de ter factos concretos como fundamento, e matéria de direito, por outro, nem sempre é fácil. Conforme refere ANTUNES VARELA, «os factos (a matéria de facto), no campo do direito processual, abrangem principalmente, embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real»[14]. Estas realidades concretas da vida fazem parte do objecto da prova a produzir, não esgotando o universo da factualidade que é suporte da valoração jurídica inerente ao processo decisório. Na acepção de MANUEL DE ANDRADE, cabem no objecto da prova «tanto os factos (estados ou acontecimentos) que − directa ou indirectamente – sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, como os chamados factos acessórios (…)», «tanto os factos do mundo exterior [factos externos (…)] como os da vida psíquica (factos internos)», «tanto os factos reais (segundo a respectiva afirmação da parte) como os chamados factos hipotéticos (…)», «tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)»[15]. Muitas vezes o preenchimento das normas jurídicas envolve efectivamente a necessidade de formulação de juízos de valor que resultam da avaliação de elementos da matéria de facto que se não podem confundir com a valoração jurídica inerente às questões de direito. A norma do n.º 4 do artigo 646.º do C.P.C. decorre dos princípios relativos à organização da Base Instrutória, antigo questionário, que tem como alvo prioritário a prova testemunhal. É este facto que justifica o saneamento da resposta, uma vez que a testemunha «deve ser chamada a depor, não sobre as suas apreciações, mas sobre as suas percepções»[16], não lhe incumbindo, por tal motivo, a emissão de juízos de valor, componente da actividade probatória específico da perícia. Contudo, se «algum dos juízos de valor sobre os factos (ou seja, sobre a matéria de facto) for indevidamente incluído no questionário, a resposta do colectivo a esses quesitos não deve ser tida por não escrita, por aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, visto não se tratar de verdadeiras questões de direito». Segundo aquele autor, estes juízos de valor sobre a matéria de facto situam-se «a meio da encosta entre os puros factos (que correm na planície terrena da vida) e as questões de direito (situadas nas cumeadas das normas jurídicas), constituem o alvo específico da prova pericial (por contraste com a prova testemunhal) e encontram-se profusamente espalhadas por toda a legislação como parte integrante do Tatbestand de numerosas disposições legais»[17]. Torna-se, pois, necessária uma avaliação da matéria de facto fixada sob esta perspectiva, não se podendo confundir juízos de valor sobre factos, que as instâncias podem levar a cabo, por presunção natural, desde que a matéria de facto lhes confira suporte bastante, e valoração jurídica de factos, que, por integrar matéria de direito, deve efectivamente ser retirada da matéria de facto dada como provada, a coberto do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil.
4 - Voltando ao caso dos autos, constata-se que dos segmentos retirados da matéria de facto pela decisão recorrida alguns deles foram já objecto de análise por parte desta Secção. Assim, a expressão «por conta e sob autoridade e direcção da ré e de anteriores proprietários», foi considerada no acórdão desta Secção de 23 de Maio de 2012, proferido na revista n.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, «como matéria integrada no thema decidendum pois está ali contida a resposta à questão preponderante do contrato de trabalho, que é a respeitante ao vínculo de subordinação jurídica decorrente do poder de direcção conferido por lei ao empregador»[18], sendo por tal motivo considerada como abrangida pelo artigo 646.º, n.º 4 do C.P.C. Do mesmo modo, no acórdão desta Secção de 19 de Abril de 2012, proferido na revista n.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, foi considerado que a «afirmação de que o autor se encontrava inserido na estrutura organizativa do réu assume natureza conclusiva e reporta-se ao thema decidendum, daí que não podia continuar a figurar no elenco da matéria de facto dada como provada»[19]. Não vemos qualquer razão para pôr em causa a linha de orientação que está subjacente a estes arestos, que se mantém por inteiro.
Restam os segmentos constantes do ponto n.º 3, concretamente, «recebendo ordens e instruções desta, sujeita ao seu poder disciplinar» e «a A. executava as tarefas que lhe eram atribuídas e ordenadas pela Ré», contante do ponto 4 dos factos provados. No que se refere ao ponto n.º 3, recorde-se, conforme acima se referiu, que o mesmo, na sua versão inicial, referia que «3 - Desde então, a A. passou a estar integrada na organização da Ré, recebendo ordens e Instruções desta, sujeita ao seu poder disciplinar e executando as funções próprias da categoria profissional de fisioterapeuta, nomeadamente avaliação das condições do doente com vista à programação de tratamento adequado à sua condição, de acordo com o diagnóstico do médico ortopedista execução dos planos de tratamento elaborados pelo médico fisiatra: massagem terapêutica e reeducação motora».
Não resulta da matéria de facto dada como provada, nomeadamente, dos pontos que integram aqueles segmentos, a relação destas ordens e instruções com a execução das tarefas que tinham sido atribuídas à Autora, embora tal relação pudesse ser deduzida pelas instâncias a partir daqueles factos, se para tal tivessem elementos. Por outro lado, também nada resulta da matéria de facto que permita referenciar aquelas ordens e instruções a pessoas concretas, com uma específica relação com a Ré de cuja intervenção poderia decorrer a imputação dessas ordens àquela. Ao imputar as ordens e instruções recebidas pela Autora à Ré e ao atribuir a esta a definição e ordenação das tarefas que a Autora executava, aqueles segmentos da matéria de facto integram um juízo de natureza conclusiva sobre a relação entre pessoas que em concreto estariam na origem dessas ordens e instruções e a Ré, que é uma pessoa colectiva e que não se confunde com as referidas pessoas, juízo do qual decorre a imputação à Ré dessas ordens e instruções. Do mesmo modo, ao deduzir dessas ordens e instruções o enquadramento da execução das tarefas da Autora, comporta também nesses segmentos uma dimensão conclusiva. Por outro lado, a não individualização dessas pessoas e a dimensão conclusiva que está subjacente a essas imputações limita, de forma relevante, o contraditório sobre esses factos, não permitindo que a responsabilização da Ré tenha uma base susceptível de discussão contraditória. Essa imputação à Ré integra do mesmo modo uma valoração de natureza jurídica, porquanto faz decorrer da conduta de uma ou várias pessoas singulares não identificadas um facto jurídico - a responsabilização de um terceiro, integrando uma dimensão jurídica que releva na decisão do objecto do recurso e que, por tal motivo, faz parte do thema decidendum.
Deste modo, a decisão recorrida ao fazer apelo ao disposto n.º 4 do artigo 646.º do C.P.C. para retirar da matéria de facto os segmentos em que eram imputadas as ordens e instruções em causa à Ré, não merece qualquer censura, improcedendo, por tal motivo, as conclusões a) a f) do recurso de revista.
IV 1 – Nas conclusões g) a n) das alegações de recurso insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida na parte em que considerou que a relação existente entre as partes no período compreendido entre Janeiro de 1999 e Janeiro de 2005, não era uma relação de trabalho subordinado, negando-lhe o direito aos quantitativos peticionados, relativamente a férias, subsídio de férias e de Natal, relativos àquele período de tempo, bem como os respectivos juros de mora. Refere que a matéria de facto dada como provada, nomeadamente o ponto 8) ponderada em conjunto com os elementos a que se referem as conclusões acima referidas e analisadas impõem a revogação do acórdão recorrido «na parte em que qualificou a relação contratual em vigor entre as partes, como consubstanciando um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho» e «em consequência da alteração da qualificação efetuada pelo acórdão recorrido, deve este ser também revogado na parte em que revogou a sentença recorrida que condenou a ré a pagar à autora quantia 28 269,00€ a título de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal dos anos de 1999 a 2004, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar da data dos respectivos vencimentos e até efetivo pagamento». Atenta a não alteração da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação acima ponderada, cumpre apenas verificar se a matéria de facto fixada justifica a alteração da qualificação da relação jurídica que existiu entre as partes no período em causa e que resultou da decisão recorrida.
A decisão recorrida fundamentou-se neste ponto no seguinte: «Comece por sublinhar-se que dos factos provados não resulta a sujeição da autora, antes de Fevereiro de 2005 e no âmbito da prestação da actividade acordada entre ambas, a ordens, a instruções e à fiscalização da ré, como aconteceria se estivesse em causa uma relação de trabalho subordinado; as ordens e instruções só resultaram provadas a partir de Fevereiro de 2005 – ponto 6º dos factos provados. A autora não provou que tivesse, no período em questão, horário de trabalho certo (ponto 5º, 1ª parte dos factos provados), sendo a autora quem marcava os tratamentos aos utentes (ponto 42º dos factos provados). Os factos provados também não evidenciam que a ré exercesse sobre a autora qualquer controlo de assiduidade e/ou de pontualidade, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado. Também não decorre dos factos provados que a autora estivesse sujeita a qualquer obrigação de justificar as situações de não prestação da actividade a que se tinha obrigado. A autora aceitou qualificar como sendo de prestação de serviço a relação que intercedeu entre ela e a ré: com efeito, a autora colectou-se profissionalmente como profissional liberal (ponto 52º dos factos provados), deu quitação das prestações que lhe foram pagas pela ré através da emissão dos vulgarmente designados recibos-verde, fez descontos fiscais e para a segurança social como profissional independente (pontos 11º, 47,º 1ª parte, 52º, 54º, 57º dos factos provados) e celebrou nessa qualidade um contrato de seguro de acidentes de trabalho (ponto 56ª, 1ª parte dos factos provados). A autora aceitou da ré as declarações anuais de retenção na fonte como profissional independente que a ré lhe entregava - ponto 56ª, 2.ª parte dos factos provados. A autora não gozou férias que lhe tivessem sido concedidas pela ré, que lhe não pagou retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal – pontos 13º e 34º dos factos provados. Além disso, a forma de remuneração praticada em relação à autora, caracterizada pela variação mensal e pela remuneração em função do tipo de tratamento prestado e dos preços previamente acordados com a ré, dividindo a autora e a ré, na proporção de metade para cada uma, os montantes cobrados aos utentes do consultório da ré a quem a autora prestava a sua actividade de fisioterapia (pontos 10º, 42º e 47º, 2ª parte, dos factos provados), não é típica daquela que é praticada nos casos de relação de trabalho subordinado, caracterizada pela remuneração em função da disponibilidade ou do tempo de trabalho; reparar-se-á, a respeito, que a remuneração variava mensalmente em função do tipo de tratamentos prestados e dos preços previamente acordados para os tratamentos, o que não é típico de uma relação de trabalho subordinado, sendo mais compatível com uma remuneração típica da prestação de serviço. Os factos provados não permitem concluir no sentido de que a autora estivesse sujeita a qualquer tipo de avaliação de desempenho por parte da ré. Neste enquadramento, a utilização pela autora de instrumentos de trabalho fornecidos pela ré (ponto 9º dos factos provados), a circunstância da autora prestar a sua actividade profissional no consultório da ré (pontos 2º e 5º dos factos provados) e o facto de a autora prestar apenas à ré a sua actividade profissional recebendo apenas da ré os rendimentos decorrentes do exercício da sua profissão (ponto 8º dos factos provados) não apontam necessariamente para a existência de uma relação de subordinação da autora em relação à ré, pois que tal é perfeitamente compatível com a existência de uma relação de mera prestação de serviço. Finalmente, não há indícios de sujeição da autora ao poder disciplinar da ré. Tudo visto e globalmente considerada a forma de execução do contrato em apreço entre Janeiro de 1999 e Janeiro de 2005, afigura-se não poder concluir-se no sentido da existência, nesse período, de uma relação de subordinação da autora à ré. Do acabado de referir-se resulta, pois, que não pode subsistir a sentença recorrida quando reconheceu que a relação de trabalho entre a autora e a ré já existia entre 1999 e Janeiro de 2005, devendo igualmente ser revogada na parte em que condenou a ré a pagar à autora retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal correspondentes ao mencionado período.»
2 - O contrato de trabalho é definido no artigo 1152.º do Código Civil como «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direcção desta». Por sua vez o contrato de prestação de serviço, de acordo com o disposto no artigo 1154.º do mesmo código, é aquele em que uma pessoa «se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição». A noção de contrato de trabalho consagrada naquele artigo foi retomada no artigo 1.º do Regime do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, mantendo-se nos seus aspectos essenciais no artigo 10.º do Código de Trabalho de 2003, ou no artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009. Existe uma evidente proximidade entre os dois contratos encontrando-se na existência da subordinação jurídica o elemento estruturante na delimitação entre os dois. O contrato de trabalho caracteriza-se fundamentalmente pela dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face ao outro contraente, a entidade empregadora, nos termos da qual o trabalhador fica sujeito às ordens daquela relativamente aos termos da prestação do seu trabalho. A conformação dos termos da prestação de trabalho tem um dos pólos no poder de direcção da entidade empregadora e outro no dever de obediência a que o trabalhador se encontra sujeito. Por outro lado, na prestação de serviço não existe esta subordinação tendo o trabalhador autonomia relativamente aos termos da execução do trabalho, ficando, contudo, vinculado ao resultado da actividade prosseguida. A aparente simplicidade desta delimitação é muitas vezes confrontada com situações de fronteira onde existem elementos que apontam para uma situação de trabalho subordinado, ao lado de outros típicos da autonomia da actividade que caracteriza a mera prestação de serviço. Conforme se referiu no acórdão desta secção, de 9 de Fevereiro de 2012, proferido na revista n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1[20], «nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização)». Importa igualmente ter presente que, conforme refere MONTEIRO FERNANDES, «Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade», pelo que «o juízo a fazer (…) é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta», não existindo «nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso»[21]. Torna-se, pois, necessária uma ponderação global dos elementos indiciários constatados, tentando encontrar o sentido dominante dos mesmos, procurando encontrar uma maior ou menor correspondência dessa dimensão global com o conceito-tipo de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviço. 3 – Ponderada a matéria de facto dada como provada, constatam-se nela alguns factos que podem ser assumidos como indiciários da existência de uma relação de trabalho subordinado. É o caso da dependência económica da Autora relativamente à actividade prestada à ré, decorrente do ponto n.º 8 da matéria de facto dada como provada; da utilização de instrumentos de trabalho fornecidos pela Ré, decorrente do ponto n.º 9; e de as tarefas serem executadas nas instalações da Ré, nas condições descritas no ponto n.º 5 da matéria de facto dada como provada, ou seja, a «autora comparecia no consultório médico da ré, onde prestava a sua actividade de fisioterapeuta, todos os dias úteis, de manhã e de tarde, durante um número de horas por dia que não foi possível determinar com exactidão, beneficiando a autora, durante todos esses dias, de um intervalo para almoço de duração, com início e termo que não foi possível determinar». Ao lado destes factos, decorrem da matéria de facto outros que podem ser considerados indiciadores da existência de uma situação de prestação de serviço. É o caso do facto descrito sob o n.º 10, do qual decorre que a remuneração da actividade prestada era variável; do facto de a Autora estar colectada como trabalhadora independente, emitindo «recibos verdes» para titular os quantitativos recebidos; de a Autora não estar inscrita na Segurança Social como trabalhadora subordinada, não fazendo a Ré descontos, por tal motivo, sobre os quantitativos relativos ao pagamento das suas actividades e do facto de a Autora não ter gozado férias «que lhe tenham sido concedidas pela Ré», nem lhe ter sido pago por esta qualquer retribuição relativa ao período de férias, nem a título de subsídios de férias e de Natal e do facto de não fazer parte do quadro de pessoal da Ré. Para além disso, resulta ainda da matéria de facto dada como provada, que «à A., como fisioterapeuta competia, além do mais, executar os tratamentos prescritos pelos médicos com a autonomia técnica inerente aos mesmos, sendo a mesma que acordava com os utentes as horas de atendimento tendo em conta o seu horário, as necessidades da clínica e a disponibilidade daqueles» e que «até Fevereiro de 2005, os descontos para a segurança social foram realizados pela A. no regime de trabalhadora independente e a A. era paga de acordo com os tratamentos que realizava e respectivos preços acordados com a Ré». Ponderados globalmente os elementos indiciadores decorrentes da matéria de facto, pode com segurança afirmar-se que o sentido dominante dos mesmos aponta para a não demonstração da existência de uma relação de trabalho subordinado. De facto, desses elementos não resulta como segura a integração da Autora na estrutura da Ré, com a sujeição, de forma directa, da actividade que levava a cabo às orientações de serviço por esta definidas e com a sua responsabilização disciplinar pelo incumprimento das ordens e directivas subjacentes a essa orientação de serviço. Na verdade, o peso e o relevo dos elementos recolhidos que apontam para a existência de uma relação de trabalho subordinado são menos intensos do que os que apontam em sentido contrário. Incumbia à Autora, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, fazer prova dos factos que integrassem a subordinação jurídica que é elemento estruturante do contrato de trabalho, o que não fez.
Improcedem pois, por tal motivo, as conclusões g) a n) das alegações do recurso de revista. V 1 – Nas conclusões o) a x) das alegações da revista insurge-se a Autora contra a decisão recorrida na parte relativa à indemnização que lhe foi atribuída pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, contrato este que titulou a relação entre as partes no período de tempo posterior a Fevereiro de 2005. Na análise desta questão mostra-se prejudicada a ponderação da antiguidade da Autora decorrente da improcedência das conclusões g) a n), acima referidas, relativamente à qualificação da relação jurídica existente entre as partes no período compreendido entre Janeiro de 1999 e Fevereiro de 2005. Refere a recorrente que «no que respeita à medida da indemnização o Acórdão baixou de 45 dias fixados na sentença para 30 dias sem qualquer fundamento» porque «a ilicitude do comportamento da Ré foi muito elevada e, teve como móbil um facto muito grave: impedir a amamentação da autora à filha de tenra idade». Realça que «tal gravidade decorre, não só da relevância social da maternidade e da reconhecida valia da amamentação, mas também da qualidade pessoal dos gerentes da Ré, ambos médicos» pelo que «também a culpa é muito elevada» e que «com aquele móbil, a ré tudo fez para impedir a prestação laboral da autora, de modo a levá-la a resolver o contrato, atingindo o núcleo essencial da sua prestação laboral: ou seja, a sua autonomia técnica, impondo restrições de acesso aos processos clínicos, obstaculizando a prestação de cuidados de saúde aos doentes». Destaca que a conduta da Ré teve «grave reflexo no ambiente de trabalho e no desrespeito por regras de convívio e urbanidade que têm de ser preservadas no local de trabalho», «o que causou, graves danos à Autora». Conclui referindo que «da conjugação de todos estes elementos de ponderação, não pode deixar de se concluir que para compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais da autora, a indemnização não pode ser fixada em menos de 45 dias», por cada ano de antiguidade e fracção.
2 – Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 394.º do Código do Trabalho de 2009 que «ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato», especificando o n.º 2 daquele artigo várias situações que podem integrar o conceito de justa causa para legitimar a resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, a «violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador» e a «ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante», constantes das alíneas b) e f) daquele número. Por outro lado, decorre do n.º 4 do mesmo artigo, que a justa causa é apreciada «nos termos do n.º 3 do artigo 351.º com as necessárias adaptações», ou seja atendendo-se «no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes». A ocorrência de uma situação de justa causa confere ao trabalhador o direito à resolução do contrato, nos termos do procedimento descrito no artigo 395.º daquele código, e o direito à indemnização disciplinada no artigo 396.º do mesmo diploma, que é do seguinte teor: «Artigo 396.º Indemnização devida ao trabalhador 1 - Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. 2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente. 3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado. 4 – (…).»
Por força do disposto no n.º 2 deste artigo, a resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em justa causa confere-lhe o direito a uma indemnização a calcular «entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade», devendo na fixação desta indemnização tomar-se em consideração o valor da retribuição auferida pelo trabalhador e «ao grau de ilicitude do comportamento do empregador». Deste modo, a fixação do número de dias «de retribuição base e de diuturnidades» por cada ano completo de antiguidade», a situar entre 15 e 45 dias, é estabelecida tomando em consideração o valor da retribuição auferida e o grau de ilicitude do comportamento do empregador que preenche o conceito de justa causa. Se o elemento retribuição base e diuturnidades é objectivo, já o grau de ilicitude da conduta do empregador comporta uma valoração da desconformidade dessa conduta com os valores subjacentes aos direitos lesados do trabalhador, a levar a cabo pelo intérprete em função das circunstâncias do caso. O quantum da indemnização atribuída, materializada em número de dias, há-de reflectir a ponderação do valor da retribuição do trabalhador e a dimensão da lesão dos interesses atingidos pela conduta do empregador, facto que exprime a desconformidade dessa conduta com a normatividade subjacente à relação laboral. A indemnização tem um valor mínimo, referido naquele n.º 1 e que é o de três meses de retribuição base e diuturnidades, e pode ultrapassar o valor que decorreria das regras estabelecidas «sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado», conforme decorre do n.º 3 daquele artigo. A indemnização prevista deste artigo comporta uma clara dimensão sancionatória da conduta do empregador lesiva dos direitos do trabalhador, assente na existência de um limite mínimo e no facto de o seu valor ser desindexado da dimensão dos danos sofridos pelo trabalhador, danos estes que poderão legitimar o agravamento do montante da indemnização quando o respectivo valor ultrapasse o do quantitativo encontrado com base nos parâmetros referidos no n.º 1 do artigo. Com efeito, o valor dos prejuízos efectivamente sofridos pode legitimar a atribuição de uma indemnização superior ao valor calculado com base nos parâmetros referidos no n.º 1, desde que o valor dos danos seja mais elevado do que o valor da indemnização que resulte daqueles critérios. Impõe-se, pois, a demonstração do valor dos prejuízos efectivamente sofridos pelo trabalhador em consequência da conduta do empregador que integra a justa causa e a comparação do valor assim alcançado com o valor da indemnização que seria resultante dos mencionados critérios. Só assim é possível afirmar que o valor dos prejuízos ultrapassa o da indemnização calculada por aquela forma.
3 - A decisão recorrida qualificou a conduta imputada à Ré como integradora de justa causa legitimadora da resolução do contrato pelo trabalhador nos seguintes termos: «Reportando-nos ao caso em apreço, verificamos que a dada altura os legais representantes da ré deixaram de dirigir a palavra à autora (ponto 19º dos factos provados). A administração da ré não aceitou com agrado ter de dispensar à autora duas horas por dia para amamentação (ponto 37 dos factos provados), sendo que devido ao facto da autora continuar a amamentar a filha, criou-se um mau ambiente no local de trabalho (pontos 17 e 18 dos factos provados). Por outro lado, a partir da intervenção da ACT a ré passou a tratar por escrito todos os assuntos referentes à prestação de trabalho pela autora (ponto 38 dos factos provados). Além disso, relativamente a declarações médicas e atestados médicos que a autora apresentou para comprovar que se encontrava a amamentar a filha a ré solicitou a intervenção da Ordem dos Médicos (pontos 67 e 69 dos factos provados), lançando objectivamente sobre a autora, sem razão aparente para o efeito em face dos factos provados, uma suspeita de utilização de declarações e atestados médicos ditos de favor e sem aparente correspondência com a realidade, com a consequente violação da honra e dignidade da autora. Resulta de quanto vem de referir-se que a ré criou à autora um ambiente de trabalho hostil e lançou sobre ela, sem justificação objectiva para o efeito, uma suspeita de utilização de documentos falsos, violando, assim, a honra e a dignidade da autora, a obrigação de a tratar com respeito e de lhe proporcionar boas condições morais de trabalho (art. 127º/1/a/c do CT/09). Até dado momento, a autora tinha acesso aos processos clínicos dos doentes a que tinha de prestar a sua actividade de fisioterapeuta (ponto 28º dos factos provados, na sua parte final). Por vezes, a autora necessitava de aceder a esses processos clínicos para prestar a sua actividade (ponto 27 dos factos provados). Ora, sem justificação aparente, a ré passou a recusar, de modo reiterado, o acesso pela autora a esses mesmos processos (pontos 20, 21 e 24 dos factos provados). A autora acabou por ser confrontada com queixas de uma utente referentes à insuficiência do serviço prestado, sem que a autora tivesse qualquer possibilidade de retorquir o que quer que fosse, dada a impossibilidade de aceder ao processo clínico da paciente e a ausência do legal representante da ré (ponto 28 e 29 dos factos provados). Também por esta via a ré violou, de forma reiterada, o dever de proporcionar à autora boas condições de trabalho (art. 127º/1/d do CT/09) Por tudo isso, a autora sentiu-se vexada, humilhada a rebaixada perante as colegas de trabalho e os utentes da clínica da ré, ansiosa e deprimida, apresentando em Agosto de 2010 um quadro depressivo reactivo que tratava com antidepressivos (pontos 25, 30, 39 e 41 dos factos provados). Sustenta a ré que a autora não tinha de aceder aos processos clínicos dos utentes, pois que os mesmos estão a coberto de sigilo profissional. Porém, como é sabido, esse sigilo destina-se a proteger o doente e a garantir a não divulgação dos elementos constantes dos seus processos clínicos; não se destina a impedir o acesso a tais processos clínicos por parte de profissionais de saúde que tenha de contactar com o doente no exercício das suas profissões. Dito de outro modo: os profissionais de saúde que contactam com um determinado paciente e que precisam de em relação a ele efectuarem uma intervenção clínica não estão impedidos de acederem ao processo clínico desse paciente, salvo proibição deste; o que estão impedidos é de divulgarem informações a que acedam a partir da consulta do processo clínico. Ora, a autora é fisioterapeuta e, nessa justa medida, está sujeita ao respectivo sigilo profissional que, como se disse, destina-se a proteger o doente e não o profissional de saúde – cfr. nº4, do artigo 6º, do DL 564/99, de 21/12. Por quanto vem de referir-se, logo se conclui que não logra acolhimento a justificação invocada pela ré para justificar a recusa de permitir à autora aceder aos processos clínicos dos utentes a que a autora tivesse de prestar a actividade de fisioterapia. Tendo em conta o ambiente de trabalho hostil criado pela ré à autora pelo facto de esta ter continuado a amamentar a sua filha, a violação da honra e dignidade da autora associada às desconfianças que a ré lançou sobre ela em matéria de utilização de declarações e de atestados médicos, a proibição que a ré impôs à autora de aceder aos processos clínicos de doentes, as violações daí decorrentes dos deveres da ré tratar a autora com respeito e de proporcionar à autora boas condições de trabalho, e as consequências pessoais que a autora suportou em consequência de toda essa actuação ilícita da ré, afigura-se-nos, como igualmente se afigurou ao tribunal recorrido, que não era exigível à autora manter-se vinculada à ré, assistindo-lhe, antes, o direito de resolver com justa causa, como resolveu, o contrato de trabalho que entre elas existia – art. 394º/1/2/b/f do CT/09.» A partir destas considerações o Tribunal recorrido abordou a dimensão da indemnização a atribuir à Autora, nos seguintes termos: «Assistindo à autora o direito a resolver, com os fundamentos expostos, o contrato de trabalho celebrado entre ela e a ré, assiste-lhe, também, o direito a obter da ré uma indemnização (art. 396º/1 do CT/09). Porém, com duas alterações em relação ao que foi decidido na primeira instância. A primeira tem a ver com a medida de quantificação dessa indemnização que, a nosso ver, não deve exceder os trinta dias de retribuição base. A segunda tem a ver com a antiguidade da autora que deve ser contabilizada, apenas, a partir de Fevereiro de 2005, ascendendo, assim, à data da resolução a 5 anos e 8 meses. Como assim, a indemnização a pagar à autora pela ré deve reduzir-se a 6.525 euros.»
À luz da matéria de facto dada como provada não pode deixar de se considerar ilícita a conduta da Ré e como tal integrativa de justa causa para a resolução do contrato por parte da Autora e justificadora da condenação da Ré no pagamento de uma indemnização àquela, a calcular nos termos acima referidos. De acordo com a matéria de facto é a necessidade clinicamente demonstrada de a Autora continuar a amamentar uma filha, que determinava a dispensa do tempo de serviço necessário para o efeito, que desencadeia a alteração do ambiente de trabalho, que se vai agravar na sequência da denúncia da situação à ACT. A maternidade é um valor constitucionalmente protegido, com projecções múltiplas sobre o regime de prestação de trabalho, no qual se insere a dispensa de serviço para amamentação. Tal como resulta da matéria de facto dada como provada, a «Ré não aceitou de bom grado ter de dispensar a A. duas horas por dia para amamentação» e tendo concedido à A. até aos 18 meses da filha as respectivas horas de amamentação, veio a exigir-lhe que «apresentasse atestado médico comprovativo de que continuava a amamentar», tendo suspendido o «crédito de horas para amamentação da A. até à apresentação do atestado médico». Por outro lado, no que se refere às condições concretas em que a A. realizava as suas tarefas, tal como se referiu na decisão recorrida, tem de se considerar excessivas e infundadas as restrições de acesso aos processos clínicos, independentemente da especificidade da intervenção médica nessa área e do específico espaço de intervenção do fisioterapeuta relativamente à prestação dos cuidados aos utentes da clínica, questões a que a matéria de facto dada como provada amplamente responde. Não há de facto justificação para invocar o sigilo médico como suporte dessa restrição de acesso que veio a criar condicionalismos injustificados nas condições em que Autora passou a desempenhar as suas funções. Atenta o valor da retribuição auferida pela Autora, resultante dos pontos n.º 15 e 16 da matéria de facto e o desvalor decorrente da conduta da Ré, em termos de violação de direitos do Autora, parâmetro que exprime a ilicitude com que aquela actuou, não pode aceitar-se que se justifique a fixação da indemnização no máximo, ou seja em 45 dias, conforme pretende a recorrente. O valor alcançado na decisão recorrida – 30 dias – situa-se entre o mínimo de 15 dias o máximo 45 dias, mostrando-se adequado àqueles parâmetros. Com efeito, não atingindo a ilicitude de conduta da Ré níveis que se possam considerar particularmente elevados, fica desde logo posta em causa a pretensão de calcular o valor da indemnização com base no parâmetro mais alto (45 dias), tal como pretende a recorrente. A decisão recorrida na parte em que fixou a indemnização devida pela Ré à Autora não merece, deste modo, qualquer censura.
Improcedem, assim, as conclusões o) a x) das alegações da revista.
Não há, pois, motivo para alterar o julgado. VI Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
As custas da revista ficam a cargo da recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.
Lisboa, 5 de Novembro de 2013
António Leones Dantas (relator)
Melo Lima
Pinto Hespanhol
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