Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15910/21.3T8PRT.P2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: EMIDIO SANTOS
Descritores: JOGADOR DE FUTEBOL
FUTEBOLISTA PROFISSIONAL
TRANSFERÊNCIA
EMPRESÁRIO DESPORTIVO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REPRESENTAÇÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
NULIDADE DE CLÁUSULA
DOAÇÃO
OBRIGAÇÃO FUTURA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 05/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – A cláusula inserida em contrato que as partes (entidade empregadora desportiva e empresário desportivo) designaram de “contrato de prestação de serviços de representação em regime de exclusividade”, na qual foi acordado que o empresário desportivo teria direito a uma percentagem do valor bruto da transferência de um jogador para terceiro clube/SAD, em qualquer circunstância desde que a dita transferência ocorresse, é nula, tanto por configurar uma cedência/doação de créditos futuros como por se analisar numa cedência, para terceiros, de direitos económicos de jogadores.

II – A cláusula inserida no mesmo contrato no qual foi acordado que a entidade empregadora se comprometia, durante a vigência do contrato a informar o empresário desportivo de quaisquer contactos ou pedidos de informação do jogador que lhe fossem dirigidos, directa ou indirectamente, seja por seu intermédio, de familiar ou qualquer outra pessoa ou entidade, quer de forma pessoal, por escrito, via telefónica, transmissão electrónica ou por qualquer outro meio de comunicação com vista à celebração de um contrato de transferência do jogador é nula por ser contrária ao artigo 38., n.º 1 do Regulamento do Estatuto, Categoria e Inscrição e Transferência de Jogadores.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça


DNN, Lda, com sede na Rua ... ..., representada por AA, propôs acção declarativa com processo comum contra Santa Clara Açores, Futebol SAD, com sede na Rua ..., ..., pedindo:

a. A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 400 000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200 000,00 €, desde 15 de Agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200 000,00 €, desde 15 de Junho de 2021 até integral e efetivo pagamento com fundamento no alegado sob os artigos 1.º a 78.º da petição inicial;

b. Para o caso de o alegado sob os artigos 67.º a 78.º da petição e de o pedido formulado sob a) não obterem vencimento, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 400 000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200 000,00 €, desde 15 de Agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200 000,00 €, desde 15 de Junho de 2021 até integral e efetivo pagamento com fundamento no alegado sob os artigos 82.º a 88.º da petição inicial;

c. Para o caso de o alegado sob os artigos 83.º a 88.º da petição e de o pedido formulado sob b) não obterem vencimento, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 400 000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200 000,00 €, desde 15 de Agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200 000,00 €, desde 15 de Junho de 2021 até integral e efetivo pagamento com fundamento no alegado sob os artigos 92.º a 126.º da petição;

d. Para o caso de o alegado sob os artigos 93.º a 126.º da petição e de o pedido formulado sob c) não obterem vencimento, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 400 000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200 000,00 €, desde 15 de Agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200 000,00 €, desde 15 de Junho de 2021 até integral e efetivo pagamento com fundamento no alegado sob os artigos 130.º a 141.º da petição.

O pedido de condenação da ré no pagamento da mesma quantia (capital e juros), assentou em vários fundamentos, o primeiro a título principal e os restantes a título subsidiário.

Sob os artigos 1.º a 78.º, a autora alegou, em síntese, o seguinte para fundamentar o pedido deduzido a título principal:

• Que ela, autora, e a ré celebraram, em 7 de Abril de 2021, um contrato que denominaram de “contrato de prestação de serviços e de representação em regime de exclusividade”, nos termos do qual a ré se obrigou à pagar-lhe a ela, autora, uma retribuição, sob a forma de comissão, pela venda dos direitos do jogador de futebol BB, correspondente a 25% do valor bruto da transferência, qualquer que fosse a circunstância em que a transferência se realizasse;

• Que, em 15 de Julho de 2021, o referido jogador foi transferido definitivamente para o FC ... – Futebol SAD pela quantia de 2 200 000, euros, a pagar em 4 prestações;

• Que, na data da propositura da acção, era devida à autora a comissão de 200 000 euros;

• Que, além da comissão, era devida à autora a quantia de 200 000 euros por a ré não ter cumprido a cláusula 1.ª (1, 2 e 3) e a cláusula quarta (ponto 1).

Para o caso de não proceder a fundamentação anterior, alegou sob os artigos 82.º a 88.º que a mencionada quantia sempre seria devida por a ré ter faltado culposamente ao cumprimento das suas obrigações e por nos termos do artigo 798.º do Código Civil se ter tornado responsável pelo prejuízo causado a ela, autora.

Para o caso de não proceder a fundamentação anterior, alegou sob os artigos 92.º a 126.º, que a mencionada quantia sempre seria devida a título de indemnização por a ré ter violado o dever de boa fé e o dever de confiança.

E para o caso de não proceder a fundamentação anterior, alegou sob os artigos 130.º a 141.º que a mencionada quantia sempre seria devida a título de enriquecimento sem causa.

A ré contestou a acção, pedindo se julgasse improcedente a acção.

Para o efeito, além de impugnar o alegado contrato de prestação de serviços e de representação em regime de exclusividade, alegou:

• Que o contrato é omisso quanto a elementos necessários e imprescindíveis à sua validade de acordo com as prescrições legais;

• Que o contrato era nulo por as determinações convencionadas ofenderem os bons costumes e a lei de intermediação desportiva e o equilíbrio e a justeza do sinalagma contratual;

• Que o contrato era fraudulento e simulado por através dele a ré estar a ceder sem mais 25% da propriedade dos direitos sobre os atletas que são seus trabalhadores, sem qualquer contrapartida ou resultado obtido pela contraparte;

• Que a cláusula penal de 200 000 euros era nula por ser manifestamente desproporcionada e sem qualquer equidade.

A autora respondeu.

Findos os articulados, o Meritíssimo juiz determinou a apensação ao presente processo [n.º 15910/21.3...] da acção com n.º 21095/21.8..., cujas partes são as mesmas da presente acção.

No processo n.º 21095/21.8..., a autora pediu:

a. A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 425 000,00 €, acrescida de juros de mora desde 4 de Agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado sob os artigos 1.º a 77.° da petição inicial;

b. Para o caso de o alegado sob os artigos 64.º a 75.º da petição e de o pedido formulado em a) não oberem vencimento, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 425 000,00 €, acrescida de juros de mora até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado sob os artigos 79.° a 87.° da petição inicial;

c. Para o caso de o alegado sob os artigos 79.º a 87.º da petição e de o pedido formulado sob b) não obterem vencimento, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 425 000,00 €, acrescida de juros de mora desde 4 de Agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado sob os artigos 89.° a 126.° da petição inicial;

d. Para o caso de o alegado sob os artigos 89.º a 126.º da petição e de o pedido formulado sob c) não obterem vencimento, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 425.000,00 €, acrescida de juros de mora, desde 4 de Agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado sob os artigos 128.° a 139.° da petição inicial.

A autora alegou, em síntese, o seguinte para fundamentar o pedido deduzido a título principal:

• Que em 30 de Março de 2021, a autora, como Segunda Outorgante, e a ré, como Primeira Outorgante, subscreveram o documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, junto aos autos apensados, nos termos do qual a ré se obrigou à pagar-lhe a ela, autora, uma retribuição, sob a forma de comissão, pela venda dos direitos do jogador de futebol CC correspondente a 25% do valor bruto da transferência, qualquer que fosse a circunstância em que a transferência se realizasse;

• Que o referido jogador foi transferido definitivamente para o A. .......FC por 2 500 000 euros;

• Que, na data da propositura da acção, era devida à autora a comissão de 225 000 euros;

• Que, além da comissão, era devida à autora a quantia de 200 000 euros por a ré não a ter informado de quaisquer contactos mantidos com vista à celebração do contrato de transferência de CC para o A. .......FC (cláusula quarta (ponto 1).

No despacho saneador, proferido em 28-03-2023, O Meritíssimo juiz julgou as duas acções manifestamente improcedentes e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos.

A autora não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto. Por acórdão proferido em 15 de Setembro de 2022, o Tribunal da Relação anulou a sentença recorrida, determinando a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de as partes serem notificadas para se pronunciarem sobre o propósito de o tribunal conhecer antecipadamente do mérito da causa, sobre o próprio mérito e a significativa inovação da qualificação do contrato como doação de bens futuros e seus efeitos, após o que se proferiria nova sentença.

A ré não se conformou com o acórdão e interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão proferido em 29-11-2022, o recurso foi rejeitado por não ser admissível.

Remetidos os autos à 1.ª instância, as partes foram notificadas para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciarem sobre o propósito do tribunal de conhecer antecipadamente do mérito da causa, sobre o próprio mérito e a significativa inovação da qualificação do contrato como doação de bens futuros e seus efeitos.

Depois de as partes se pronunciarem sobre estas questões, o Meritíssimo juiz da 1.ª instância conheceu do mérito das duas acções, julgando-as (novamente) manifestamente improcedentes, absolvendo, em consequência, a ré dos pedidos formulados pela autora.

A autora não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação para o tribunal da Relação do Porto. Por acórdão proferido em 9-11-2023, o tribunal da Relação negou provimento ao recurso e, em consequência, manteve a decisão recorrida.

A autora não se conformou com a decisão e interpôs recurso de revista excecpional para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo se revogasse a decisão recorrida e se substituísse a mesma por outra que determinasse a procedência do recurso, conforme alegado e concluído.

O recurso de revista excepcional foi admitido.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

1. As questões abordadas pelo tribunal na sua fundamentação de direito não foram suscitadas, nem discutidas, pelas partes nos autos, tendo o tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento;

2. No caso dos presentes autos, o estado do processo ainda não permitia, sem necessidade de mais provas, que o tribunal conhecesse imediatamente do mérito da causa, não tendo assegurado um estatuto de igualdade substancial entre as partes, com desrespeito pelo artigo 4.º do C.P.C., tendo incorrido na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.

3. O Tribunal considerou como factos controvertidos ou carecidos de prova os factos n.º 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33, sendo que toda esta matéria diz respeito à execução pela autora dos serviços que foram contratados pela ré e, designadamente, no âmbito do contrato de prestação de serviços em regime de exclusividade celebrado entre as partes.

4. A matéria de facto controvertida em discussão subsume os contratos celebrados entre a autora e a ré ao enquadramento jurídico apresentado pela autora, nomeadamente o regime geral do contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º do Código Civil) e o regime da intermediação desportiva, forma especial daquele tipo contratual – artigo 38.º, n.º 1, da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho.

5. E quanto às demais desconformidades invocadas na sentença recorrida dos contratos à luz do RIFPF e seus efeitos de nulidade, sempre se dirá, que a matéria de facto controvertida acima detalhada, no conjunto da demais matéria facto não controvertida, sustenta as causas de pedir invocadas pela autora a título subsidiário, de enriquecimento sem causa e de responsabilidade civil fundada na violação do princípio da boa-fé.

6. Tendo a factualidade alegada pela autora a virtualidade de ser subsumível a um pedido principal e tendo a autora formulado pedidos subsidiários para o caso de se entender que o principal falece, impunha-se ao julgador apurar a factualidade alegada, com vista a então e só então se aferir da verificação dos pressupostos constitutivos dos pedidos subsidiários.

7. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. b), do C.P.C., o que determina a nulidade da sentença, que se invoca ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte do C.P.C.

8. Nos presentes autos, foi ordenada a apensação da ação com o processo nº 21095/21.8..., no entanto, não obstante, na parte decisória ficou a constar que foram julgadas as duas ações manifestamente improcedentes e, em conformidade, absolveu-se a ré, Santa Clara Açores, Futebol, SAD, em ambas as demandas, dos pedidos formulados pela autora, DNN, Lda.

9. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 607.º, n.º 3, do C.P.C., o que determina a nulidade da sentença, que se invoca ao abrigo do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. b), do C.P.C.

10. Além disso, o tribunal considerou como factos não controvertidos ou não carecidos de prova os factos números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17, e, com base nesta factualidade, impunha-se outra e melhor decisão quanto à matéria de direito.

11. O Tribunal recorrido analisou os contratos a partir das Cláusulas Primeiras, ignorando o que está escrito nos Considerandos e, no caso dos presentes autos, resulta a declaração da vontade das partes em celebraram entre si dois contratos de representação ou intermediação, enquanto modalidades especiais do contrato de prestação de serviços.

12. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 217.º, 219.º, 224.º, 232.º e 236.º do Código Civil.

13. Noutro segmento, é importante realçar que a atividade de intermediação é fortemente baseada na confiança que o intermediário desenvolve com os seus parceiros e na experiência que este tem e, no caso dos autos importa ter em consideração que os contratos foram celebrados por escrito, assinados por ambas as partes, mostrando-se datados e assinados por ambas as partes.

14. O Tribunal recorrido não qualificou corretamente os negócios dos autos e violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 4.º, 5.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1 do Regulamento de Intermediário da FPF e artigos 2.º, al. c), e 38.º, n.º, 1 e 2, da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho.

15. Os negócios jurídicos dos autos foram negócios onerosos e foram contratos bilaterais (i.é., formados por duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto mas convergente, que se ajustaram na sua comum pretensão de produzir resultados jurídicos unitários, embora com um significado para cada parte).

16. Além disso, o caso dos autos não reconduz a qualquer assunção de obrigação futura a título de doação, até por falta do enriquecimento patrimonial característico do negócio, no cumprimento da obrigação, por parte do devedor.

17. Razão pela qual no caso dos autos nunca ocorreu qualquer assunção de uma obrigação futura, enquanto doação de bens futuros e nulo, pelo que o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos autos 211.º, 399.º, 940.º, 942.º, n.º 1 e 945.º, n.º 1 do C.C.

18. Neste sentido, por referência ao Processo n.º 15910/21.3..., a ré ficou em dívida para com o autor nas quantias infra indicadas.

19. Nestes termos, a ré deve à autora a quantia de 200 000,00 €, vencida a 15 de agosto de 2021, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento e quantia de 200.000,00 €, vencida a 15 de junho de 2021, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento.

20. Ao todo, a ré deve à autora, nesta data, a quantia de 400.000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15/08/2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15/06/2021 até integral e efetivo pagamento.

21. Por outro lado, na realidade, por referência ao Processo n.º 21095/21.8..., a ré ficou em dívida para com a autora nas quantias infra indicadas.

22. A ré deve à autora a quantia de 225.000,00 €, vencida a 04/08/2021, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento e a quantia de 200.000,00 €, vencida a 04/08/2021, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento.

23. Ao todo, a ré deve à autora, nesta data, a quantia de 425.000,00 €, acrescida de juros de mora até integral e efetivo pagamento.

24. No presente caso, as partes fixaram por acordo o montante total da remuneração devida ao intermediário, com derrogação do disposto no artigo 11.3 do Regulamento de Intermediários publicado pela Federação Portuguesa de Futebol e artigo 7.3. das Regulations on Working with Intermediaries da FIFA, tendo ainda acordado remuneração sujeita a condições futuras, nos termos do artigo 11.º, n.º 3, al. c) do RIFPF.

25. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 11.º, n.º 2, alíneas b) e c), do RIFPF e 38.º, n.º 1, 7 e 8 da Lei nº 54/2017 de 14 de Julho e 236.º a 239.º e 810.º, n.º 1 do Código Civil.

26. Mesmo que os negócios dos autos configurassem liberalidades por parte da ré e já vimos que não, nunca tais atos ofenderiam o regime resultante da aplicação conjugada do n.º 1 e 2 do artigo 6.º do C.S.C.

27. Os atos praticados pela autora e pela ré não estão, como nunca estiverem feridos de nulidade, nomeadamente a do artigo 294.º do Código Civil.

28. Por conseguinte, nenhuma nulidade há a reportar nesta matéria, muito menos a que decorre do vertido no artigo 42.º do RJCRI.

29. Como correspetivo da prestação a executar, o empresário desportivo ficou com o direito à remuneração devida nas formas de pagamento acordadas, sendo que o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido no artigo 38.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RJCRI.

30. Os contratos dos autos não padecem das desconformidades substantivas, formais e procedimentais, quando analisados à luz do artigo 9.º do RIFPF.

31. Mesmo que as irregularidades dos contratos dos autos se verificassem como enunciado na sentença recorrida, nunca as mesmas teriam como consequência a nulidade proveniente do disposto no artigo 294.º do Código Civil, nem do artigo 280.º do Código Civil.

32. Pode, todavia, ter lugar aqui um sucedâneo da confirmação, desde logo, a chamada renovação ou reiteração do negócio nulo, por declaração tácita nos termos gerais, pelo que, em face dos acordos efetuados, as eventuais nulidades dos contratos como decidido pelo Tribunal ficaram sanadas, por efeito de renovação por declaração tácita nos termos gerais.

33. E, mesmo que assim não se entenda, deve operar-se a redução nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 292.º do Código Civil, sendo que no caso dos presentes autos a recorrente entende que a ordem pública não deve prevalecer sobre a autonomia privada das partes.

34. Os negócios dos autos não violam a ordem pública (contratual) e, como tal, não estão feridos de nulidade nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 280.º, n.º 2 e 405.º do Código Civil.

35. Subsidiariamente, o que é facto é que a autora e a ré, no domínio da liberdade contratual, celebraram entre si um contrato de prestação de serviços (Cfr. artigos 405.º e 1154.º e ss. do Código Civil).

36. A ré faltou culposamente ao cumprimento das suas obrigações, tornando-se responsável pelo prejuízo causado à autora (Cfr. artigo 798.º do Código Civil), mais resultando a sua culpa presumida (Cfr. artigo 799º do Código Civil) e o reconhecimento de dívida está previsto no (Cfr. artigo 458.º do Código Civil).

37. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 397.º, 398.º, 405.º, 458.º, 762.º, 798.º, 799.º, 405.º e 1154.º do Código Civil.

38. Caso assim não se entenda, a ré violou os princípios da boa-fé e da confiança, sendo que, no caso concreto, por referência à confiança criada no autor, a ré violou o princípio da boa fé, pelo que incorreu na obrigação de indemnizar o A., de acordo com os artigos 562.º e seguintes do Código Civil.

39. Caso assim não se entenda, a ré ao não entregar à autora as quantias de 825.000,00 € devidas pelos contratos de prestação de serviços de representação em regime de exclusividade teve, como tem, um enriquecimento real e patrimonial, uma vez que vê o seu património ativo acrescido em 825.000,00 € e a esta vantagem patrimonial obtida pela ré corresponde um empobrecimento da autora, a qual ficou, como está, privada de melhorar o seu património ativo em 825.000,00 €, sendo um enriquecimento da ré à custa da autora, como acima descrito, tudo sem causa justificativa e com ausência de outro meio jurídico.

40. Donde resulta que a ré é obrigada a restituir à autora aquilo com que injustamente se locupletou (Cfr. artigo 473.º do Código Civil).

41. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 473.º e ss. do Código Civil.

42. Por referência ao Processo n.º 15910/21.3..., deve a ação ser julgada provada e procedente e, em consequência: a) ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 400.000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15 de agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15 de junho de 2021 até integral e efetivo pagamento com fundamento no alegado em 1º a 78º da p.i.;

43. Subsidiariamente, caso o pedido formulado em a) não obtenham vencimento, ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 400.000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15 de agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15 de junho de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 82º a 88º da p.i.;

44. Subsidiariamente, caso o pedido formulado em b) não obtenham vencimento, ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 400.000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15 de agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15 de junho de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 92º a 126º da p.i.;

45. Subsidiariamente, caso o pedido formulado em c) não obtenham vencimento, ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 400.000,00 €, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15 de agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, mais juros de mora sobre a quantia de 200.000,00 €, desde 15 de junho de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 130º a 141º desta p.i.;

46. Por referência ao Processo n.º 21095/21.8..., deve a ação ser julgada provada e procedente e, em consequência: a) ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 425.000,00 €, acrescida de juros de mora desde 4 de agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 1º a 77º da p.i.;

47. Subsidiariamente, caso o pedido formulado em a) não obtenham vencimento, ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 425.000,00 €, acrescida de juros de mora até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 79º a 87º da p.i.;

48. Subsidiariamente, caso o pedido formulado em b) não obtenham vencimento, ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 425.000,00 €, acrescida de juros de mora desde 4 de agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 89º a 126º desta p.i.;

49. Subsidiariamente, caso o pedido formulado em c) não obtenham vencimento, ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 425.000,00 €, acrescida de juros de mora, desde 4 de agosto de 2021 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 128º a 139º desta p.i.;

50. As ações devem ser julgadas provadas e procedentes, pelo que caberá à ré o pagamento das respetivas custas processuais e cabendo à autora o direito a ser restituída de todas as taxas de justiça que tiver pago antecipadamente, nos termos da lei aplicável.

51. Em função do supra exposto, a autora rejeita ser tributada e liquidar taxa de justiça pela nulidade invocada, assim como rejeita a tributação da sua atividade com taxa de justiça acrescida, muito menos ao abrigo do disposto no artigo 530.º, n.º 7, al. a) do Código de Processo Civil.

52. O Tribunal recorrido violou o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º 5 do RCP e do artigo 530.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil.

A ré respondeu ao recurso, sustentando a manutenção do acórdão recorrido.

Os fundamentos da resposta expostos nas conclusões foram os seguintes:

a. Os factos dados como provados n.ºs 10 e 11, 16 e 17 são absolutamente demolidores quanto à total falta de atividade/interferência da recorrente nas transferências dos atletas em causa, pelo que apenas um contrato fraudulento e simulado – em ambos os casos, lhe poderia, sem mais – bastando a sua assinatura – garantir uma «choruda» remuneração sem nada fazer, contrariando todas as regras legais, legítimos interesses societários da recorrida e a essência de um contrato de prestação de serviços), decisões jurisdicionais essas perfeitamente concordantes e alinhadas no mesmo sentido.

b. Aliás, no âmbito do Processo n.º 17363/22.0... (que corre termos presentemente na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto), foi também já proferido Acórdão, datado de 19.12.2023 (cf. n.º 3 do artigo 8.º do CC), com este (aqui recorrido) totalmente consonante e convergente, não poupando críticas à nulidade de tal contrato, sendo iguais os sujeitos processuais, bem como a causa de pedir e pedidos, apenas mudando o nome do atleta – tudo o resto é decalcado da presente demanda.

c. Ora, o recurso de revista excecional não foi manifestamente concebido pelo legislador para facultar um (vedado) terceiro grau de jurisdição, quando antes dois tribunais distintos já julgaram de forma totalmente coincidente ou concordante o litígio.

d. E no caso dos autos o particularismo casuístico da concreta simulação e nulidade de tais escritos contratuais nada tem que possa ser verdadeiramente projetado em termos de relevância jurídica transfronteiriça deste litígio ou relevância/utilidade social – nem sequer existe nenhum ganho mimético sobre uma pluralidade de outros casos.

e. O negócio nulo e simulado, escondendo sob a capa de uma prestação de serviços de intermediação desportiva não realizada uma efetiva e injustificada transferência patrimonial gratuita, num figurino de unilaterais deveres para uma das partes e direitos para a outra, nada tem de relevo na projeção para outros casos, a merecer uma uniformização do Direito.

f. Ou seja, em honestas e retas palavras, estamos perante um litígio rodeado de um muito particular circunstancialismo fáctico, sendo que não suscita qualquer controvérsia o sentido decisório bem fundamentado de ambas as instâncias, não apresentando o presente caso qualquer projeção, quer para efeitos de suscitar questão jurídica cuja interpretação reclame uma melhor aplicação do Direito, quer para efeitos de envolver qualquer questão com particular relevância social.

g. Não tendo o recorrente minimamente concretizado o que justifica a admissibilidade da presente revista excecional, substanciando os fundamentos que são merecedores de uma pronúncia pacificadora do Alto Tribunal, não poderá este substituir-se à parte quanto ao cumprimento desse ónus alegatório insuprível, donde se impõe a liminar rejeição.

h. É inequívoco que o presente recurso está votado ao insucesso a despeito das prolixas alegações que lhe procuram emprestar solidez e consistência que inescapavelmente a pretensão da recorrente não tem, nunca teve e nem podia alguma vez (de boa-fé) aspirar.

i. Conforme amplamente evidenciado pela recorrida, tal como resulta cristalino do teor da sua contestação e documentos oportunamente juntos em ambos os processos apensados, é indubitável que os alegados contratos de intermediação desportiva que fundam a sua pretensão estão abundantemente conspurcados e liminarmente viciados, emergindo uma multitude de ilegalidades que os inquinam automaticamente, conforme sapiente e lucidamente anotaram as instâncias.

j. De igual sorte também é insofismável que o clausulado de tais acordos se mostrou propositada e dolosamente desequilibrado, injusto, predatório e leonino na repartição do risco, direitos e ónus (tal como alegado existiu simulação fraudulenta de ambas as partes – da autora e dos legais representantes da ré à data da sua pretensa assinatura – para com isso delapidar espuriamente o património da ré), apenas configurando impensáveis e injustificáveis obrigações a cargo do clube de futebol, é, e ao invés desonerando a autora do cumprimento mínimo das suas obrigações de intermediária desportiva,

k. Não lhe impondo nenhuma concreta obrigação e garantindo-lhe uma «gorda» remuneração pelo simples facto de assinar tal contrato, isto mesmo com total desconsideração e indiferença pelo resultado alcançado.

l. Ou seja, contrariando frontalmente o fito e leitmotiv do contrato de prestação de serviços de intermediação desportiva – em que a remuneração está inextricavelmente dependente do resultado concretamente alcançado pelo agente – transferência onerosa do ativo desportivo – cedência dos direitos económicos e desportivos do jogador.

m. E os instrumentos contatuais dados à liça são falsos, porque conforme a recorrida sempre alegou, inter alia, sobre tais contratos: - não existem na sua sede, nem nunca foram vistos - não são do conhecimento de nenhum dos seus funcionários e colaboradores, - as assinaturas nele apostas não foram reconhecidas, - não foi dada qualquer publicidade dos mesmos (comunicação que a lei torna obrigatória para a L.P.F.P. e para a F.P.F.) - facto que teria o condão de, pelo menos, garantir a autenticidade da data aposta pelos signatários, - havendo, em síntese, uma vontade simulatória fraudulenta na sua génese (tanto mais que outros contratos em exclusividade já haviam sido assinados (antes) para outros intermediários desportivos dos mesmos atletas – eles sim, responsáveis pela intermediação real daqueles e sua colocação nos clubes adquirentes).

n. Não assiste assim qualquer razão à recorrente quando pretende defender a licitude de um contrato cuja mera análise e indagação jurídica (e regime de direitos e obrigações convencionadas) logo permite surpreender que esconde uma doação, ou atribuição remuneratória gratuita.

o. Por outro lado, ainda, é igualmente manifesto e ostensivo que as decisões jurisdicionais recorridas não padecem de qualquer das outras causas de nulidade apontadas, desde logo porque não foi extravasado o perímetro de cognição do tribunal sobre as questões concretamente erigidas pela ré/recorrida, tendo aquele se filiado em tais questões colocadas ao seu juízo.

p. E porquanto, conforme é sabido, reitera-se, nunca o tribunal está subordinado às alegações das partes quanto à matéria de direito, sendo livre e irrestrito nessa exegese e cognição.

q. As doutas decisões recorridas diagnosticaram com brilhantismo a qualificação jurídica correta dos respetivos instrumentos contratuais, não se deixando surpreender pelo batismo atribuído pelas partes, até porque a nomenclatura nunca poderia alterar, camuflando, a realidade subjacente e as consequências legais devidas a extrair das reais declarações de vontade.

r. Com efeito, a decisão recorrida imediatamente vislumbrou que no intitulado contrato de prestação de serviços, nenhum serviço a cargo da autora foi concretamente identificado, explanado, descrito, o que mostra uma invulgar (mas injustificada) singularidade.

s. E mais relevante que isso, nenhum específico dever foi imputado ao prestador de serviços, realidade exótica e estranha, exatamente porque seria a parte, nessa relação sinalagmática, onerada com maior volume de deveres e obrigações – é o prestador de serviços.

t. Neste sentido, as instâncias nunca poderiam ter concluído pela realidade de um contrato de prestação de serviços (mas apenas uma sua mera aparência formal, ainda assim muito imperfeita quanto à arquitetura (ausente) dos deveres e obrigações do prestador de serviços), uma vez que “o contrato dos autos não pode ser visto como um contrato de prestação de serviço. Repisa-se, a autora não se obrigou a proporcionar à ré certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, mediante retribuição (art.º 1154.º do Cód. Civil). Apenas a ré se obrigou a duas prestações distintas: uma remuneratória (5%), a ser satisfeita na eventualidade de a autora lhe apresentar um interessado (com o qual viesse a concluir um contrato), não sendo o incumprimento desta prestação que sustenta o pedido; outra, a de maior expressão (25%), totalmente desligada da atividade efetivamente desenvolvida pela autora”.

u. E a gratuitidade do contrato (natureza de doação) é imediata e facilmente apreensível e percetível porquanto a mera assinatura daquele garante à recorrente, automaticamente, e sem que tenha de fazer algo de concreto, o direito a receber 25% do valor (bruto) de venda do jogador, mesmo que não exista absolutamente nenhum nexo de causalidade entre o resultado alcançado (a venda) e a conduta do prestador de serviços.

v. Gratuitidade do contrato que configura iniludivelmente uma incompatibilidade insanável com o regime legal dos atos societários, conforme bem notado pelas instâncias, acarretando a nulidade fulminante do contrato.

w. E sobre a suposta exclusividade da intermediação desportiva alegadamente contratada, obviamente que a mesma não posterga a feição pressuposta de prestação de serviços (que não existe), sendo que também não obriga à remuneração do mediador não interventivo no negócio jurídico (como foi o caso – ver rol de factos provados).

x. A prevista dita exclusividade é, assim, na verdade, apenas uma garantia de receção (incondicional) da quantia correspondente a 25% do valor da transferência (objeto mediato final da doação). Estamos perante uma mera cláusula definidora do âmbito (pressupostos) da doação, isto é, definidora dos pressupostos que levam ou podem levar ao futuro nascimento da obrigação assumida.

y. Ora, sendo tal assunção nula, por se referir a uma obrigação absolutamente inexistente à data (art.º 942.º, n.º 1, do Cód. Civil) e por violar o princípio da especialidade do fim, nula é a definição dos pressupostos do seu nascimento futuro, quer os positivos – como os que dão corpo à exclusividade”.

z. Desde logo é indesmentível que a atividade do intermediário desportivo está sujeita a remuneração, pelo que a remuneração é obrigatoriamente uma consequência de uma atividade concretamente desenvolvida pelo intermediário, não podendo estar desligada de uma casuística e previamente determinada atividade de prestação de serviços, donde conforme ajuíza certeiramente o Tribunal: “O mesmo é dizer que, se não for prestada atividade pelo intermediário, a estipulação de uma prestação pecuniária a cargo do cliente extravasa o conteúdo típico do contrato. Por outro lado, do enunciado resulta que devem existir serviços “a prestar”, isto é, o empresário desportivo deve vincular-se à prestação de um serviço, devendo este ser claramente definido no clausulado ontratual. Aliás, também o enunciado do n.º 6 deste mesmo artigo sugere fortemente que do contrato devem decorrer obrigações para ambos os contraentes (…) “Ora, como já vimos, no contrato junto aos autos pela autora o “empresário desportivo” não se vincula à prestação de nenhum serviço, não constando do seu enunciado os serviços “a prestar”, mas apenas o valor da remuneração (5%) na eventualidade de a autora apresentar à ré um interessado com o qual esta venha a concluir um contrato de transferência ou cedência. A indefinição dos serviços a prestar pelo “empresário desportivo” fulmina todo o contrato de nulidade, pois todas as cláusulas contratuais estão associadas à omissão desta estipulação essencial identitária, por força do disposto no art.º 42.º do RJCRI: “são nulas as cláusulas contratuais que contrariem o disposto nesta lei ou que produzam um efeito prático idêntico ao que a lei quis proibir”.

aa. E a conjetura de todas estas ilegalidades num contrato gratuito e predatório determina a violação das regras de ordem pública, conforme novamente bem notado: “A violação da ordem pública (contratual) tem o efeito previsto no n.º 2 do art. 280.º do Cód. Civil: “é nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”. O mesmo é dizer que, a admitir-se a qualificação adotada pelas partes – contrato de prestação de serviço –, o contrato que serve de causa de pedir à ação é totalmente desprovido dos efeitos visados pelas partes (art. 289.º do Cód. Civil)”.

bb. Termos em que o presente recurso está totalmente despido de fundamentos devendo a Sentença e o Acórdão recorridos serem confirmados na totalidade, por não merecerem qualquer censura, tendo feito uma correta e imaculada aplicação do Direito aos factos provados.


*


As questões suscitadas pelo recurso são em síntese as de saber se:

1. Saber se o acórdão recorrido incorreu na causa de nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (conclusões 12 e 13);

2. Saber se o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 607.º, n.º 3, o que determina a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC (conclusões 14 a 20);

3. Saber se o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença proferida na 1.ª instância que julgou improcedentes os pedidos deduzidos a título principal e subsidiário, violou as disposições legais indicadas pela recorrente;

4. Saber se o acórdão recorrido violou os artigos 6.º, n.º 5 do RCP e o artigo 530.º, n.º 7, alínea a), do CPC (por lapso a recorrente indicou o artigo 530.º, n.º 1, alínea a)], ao confirmar a sentença proferida na 1.ª instância na parte em que considerou a acção de excepcional e determinou a aplicação na tributação da presenta ação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, anexa ao RCP e que o acréscimo de taxa de justiça assim devida − relativamente à que seria devida por aplicação da tabela normalmente aplicável (I-A) − seria suportado pela autora.

Apesar de serem estas, em síntese, as questões suscitadas no recurso, não cabe a este tribunal conhecer da questão de saber se o tribunal recorrido violou o artigo 6.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e o artigo 530.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

O segmento do acórdão recorrido a que a recorrente imputa a violação dos preceitos acabados de indicar é o que manteve as seguintes decisões proferidas na 1.ª instância:

1. A que considerou a acção de especial complexidade e determinou, em consequência, a aplicação na tributação dela dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, anexa ao RCP;

2. A que determinou que o acréscimo da taxa de justiça assim devida, relativamente à que seria devida por aplicação da tabela normalmente aplicável (I-A), seria suportada pela autora, independentemente da sorte do julgado, o que significava:

• Que a autora não tinha direito ao reembolso, a título de custas de parte, do acréscimo que tivesse pago;

• Que a contraparte podia pedir o reembolso, no âmbito das custas de parte, do acréscimo que tivesse pago por força da aplicação da tabela I-C.

A decisão da 1.ª instância, mantida em sede de recurso de apelação, foi justificada com o facto de a autora, ora recorrente, na sequência da notificação das partes para se pronunciarem sobre o propósito de o tribunal conhecer antecipadamente do mérito da causa, sobre o próprio mérito e a significativa inovação da qualificação do contrato como doação de bens futuros e seus efeitos, ter apresentado requerimento com 190 327 caracteres (incluindo espaços), distribuídos por 773.º artigos e 117 páginas formato A4 com alegação redundante e prolixa.

Estamos, pois, perante segmento do acórdão da Relação que tem clara autonomia em relação aos restantes segmentos dele que, conhecendo dos vícios imputados à sentença proferida na 1.ª instância, mantiveram a decisão de julgar improcedentes os pedidos deduzidos pela autora, ora recorrente.

A decisão de admitir o recurso de revista excepcional recaiu exclusivamente sobre a parte do acórdão que manteve a decisão de mérito proferida na 1.ª instância. Fora de tal decisão esteve o segmento do acórdão acusado pela recorrente de violar o artigo 6.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e o artigo 530.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

Pelo exposto, este tribunal não irá conhecer da impugnação deste último segmento.


*


Factos considerados provados pelo acórdão recorrido:

1. A autora, contra remuneração ou gratuitamente, representa jogadores ou clubes em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência.

2. A autora está registada como intermediária na Federação Portuguesa de Futebol com o n.º 1754.

3. A ré é uma sociedade anónima desportiva que promove e participa em atividades desportivas, participando através da sua equipa sénior de futebol de onze em competições promovidas pela Federação Portuguesa de Futebol e pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

4. Em 22 de Março de 2021, pela apresentação 1, inscrição 14, foram designados membros do conselho de administração da ré, nomeadamente, DD (presidente) e EE (vogal).

5. Dispõe a al. a) do n.º 1 do art. 17.º dos estatutos da ré, juntos aos autos e que aqui se dão por transcritos, designadamente, que “todos os atos e documentos que obriguem a sociedade, terão validade quando assinados por (a) por dois administradores”

6. Em 7 de abril de 2021, a autora, como Segunda Outorgante, e a ré, como Primeira Outorgante, subscreveram o documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, junto aos autos, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade

As Partes:

PRIMEIRA OUTORGANTE: SANTA CLARA AÇORES, FUTEBOL, SAD, (…) representada por DD, na qualidade de presidente do conselho de administração e Dr. EE, na qualidade de vogal do conselho de administração com poderes para o ato;

SEGUNDA OUTORGANTE: DNN, LDA., (…) representada por AA, (…) Intermediário de Futebol, licenciado pela FPF / FIFA Card n.º ..53 com poderes para o ato.

CONSIDERANDO QUE:

i. A primeira contraente é uma Sociedade Anónima Desportiva (…), participando (…) em competições promovidas pela Federação Portuguesa de Futebol e Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

ii. A Segunda Outorgante é pessoa coletiva que (…), representa jogadores ou clubes em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência.

iii. A Primeira Outorgante celebrou com o Jogador BB (…) um contrato de trabalho desportivo, (…) com início no dia 01 de Agosto de 2018 e termo no dia 30 de Junho de 2022.

iv. A Primeira Outorgante pretende exercer seu direito de contratar os serviços da Segunda Outorgante para por ela ser representada em negociações, tendo em vista a assinatura de contrato de transferência (…) do jogador (…), mediante remuneração e/ou contrato de trabalho desportivo(renovação/prorrogação/modificações/aditamentos) com a Primeira Outorgante.

v. A Primeira Outorgante reconhece a Segunda Outorgante como uma intermediária especialista (…) e a experiencia na capacidade negocial da segunda outorgante factos determinantes para a atribuição deste mandato.

vi. vi) As PARTES declaram acatar e cumprir as disposições contidas no Regulamento de Intermediários publicado pela Federação Portuguesa de Futebol e nas Regulations on Working with Intermediaries ((…) “RWI”), publicado pela Fédération Internationale de Football Association (…).

Com base nos considerandos acima expostos, que fazem parte integrante do presente documento, as partes celebram entre si o acordo que vai reger-se pelas cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira

1. As Partes Outorgantes acordam que, se no decurso do corrente contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações modificações ou aditamentos, ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, a Primeira Outorgante proceder à venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador BB, a Segunda Outorgante tem direito à retribuição, na forma de comissão, de 25% (vinte e cinco por cento) do valor bruto da transferência do Jogador BB para terceiro Clube/SAD.

2. A referida comissão de 25% (vinte e cinco por cento), será paga pela Primeira Outorgante, que dela se confessa devedora e principal pagadora, à Segunda Outorgante até 15 dias após o envio/receção do Certificado Internacional de Transferência do Jogador BB para terceiro Clube/SAD ou no caso de transferência nacional até 15 dias após o registo definitivo no clube adquirente.

2.1 A referida comissão será paga de forma proporcional, em tantas parcelas quantos os pagamentos efetuados pelo Clube/SAD adquirente, sendo cada parcela liquidada à Segunda Outorgante dentro dos quinze dias seguintes ao do recebimento respetivo por parte da Primeira Outorgante.

3. As Partes Outorgantes acordam que a Segunda Outorgante tem direito à retribuição mencionada na Cláusula Primeira l. independentemente do intermediário, familiar ou qualquer outra pessoa ou entidade incluindo diretamente o Clube comprador, que apresente a proposta ao Primeiro Outorgante para a transferência do Jogador BB para terceiro Clube/SAD, ou seja, terá direito à retribuição em qualquer circunstância desde que a dita transferência ocorra.

4. Caso seja a Segunda Outorgante a apresentar a proposta de compra dos direitos desportivos e económicos do Jogador, a Primeira Outorgante pagará ainda uma comissão de 5%, que acrescerá à comissão referida em 1.

5. A referida comissão de 5% (cinco por cento), será paga pelo Primeiro Outorgante, que dela se confessa devedor e principal pagador, à Segunda Outorgante e será paga até 15 dias após o envio/receção do Certificado Internacional de Transferência do Jogador BB para terceiro Clube/SAD ou no caso de transferência nacional até 15 dias após o registo definitivo no clube adquirente.

6. As partes acordam ainda nas seguintes remunerações sujeitas a condições futuras:

6.1. No decurso do contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações, modificações ou aditamentos ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, se surgir uma proposta de venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador, igual ou superior a € 2.000.000,00 (dois milhões de euros), e a Primeira Outorgante a rejeitar, fica obrigada a liquidar ao Segundo Outorgante o valor de € 360.000,00 € (trezentos e sessenta mil euros) mantendo-se as demais condições desta cláusula. O pagamento será efetuado até 8 dias após a rejeição da proposta, por ação ou omissão.

6.2 Caso a Primeira Outorgante no decurso do contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações, proceda à venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador por valor inferior a € 2.000.000,00 (Dois milhões de euros) fica obrigada a liquidar ao Segundo Outorgante o valor de € 250.000,00 € (Duzentos e cinquenta mil euros) para além das obrigações descritas nos pontos 1 e 3 desta cláusula, e ainda a assegurar que o Clube/SAD compradora proceda à execução de mandato de venda exclusiva com o Segundo Outorgante que assegure uma comissão de 15% (quinze por cento) do valor da venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador desse Clube/SAD para Clube/SAD terceira. O pagamento será efetuado até 8 dias após a rejeição da proposta, por ação ou omissão.

6.3. Caso a Primeira Outorgante proceda à venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador com recurso a permuta de direitos de outro(s) jogador(es), aplicar-se-á as regras dos pontos 6.1 ou 6.2 de acordo com o valor do “Transfermarket” tiver do Jogador BB no dia do negócio.

6.4. No caso de cessação do presente contrato por qualquer outra causa, que não as supra previstas, será sempre devida à Segunda Outorgante por parte da Primeira Outorgante o valor correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor bruto que o jogador tenha no transfermarket a data da dita rescisão. Sem prejuízo de que o valor nunca poderá ser inferior a 200 000,00 € que a Primeira Outorgante se obriga a pagar à Segunda Outorgante no caso de cessação do presente contrato.

7. Todas as quantias supra descritas deverão ser pagas através de transferência, para a seguinte conta bancária:

(…) Cláusula Segunda

l. No decurso do contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações modificações ou aditamento ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, se a Primeira Outorgante ceder temporariamente os direitos desportivos e económicos do Jogador à Club/SAD terceira, a Primeira Outorgante fica obrigada a liquidar ao Segundo Outorgante o valor correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dessa cessão temporária se a mesma for onerosa.

2. O pagamento será efetuado até 8 dias após o registo efetivo da cessão temporária na federação desportiva do clube cessionário

3. As Partes Outorgantes acordam que a Segunda Outorgante tem direito à retribuição mencionada na Cláusula Segunda l. independentemente do intermediário, familiar ou qualquer outra pessoa ou entidade incluindo diretamente o Clube comprador, que apresente a proposta à Primeira Outorgante para a transferência temporária do Jogador BB para terceiro Clube/SAD, ou seja, terá direito à retribuição em qualquer circunstância desde que a dita transferência temporária ocorra.

4. Caso seja a Segunda Outorgante a apresentar a proposta de transferência temporária dos direitos desportivos e económicos do Jogador, a Primeira Outorgante pagará ainda uma comissão de 5%, que acrescerá à comissão referida em l.

5. A referida comissão de 5% cinco por cento), será paga pela Primeira Outorgante, que dela se confessa devedor e principal pagador, à Segunda Outorgante e será paga até 8 dias após o registo efetivo da cessão temporária na federação desportiva do clube cessionário.

6. Todas as quantias supra descritas deverão ser pagas através de transferência, para a seguinte conta bancária: (…)

Cláusula Terceira

As condições de remuneração referidas nas Cláusulas Primeira e Segunda são válidas para o decurso do contrato referido em iii) dos considerandos, bem como para o caso das futuras prorrogações e modificações do mesmo, mesmo que as mesmas ocorram com ou sem a intervenção e conhecimento da Segunda Outorgante.

Cláusula Quarta

l. A Primeira Outorgante compromete-se, durante a vigência do presente contrato, a informar a Segunda Outorgante de quaisquer contactos ou pedidos de informação do jogador que lhe sejam dirigidos, direta ou indiretamente, seja por seu intermédio, de familiar ou qualquer outro pessoa ou entidade, quer seja de forma pessoal, por escrito, via telefónica, transmissão eletrónica ou por qualquer outro meio de comunicação com vista à celebração de um contrato de trabalho, de publicidade, agência ou marketing e com vista à promoção e exploração da carreira e/ou da imagem do jogador.

2. O incumprimento pela Primeira Outorgante de qualquer das obrigações do presente contrato, confere à Segunda Outorgante o direito a receber daqueles, a título de indemnização, o montante de 200.000,00 € (duzentos mil euros), acrescido do valor em dívida por força do contrato.

3. Todas as comunicações efetuadas no âmbito do presente contrato deverão ser dirigidas para as moradas indicadas no introito.

4. Cada uma das partes obriga-se a comunicar por escrito, à outra, qualquer alteração à respetiva morada identificada no cabeçalho do presente contrato, no prazo máximo de oito (8) dias após a dita alteração, aceitando expressamente que, até se efetuar tal comunicação, os únicos locais válidos para efeito de se endereçarem comunicações decorrentes deste contrato são as constantes do cabeçalho do mesmo.

5. A recusa ou o não recebimento de qualquer comunicação vale, para todos os efeitos, como comunicação efetuada.

6. Salvo se de outro modo expressamente previsto no presente contrato, o não exercício por qualquer uma das partes dos direitos ou faculdades dele emergentes em nenhum caso poderá significar renúncia a tais direitos ou faculdades ou acarretar a sua caducidade, pelo que os mesmos manter-se-ão válidos e eficazes, não obstante o seu não exercício.

7. O presente contrato é absolutamente confidencial, sendo interdito às partes a revelação do seu conteúdo, com exceção da necessidade de resolver algum litígio emergente do mesmo entre as partes contratantes e, neste caso, deverá a sua revelação ser circunscrita às necessidades próprias da sua invocação em juízo.

8. As partes dispensam o reconhecimento das respetivas assinaturas, pelo que, por este meio, declaram que renunciam à invocação do suprimento de tal formalidade como fundamento para o não cumprimento do presente contrato.

9. Ambos os Outorgantes confirmam ter lido e compreendido o conteúdo do presente contrato.

Cláusula Quinta

1. As partes acordam em sujeitar o presente acordo à lei portuguesa.

2. As partes aceitam designar o Tribunal da Comarca do Porto, como tribunal competente para a resolução dos litígios emergentes do presente contrato. Este contrato foi assinado em triplicado, ficando cada uma das partes com um exemplar. Local e data: ..., ... de ... de 2021.

7. Em 15 de junho de 2021, a ré, a Futebol Clube..., Futebol, SAD, e BB subscreveram o documento intitulado “Contrato de Transferência Definitiva de Jogador Profissional de Futebol”, junto aos autos, onde consta, além do mais que se dá por reproduzido:

CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA DEFINITIVA DE JOGADOR PROFISSIONAL DE FUTEBOL Entre:

FUTEBOL CLUBE ... - FUTEBOL, SAD (…), adiante designada por “FC..., SAD”;

SANTA CLARA AÇORES - FUTEBOL, SAD (…), doravante designada por “SANTA CLARA, SAD”;

e TERCEIRO OUTORGANTE: BB (…), adiante designado por “JOGADOR”. (…)

CLÁUSULA PRIMEIRA

1. Pelo presente contrato, a SANTA CLARA, SAD cede à FC ..., SAD, a título definitivo e com efeitos a partir de 01 de Julho de 2021, os direitos federativos do JOGADOR. 2. (…).

CLÁUSULA SEGUNDA

1. Como contrapartida pela cedência dos direitos mencionados (…), a FC ..., SAD obriga-se a pagar à SANTA CLARA, SAD a quantia de € 2.200.000,00 (…), acrescida de IVA à taxa legal em vigor, contra apresentação da respetiva factura, da seguinte forma:

a) € 800.000,00 (…) no dia 15 de Agosto de 2021;

b) € 500.000,00 (…) no dia 15 de Agosto de 2022;

c) € 500.000,00 (…) no dia 15 de Agosto de 2023; e

€ 400.000,00 (…) no dia 15 de Agosto de 2024. 2. (…).

CLÁUSULA SEXTA 1. (…).

2. A SANTA CLARA, SAD, declara expressamente que por forma a garantir o sucesso na conclusão do presente contrato se serviu dos préstimos da intermediária GESTIFUTE – Gestão de Carreiras de Profissionais Desportivos, S.A. (…).

8. Até 15 de Julho de 2021, foi concluído o registo junto da Federação Portuguesa de Futebol e a inscrição na Liga Portuguesa de Futebol Profissional de BB como futebolista da FC ..., SAD

9. A ré não informou a autora de quaisquer contactos mantidos com vista à celebração do contrato de transferência de BB para a FC ... SAD.

10. A autora não representou a ré nas negociações tendo em vista a assinatura do documento referido no ponto 7 – Contrato de Transferência Definitiva de Jogador Profissional de Futebol.

11. A autora não interveio nas negociações entre BB e a FC ...SAD com vista à assinatura de um contrato de trabalho desportivo.

12. Em 30 de Março de 2021, a autora, como Segunda Outorgante, e a ré, como Primeira Outorgante, subscreveram o documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, junto aos autos apensados (21095/21.8...), com teor idêntico ao contrato referido no ponto factos assentes –, exceto no que respeita à identidade do futebolista e ao contrato que o ligava à ré, designadamente, além do mais que aqui se dá por transcrito:

iii) A Primeira Outorgante celebrou com o Jogador CC (…) um contrato de trabalho desportivo, (…) com início no dia 04 de Julho de 2019 a 30 de Junho de 2021 e a renovação no dia 01 de Julho de 2021 e termo no dia 30 de Junho de 2024. (…)

Cláusula Primeira

1. As Partes Outorgantes acordam que, se no decurso do corrente contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações modificações ou aditamentos, ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, a Primeira Outorgante proceder à venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador JÚNIOR, a Segunda Outorgante tem direito à retribuição, na forma de comissão, de 25% (vinte e cinco por cento) do valor bruto da transferência do Jogador CC para terceiro Clube/SAD.

13. Em 16 de Agosto de 2021, a ré, o A. ...... F.C., e CC subscreveram o documento intitulado “International Transfer Agreement”, junto aos autos, onde consta além do mais Acordo de Transferência Internacional

Entre

(1) Club – Santa Clara Acores Futebol, SAD (posteriormente referido como “Santa Clara”); e

(2) A. ...... F.C. (…) (doravante a ser referido “A.......”). (3) CC (…), doravante referido neste documento como (o “PLAYER”).

É ACORDADO o seguinte:

(A) O Santa Clara tem um contrato de trabalho válido com o JOGADOR.

(B) O Santa Clara é o único proprietário de 100% dos Direitos Federativos e Económicos do Jogador (o “Registo de Jogadores”)

1. – Transferência do Registo do Jogador

1.1. O Santa Clara acorda em transferir e efetivamente, por força do presente documento, mas sujeito ao cumprimento das Condições Precedentes abaixo estabelecidas, transfere o Registo do Jogador com caráter permanente para A....... sujeito aos termos e condições a seguir acordados. (…) (…)

2. – Comissão de transferência

Em contrapartida à transferência do Registo do Jogador, a A....... obriga-se a pagar ao Santa Clara, nos termos deste documento, o valor de 2 500 000,00 EURO (…), que deve ser paga da seguinte forma:

a) Euro 900 000,00 (…) a ser pago após a assinatura do contrato de transferência;

b) Euro 800 000,00 (…) a ser pago em ou antes de 01.02.2022;

c) Euro 800 000,00 (…) a ser pago em ou antes de 01.02.2023.

14. Até 15 de Julho de 2021, foi concluído o registo junto da Federação de Futebol da Arábia Saudita e na Primeira Liga de Futebol Profissional da ... de CC como futebolista do A. ...... F.C.

15. A ré não informou a autora de quaisquer contactos mantidos com vista à celebração do contrato de transferência de CC para o A. ...... F.C.

16. A autora não representou a ré nas negociações tendo em vista a assinatura do documento referido no ponto 7 – International Transfer Agreement.

17. A autora não interveio nas negociações entre CC e o A. ...... F.C., com vista à assinatura de um contrato de trabalho desportivo.


*


Descritos os factos, passemos à resolução das questões supra enunciadas.

Primeira questão: saber se o acórdão incorreu na causa de nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

A recorrente imputa ao acórdão esta causa de nulidade com base na seguinte linha argumentativa:

• Que as questões abordadas pelo tribunal na fundamentação de direito não foram suscitadas nem discutidas pelas partes nos autos;

• Que o estado dos autos não permitia, sem necessidade de mais provas, que o tribunal conhecesse imediatamente do mérito da causa, não tendo assegurado um estatuto de igualdade substancial das partes;

• Que o tribunal não assegurou um estatuto de igualdade substancial das partes, com desrespeito pelo artigo 4.º do CPC.

Pelas razões a seguir indicadas, não cabe conhecer da arguição da nulidade.

A decisão que é acusada pela recorrente de ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, de ter conhecido indevidamente do mérito da causa no despacho saneador e de não ter assegurado um estatuto de igualdade substancial das partes é o despacho saneador-sentença proferido na 1.ª instância, como o atesta o facto de sob a epígrafe “Das nulidades”, ter escrito:

i. Da nulidade do Saneador-Sentença por conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento;

ii. Da nulidade do Sanaeador-Sentença por conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento

Sucede que o que constitui objecto do presente recurso de revista excepcional é o acórdão do tribunal da Relação do Porto proferido em 9-11-2023 e não o saneador sentença.

Pelo exposto, não se conhece da arguição de nulidade.

Porém, ainda que se visse em tal arguição a invocação de nulidade do acórdão, ela sempre seria de indeferir. Vejamos.

A nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – aplicável ao acórdão por remissão do n.º 1 do artigo 666.º do CPC – ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta causa de nulidade está directamente relacionada com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, na parte em que dispõe que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Para o caso, o confronto a fazer, para aferir da nulidade, deve fazer-se entre as questões suscitadas na apelação e as conhecidas pelo acórdão recorrido. E, assim, este teria incorrido na causa de nulidade ora em apreciação se tivesse conhecido, no julgamento da apelação, de questões que não haviam sido suscitadas pelas partes no recurso e que não eram passíveis de conhecimento oficioso, o que claramente não sucedeu.


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Segunda questão: saber se o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 607.º, n.º 3, e, em caso de resposta afirmativa, se tal violação determinou a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

Pelas razões a seguir indicadas, não cabe conhecer da arguição da nulidade.

Também em relação a esta nulidade, a decisão que é acusada de falta de fundamentação é o saneador sentença como o atesta o facto de sob a epígrafe “Das nulidades”, ter escrito: iii) Da nulidade do saneador-Sentença por não especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão.

Como já se escreveu acima, a propósito da arguição de nulidade prevista na alínea d), o que constitui objecto do presente recurso é o acórdão da Relação e não o despacho saneador sentença. Daí que as nulidades que poderiam ser arguidas como fundamento do recurso eram as do acórdão [artigo 615.º, n.º 4, do CPC] e não as do saneador sentença.

Pelo exposto, não se conhece da arguição de nulidade.

Porém, também aqui, ainda que se visse em tal arguição a invocação de nulidade do acórdão, ela sempre seria de indeferir. Vejamos.

A causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ocorre quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Para efeito desta alínea, não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão é omitir por completo as razões de facto e/ou direito que determinaram o que foi decidido. Fora do alcance do preceito estão os casos de fundamentação insuficiente e/ou errada.

Segue-se do exposto que o acórdão teria incorrido na causa de nulidade ora em apreciação se tivesse omitido por completo as razões de facto e/ou direito que levaram à decisão de improcedência do recurso de apelação, o que claramente não sucedeu. O acórdão explicou - e desenvolvidamente - as razões que o levaram a julgar improcedente a apelação.


*


Passemos, de seguida, à apreciação da questão de saber se o acórdão recorrido, ao confirmar a decisão proferida em 1.ª instância de julgar improcedentes todos os pedidos, violou as disposições por indicadas pela recorrente.

A recorrente imputa ao acórdão a violação de uma multiplicidade de preceitos, concretamente:

Sob as conclusões 21 a 23.º, acusa-o de ter violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 217.º, 219.º, 224.º, 232.º e 236.º do CC;

Sob as conclusões 24 e 25, acusa-o de ter violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 4.º, 5.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1 do Regulamento de Intermediário da FPF e artigos 2.º, al. c), e 38º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho;

Sob as conclusões 26 e 28, acusa-o de ter violado por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 211.º, 399.º, 940.º, 942.º, n.º 1 e 945.º, n.º 1, todos do Código Civil;

Sob as conclusões 29 a 36, acusa-o de ter violado o disposto nos artigos 11.º, n.º 2, alíneas b) e c), do RIFPF e 38.º, n.º 1, 7 e 8 da Lei nº 54/2017 de 14 de Julho e 236.º a 239.º e 810.º, n.º 1 do Código Civil;

Sob as conclusões 37 a 40, acusa-o de ter violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 38.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do RJCRI;

Sob as conclusões 41 a 45, acusa-o de ter violado por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 280.º, n.º 2 e 405.º do Código Civil;

Sob as conclusões 46 a 48, acusa-o de ter violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 397.º, 398.º, 405.º, 458.º, 762.º, 798.º, 799.º e 1154.º do Código Civil;

Sob as conclusões 49 a 52 acusa-o de ter violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil.

Sob a acusação de violação destas normas, está em questão o seguinte:

• A legalidade da decisão de julgar improcedentes o pedido principal e o primeiro pedido subsidiário;

• A legalidade da decisão de julgar improcedentes os restantes pedidos subsidiários, baseados na violação do princípio da boa fé e da confiança e no instituto do enriquecimento sem causa.

Este tribunal conhecerá, em primeiro lugar, da impugnação do acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão proferida em 1.ª instância de julgar improcedentes os seguintes pedidos:

• Pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de 200 000 euros pela transferência definitiva do jogador BB para F.. SAD;

• Pedido de condenação no pagamento da quantia de 225 000 pela transferência definitiva do jogador CC pra o A. ...... F.C.

O acórdão, seguindo a fundamentação da sentença proferida na 1.ª instância, julgou improcedente tais pedidos por entender, em síntese, que os contratos que a autora, ora recorrente, invocava para sustentar a sua pretensão não eram de prestação de serviços de representação, mas contratos de doação de bens futuros, nulos por aplicação do artigo 942.º, n.º 1, do Código Civil, e dos números 1 e 2 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais. Porém – ainda segundo a sentença – tais contratos seriam nulos mesmo no caso de se entender que se estava perante contratos de prestação de serviços de representação.

A recorrente impugnou tanto a decisão sobre a qualificação dos contratos como a proferida sobre a validade deles.

Para o efeito alegou em síntese:

• Nos considerandos e demais cláusulas foram definidos com clareza o tipo de serviços a prestar, concretamente a autora obrigou-se, na qualidade de intermediária, a representar a ré, na qualidade de entidade empregadora desportiva, em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência, contra remuneração, por referência aos jogadores profissionais de futebol BB e CC;

• Esta declaração resulta expressa dos contratos mesmo que assim se não entendesse sempre resultariam de forma tácia dos comportamentos das partes e mesmo que assim se não entendesse tal é o resultado do sentido normal das declarações de acordo com a doutrina da impressão do destinatário;

• Que o tribunal só teve em conta as cláusulas e ignorou os considerandos, os quais fazem parte dos contratos;

• Que atendendo ao tipo de negócio em causa e à relação de confiança existente entre a sociedade desportiva e a intermediária não se julgou necessário descrever as tarefas específicas a realizar;

• Que a ré não pretendeu fazer nem a autora receber qualquer liberalidade;

• Que os negócios jurídicos foram negócios onerosos;

• Que o pagamento de prestações pecuniárias à ré nunca objectiva doação de bens futuros.

Apreciação:

Na resposta à questão de saber se o acórdão recorrido incorreu em erro na questão da qualificação das declarações das partes constantes dos documentos escritos intitulados contrato de prestação de serviços de representação em regime de exclusividade, deve começar por dizer-se que não merece qualquer censura o entendimento afirmado no acórdão sob recurso, reproduzindo o que havia sido escrito na sentença proferida na 1.ª instância, segundo o qual a qualificação jurídica que as partes atribuem às respectivas declarações não vincula o tribunal. A qualificação jurídica é o resultado da aplicação do direito a factos (no caso às declarações emitidas pelas partes) e no exercício desta actividade o tribunal não está vinculado às alegação das partes, como o afirma de modo expresso o artigo 5.º, n.º 3,, do Código de Processo Civil.

Socorrendo-nos das palavras de João Leal Amado e Catarina Gomes Santos, "os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são. Na verdade, as partes são livres para concluir o contrato x ou o contrato y, mas já não o são para celebrar o contrato x, dizendo que celebraram o contrato y – naquilo, e não nisto, consiste a sua liberdade contratual consagrada no artigo 405.º do Código Civil (…)” [A Ubere e os seus motoristas em Londres: mind the gap”, RLJ ano 146.º, n.º 4001, 2016, página 122].

Em segundo lugar, na resposta à questão acima enunciada – qualificação dos acordos celebrado entre as partes - importa tomar em consideração todas as declarações de vontade constantes dos documentos particulares ora em causa, apesar de tanto o pedido principal como o primeiro pedido subsidiário se fundarem apenas em algumas cláusulas desses acordos, concretamente na cláusula 1.ª n.s 1 e 3 e na cláusula 4.ª, n.º 1 e n.º 2.

Em terceiro lugar, na interpretação das declarações de vontade, irá ter-se em conta o n.º 1 do artigo 236.º, o artigo 237.º e o artigo 238.º, n.º 1, todos do Código Civil.

Visto que, no caso, a controvérsia que está na origem do presente recurso é a de saber se as declarações negociais constantes dos documentos escritos configuram contratos de representação desportiva e se as cláusulas em que assentam o pedido principal e o primeiro pedido subsidiário podem considerar-se cláusulas próprias ou típicas de tal contrato, vejamos, antes de mais, as notas características dele

Para tanto, iremos tomar em consideração:

• A Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho – diploma que aprovou o Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação – onde é dada a noção de contrato de representação ou intermediação;

• O Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, publicado pelo ofício n.º 310 de 1 de Abril de 2015 [Regulamento que foi revogado pelo Regulamento dos Agentes de Futebol, aprovado pela Direcção da Federação Portuguesa de Futebol e que entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 2023];

• O artigo 1154.º do Código Civil que contém a noção de contrato de prestação de serviço.

O n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 54/2017 define contrato de representação ou intermediação como um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva.

Segundo a definição constante da alínea c) do artigo 2.º do mesmo diploma, “Empresário desportivo é a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, na celebração de contratos desportivos”.

Por sua vez na definição da alínea a) do mesmo preceito e diploma, “Contrato de trabalho desportivo é aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar atividade desportiva a uma pessoa singular ou coletiva que promova ou participe em atividades desportivas, no âmbito de organização e sob a autoridade e direção desta”.

No caso, é isento de dúvida que a relação se estabeleceu entre um empresário desportivo (autora) e uma entidade empregadora desportiva (a ré).

Segundo o artigo 1154.º do Código Civil, “O contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.

Tendo presentes as noções legais acabadas de expor, é de afirmar que, para qualificar um acordo negocial como contrato de representação ou intermediação, é necessário que um empresário desportivo se tenha obrigado a proporcionar a um praticante desportivo ou a uma entidade empregadora desportiva (no caso é a uma entidade empregadora desportiva) certo resultado do seu trabalho e que este consista em trabalho de representação ou intermediação.

Se num contrato que as partes designaram como de prestação de serviços de representação, o empresário desportivo não se obrigou a proporcionar à outra parte (praticante desportivo ou entidade empregadora desportiva) trabalho de representação ou de intermediação, é de afastar a qualificação de tal acordo como contrato de prestação de serviço, visto que o que caracteriza esta figura negocial é a assunção, pelo empresário desportivo, da obrigação de prestar à outra parte (praticante desportivo ou entidade empregadora desportiva) serviços de representação ou intermediação.

Considerando a noção de empresário desportivo constante da alínea c) do artigo 2.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho e do artigo 4.º do Regulamento de Intermediários da FPF (pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência), é de afirmar que os serviços característicos do empresário desportivo serão tanto os de representação do jogador ou clube, em negociações tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou um contrato de transferência, como os de intermediação.

Volvendo, agora, a atenção para os documentos escritos que as partes intitularam contrato de prestação de serviços de representação em regime de exclusividade, vemos que a sua elaboração foi estruturada da seguinte forma: identificação das partes; considerandos (i) a vi); o acordo e as cláusulas do acordo; declaração de que o contrato foi assinado em triplicado, ficando cada uma das partes com um exemplar; indicação do local e data do acordo e assinatura dos outorgantes.

Os denominados considerandos do contrato servem essencialmente para contextualizar o acordo negocial, explicar os objectivos visados pelas partes e os pressupostos em assentou o acordo. Apesar de constituírem um precioso elemento de interpretação dos contratos e de terem relevância jurídica, as declarações emitidas sob a forma de considerandos não são fonte de obrigações, no sentido de que, por força delas, uma pessoa não fica adstrita para com outra à realização de uma prestação (artigo 397.º do Código Civil).

O que vincula as partes são as declarações negociais que elas designam por acordo ou contrato e que figuram sob a forma de cláusulas. São elas que formam o que o n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil, designa por conteúdo do contrato, ou seja, os poderes/deveres emergentes de tal acordo.

Tendo presentes as considerações expostas, verificamos que, no que diz respeito à questão da prestação de serviços de representação por parte da autora, ora recorrente, só os considerandos se referem a tal prestação, mediante a declaração da ré, ora recorrida, de que pretendia exercer o seu direito de contratar os serviços da segunda outorgante (autora, ora recorrente) para ser representada por ela em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de transferência temporária ou definitiva dos jogadores (BB e CC) com uma entidade de prática desportiva, nacional ou internacional, mediante remuneração e/ou contrato de trabalho desportivo (renovação/prorrogação/modificações ou aditamentos) com a primeira outorgante [considerando iv)].

Sucede que a intenção da ré, ora recorrida, declarada sob o considerando iv), não passou para as cláusulas do acordo.

Percorrendo as declarações de vontade constantes das cláusulas que compõem o acordo, não encontramos nelas nenhuma declaração da autora, ora recorrente, a assumir a obrigação de prestar à ré serviços de representação ou intermediação desportiva, designadamente a obrigação de a representar em negociações, tendo em vista a transferência temporária ou definitiva dos jogadores BB e CC para uma outra entidade empregadora desportiva.

Tais cláusulas são constituídas exclusivamente por declarações de vontade a reconhecer direitos à autora, ora recorrente, e deveres à ré, ora recorrida.

Visto que o acordo não compreende nenhuma declaração da autora, ora recorrente, a assumir a obrigação de prestar serviços de representação em benefício da ré, ora recorrida, e que a intenção da ré, ora recorrida, de contratar os serviços da autora, ora recorrente, para por ela ser representada em negociações, tendo em vista designadamente a transferência dos jogadores BB e CC figura apenas nos considerandos dos documento escritos e que esta intenção não vincula a autora ora recorrente, não merece qualquer reparo o acórdão recorrido quando, reproduzindo o que foi escrito da sentença proferida na 1.ª instância, afirma que “em ponto algum do enunciado do documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade” se encontra a assunção pela autora da obrigação de prestar um determinado serviço. As suas cláusulas apenas preveem direitos para a autora e deveres para a ré”.

Porém, caso se interprete a declaração da ré constante do considerando iv) como uma proposta contratual, dirigida à autora (2.ª outorgante nos documentos escritos), no sentido de recorrer aos serviços de representação desta, tendo em vista a assinatura de um contrato de transferência temporária ou definitiva dos jogadores, e de se entender que a assinatura dos documentos valeu como aceitação de tal proposta, sempre seria de considerar que o contrato de representação não estava em conformidade com o n.º 2 do 38.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, e com alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol. Vejamos.

O n.º 2 do artigo 38.º estabelece, com relevância para o caso, que, no contrato de representação, deve ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe é devida e as respectivas condições de pagamento. Por sua vez, o artigo 9.º, n.º 2, alínea b) do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol estabelece que o contrato de representação deve conter a descrição do âmbito do contrato, esclarecendo a natureza dos serviços a prestar.

Quer a indicação com clareza dos serviços a prestar quer o esclarecimento da natureza dos serviços a prestar compreende a exigência de que se especifiquem no documento contratual os serviços que o empresário desportivo se obriga a proporcionar à outra parte (neste caso entidade empregadora desportiva).

A exigência legal “… nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar…” é incompatível com formulações contratuais genéricas sobre o serviço a prestar, pois formulações desta natureza impedem que se afira do cumprimento dos deveres decorrentes do contrato. No caso, a indicação, apenas na parte dos considerandos, de que a ré, ora recorrida, pretendia contratar a autora, ora recorrente, para a representar em negociações tendo em vista a celebração de contratos de trabalho ou a transferências dos jogadores é de considerar genérica, visto que se limita a reproduzir os termos da lei.

Como se escreveu na sentença proferida na 1.ª instância e confirmado pelo acórdão recorrido, “a indefinição dos serviços a prestar pelo empresário desportivo fulmina todo o contrato de nulidade, por força do disposto no artigo 42.º do RJCRI: “são nulas as cláusulas contratuais que contrariem o disposto nesta lei ou que produzam um efeito prático idêntico ao que a lei quis proibir”.

Em síntese:

• Os acordos que as partes denominaram de contrato de prestação de serviços de representação em regime de exclusividade não são de qualificar como contratos de representação ou intermediação previstos no artigo 38.º, da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, visto que nenhuma das cláusulas do acordo celebrado entre as partes compreende a assunção pela autora, ora recorrente, da obrigação de prestar um determinado serviço;

• Ainda que se interprete a declaração da ré, ora recorrida, constante do considerando iv) como uma proposta contratual de um contrato de representação e ainda que se entenda que a assinatura dos documentos valeu como aceitação de tal proposta, por parte da autora, ora recorrente, sempre seria de considerar que o contrato de representação era nulo por aplicação combinada n.º 2 do 38.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho com o artigo 42.º do mesmo diploma.

A verdade é que, ainda que se labore na perspectiva mais favorável à ora recorrente, ou seja, a de que a ré, ora recorrida, contratou validamente os serviços daquela para a representar em negociações, tendo em vista a assinatura de contrato de transferência definitiva dos jogadores BB e CC, subsistem como questões essenciais para a sorte do recurso a da validade da cláusula 1.ª n.º 3 e a da validade da cláusula 4.ª, números 1 e 2. Com efeito, o pedido principal e o primeiro pedido subsidiário não assentam no facto de a autora, ora recorrente, ter, em cumprimento do acordo estabelecido com a ré, representado efectivamente esta última nas negociações que culminaram com as transferências definitivas dos jogadores BB e CC. Tais pedidos assentam nas cláusulas atrás referidas e em dois factos: 1) no facto de os jogadores BB e CC terem sido transferidos definitivamente para outras entidades desportivas; 2) no facto de a ré, ora recorrida, não ter informado a autora, ora recorrente, das negociações tendo em vista as transferências.

Daí que o que é decisivo para a sorte do litígio é a resposta à questão da validade de tais cláusulas. E sobre esta questão é de manter o acórdão recorrido, embora por razões não inteiramente coincidentes.

Comecemos pela questão da validade da cláusula 1.ª, n.ºs 1 e 3, na qual assentaram o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de 200 000 euros pela transferência de BB e o pedido de condenação no pagamento da quantia de 225 000 mil euros pela transferência de CC.

O teor destas cláusulas é o seguinte:

As Partes Outorgantes acordam que, se no decurso do corrente contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações modificações ou aditamentos, ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, a Primeira Outorgante proceder à venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador BB, a Segunda Outorgante tem direito à retribuição, na forma de comissão, de 25% (vinte e cinco por cento) do valor bruto da transferência do Jogador BB para terceiro Clube/SAD.

As Partes Outorgantes acordam que a Segunda Outorgante tem direito à retribuição mencionada na Cláusula Primeira l. independentemente do intermediário, familiar ou qualquer outra pessoa ou entidade incluindo diretamente o Clube comprador, que apresente a proposta ao Primeiro Outorgante para a transferência do Jogador BB para terceiro Clube/SAD, ou seja, terá direito à retribuição em qualquer circunstância desde que a dita transferência ocorra.

Em primeiro lugar, devemos dizer que a cláusula 1.ª, n.º 3, na parte em que estabelece que a segunda outorgante (autora, ora recorrente) “… tem direito à retribuição em qualquer circunstância desde que a dita transferência ocorra”, não é típica, própria, do contrato de representação ou intermediação desportiva. Com efeito, decorre do n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, bem como da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento de Intermediários da FPF que, em matéria de remuneração, o que é próprio deste contrato é que ela seja devida como contrapartida pelo exercício efectivo da actividade de representação ou intermediação.

Nem a Lei nem o Regulamento acima referidos contêm norma que preveja a remuneração do empresário independentemente da prestação de serviços de representação ou intermediação. À luz do regime do contrato, não havendo a prestação destes serviços, não é devida remuneração. Não é o que estabelece o ponto n.º 3 da cláusula 1.ª. Segunda ele, a autora, ora recorrente, teria o direito de exigir à ré (ora recorrida) 25% do valor bruto da transferência dos jogadores para terceiros clubes, a título de retribuição, ainda que não tivesse representado a ré, por vontade alheia ou própria, nas negociações tendo em vista a transferência.

Em segundo lugar, apesar de o n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil proclamar que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, esta liberdade contratual exerce-se, como também indica o menciona preceito, dentro dos limites da lei. E, no caso, como decidiu o acórdão recorrido, confirmando o que havia sido decidido na 1.ª instância, o acordo estabelecido entre as partes na cláusula 1.ª n.º 3, não está dentro dos limites da lei. Tal acordo contraria não só o n.º 1 do artigo 942.º do Código Civil, mas também o n.º 1 do artigo 38.º do Regulamento da Federação Portuguesa de Futebol sobre o Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores. Vejamos.

O n.º 3 da cláusula 1.ª estabelece que a autora, ora recorrente, tem direito à retribuição mencionada no ponto n.º 1 da mencionada cláusula, ou seja, a 25% do valor bruto da transferência dos jogadores BB e CC em qualquer circunstância desde que a dita transferência ocorra.

O valor da transferência que é tido em vista em tal cláusula corresponde ao que a doutrina designa por direitos económicos de jogadores, por oposição aos chamados direitos federativos.

Estes direitos económicos decorrem da celebração do contrato de trabalho desportivo do jogador com uma entidade empregadora desportiva e da possibilidade de esta o transferir para outra entidade durante o período em que o contrato estiver em curso. Entre o momento da assinatura e o da transferência do jogador para outro clube, o que em rigor a entidade empregadora tem é uma expectativa de ganho com a transferência.

Socorrendo-nos das palavras de João Leal Amado, “… a vinculação contratual do atleta, …, permite que este seja considerado como um elemento do ativo patrimonial da entidade empregadora desportiva. É precisamente por não ser reconhecida ao praticante desportivo a liberdade de denunciar, a todo o tempo e ad nutum, o respectivo contrato de trabalho, que a entidade empregadora poderá tentar negociar esse praticante, medio tempore, a troco de uma contraprestação patrimonial. A entidade empregadora desportiva é, portanto, titular de uma expectativa de ganho, com a eventual transferência (venda) do atleta, efectuada esta durante a vigência do respetivo contrato de trabalho… Em princípio o clube/entidade empregadora, titular dos chamados direitos federativos ou desportivos (que se traduzem basicamente no direito de utilizar em exclusivo o atleta na competição desportiva, colhendo os respetivos proveitos) é também titular de 100% dos chamados direitos económicos (isto é, da expetativa de ganho… )” (Contrato de Trabalho Desportivo, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, páginas 176 e 177).

No caso, com cláusula 1.ª, n.º 3, de ambos os contratos, o que a ré, ora recorrida, acordou com a autora, ora recorrente, foi a cedência a esta última de 25% dos direitos económicos relativos aos jogadores BB e CC no caso de estes serem transferidos para uma outra entidade empregadora desportiva.

A cedência de créditos, prevista no n.º 1 do artigo 577.º do Código Civil, é, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “… um negócio de causa variável ou policausal, podendo ter por base uma venda, uma doação, uma dação em cumprimento, uma dação pro solvendo, um negócio de garantia em benefício doutro crédito. …” (Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, páginas 593 e 594). Isto é, agora nas palavras de Menezes Leitão, “O primeiro requisito da cessão de créditos é a existência de um negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte do crédito…. A cessão de créditos apresenta-se como um efeito desse mesmo negócio, no qual se integra” (Direito das Obrigações, Volume II, 2011, 8.ª Edição, Almedina, página 17).

Do exposto decorre que os requisitos e os efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve de base (n.º 1 do artigo 578.º do Código Civil).

No caso, o negócio que serve de base ao acordo de cedência de 25% dos direitos económicos dos jogadores é o contrato de doação previsto no n.º 1 do artigo 940.º do Código Civil, na parte em que dispõe que doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de um direito. Com efeito, na cláusula ora em apreciação, ao reconhecimento à autora, ora recorrente, do direito a 25% dos direitos económicos dos dois jogadores, em caso de transferência deles para um terceiro clube/SAD, não corresponde qualquer prestação por parte da autora. Estamos perante um negócio gratuito, pois, como escreve Carlos Alberto Mota Pinto, “Nos negócios gratuitos cria-se – e há acordo das partes sobre este ponto – uma vantagem patrimonial para um dos sujeitos sem nenhum equivalente. O acto é a título gratuito quando for realizado com uma particular intenção ou causa que é a de proporcionar uma vantagem à outra parte” (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, página 401).

Sucede que a doação dos direitos económicos era proibida pelo n.º 1 do 942.º do Código Civil. Com efeito, este preceito dispõe que a doação não pode abranger coisas futuras, ou seja, na definição do artigo 211.º do Código Civil, coisas que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial e os direitos económicos relativos aos dois jogadores, no momento do acordo, eram créditos futuros, mais concretamente créditos sujeitos a uma condição suspensiva (eventual transferência dos jogadores), que é por definição um evento futuro e incerto (artigo 279.º do Código Civil). Cita-se em abono deste entendimento João Leal Amado que escreve a este propósito: “os direitos económicos da entidade empregadora desportiva são, pois, direitos condicionais, vale dizer, direitos subjetivos sujeitos a uma condição suspensiva – futura e eventual transferência do atleta -, a qual carece sempre do assentimento pessoal deste último para que se verifique (obra supracitada página 177).

A doação com infracção do n.º 1 do artigo 942.º do Código Civil é nula (1.ª parte do artigo 294.º do Código Civil e n.º 1 do artigo 280.º na parte em que diz que é nulo o negócio jurídico que seja contrário á lei).

O reconhecimento a favor da autora ora recorrente de uma percentagem dos direitos económicos dos jogadores nos termos previstos no ponto n.º 3 da cláusula 1.ª não era proibida apenas pelo n.º 1 do artigo 942.º do Código Civil. Era proibida também pelo n.º 1 do artigo 38º do Regulamento da Federação Portuguesa de Futebol sobre o Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores. Este Regulamento deve considerar-se lei, pois foi aprovado pela Direcção da Federação Portuguesa de Futebol ao abrigo do seu poder regulamentar (artigo 51.º, n.º 2, alínea a), dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol), que lhe foi conferido pelos artigos 10.º e 41.º, n.º 2, al. a), do Regime Jurídico das Federações Desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 93/2014, de 23 de Junho), conjugado com a titularidade do estatuto de utilidade pública desportiva, nos termos do despacho n.º 5331/2013, de 22 de Abril.

Segundo o n.º 1 do mencionado artigo, “Nenhum clube ou jogador pode celebrar um acordo com terceiros em que estes sejam autorizados a participar, total ou parcialmente, em compensação a pagar relativamente a futura transferência de um jogador de um clube para outro, ou que lhe sejam concedidos quaisquer direitos em relação a uma futura transferência ou compensação por transferência”.

Esta disposição reproduz o artigo 18.ºter do Regulamento do Estatuto e da Transferência de Jogadores da FIFA e foi incluída nos Regulamento da Federação Portuguesa de Futebol por imposição de tal Regulamento (artigo 1.º, n.º 3, alínea a)].

Na origem do artigo 18.ºter esteve, como é sabido, os chamados TPO (acrónimo anglófilo de Third – Party Ownnership), isto é, as operações negocias através dos quais os clubes transferiam para entidades terceiras (fundos de investimento ou outras entidades) uma parte dos direitos económicos relativos a jogadores de futebol.

Como é explicado pela FIFA [FIFA Manual on “TPI” and “TPO” in football agreements] a proibição constante do artigo 18ter aplica-se aos clubes intervenientes na transferência de jogadores e aos próprios jogadores, criando para eles a obrigação de não concluírem acordos com terceiras partes susceptíveis de violar a proibição nele contida. O objectivo do preceito é evitar que terceiras partes lucrem com a transferência dos jogadores, sendo as terceiras partes definidas como aquelas que não sejam os jogadores transferidos, os dois clubes envolvidos na transferência ou qualquer clube anterior em que o jogador tenha estado inscrito (ponto n.º 12 do Regulamento). Ainda segundo a FIFA, no documento acima referido, os acordos que concediam a uma terceira parte uma percentagem dos direitos económicos dos jogadores não só prejudicavam a transparência das transferências, como punham em risco a integridade das competições e a transparência do futebol.

Daí que a partir de 2015 tenha sido proibida a propriedade dos direitos económicos por parte de terceiras entidades.

Interpretando o 38.º, n.º 1, do Regulamento da Federação Portuguesa de Futebol Relativo ao Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores com o sentido e o alcance acima expostos, impõe-se concluir que a cláusula 1.ª, n.º 3, ao estabelecer um acordo entre a ré, ora recorrida (clube/entidade empregadora desportiva) e a autora, ora recorrente (terceira parte/empresário desportivo) no sentido de reconhecer a esta, ora recorrida, o direito a 25% do valor bruto da transferência dos jogadores viola clara e flagrantemente a proibição constante do preceito acima indicado.

De resto, foi nestas águas que navegou a ré, ora recorrida, na sua defesa, ao alegar que que “da leitura e análise do referido contrato, facilmente percebemos que através de tal figurino simulado declaração de vontade, a ré, através dos administradores que intervieram na celebração do contrato, estava a ceder, sem mais, 25% da propriedade dos direitos desportivos sem qualquer contrapartida ou resultado obtido pela contraparte (artigo 67.º da contestação)”.

Em consequência é de considerar nulo tal cláusula por aplicação do n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil, na parte em que dispõe que é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja contrário à lei.

E sendo nula pelas razões apontadas, torna-se desnecessário responder à questão de saber se ela ofende o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais. Na verdade, só faz sentido apreciar responder a tal questão no caso de a liberalidade ser formal e substancialmente válida.

Por todo o exposto, embora por razões não totalmente coincidentes com as do acórdão recorrido, mantém-se o mesmo na parte em que declarou que a cláusula em questão (1.ª n.º 3) era nula.

E sendo nula, não pode a autora, ora recorrente, fundar nela a pretensão de a ré lhe pagar a quantia de 200 000 pela transferência de BB para o Futebol Clube ... SAD e a quantia de 225 000 euros pela transferência do jogador CC para o A. ...... F.C.

Improcede, assim, a alegação de que o acórdão recorrido, ao declarar a nulidade de tal cláusula violou o disposto nos artigos 211.º, 399.º, 940.º, 942.º, n.º 1 e 945. º, n 1, todos do Código Civil.

*

Apreciemos, de seguida, a cláusula 4.ª, n.ºs 1 e 2.

A cláusula em questão é do seguinte teor:

1. Primeira Outorgante compromete-se, durante a vigência do presente contrato, a informar a Segunda Outorgante de quaisquer contactos ou pedidos de informação do jogador que lhe sejam dirigidos, direta ou indiretamente, seja por seu intermédio, de familiar ou qualquer outro pessoa ou entidade, quer seja de forma pessoal, por escrito, via telefónica, transmissão eletrónica ou por qualquer outro meio de comunicação com vista à celebração de um contrato de trabalho, de publicidade, agência ou marketing e com vista à promoção e exploração da carreira e/ou da imagem do jogador.

2. O incumprimento pela Primeira Outorgante de qualquer das obrigações do presente contrato, confere à Segunda Outorgante o direito a receber daqueles, a título de indemnização, o montante de 200.000,00 € (duzentos mil euros), acrescido do valor em dívida por força do contrato.

É nestas cláusulas que a autora, ora recorrente, radicou o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de 400 000 euros (200 000 euros por não ter sido informada das negociações tendo em vista a transferência do jogador BB e 200 000 euros por não ter sido informada das negociações tendo em vista a transferência do jogador CC).

O acórdão recorrido, confirmando a decisão proferida na 1.ª instância, julgou improcedente a pretensão com base nas seguintes razões.

Em primeiro lugar, entendeu que a pretensão da autora não tinha apoio nos factos alegados. Segundo o acórdão, a cláusula 4.ª n.º 1 não só não se referia à celebração de nenhum contrato de transferência, como o contrato de trabalho nela referido apenas poderia ser um que tivesse a ré por entidade patronal – isto é, um novo contrato de trabalho com o mesmo jogador, como, aliás, também era admitido na cláusula primeira, n.º 1 - e, em ponto algum da petição inicial a autora, ora recorrente, havia alegado que a ré foi contactada com vista à celebração (pela própria) de um (novo) contrato de trabalho com o futebolista; apenas que estabeleceu contacto com vista à celebração de um contrato de transferência.

Em segundo lugar, para a hipótese de se entender que a cláusula 4.ª, n.º 1, abrangia o dever de a ré informar a autora sobre contactos mantidos com vista à celebração de contratos de transferência dos jogadores em questão nos autos, ainda assim a pretensão carecia de fundamento por tal cláusula ser nula. As razões deste entendimento foram os seguintes:

• Esta norma contratual poderia servir dois propósitos: permitir à autora imiscuir-se em negociações em curso para uma transferência ou, em qualquer caso, manter-se a par delas, de modo a poder reclamar, no momento devido, a satisfação da obrigação gratuitamente assumida pela ré (propósito principal); gerir os recursos que afeta às suas (insípidas) iniciativas voluntárias de angariação de interessados que lhe garantem uma abonação de (mais) 5% (propósito secundário);

• Quanto ao primeiro propósito, a obrigação principal ao qual o mesmo está associado é nula, pelo que, quer tenha um fim compulsório, quer tenha um fim ressarcitório, a cláusula penal descrita na cláusula quarta n.º 2, prevista para o incumprimento de obrigações (válidas e eficazes) não tem aplicação.

• No que respeita ao segundo propósito, era útil recordar que a autora era clara na afirmação de que se estava perante uma cláusula penal com um fim compulsório, como que reconhecendo que a pena estabelecida não tinha qualquer adesão aos putativos danos efetivamente sofridos (cfr. o último capítulo da resposta à contestação);

• No caso dos autos, não se podia, com coerência, concluir que o enunciado contratual comportava outro sentido que não fosse o de que a pena era estipulada “a título de indemnização” (ipsis litteris);

• Da alegação da própria autora decorria a admissão da inexistência de prejuízos por si sofridos por causa da omissão do dever de informação sobre a pendência de uma negociação dos direitos dos futebolistas com terceiro;

• Isto é, era própria autora quem construía a posição de facto e de direito que contrariava o seu pedido de indemnização (liquidada à forfait numa cláusula penal) pela violação da cláusula quarta n.º 1.

A autora, ora recorrente, critica a decisão, alegando em síntese:

• Que a ré estava obrigada a dar conhecimento dessas concretas propostas à autora, por força do regime de exclusividade e do direito de informação dos contratos, com vista a que a intermediária pudesse cumprir as suas prestações;

• Que a cláusula penal que se encontra prevista na cláusula quarta, 2, do contrato celebrado entre a autora e a ré representa uma cláusula penal de terceiro tipo, ou seja, uma cláusula puramente compulsória;

• Que a cláusula penal prevista na cláusula quarta, 2, visava obrigar ao cumprimento da prestação negocial, sendo que o pagamento da sanção estipulada não era obstativo, quer da indemnização a processar em termos gerais, quer da execução específica da obrigação incumprida;

• Que o tribunal violou o disposto nos artigos 11º, n.º 2, al. b) e al. c) do RIFPF e 38º, n.º 1, 7 e 8 da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho e artigos 236º a 239º e 810º, n.º 1 do Código Civil.

Apreciação

A pretensão da recorrente é de julgar improcedente.

Em primeiro lugar, e pese embora o muito respeito que nos merece o acórdão recorrido, o dever de informação estabelecido no ponto n.º 1 da cláusula 4.ª não compreende apenas o dever de informar a autora sobre quaisquer contactos ou pedidos de informação do jogador que lhe sejam dirigidos com vista à celebração de um contrato de trabalho com a ora ré, ora recorrido. A fórmula usada em tal cláusula é suficientemente ampla para abranger o dever de informar a autora sobre quaisquer contactos ou pedidos de informação do jogador que lhe sejam dirigidos com vista à transferências dos jogadores.

Em segundo lugar, à semelhança do que se escreveu a propósito da cláusula 1.ª, n.º 3, também aqui importa dizer que, apesar de o n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil proclamar que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, esta liberdade contratual exerce-se, como também indica o menciona preceito, dentro dos limites da lei. E, no caso, o acordo estabelecido entre as partes na cláusula 4.ª, n.º 1, não está dentro dos limites da lei. Tal acordo contraria o disposto no artigo 37.º do Regulamento da Federação Portuguesa de Futebol sobre o Estatuto, Categoria, Inscrição e Transferência de Jogadores. Vejamos.

Segundo este artigo, “Nenhum clube pode celebrar contrato que permite ao outro clube, e vice-versa, ou quaisquer terceiros, adquirir capacidade de influenciar, em matéria de emprego ou de transferências, a sua independência, as suas políticas ou o desempenho das suas equipas”.

Esta disposição reproduz o artigo 18.ºbis do Regulamento do Estatuto e da Transferência de Jogadores da FIFA e foi incluída nos Regulamento da Federação Portuguesa de Futebol por imposição de tal Regulamento (artigo 1.º, n.º 3, alínea a)].

Como é explicado pela FIFA [FIFA Manual on “TPI” and “TPO” in football agreements], este artigo proíbe todos os cenários em que uma pessoa ou entidade adquire capacidade para influenciar, em matéria de emprego ou transferências, a independência de um clube, as suas políticas ou o desempenho das suas equipas.

Os termos do preceito – ainda segundo a FIFA – são suficientemente amplos para abranger todos os tipos de influência sobre os clubes, proibindo-os de concederem a alguém a capacidade para influenciar a sua independência em matéria de transferências. Ainda seguindo a FIFA, estes acordos prejudicam a transparência das transferências, bem como a integridade das competições e a transparência do próprio futebol e visam proteger a independência dos clubes de terceiras partes ou outros clubes, cujos interesses podem não estar alinhados com o sucesso desportivo do clube influenciado. Em suma, e ainda segundo a FIFA no documento acima citado, qualquer situação onde alguém adquira capacidade para influenciar directa ou indirectamente a independência do clube em matéria de transferências é absolutamente proibida.

Interpretando o artigo 37.º com o sentido acima indicado, é de afirmar que a cláusula 4.ª, n.º 1, o viola clara e flagrantemente.

Com efeito, a cláusula ora em apreciação, ao impor à ré, ora recorrida, o dever de informar a autora, ora recorrente, sobre quaisquer contactos ou pedidos de informação dos jogadores dirigidos à sua transferência viola ostensivamente a independência da ré em matéria de transferência de jogadores. Na verdade, um clube verdadeiramente independente em matéria de transferências não se sujeita à obrigação de comunicar ou revelar a terceiros os pedidos ou propostas que recebe com vista à transferência de jogadores.

Logo, também esta cláusula é nula por aplicação do n.º 1 do artigo 280.º do Código Civil, na parte em que dispõe que é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja contrário à lei.

E sendo nula fica prejudicada a apreciação da questão de saber se tal cláusula tem natureza compulsória ou indemnizatória.

Sendo nula, claudica a pretensão da autora, ora recorrente, no sentido de obter a condenação da ré no pagamento da quantia de 400 000 euros (200 000 euros por não ter sido informada das negociações tendo em vista a transferência de BB e 200 000 euros por não ter sido informada das negociações tendo em vista a transferência de CC).

Assim, embora por razões diferentes das do acórdão recorrido, mantém-se a decisão e julgar nula a cláusula 4.ª, n.º 1 do acordo.

Na sua alegação, a recorrente alega que as eventuais nulidades dos contratos ficaram sanadas por efeito de renovação por declaração tácita nos termos gerais e que mesmo que assim se não entendesse devia operar-se a redução nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 292.º do Código Civil, uma vez que a invalidade não determinava a invalidade de todo o negócio.

Esta alegação não colhe.

Em primeiro lugar, salvo casos excepcionais, só a anulabilidade é sanável mediante confirmação (n.º 1 do artigo 288.º do Código Civil). As nulidades que inquinam as cláusulas em questão não são passíveis de sanação.

Em segundo lugar, não faz sentido invocar, no caso, a figura da redução prevista no artigo 292.º do Código Civil. Com efeito, como decorre deste preceito legal, a figura da redução pressupõe a nulidade ou anulação parcial do negócio. Como escreve, Carlos Alberto da Mota Pinto, “Trata-se de saber se, no caso de um fundamento de invalidade ser relativo apenas (afectar apenas) a uma parte do conteúdo negocial, o negócio deve valer na parte restante (não afectada) ou deve ser nulo ou anulável na sua totalidade (obra supracitada página 633). Sucede que as cláusulas que estão na base do pedido principal e do primeiro pedido subsidiário são integralmente nulas. Em relação a negócios integralmente nulos, o que faria sentido era invocar a figura da conversão (artigo 293.º do Código Civil), hipótese que a recorrente não colocou.


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Apreciemos, de seguida, o recurso, na parte em que visa o acórdão, no segmento em que confirmou a decisão proferida na 1.ª instância de julgar improcedente a pretensão da autora, ora recorrente, no sentido de condenar a ré a pagar as quantias em causa na acção com fundamento na violação do princípio da boa fé.

No entender da decisão recorrida, o caso narrado na petição inicial não encerrava um problema de violação do princípio da boa-fé na formação do contrato, nem no cumprimento do contrato, por parte da ré.

A recorrente, repetindo o que havia escrito na petição inicial e no recurso de apelação, alegou:

• Que actuou com a ré com a convicção de se tratar de uma relação negocial sólida, de tal forma que a autora fez deste negócio com a ré um dos mais importantes da sua actividade, ao qual se dedicou com todas as suas forças, saber e trabalho, com a confiança criada pela R. em como esta seria uma das atividades que iria desenvolver e consolidar e da qual iria retirar os proventos necessários para assegurar as suas despesas e os encargos;

• Que a conduta da ré frustrou as legítimas expetativas da A. derivadas da confiança justificada do A. no comportamento da R;

• Que tal comportamento da R. contribuiu para fundar a confiança da A. e ela justifica-se igualmente face às circunstâncias do caso concreto;

• Que a ré violou os princípios da boa-fé e da confiança.

A pretensão da recorrente está votada ao fracasso.

Antes de mais cabe dizer que o que constitui objecto do recurso é a decisão recorrida e não a questão por ele decidida. E, assim, tendo o tribunal recorrido decidido que o caso narrado na petição inicial não encerrava um problema de violação do princípio da boa-fé na formação do contrato, nem no cumprimento do contrato, por parte da ré, o que seria pertinente, como fundamento do recurso, seria criticar esta decisão. Sucede que a recorrente, ignorando as razões da decisão recorrida, limitou-se a repetir o que escreveu na petição inicial e no recurso de apelação, como se o objecto do recurso fosse a questão decidida na 1.ª instância e não o acórdão recorrido.

Porém, ainda que se interprete como crítica à decisão recorrida, a alegação não colhe. Vejamos.

Em primeiro lugar, como bem entendeu a decisão recorrida, a acção não suscitava nenhuma questão de violação do princípio da boa fé no cumprimento do contrato (n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil). Na verdade, tal só aconteceria se a autora, ora recorrente, tivesse invocado na petição algum comportamento da ré, que visando o cumprimento do contrato, fosse contrária à boa fé. Uma vez que nada alegou nesse sentido, não se vê como é que se poderia sustentar que a ré não procedeu de boa fé no cumprimento das suas obrigações!

Em segundo lugar, no âmbito da violação do princípio da boa fé na formação dos contratos (n.º 1 do artigo 227.º do Código Civil), o que fundamenta a responsabilidade de uma das partes é o comportamento dela, contrário à boa fé, nos preliminares do contrato ou na formação dele. Socorrendo-nos das palavras de Almeida Costa: “Entende-se que, durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociaria e na fase decisória – o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. … Através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração” [Direito das Obrigações, 11.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, páginas 302 e 303].

Uma vez que as sociedades agem no quadro das negociações de um contrato através dos seus representantes, pessoas singulares, o que seria susceptível de responsabilizar a ré por culpa na formação dos dois contratos em questão nos autos seria o comportamento que os administradores tiveram nos preliminares dos contratos e/ou na formação deles. Seria à luz desse concreto comportamento que cabia aferir da boa fé de tais representantes.

Sucede que a autora, ora recorrente, fala em conduta da ré que frustrou as suas legítimas expectativas e a sua confiança sem, no entanto, dizer, em concreto, em que é que consistiu tal conduta. Não há, pois, o mais leve indício – e não há porque a autora o não alegou – de que os representantes da ré que intervieram nos citados acordos tenham agido, em relação a si, autora, de má fé, ou seja, de forma desonesta e desleal. E destaca-se “má fé em relação à autora”, porque na versão da ré, ora, foi assim que procederam em relação a ela.

Improcede, em consequência, a pretensão da autora no sentido da revogação do acórdão e da substituição dele por decisão que condena a ré a pagar á autora indemnização com base na violação do princípio da boa fé.


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Apreciemos, por último, o recurso na parte em que visou o segmento do acórdão que confirmou a decisão proferida na 1.ª instância de julgar improcedente a pretensão da autora, ora recorrente, no sentido de condenar a ré a pagar as quantias em causa na acção ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

O acórdão, seguindo o que havia sido decidido na 1.ª instância, entendeu que a invocação do regime o enriquecimento sem causa era desprovida de sentido, pois duas uma: ou a obrigação (direito) existe, caso em que tal regime é inaplicável (art.º 474.º do Cód. Civil); ou tal direito não existe, caso em que não se concebe a transmissão de uma inexistência, o ganho do seu valor ou a sua perda (à custa e em proveito de quem quer que seja).

A recorrente, à semelhança do que fez em relação às restantes questões, repetiu o que escreveu na petição e no recurso de apelação. Sustenta a condenação da ré com fundamento no enriquecimento sem causa, alegando em síntese:

• Que a ré, ao não entregar a quantia de 825 000 euros, devida pelos contratos de prestação de serviços em regime de exclusividade teve um enriquecimento patrimonial uma vez que o seu património ficou acrescido em tal quantia e esta vantagem corresponde a um empobrecimento da autora;

• Que um enriquecimento da ré à custa da autora, como acima descrito tudo sem causa justificativa e com ausência de outro meio jurídico. Donde resulta que a ré é obrigada a restituir à autora aquilo com que injustamente se locupletou (artigo 473º do Código Civil).

A pretensão da autora é de julgar improcedente.

O princípio da proibição do enriquecimento sem causa está enunciado no n.º 1 do artigo 473 do Código Civil nos seguintes termos: “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.

A par deste princípio geral, o n.º 2 do artigo 473.º prevê 3 casos especiais de enriquecimento sem causa: 1) o enriquecimento proveniente do que for indevidamente recebido; 2) o enriquecimento proveniente do que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir; 3) o enriquecimento proveniente do que for recebido em vista de um efeito que não se verificou.

Ao dispor que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, o n.º 1 do artigo 473º do Código Civil exige a verificação dos seguintes requisitos para o nascimento da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa: 1) um enriquecimento; 2) a falta de causa justificativa para o empobrecimento; 3) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de outrem.

Citam-se em abono desta interpretação Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, páginas 399 a 401, Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, Wolters Kluwer, Coimbra Editora, página 195, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, página 491].

O enriquecimento carece de causa justificativa quando, socorrendo-nos das palavras de Mário Júlio de Almeida Costa, “… o direito o não prova ou consente, porque não existe uma relação de facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial; sempre que aproveita, em suma, a pessoa diversa daquela a quem segundo a lei, deveria beneficiar” (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, página 500).

O enriquecimento é obtido à custa de outrem quando “… a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro” (Pires de Lima e Antunes Varela, obra supracitada, página 456).

Esta interpretação está em conformidade com a finalidade da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa: “visa retransmitir ao património do empobrecido alguma coisa que pertencia a esse património – segundo a ordem de destinação ou de atribuição dos bens – ainda que lhe pertencia ainda que só potencial ou virtualmente” (Francisco Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, Almedina, página 48].

Interpretado o artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil, é de manter o acórdão recorrido.

Em primeiro lugar, o enriquecimento da ré, consistente no recebimento do preço correspondente aos direitos económicos relativos aos jogadores teve causa justificativa, concretamente a transferência dos direitos económicos dos jogadores BB e CC para outras entidades desportivas.

Em segundo lugar, este enriquecimento foi obtido à custa do património das entidades desportivas para quem foram transferidos os jogadores acima identificados e não à custa do património da autora, ora recorrente.

Em terceiro lugar, o enriquecimento consistente no não pagamento à autora, ora recorrente, do montante de 400 000 euros, pela alegada violação da cláusula 4.ª n.º 1, também teve causa justificativa, concretamente a nulidade de tal cláusula.

Diga-se, por fim, contra a pretensão da recorrente o seguinte. Se, como ela alega, a quantia de 825 000 euros lhe fosse devida por força dos contratos de prestação de serviços de representação em regime de exclusividade, então não haveria lugar à restituição dela por enriquecimento sem causa. Nessa hipótese, o meio de obter tal quantia seria a acção destinada a exigir o cumprimento do contrato e segundo o artigo 474.º do CC – que estabelece a natureza subsidiária da obrigação – não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.

Daí que, como bem se decidiu no acórdão recorrido, reproduzindo a sentença proferida em 1.ª instância, obrigação de restituir tal quantia existia por força dos contratos de prestação de serviços de representação e, em tal hipótese, não era aplicável o instituto do enriquecimento sem causa, ou tal obrigação não existia – como se decidiu – e nesta hipótese falecem os pressupostos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa.

Pelo exposto, mantém-se o acórdão na parte em que confirmou a decisão proferida na 1.ª instância de julgar improcedente a pretensão da autora fundada no instituto do enriquecimento sem causa.

Decisão:

Nega-se a revista e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a recorrente ter ficado vencido no recurso condena-se a mesma nas respectivas custas.

Lisboa, 28 de Maio de 2014

Relator: Emídio Francisco Santos

1.º Adjunto: Fernando Baptista de Oliveira

2.º Adjunto: Catarina Serra