Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LEONEL SERÔDIO | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMODATO CASA DE HABITAÇÃO RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL ABUSO DO DIREITO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM SUPRESSIO PRAZO CERTO ÓNUS DA PROVA PRIVAÇÃO DO USO VALOR LOCATIVO SOCIEDADE COMERCIAL CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO FACTO CONSTITUTIVO CONTRATO-PROMESSA | ||
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Data do Acordão: | 07/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário : |
I-A análise crítica da prova a que se refere o artigo 607º n.º 4 do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não tem de ser exaustiva, sendo suficiente que o acórdão se pronuncie sobre os meios probatórios indicados pelas partes e indique as razões por que manteve ou alterou a decisão da 1ª instância, quanto à factualidade impugnada. II- Não constando das atas da audiência que o representante da Autora tenha efetuado declarações confessórias, essas declarações não têm força probatória plena contra a Autora e só podem ser valoradas livremente pelo Tribunal, nos termos do n.º 4 do artigo 358º do Código Civil. 1II -Estando subtraído ao STJ reapreciar a matéria de facto que a Relação julgou ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, não pode escrutinar se a reapreciação prova foi ou não errada e se corresponde à exata e correta apreciação da prova produzida. IV - Não constitui comodato para uso determinado o mero empréstimo de prédio para habitação do comodatário. V- Não tendo o comodato em causa uso determinado, nem prazo certo é subsumível ao disposto no n.º 2 do artigo 1137.º do Código Civil. VI – Quem invoca o abuso de direito tem o ónus da prova dos respetivos factos constitutivos. VII- A autorização por parte de um sócio gerente de uma sociedade ao seu filho e família que podiam habitar um prédio da sociedade, até à construção de uma nova casa que lhes prometeu doar verbalmente, não permite sustentar estar-se perante o exercício manifestamente excessivo do direito da sociedade/proprietária de exigir das Rés a restituição do imóvel comodatado, nos termos do artigo 1137º n.º 2 do Código Civil. VIII - A privação do uso de um imóvel é suscetível de constituir, por si, dano patrimonial, por impedir o proprietário de fruir prédio todas as suas utilidades e como tal, é passível de reparação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 3068/21.2T8STR.E1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça ( 6ª secção) LOPES & CRUZ - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES Lda. instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra AA, por si e em representação da menor BB, pedindo que as rés sejam condenadas a: “a) Reconhecerem a Autora como dona e legítima proprietária do imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial e condenadas a entregá-lo, completamente livre e devoluto de pessoas e bens; b) Pagarem à Autora, a título de indemnização pelos danos causados, a importância de 59.045,00 (cinquenta e nove mil e quarenta e cinco euros) calculada até Novembro de 2021 e, ainda, a contar desta data, o montante mensal de 375,00, correspondente ao valor do último mês de utilização abusiva, até à entrega efetiva do imóvel, com atualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres, a liquidar em execução de sentença, e a taxa de juro legal (vencidos e vincendos) sobre o montante total da indemnização até ao integral e efetivo pagamento; c) Pagarem à Autora a título de indemnização os respetivos IMI suportados por aquela desde 2008.” Alega, em síntese, que é proprietária de um prédio urbano que as Rés ocupam desde 2008, sem o seu consentimento e sem qualquer título legítimo e que em consequência dessa ocupação sofreu danos nos montantes peticionados. As Rés na contestação, arguiram a exceção da prescrição quanto à pretensão indemnizatória e impugnaram, de forma motivada, parte da factualidade alegada pela demandante. Em reconvenção, com fundamento na celebração de um contrato de comodato que incidiu sobre o prédio reivindicado, peticionaram que fosse reconhecida às Rés a sua qualidade de comodatárias do imóvel identificado no artigo nº 1 da petição, fixando-se a este comodato, carácter vitalício. A Autora replicou, pronunciando-se no sentido da improcedência da exceção da prescrição e do pedido reconvencional, sendo que relativamente a este último sustentou que existir o invocado comodato, o mesmo seria nulo, por violação do regime previsto no artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais. O processo prosseguiu os seus termos e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: “ a) Absolver as Rés do pedido formulado pela Autora; b) Condenar a autora/reconvinda a reconhecer que as rés/reconvintes são comodatárias da fração autónoma destinada a habitação sita ... António Justiniano da Luz Preto, n.º .. .C), freguesia de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ............-C, podendo as mesmas residir na mesma até ser cumprida a condição descrita no ponto 9 (nove) da factualidade assente (construção da moradia aí indicada); c) Condenar a autora no pagamento das custas a que deu causa, na proporção do decaimento; d) Não condenar as partes, designadamente a autora, como litigantes de má-fé; e) Ordenar o registo e notificação da presente sentença.” A Autora apelou e por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 07.11. 2023, o recurso foi julgado parcialmente procedente, tendo decidido: “revogar parcialmente a sentença e condenar as rés a reconhecerem a autora como dona e legítima proprietária do imóvel identificado no art. 1º da petição inicial e condenadas a entregá-lo à autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens, devendo as rés suportar o pagamento do valor de 350,00 euros por mês, desde a citação até à entrega efetiva do imóvel, com atualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres e julgar improcedente o demais peticionado pela autora.” As Rés interpuseram recurso de revista e terminaram as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: “1) DO ITINERÁRIO PROCESSUAL RELEVANTE: A Autora intentou contra as Rés a ação de condenação, alegando o que consta dos autos e, citadas para o efeito, as Ré vieram presentar Contestação com Reconvenção, alegando e peticionando o que acima se transcreveu, sendo que, em resposta à Contestação apresentada, a Autora alegou o que consta de fls., tendo sido proferido Despacho Saneador; 2) Realizou-se a Audiência de Julgamento em 21.09.2022, durante a qual o Legal Representante da Autora, o Sr. CC, afirmou perentoriamente que não havia recebido qualquer terreno rústico (quer em seu nome particular, quer em nome da sociedade Autora) para contrapartida do cumprimento da condição a que se vinculou aquando da celebração do contrato de comodato sub judice, pelo que as Rés juntaram, através de Requerimento de fls. de 27.09.2022, duas Escrituras, uma de compra e venda outorgada com a Autora e outra de doação, alegando o que supra se transcreveu; 3) Ocorreu continuação da Audiência de Julgamento em 21.11.2022, na qual o Legal Representante da Autora prestou depoimento de parte, sendo que, no decurso de tal continuação de audiência, o certo é que se concluiu pela verdade do que fora alegado pelas Rés no seu Requerimento, tendo sido apresentado pela Digna Magistrada do Ministério Público o Requerimento transcrito, no qual se requereu a extração de certidão com as declarações prestadas pelo Autor em ambas as sessões de julgamento, bem como dos documentos que acompanham o Requerimento de 27-09-2022 e a remessa do mesmo ao DIAP de Santarém, para instauração de inquérito a fim de ser apreciada eventual responsabilidade criminal por falsidade de declarações, o que veio ser ordenado através de Despacho de fls. exarado em ata; 4) Por Sentença de fls. a Meritíssima Juiz da 1.ª instância decidiu absolver as Rés dos pedidos da Autora e condenar a Autora a reconhecer as Rés como comodatárias do imóvel urbano comodatado, determinando que as mesmas podem residir no mesmo até ser cumprida a condição descrita no ponto 9 (nove) da factualidade assente (construção da moradia aí indicada); 5) Não se conformando com a Sentença de fls., a Autora veio apresentar Recurso de Apelação, tendo sido deliberado, no Acórdão recorrido, revogar parcialmente a decisão e condenar as Rés a reconhecerem a Autora como dona e legítima proprietária do imóvel identificado no art. 1º da petição inicial e condenadas a entregá-lo à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens, devendo as rés suportar o pagamento do valor de 350,00 euros por mês, desde a citação até à entrega efetiva do imóvel, com atualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres e julgar improcedente o demais peticionado pela Autora, com o qual não se pode conceder; 6) DA VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS FORMAIS PARA A ADMISSÃO DO PRESENTE RECURSO DE REVISTA: a) Inexiste dupla conforme; b) Existe violação de lei substantiva (erro de interpretação, de aplicação e de determinação das normas aplicáveis); c) Existe violação da lei de processo; d) Existe violação do direito probatório material; 7) Encontram-se cumpridos os critérios da alçada e da sucumbência que admitem a interposição do presente Recurso de Revista, dúvidas também não existindo relativamente à inexistência da dupla conforme, pois o valor da causa é o de 64.045,00 € (vide Despacho Saneador de fls.), e tendo o Acórdão ora recorrido decidido diferentemente da Sentença de fls., devendo o presente Recurso de Revista ser admitido, o que se requer; 8) DO QUADRO FACTUAL RELEVANTE: Dos intervenientes processuais: a) é Legal Representante da Autora comodante o Sr. CC, que é também sogro e avô das Rés AA e BB, respetivamente; b) é comodatário falecido (não obstante as comodatárias sobrevivas) o Sr. DD, que era também sócio da Autora; c) são as Rés comodatárias sobrevivas, respetivamente, a nora e a neta do Sr. CC (facto provado n.º 5); 9) Antes de viveram no apartamento em discussão nos autos, o falecido comodatário (DD) e seu agregado familiar (as Rés AA e BB) viviam juntos num apartamento menor, sito na ..., em regime de comodato da Autora (facto obtido por acordo pelas partes), sendo certo que a 1.ª Ré AA era casada com um dos três filhos do gerente da Autora, tendo vivido posteriormente com este na fração objeto da presente ação (facto provado n.º 4); 10) O Sr. CC, Legal Representante da Autora, já tinha dado uma casa a cada um dos outros dois filhos, previamente ao falecido comodatário (DD) (facto provado n.º 6); 11) O Sr. CC, Legal Representante da Autora, sabia que o falecido filho comodatário (DD), e as Rés não tinham outro sítio onde morar e que viviam com dificuldades financeiras (facto obtido por acordo pelas partes); 12) O Sr. CC, Legal Representante da Autora, propôs ao seu falecido filho e seu agregado familiar (as Rés, nora e neta) o seguinte: a. A MUDANÇA DE FRAÇÃO COMODATADA: propôs a mudança da fração menor (sita na ...) para a fração em discussão nos autos, pois esta tinha mais uma divisão para que a Ré BB tivesse um quarto só para ela, local onde os comodatários poderiam ficar a viver até à construção de uma casa: “sogro e avô das aqui rés, na qualidade de representante da autora, disse sempre ao seu falecido filho, e às aqui rés, que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar, poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito” (facto provado n.º 9); b. PROMESSA DE CONSTRUÇÃO: prometeu que daria aos comodatários uma casa, que lhes iria construir uma casa, tal como já havia feito aos outros filhos: “O sogro e avô, respetivamente, das rés, Sr. CC, prometeu ao falecido filho DD, marido da 1ª ré, e a esta última, que lhes daria uma casa, a construir, tal como já havia feito aos outros filhos” (facto provado n.º 6). Foi assim ESTABELECIDA UMA PRIMEIRA CONDIÇÃO: “foi estabelecida uma condição, ainda não verificada, que impede a restituição do imóvel: trata-se da obrigação, assumida pela autora, de construir uma moradia destinada às ora rés e ao falecido marido da 1º ré” (pp. 10 e 11 da Sentença); c. Foi celebrado um CONTRATO DE COMODATO NÃO PRECÁRIO, a abranger o agregado familiar em causa (o Sr. DD, sua mulher e filha, ora Rés): “No caso vertente, invocaram as rés - e demonstraram – a existência de um vínculo contratual que pode obstar à restituição do imóvel que está no cerne do litígio e ao pagamento da indemnização que é peticionada pela autora” (p. 10 da Sentença); d. O comodato tinha um LIMITE TEMPORAL (um ano / um ano e meio) até que fosse construída uma casa no terreno disponibilizado para o efeito (p. 8 da Sentença, referindo-se à confissão realizada pelo representante legal da Autora aquando do seu depoimento de parte), tendo a Autora mandado executar um projeto de construção de uma moradia, cuja autorização camarária foi recebida; e. ESTABELECIMENTO DE UMA SEGUNDA CONDIÇÃO: pelo Legal Representante da Autora (CC) foi proposta a doação, por parte do pai da 1.ª Ré e avô da 2.ª Ré, de um terreno rústico o qual seria utilizado para a construção do imóvel urbano que a Autora se comprometeu a construir e ceder às Rés (facto provado n.º 7), 2.ª condição que foi cumprida (facto provado n.º 8); f. A PRIMEIRA CONDIÇÃO (construção de uma moradia para habitação das Rés) não foi, até ao dia de hoje, cumprida/verificada pela Autora (tendo em conta a proposição desta ação), nunca a Autora se tendo desvinculado da mesma, apenas incumprido na sua parte negocial devido a desavenças familiares “Devido a desavenças familiares, não concretamente apuradas, surgidas entre a 1ª ré e o sogro, este não construiu a casa/moradia a que se alude em 6 e 9, conforme havia sido prometido em vida do falecido DD.” (facto provado n.º 10); 13) A PRESENTE AÇÃO foi intentada cerca de 14 anos após a celebração do comodato em causa: “esta acção foi intentada 13 anos após a sua morte e 11 anos após a primeira acção contra a primeira Ré” (p. 30 do Acórdão recorrido); 14) O CONTRATO DE COMODATO SUB JUDICE NÃO CADUCOU: “não podemos afirmar que apenas o falecido fosse o comodatário, pelo que não cremos que tenha ocorrido a caducidade” e ainda “não cremos que se possa afirmar que tenha ocorrido a caducidade com a morte do marido e pai das Rés” (p. 30 do Acórdão recorrido), o que implica a vigência do contrato de comodato, visto que a filha do casal e 2.ª Ré, BB, ainda continua viva e a viver no referido apartamento com a 1.ª Ré, sua mãe; 15) DA ALTERAÇÃO DO FACTO PROVADO N.º 9 PELA RELAÇÃO – ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS E VIOLAÇÃO DO DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL: No Recurso de Apelação interposto pela Autora, improcedeu a impugnação da matéria de facto da Autora, pois “o tribunal atribuiu credibilidade e convenceu-se desta versão dos acontecimentos, fazendo uso do seu poder de livre apreciação da prova” (p. 24, referindo-se ao depoimento de EE), pois na Sentença entendeu-se que EE “(e)sclareceu, de forma serena e coerente (…) tendo o Tribunal formado a convicção segura de que os factos ocorreram da forma que o depoente relatou em sede de audiência final” (p. 24 do Acórdão) e no Acórdão recorrido se entendeu que “(n)ão há no nosso entender, qualquer razão para afastar esta convicção, pois, para além do facto da mesma beneficiar da imediação da prova, comprovámos a credibilidade, coerência e serenidade do depoimento em causa” (p. 24 do Acórdão); 16) Sucede que, no Acórdão recorrido, entendeu-se alterar parcialmente o facto provado n.º 9, retirando-se a expressão “na qualidade de representante da autora” a tal facto, nos seguintes termos: “Com uma excepção, porém: A relativa à qualidade em que terá agido o sogro e avô das aqui rés quando disse que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito e quanto á presença da neta que na altura era menor. Não há qualquer prova de que, o tenha feito, na qualidade de representante da autora, nem se sabe se a neta estava presente na reunião, pelo que se retira tal expressão de referido facto” (pp. 24 e 25), o que não se pode conceder, tendo o STJ vindo reiteradamente a assumir que, verificando-se, como se verifica no presente caso, que a Relação usou os poderes conferidos pelo artigo 662.º, nºs 1 e 2 do CPC fora dos limites traçados pela lei para os exercer, deverá anular o Acórdão recorrido, o que se requer; 17) O Sr. CC, face ao contrato de comodato em causa, agiu na qualidade de legal representante da Autora, contradizendo o entendimento da Relação a prova que foi produzida em sede de 1.ª instância, sendo que a prova desse facto n.º 9, e mais precisamente relativamente ao facto de o comodato com condição ter sido realizado por CC, na qualidade de representante da Autora, foi produzida pela conjugação de vários elementos probatórios que o Tribunal de 2.ª instância, agindo inacreditavelmente em 1.ª instância no que à decisão de matéria de facto diz respeito, fez tábua rasa; 18) Meios probatórios que foram totalmente desconsiderados como as Declarações prestadas em sede de depoimento de parte por CC, na qualidade de representante legal da Autora: “Declarações prestadas pelo representante da autora (CC), o qual confessou que a sociedade sua representada “emprestou” o imóvel a que se reporta o presente litígio” (p. 8 da Sentença); 19) Meios probatórios que foram totalmente desconsiderados como o Depoimento prestado pela testemunha FF: “sócio da autora e cunhado da 1ª ré, o qual também mencionou a existência da cedência gratuita a que temos vindo a fazer alusão” (p. 8 da Sentença) e meios probatórios que foram totalmente desconsiderados como o Depoimento prestado pela testemunha EE, “o qual demonstrou ter um conhecimento directo e detalhado da factualidade vertida nos pontos 6, 7, 8, 9 e 10, conhecimento que lhe advém, em particular, da circunstância de ser pai da 1ª ré e ter cedido (doado) à sua filha (e genro) o terreno onde iria ser construída a moradia que o representante da autora prometeu executar” (p. 9 da Sentença); 20) O Tribunal da Relação desconsiderou totalmente a prova sólida e coerente produzida em sede de 1.ª instância, alterando a decisão da matéria de facto nesta parte sem se suportar numa qualquer base suficiente para tal decisão, desatendendo à disposição legalmente expressa que define a força probatória dos meios de prova em causa, designadamente a confissão do legal representante da Autora realizada em sede de prestação de depoimento de parte, da qual resulta que foi, de facto, a Autora, sua representada, que celebrou o contrato de comodato com as Rés; 21) Ao contrário do que sucedera com o Tribunal de 1.ª instância, que bem aplicou as normas aplicáveis, o Tribunal da Relação, na alteração do facto provado n.º 9 (quando entendeu retirar a expressão “na qualidade de representante da autora”), desconsiderou totalmente a força probatória da confissão obtida, o que não se pode conceder, e daí que, face a tal violação de direito probatório material, se requer o provimento do presente Recurso, desde logo, nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 3 do CPC; 22) Agrava, ainda, o facto de a Relação assim ter procedido, no Acórdão recorrido, de forma genérica e infundada, num único e infundado parágrafo, onde se fez constar apenas o seguinte: “não há qualquer prova de que, o tenha feito, na qualidade de representante da autora, nem se sabe se a neta estava presente na reunião, pelo que se retira tal expressão de referido facto” (p. 25 do Acórdão), o que não se pode conceder; 23) Na Sentença de fls. ficou bem patente os meios probatórios que determinaram a decisão da matéria de facto no que diz respeito ao ponto de facto n.º 9, como as declarações prestadas por CC (confissão considerada na p. 8 da Sentença), o depoimento prestado pela testemunha FF (prova testemunhal considerada na p. 8 da Sentença) e o depoimento prestado pela testemunha EE (prova testemunhal considerada na p. 9 da Sentença); 24) A Relação, no Acórdão recorrido, operando a ilegal alteração do facto provado n.º 9, para além de fazer tábua rasa da correta apreciação probatória e da certeira operação de subsunção lógico-formal empreendidas pelo Tribunal de 1.ª instância, limitou-se a tecer quase nenhumas considerações e pior, considerações infundadas (sem apoio probatório) e de ordem genérica, o que não se pode conceder; 25) O Acórdão recorrido integra uma violação de direito processual e violação de direito probatório material, constitutivas de fundamento de Recurso de Revista nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea b) e do artigo 674.º, n.º 3, ambos do CPC; 26) A garantia do duplo grau de jurisdição consagrada na lei não pode subverter os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação das provas, que enformam o processo civil quanto à audiência de julgamento, o que lamentavelmente sucedeu no presente caso; 27) Não é possível concluir com segurança, como fez a 2.ª instância neste caso, em sentido contrário ao decidido pelo Tribunal de 1ª instância, porquanto este, ao realizar o julgamento, teve na sua presença (e à sua frente) as testemunhas e formou a sua convicção com base nos depoimentos assim produzidos, não sendo, pois, possível sindicar a convicção do julgador, sob pena de violação de tais princípios; 28) O Tribunal de 1.ª instância apreciou livremente as provas e fixou a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, cumprindo o dever legalmente consagrado de analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida pelo julgador sobre a prova ou inexistência de prova dos factos (artigo 607.º, n.º 4 do CPC), tendo, ainda, o julgador de 1.º instância, exteriorizado o iter valorativo, com a explicitação das razões que o levaram a considerar determinado facto provado ou não provado. 29) No Acórdão recorrido não ocorreu uma reponderação dos meios de prova, mas antes fez-se uma simplesmente tábua rasa da apreciação probatória desenvolvida pela 1.ª instância, e isto em clara desconsideração dos meios probatórios produzidos, nos termos já expostos. 30) A alteração ilegalmente empreendida pela Relação, para além de ter sido infundada, não foi efetuada com nenhuma segurança e em nada rodeada das necessárias precauções, tanto mais que não se verificaram (nem pelo Tribunal de 2.ª instância foram apontadas) quaisquer desconformidades entre a prova produzida em audiência e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas; 31) Não estava a Relação habilitada, em conjunto com outros elementos probatórios e nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados pela Recorrente, sendo certo que, em caso de dúvida, sempre deveria prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, motivo pelo qual deverá o presente Recurso ser recebido, dando-se provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão ora recorrido na parte ora recorrida, o que se requer; 32) DO ADICIONAMENTO OFICIOSO DE DOIS FACTOS PELA RELAÇÃO – VIOLAÇÃO DA LEI DO PROCESSO, EXCESSO DE PRONÚNCIA, ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS E VIOLAÇÃO DO DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL: No Acórdão recorrido, a Relação entendeu, ainda, adicionar oficiosamente os seguintes factos: 1) O falecido DD era sócio da autora e as rés são herdeiras da sua quota na sociedade até 04.02.2020, data em que a quota social detida sobre a Autora foi amortizada; 2) O valor de renda mensal para o imóvel em causa, atualmente, ronda os 350,00 euros, o que não se pode conceder; 33) No Acórdão entendeu-se que: “não deixa de resultar, como subjacente ao recurso, a pretensão de defesa da existência de interpelação para restituição do imóvel e uma vez que, o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica das partes, importa ponderar se os factos provados permitem tal finalidade, o que faremos de seguida” (p. 26), ora, o STJ vem reiteradamente assumindo que, verificando-se, como se verifica no presente caso, que a Relação usou os poderes conferidos pelo artigo 662.º, n.ºs 1 e 2 do CPC fora dos limites traçados pela lei para os exercer, deverá anular o Acórdão recorrido, o que se requer; 34) A impugnação da matéria de facto realizada pela Autora foi efetuada por dependência à pretensão de alteração dos factos, logo, improcedendo tal impugnação, a alteração ficaria necessariamente comprometida, sucedendo ainda que o Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica das partes, mas está, sim, limitado à alegação e aos pedidos efetuados pelas parte, tendo ocorrido, no caso, a nulidade por excesso de pronúncia (artigo 674.º, n.º 1, alínea c) do CPC), em virtude do adicionamento fático empreendido pela Relação, a qual se reconduz a um vício formal, em sentido lato, traduzido em “error in procedendo” ou erro de atividade que afeta a validade do Acórdão recorrido; 35) O quadro factual relevante em causa e que permaneceu intacto pela Relação, nunca permitiria a alteração da qualificação jurídica das partes e do Tribunal de 1.ª instância, pois na Sentença de fls., que se manteve intocável nesta parte, entendeu-se o seguinte: “2.2. Factos não provados. Não se provou a demais factualidade alegada nos autos, designadamente a seguinte, com interesse para a decisão da causa: (…) Se o referido imóvel tivesse sido entregue à autora, desde, pelo menos, a data de 29 de setembro de 2008, aquele poderia ter sido colocado no mercado de arrendamento, através de imobiliárias especializadas, mais vocacionadas para essa atividade comercial, podendo obter, desde aquela data até à data de hoje (Novembro de 2021), o rendimento de 59.045,00 € (cinquenta e nove mil e quarenta e cinco euros)” (pp. 6 e 7 da Sentença), porque “2.3.2. FACTUALIDADE NÃO PROVADA. Relativamente ao acervo factual que não se mostra assente, cumpre apenas referir que não foram carreados para os autos quaisquer elementos, designadamente de ordem documental e testemunhal, que permitissem ao Tribunal concluir que a factualidade em apreço ocorreu” (p. 9 da Sentença); 36) O Tribunal de 2.ª instância, agindo inacreditavelmente com criatividade violadora de direito probatório material e processual, decidiu alterar tais factos não provados para considerá-los, afinal, como provados, fazendo tábua rasa do justificado entendimento prolatado pela 1.ª instância, sendo certo que as Rés, citadas, impugnaram a matéria alegada pela Autora e documentos juntos, incluindo o documento n.º 5 em causa; 37) Trata-se de um documento meramente particular que foi impugnado e que terá sido emitido para efeitos meramente indicativos (assim mesmo consta do documento “Declaração para efeitos meramente indicativos”), não tendo, assim, a virtualidade de constituir prova suficiente para a alteração da decisão da matéria de facto, como teria a prova pericial, nunca olvidando que tal documento foi impugnado, urge, ainda, relevar que a força probatória do documento particular circunscreve-se no âmbito das declarações que nela constam como feitas pelo respetivo subscritor, todavia, daí não resulta que os factos nelas compreendidos se tenham de considerar como provados, maxime quando sobre os mesmos incida prova testemunhal ou outro meio de prova suscetível de contradizer as referidas declarações incorporadas no documento, o que sucedeu no presente caso; 38) O facto de a Relação ter assim procedido, no Acórdão recorrido, de forma genérica e infundada, numa única e infundada frase com 13 (treze) palavras, onde se fez constar apenas o seguinte: “relativamente à qual não se vê qualquer razão para ser posta em causa” (p. 23 do Acórdão), o que não se pode conceder; 39) Pelo Tribunal da Relação não foram apresentadas razões objetivas para contrariar a decisão da matéria de facto proferida cabalmente e justificadamente pelo Tribunal de 1.ª instância sendo certo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efetuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, o que não ocorreu no presente caso; 40) Fica claro, a partir da correta análise da prova produzida, bem como da correta subsunção das normas ao caso, efetuadas pelo Tribunal de 1ª instância, que o Tribunal da Relação alterou a decisão da matéria de facto sem qualquer segurança, sem suporte probatório, e sem fundamentação fática e jurídica, violando frontalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração consagrados, tendo a alteração da matéria de facto sido efetuada pela Relação em clara violação de direito processual e violação de direito probatório material, constitutivas de fundamento de Recurso de Revista nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea b) e do artigo 674.º, n.º 3, ambos do CPC; 41) DA VIOLAÇÃO DE LEI SUBSTANTIVA E PROCESSUAL E CLARO ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS: No Acórdão recorrido entendeu-se que “se não tiver sido fixado prazo certo (como no caso em decisão não foi) (…) se o empréstimo tiver sido para uso determinado, o comodatário deve restituí-la logo que o uso finde” (p. 26) e que “No caso em apreço, os contratantes não convencionaram prazo certo para a restituição” (p. 30), julgando como incerto o caráter dos beneficiários do comodato, o que não se pode conceder; 42) 6-A- Do caráter certo dos beneficiários do comodato: entendeu a Relação que os beneficiários do comodato sub judice são incertos, o que contradiz, em tudo, não só a factualidade apurada e consolidada na Sentença de fls., como contradiz o próprio texto do Acórdão recorrido, pois os beneficiários são certos, tratando-se do falecido comodatário (DD), e as Rés (sua mulher e filha sobrevivas), os quais constituíam o agregado familiar para o qual se pretendia garantir uma habitação, uma casa de família; 43) O próprio Acórdão do TRE recorrido faz constar que “não podemos afirmar que apenas o falecido fosse o comodatário, pelo que não cremos que tenha ocorrido a caducidade” (p. 30), o que implica a vigência do contrato de comodato mesmo após a morte de um dos beneficiários do comodato, visto que a filha do casal, BB (2.ª Ré), ainda continua viva e a viver no referido apartamento com a 1.ª Ré, sua mãe; 44) Se se entendesse que o contrato de comodato tivera sido apenas celebrado pela Autora e o falecido comodatário – o que não se concede, sendo apenas situação meramente hipotética que se coloca, por mero dever de patrocínio – sempre a posição contratual detida pelo falecido comodatário se teria transmitido às herdeiras, ou seja, às Rés, ficando, mais uma vez, demonstrada a aleatoriedade e incongruência que caracteriza o texto do Acórdão recorrido e as suas dispersas ideias que em nada sustentam a tamanha alteração fática e jurídica empreendida pela Relação, fundamentos do recurso; 45) –6-B- Do uso determinado do imóvel comodatado: O conceito de “uso determinado” patente no Código Civil, no âmbito do contrato de comodato, encontra-se preenchido no presente caso, ao contrário do que a Relação veio entender no Acórdão recorrido, em violação da lei substantiva, pois no contrato de comodato sub judice, foi determinado um concreto uso, tendo-se entendido, e bem, no Acórdão recorrido o seguinte: “Note-se que, o imóvel foi cedido ao agregado para sua utilização temporária como habitação e casa de família” (p. 28); “resulta que tinha por “destino” a habitação do agregado” (p. 29); “envolve a confirmação de existência de um uso especificamente acordado e com incidência familiar” (p. 29); 46) Também a Sentença de fls. foi clara nesse sentido: “o objetivo primordial foi permitir que familiares próximos do representante da autora habitassem a fração dos autos enquanto não fosse construída a moradia mencionada nos pontos 6 e 9 da factualidade assente. Tratava-se de uma construção, aliás, que visava atingir uma finalidade de natureza igualitária, ou seja, o filho, entretanto falecido, do representante da autora iria beneficiar de uma moradia, tal como tinha acontecido com os seus irmãos, igualmente descendentes (filhos) do referido representante legal (gerente)” (pp. 12 e 13); 47) A necessidade que o comodato visa satisfazer encontra-se delimitada, em termos temporais e para tal basta ler o próprio Acórdão recorrido que, mais uma vez, se contradisse: “resulta do contrato que, tal uso não seria ilimitado, mas duraria apenas até à construção, pela pelo pai do falecido de uma moradia para o agregado” (p. 29 do Acórdão recorrido); 48) Não se compreende como a Relação veio considerar como não determinado o uso do imóvel urbano em causa, pois bem se sabia (e continua a saber), no presente caso, por quanto tempo vai durar, não podendo haver-se por concedido o uso do mesmo por tempo indeterminado, pois o uso determinado da coisa comodatada sub judice foi, sim, expresso de modo claro, e continha em si a definição do tempo de uso, razão pela qual deverá ser dado provimento ao Recurso revogando-se o Acórdão ora recorrido na parte ora recorrida, na qual subjaz uma clara violação de lei substantiva, o que se requer; 49) 6C – Do prazo certo fixado: No Acórdão recorrido prolatou-se a seguinte interpretação equívoca de lei substantiva, em termos absolutamente infundados, relativamente ao contrato de comodato sub judice: “Ainda que tendo sido celebrado sem prazo” (p. 29), o que não se pode conceder; 50) Delimitou-se claramente a necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, sendo certo que, através de prova testemunha produzida, desde logo ficou patente que em um ano / um ano e meio, cerca de 2009, a construção da casa, que consubstancia a condição a que a Autora se obrigou, ficaria concluída, sendo certo que a Autora já tinha em mãos a necessária autorização camarária para o efeito, não se compreendo que no Acórdão recorrido se tenha entendido, equivocadamente, que: “atenta a natureza temporária que cremos estar presente no caso dos autos, mas inexistindo uma delimitação temporal expressa e clara mas antes incerta” (p. 31), pois existia um período temporal delimitado expresso e claro, e não incerto: “resulta do contrato que, tal uso não seria ilimitado, mas duraria apenas até à construção, pela pelo pai do falecido de uma moradia para o agregado” (p. 29 do Acórdão recorrido); 51) Fez mal a Relação ao apoiar-se no Acórdão de STJ, de 15.12.2011, Processo n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1, pois de longe se trata de uma situação análoga, designadamente em virtude de: a) se debruçar sobre a manutenção do usufruto pretendido por doadores como condição para a doação; b) de se debruçar sobre a manutenção do uso sem subordinação a qualquer prazo e não sobre o comodato; c) de se debruçar sobre a posse fundada em contrato verbal constitutivo de usufruto; d) de se debruçar sobre um caso no qual não fora convencionado um qualquer prazo para restituição, nem fora determinado o uso da coisa; 52) O prazo foi fixado no âmbito do comodato sub judice, correspondendo este ao momento em que findaria a construção, pela Autora, de uma casa para habitação do marido da Ré, entretanto falecido, da 1.ª Ré e da filha do casal, 2.ª Ré, sendo o prazo para a entrega do imóvel urbano em causa, a construção, pela Autora construtora, de uma casa destinada à habitação da 1.ª Ré, do marido desta, entretanto falecido, e da filha do casal, 2.ª Ré; 53) O contrato do comodato sub judice só findará com o cumprimento, por parte da Autora comodante, da condição a que ela mesma se submeteu, pelo que só após esse momento é que se imporá às Rés comodatárias a obrigação do imóvel em causa, nos termos do disposto no artigo 1135.º, alínea h) do CC, logo, resultando do n.º 1, do artigo 1137.º do CC que a restituição da coisa não carece de interpelação “se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição, mas esta foi emprestada para uso determinado”, havendo a fixação de prazo certo como houve no presente caso, a restituição apenas se impõe, findo o contrato, conforme resulta da conjugação deste preceito com o artigo 1135.º, alínea h) do CC; 54) A restituição do imóvel apenas se imporá no momento em que o contrato de comodato findará, ou seja, ocorrido o término do prazo certo, o qual só sucederá mediante o término da construção de uma casa., razão pela qual deverá ser dado provimento ao Recurso, revogando-se o Acórdão ora recorrido na parte ora recorrida, na qual subjaz uma clara violação de lei substantiva, o que se requer; 55) 6D – Da estipulação de uma condição resolutiva totalmente desconsiderada pela Relação: Sem prescindir, sempre haveria um facto essencial julgado como provado e já consolidado, porque transitado em julgado, o qual determinaria a improcedência da presente ação e a procedência da Reconvenção: existiu o indubitável estabelecimento de uma condição resolutiva, pela própria Autora, a qual não pode ser olvidada, como foi no Acórdão recorrido; 56) Entendeu-se, no Acórdão recorrido, que a necessidade de proteção familiar extensível à casa objeto do contrato de comodato “implica a ponderação de várias circunstâncias inerentes ao contrato e ao trem de vida do agregado” (p. 29), mas depois olvida a circunstância mais gritante do contrato sub judice: foi estabelecida contratualmente uma condição, a qual, inclusive, impediria a perpetuação das relações em causa e uma condição estabelecida pelo próprio representante legal da Autora e que só dele dependia “o prazo de comodato foi condicionado a um acontecimento (…) dependente da vontade e acção de alguém que era também representante da própria comodante” (p. 30), não podendo entender-se que às Rés é que poderá ser imputado o facto de o contrato de comodato se prolongar por um tempo maior do que o inicialmente previsto, sem incorrer em clara violação da lei substantiva e processual e ainda em berrante erro na apreciação das provas; 57) Na própria Sentença de fls., consolidada quanto a esta matéria, consta que “não se pode olvidar que a autora não observou a condição que se encontrava estabelecida no contrato de comodato” (p. 13), pelo que o contrato de comodato sub judice foi subordinado, pela própria Autora, a uma concreta condição resolutiva em termos de prazo, a aceção do artigo 270.º do CC, logo, a Relação, ao decidir como decidiu, violou frontalmente a norma disposta no artigo 270.º do CC e ainda a matéria factual já consolidada, fazendo-lhe clara tábua rasa, o que não se pode conceder e mesmo que se entendesse que no contrato de comodato tivesse sido convencionado um prazo certo para a restituição – situação meramente hipotética, que ora se coloca por mero dever de patrocínio, mas sempre sem prescindir –, a jurisprudência tem sustentado o artigo 1137.º, n.º 2 CC não se aplicaria, por não abranger esse tipo de casos; 58) Deverá ser dado provimento ao Recurso, revogando-se o Acórdão ora recorrido na parte ora recorrida, na qual subjaz uma clara violação de lei substantiva e processual e ainda um frontal erro na apreciação das provas produzidas, o que se requer; 59) 6E–Do erro de aplicação de lei substantiva: no Acórdão entendeu-se equivocadamente que a Autora teria o direito de exigir a qualquer momento a restituição do imóvel, com base no normativo errado constante no artigo 1137.º, n.º 2 CC (que implica estar em causa a não fixação de prazo e a não determinação do uso do imóvel, o que não sucedeu no caso), nele se fazendo constar que “não se estipulando prazo, nem se delimitando a necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, o comodante tem direito a exigir, em qualquer momento, a restituição do imóvel, denunciando o contrato, ao abrigo do disposto no n.º 2 do citado art.º 1137º, do CC” (p. 26), logo, como vimos que não só foi determinado o uso do imóvel comodatado, como também foi fixado um prazo determinado para o mesmo, pelo que o artigo 1137.º, n.º 2 do CC nunca seria a norma de direito a aplicar ao presente caso; 60) Deverá ser dado provimento ao Recurso, revogando-se o Acórdão ora recorrido na parte ora recorrida, na qual subjaz uma clara violação na aplicação da norma aplicável, o que se requer; 61) 6F–Do abuso de direito da comodante: Entendeu-se, no Acórdão recorrido, que “atenta a natureza temporária que cremos estar presente no caso dos autos, mas inexistindo uma delimitação temporal expressa e clara mas antes incerta, o comodante poderá exigir em qualquer momento a restituição da coisa por não ser tolerável a sua subsistência indefinida” (p. 31), o que não se pode conceder, desde logo por a Relação apoiar-se num Acórdão cujo labor jurisprudencial não se aplica ao caso concreto; 62) Da provada existência de expressa entrega, para ocupação, do imóvel urbano em causa, destinado e autonomamente utilizável com a finalidade de habitação se conclui, sem dúvidas, que não se está perante uma situação de simples tolerância revelada por mera atitude de passividade da Autora no gozo do imóvel, não estando em causa uma manifestação de comportamentos de mera tolerância de que as Rés se tenham aproveitado, como previsto, designadamente, na figura da simples detenção ou posse precária, mas antes longe disso, pois a Autora autorizou a ocupação do imóvel urbano em causa, cedendo o gozo do mesmo, consentindo que fosse utilizado para o fim de habitação, deparando-nos com uma posição ativa por parte da Autora a encerrar uma declaração negocial, que se resolve na entrega do imóvel urbano para proporcionar o respetivo gozo, pelo que o enquadramento jurídico realizado pela Relação nada tem a ver, assim, com o consolidado quadro fático dos autos; 63) Os termos da subsistência do comodato sub judice foram definidos pela própria Autora comodante, sendo certo que, entender que ela não pode ser prejudicada por uma qualquer “intolerável subsistência”, como a Relação entendeu, sempre consubstanciaria um venire contra factum proprium, sendo surpreendente observar o entendimento vertido no Acórdão recorrido, que incoerentemente possibilita à Autora comodante exigir a restituição do imóvel contra o que por ela própria foi estipulado; 64) Não pode a Autora definir os termos da subsistência do comodato, condicionando-a a um ato que só da Autora depende, para depois alegar que o comodato subsiste, de forma para si intolerável, indefinidamente, olvidando-se que, se o comodato persiste, tal se deve apenas à sua inércia em cumprir com a condição que a própria Autora estabeleceu, pelo que não se pode considerar que a subsistência do comodato é intolerável à Autora, desde logo pelo facto de a subsistência do comodato se encontrar única e exclusivamente dependente do cumprimento da condição a que a própria Autora se obrigou, sendo certo que a 1.ª Ré cumpriu a sua parte, providenciando pela doação do terreno rústico identificado nos autos, no qual a casa prometida pela Autora seria construída; 65) As Rés comodatárias demonstraram que fariam a doação do prédio rústico se viesse a ser construída, pela Autora comodante, uma casa (factos provados n.ºs 7 e 8), tendo ainda demonstrado que a Autora se vinculara à condição de promessa de construção de uma moradia para habitação do agregado familiar em causa (factos provados n.ºs 6 e 9), tendo sido estes factos considerados provados e já se encontrando os mesmos consolidados na nossa ordem jurídica, dúvidas não existem de que a boa-fé das rés comodatárias foi traída, sendo certo que seria manifestamente violador dessa boa-fé o entendimento segundo o qual, uma vez doado o prédio rústico, e uma vez estabelecida, mas não cumprida, a condição da construção da casa, as Rés pudessem ver-se obrigadas a restituir o imóvel comodatado; 66) a própria Sentença de fls. é muito clara nesse sentido: “Um entendimento em sentido contrário, constituiria um estímulo ao inadimplemento contratual e à invocação, por parte do contraente faltoso, do apontado vício, precisamente com o objectivo de evitar o cumprimento de uma obrigação que, presume-se, foi contraída de boa fé. Aliás, deve dizer-se para concluir, a postura da autora, nesta matéria, poderá enquadrar-se dentro do regime previsto no art. 334º do Código Civil (abuso do direito)” (p. 13); 67) A figura do abuso de direito consagrada no artigo 334.º do CC sempre seria impeditiva para a Autora comodante vir exigir a restituição do imóvel, pois tal restituição constituiria o exercício ilegítimo do direito no quadro do artigo 1137.º do CC, antes constituindo a Autora comodante na obrigação de indemnização pela exigência ilícita de restituição, dada a sua atuação que sempre configuraria um abuso de direito, sendo que, no caso, a norma a afastar será, como do anteriormente expendido resulta, a do citado n.ºs 1 e 2, do artigo 1137.º do CC, que defere à Autora a faculdade de, a todo o tempo, denunciar a relação de comodato; 68) A Autora e as Rés outorgaram um contrato de comodato sob condição resolutiva, obrigando-se a primeira a entregar às segundas o imóvel urbano em causa, para dele se servirem, com a obrigação de a restituir apenas e só no momento em que a Autora concretizasse a construção de uma casa, pelo que, a conduta passada da Autora, servindo de referência à conduta sua atual, e sob valoração negativa, deslegitima esta última conduta, ofendendo de tal modo os valores da boa-fé, da honestidade e lealdade, que o direito de denúncia deve ter-se como perdido ou precludido; 69) Está em apreciação uma declaração da Autora no sentido de atuar de determinada forma ou uma manifestação de intenção de não praticar certo ato, agindo depois em termos contrários ao declarado ou manifestado, logo, estar-se-á perante a figura do “venire”, sendo que, sem prescindir, sempre poderia entender-se que se está perante a subespécie denominada “supressio”; 70) Ao não cumprir a condição a que se obrigou, a Autora impediu, contra as regras da boa-fé, a verificação da condição resolutiva, devendo a mesma ter-se por não verificada, não sobrevindo, em consequência, a resolução ou denúncia do contrato de comodato, pelo que, tendo presente o quadro fático consolidado dos autos, deteta-se que o comportamento da Autora, objetivamente, isto é, tendo por destinatário um sujeito que use de cuidado normal como as Rés, mostra-se idóneo e adequado a criar nas Rés a aparência de que jamais viria a exercer o seu direito de pôr termo ao comodato enquanto não construísse a casa a que ela própria se obrigou a construir; 71) Existe base factual mais do que suficiente na qual se pode fazer assentar a violação, pela Autora, de fundadas expectativas, de investimento na confiança, que as Rés criaram com o estabelecimento da condição em causa e com o decurso do tempo, pelo que, não tendo a Autora cumprido a condição a que obrigou, fica precludido o exercício do seu alegado direito de pôr termo ao contrato de comodato, ainda para mais decorrido tão longo prazo de tempo, por claramente contrariar as regras da boa fé, devendo o STJ, à semelhança do que entendeu o tribunal de 1.ª instância, declarar que a reação da Autora assenta no abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pugnando pela correta interpretação, aplicação e determinação das normas aplicáveis ao presente caso, razão pela qual deverá o presente Recurso ser admitido, revogando-se o Acórdão ora recorrido na parte recorrida; 72) 6G – Da exceção de não cumprimento: ficou demonstrado que as Rés comodatárias fariam a doação do prédio rústico se viesse a ser construída, pela Autora comodante, uma casa (factos provados n.ºs 7 e 8), tendo ainda demonstrado que a Autora se vinculara à condição de promessa de construção de uma moradia para habitação do agregado familiar em causa (factos provados n.ºs 6 e 9), logo, foi convencionada a obrigação de restituição do imóvel comodatado, dependente da construção de uma casa pela própria comodante, pelo que o termo do contrato de comodato só ocorreria no momento da verificação de tal condição, o que, até à data ainda não se verificou; 73) Sempre seria lícito às Rés o recurso à exceção de não cumprimento do dever de sair do imóvel enquanto a Autora não cumpre a condição a que ela própria se submeteu, nos termos dispostos no artigo 428.º do CC, podendo as Rés contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade da Autora, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa, constituindo a existência de um contrato de comodato um dos meios, previstos no nosso ordenamento jurídico, que obsta à entrega da coisa pelo seu detentor ao seu proprietário; 74) 6H – Da ineficácia da interpelação com a citação, em virtude do incumprimento da condição estipulada: No Acórdão recorrido entendeu-se que “antes ocorreu uma interpelação, que se exige peremptória e inequívoca (…) pelo menos com a citação nos autos ocorreu essa interpelação para a restituição. Em consequência deve proceder o pedido de restituição” (p. 32), o que não se pode conceder; 75) Não se verifica o pressuposto para a restituição (artigo 1137.º CC), pois pelas partes foi determinado o momento a partir do qual cessariam os efeitos do contrato de comodato: a conclusão da construção, pela Autora, de uma moradia para habitação do agregado familiar das Rés, logo, não tendo ainda sido alcançado esse momento de cessação, não se verifica o pressuposto legal para que a Autora (comodante) possa exigir às Rés (comodatárias) a restituição do dito imóvel por cessação do contrato (à luz do artigo 1137.º CC), já que não estamos na presença da conhecida figura do comodato precário; 76) O princípio pacta sunt servanda deve ser observado por ambas as partes, pois, os acordos devem ser cumpridos, podendo as partes, tal como ocorreu no presente caso, convencionar que os efeitos do negócio jurídico cessem a partir de certo momento, nos termos do disposto no artigo 278.º do CC; 77) Não se esgotou o período temporal estabelecido para o uso e tratando-se de um contrato com prazo delimitado, e para uso de habitação familiar, não há obrigação de restituir o imóvel, enquanto continuar a ter esse uso, não sendo aplicável nem o n.º 1 do artigo 1137.º do CC (por não se tratar de um comodato com prazo incerto), nem o n.º 2 do artigo 1137.º do CC (por não se tratar de um comodato com prazo incerto e com uso indeterminado), sendo certo que o contrato de comodato sub judice foi constituído com prazo certo e com afetação da coisa para uso determinado, pelo que não é subsumível ao disposto no artigo 1137.º do CC, quer o seu n.º 1, quer o seu n.º 2 e sendo certo que a instauração da presente ação não constituirá qualquer interpelação eficaz que tenha a virtualidade de fazer proceder o pedido de restituição do imóvel, desde logo, em virtude da condição estipulada e ainda não incumprida pela comodante, a qual não pode ser olvidada em uma análise correta e integral dos factos em causa; 78) Não há um qualquer direito a indemnização da Autora, devendo considerar-se legítima a ocupação das Rés do imóvel em causa (independentemente de se tratar de ocupação anterior à presente ação, pi de se tratar de ocupação posterior à presente ação), face à condição que ainda não se viu por cumprida por parte da Autora e não há, por parte das Rés, um qualquer dever de pagamento do valor de 350,00 € até à entrega efetiva do imóvel, valor que fora, aliás, impugnado nos autos; 79) A comodante Autora não tem o direito de exigir, a qualquer momento ou sequer com a presente ação, a restituição do imóvel, denunciando o contrato, podendo as Rés comodatárias, por força do sobredito comodato, recursar-se a abandonar o imóvel em causa, enquanto a condição não se verificar por cumprida por pare da Autora; 80) A interpretação e aplicação normativas contida no Acórdão recorrido não poderão subsistir, motivo pelo qual deverá o presente recurso ser recebido, dando-se provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão ora recorrido, consequentemente, julgar totalmente improcedente a presente ação e procedente a Contestação/Reconvenção, o que se requer; 81) AINDA DO RECURSO: no Acórdão recorrido não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, sofrendo o Acórdão recorrido de nulidade por violação do disposto nas als. c) e d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, nulidade que aqui se invoca, com todos os efeitos legais; 82) No Acórdão recorrido não se indicam factos concretos verdadeiramente suscetíveis de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão das Recorrentes, não tendo a Relação fundamentado de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento, violando-se, no Acórdão recorrido, o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º do CPC, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula, tanto mais, que o direito das Recorrentes é um direito legal e constitucional; 83) O Acórdão recorrido não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada, também violando o disposto no artigo 204.º da CRP, uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”; 84) O Acórdão recorrido viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13.º e 20.º, viola, ainda, o disposto no artigo 202.º da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” e neste caso essa circunstância não se verifica; 85) O Tribunal recorrido limitou-se a emitir uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: a) A prova produzida em Julgamento; b) Os elementos constantes no processo; c) A contraditoriedade da matéria dada como provada e as conclusões vertidas no Acórdão recorrido; 86) O Acórdão recorrido tem de ser Revogado, porque não está devidamente fundamentado, tanto de facto como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 154º do C.P.C.: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e, nos termos do n.º 2 da mesma norma legal/processual: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados”, cometendo uma nulidade, a qual se invoca; 87) O Acórdão sob recurso violou: a) O disposto nos artigos 270.º, 278.º, 334.º, 428.º, 762.º, n.º 2, 1135.º, alínea h) e 1137.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil; b) O disposto nos artigos 154.º, 607.º, n.º 4, 615.º, 625.º, n.º 1, 662.º, 674.º, n.ºs 1 e 3, 682.º, n.º 2 do Código de Processo Civil; c) O disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa; d) Os princípios da oralidade, da imediação, da livre apreciação das provas; e) Os princípios da boa-fé e pacta sunt servanda.” A final pede a revogação do acórdão recorrido. * O MP em representação da Ré menor, acompanhou as alegações da 1ª Ré. * A A contra-alegou, pugnando, pela confirmação do acórdão recorrido. * Por acórdão em conferência proferido em 23.05.2024, o Tribunal da Relação pronunciou-se pela improcedência das nulidades arguidas pelas Recorrentes. * Factos julgados provados e não provados, na sentença com as alterações, introduzidas pelo acórdão recorrido, no ponto 9 e aditamento dos factos n.ºs 11 e 12: 1- A autora é proprietária do prédio urbano destinado a habitação sita em ..., n.º .. C), freguesia de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ............-C e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo ..60. 2- Encontra-se registada a favor da autora a aquisição da propriedade ao imóvel referido em 1. 3- As rés ocupam o mencionado prédio. 4- A ré AA era casada com um filho do gerente da autora, tendo vivido com este na fração objeto da presente ação. 5- As rés são respetivamente a viúva e a filha do falecido DD filho do sócio gerente da aqui autora. 6- O sogro e avô respetivamente das rés, Sr. CC prometeu ao falecido filho DD, marido da 1ª Ré e a esta última que lhes daria uma casa, a construir , tal como já havia feito aos outros filhos. 7- Sugerindo que o pai da 1ª ré lhe doasse um terreno para este efeito. 8 - O que este cumpriu. 9- O sogro e avô das aqui rés, disse ao seu falecido filho e às aqui rés que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito. 10- Devido a desavenças familiares não concretamente apuradas surgidas entre a 1ª ré e o sogro este não construiu a casa/moradia a que se alude em 6 e 9 conforme havia sido prometido em vida do falecido DD. 11 - O falecido DD era sócio da autora e as rés são herdeiras da sua quota na sociedade até 04.02.2020. 12 - O valor de renda mensal para o imóvel em causa, atualmente, ronda os 350,00 euros. Não se provou a demais factualidade alegada nos autos, designadamente a seguinte, com interesse para a decisão da causa: A - Após se dar o óbito do cônjuge da ré -filho do gerente da autora- a autora solicitou às rés que precedessem à entrega do imóvel vazio de pessoas e bens. B - Se o referido imóvel tivesse sido entregue à autora, desde, pelo menos, a data de 29 de setembro de 2008, aquele poderia ter sido colocado no mercado de arrendamento, através de imobiliárias especializadas, mais vocacionadas para essa atividade comercial, podendo obter, desde aquela data até à data de hoje (novembro de 2021), o rendimento de 59.045,00 (cinquenta e nove mil e quarenta e cinco euros). C - Depois de o sogro da 1ª ré ter mandado executar um projeto de construção duma moradia e quando a casa estava para começar a ser construída, veio a falecer repentinamente o marido da 1ª ré e filho do representante da autora.. D - Quando tal sucedeu, o sogro da 1ª ré, na qualidade de representante da autora, propôs-lhe colocar o apartamento em nome da sua neta BB, aqui 2ª ré. E - O representante da autora disse sempre ao falecido filho e às ora rés que poderiam viver no apartamento dos autos até ao final dos seus dias . Fundamentação As questões suscitadas pelas Recorrentes, nas extensas conclusões, podem sintetizar-se no seguinte: 1- Se o Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 662º n.º 1 e 674º n.º 1 alíneas b) e c) do CPC ao alterar a factualidade julgada provada no ponto 9 ao aditar a factualidade constantes dos pontos 11 e 12 ( conclusões 15ª a 40ª, sendo irrelevantes as conclusões 1ª a 14ª, por não suscitarem qualquer questão); 2- Se o acórdão recorrido considerou indevidamente que os beneficiários do contrato de comodato eram incertos, que o uso do imóvel não estava determinado e não tinha prazo certo, em violação do disposto nos artigos 1137º n.º 1 e 1135º al. h) do Código Civil ( conclusões 41ª a 54ª); 3 -Se o acórdão recorrido desconsiderou a condição resolutiva estabelecida no contrato de comodato ( conclusões 55ª a 58ª); 4 - Se o acórdão recorrido incorreu em erro ao aplicar o artigo 1137º n.º 2 do Código Civil ( conclusões 59ª e 60ª); 5 - Se a Autora está a agir em abuso de direito ( conclusões 61ª a 71ª); 6 – Se há fundamento para as Rés recusarem entregar o prédio, com fundamento na exceção do não cumprimento, nos termos do artigo 428º do CC ( conclusões 72ª e 73ª); 7 – Se as Rés não estão obrigadas a restituir o imóvel, nem a indemnizar a Autora (conclusões 74ª a 80ª); 8 – Se o acórdão recorrido padece das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 615º do CPC e se violou o disposto nos artigos 13º, 20º. 202º n.º2 , 204º e 205º n.1 da Constituição ( conclusões 81ª a 86ª). * I .Se o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 662º n.º 1 e 674º n.º 1 alíneas b) e c) do CPC ao alterar a factualidade julgada provada no ponto 9 e ao aditar a factualidade constantes dos pontos 11 e 12. A disciplina processual no respeitante à reapreciação, por parte do Tribunal da Relação, da decisão de facto impugnada comporta numa das suas vertentes fundamentais a análise crítica da prova, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, n.º 1, e nos termos dos artigos 607.º, n.º 4 e 5, aplicável, com as necessárias adaptações, aos acórdãos da Relação por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC. É atualmente entendimento dominante, como decidiu o acórdão do STJ de 25.05.2023, (proc. n.º 1950/20.3T8VFR.P1. S1, relatora Catarina Serra). que “nesta reapreciação, a Relação, goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais. Como tal, a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levam a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância.” (cf. no mesmo sentido acórdão do STJ de 04.07.2023, proc. n.º 7997/20.2T8SNT.L1. S1, relatora Maria Clara Sottomayor e os nele citados). . Entendemos que o n.º 4 do artigo 607º do CPC não exige uma fundamentação minuciosa, como defendem alguns processualistas, como Lebre de Freitas em “A Ação Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013”, 3ª edição, pág. 316 e Teixeira de Sousa, em “Estudos Sobre O Novo Código Processo Civil”, pág. 348. Neste sentido, o acórdão do STJ de 07.09.2017, proferido no processo n.º 59/09.2TVSB.L1.SI, relator Tomé Gomes, decidiu: “ No âmbito dessa apreciação ( por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada), dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal. Com efeito, o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.” Assim sendo, na reapreciação da prova efetuada no Tribunal da Relação, entendemos ser suficiente que o acórdão se pronuncie sobre os meios probatórios indicados pelo recorrente e recorrido e explique, de forma clara, as razões por que manteve ou alterou a decisão da 1ª instância, quanto à factualidade impugnada. Os julgadores não têm de fazer uma fundamentação exaustiva, nem rebater todos os argumentos apresentados pelas partes, o acórdão tem é de responder a todas as questões de facto suscitadas. Por conseguinte, apenas se justifica a anulação do acórdão da Relação, por não cumprimento dos artigos 662 n. º1 e 607º n.º 4 do CPC, quando da sua fundamentação resulte que não reavaliou os meios de prova indicados pelas partes e/ou não reponderou as questões de facto suscitadas. Por outro lado, a invocação do “mau uso” do citado artigo 662º do CPC, não pode ser um meio de contornar, a regra, segundo a qual, o STJ não interfere na fixação da matéria de facto. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ. Em conformidade, o n.º 1 do artigo 682º do CPC, estipula: “Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.” E o n.º 2, acrescenta: “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º” Por outro lado, o n.º 3 do art.º 674.º do CPC, estabelece: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Como decidiu o acórdão de 04.07.2023, Revista n.º 2991/18.6T8OAZ.P1.S1, relator Jorge Leal, “ o STJ apenas pode interferir na decisão da matéria de facto, se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogicidade ou assente em factos não provados (neste sentido, cf., entre outros, acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A. E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B. G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2. S1).” No caso concreto, a sentença da 1ª instância, tinha julgado provado sob o n.º 9 o seguinte: O sogro e avô das aqui rés, na qualidade de representante da autora, disse sempre ao seu falecido filho, e às aqui rés, que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar, poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito. A motivar esta factualidade julgada provada consta da sentença: “Pontos 6, 7, 8, 9 e 10 – Resultam da conjugação dos seguintes elementos probatórios: - Declarações prestadas pelo representante da autora (CC), o qual confessou que a sociedade sua representada “emprestou” o imóvel a que se reporta o presente litígio, confissão, no entanto, que não cobre toda a factualidade carreada para os autos por parte das rés, dado que o declarante referiu que a mencionada cedência tinha um limite temporal (um ano/ um ano e meio), até que o seu falecido filho construísse uma casa no terreno disponibilizado para o efeito. A matéria referente ao limite temporal não pode ter-se como assente, dado que não foi trazido ao presente dissídio qualquer elemento probatório idóneo que nos permita concluir que a cedência (gratuita) tinha subjacente o prazo a que o representante da autora fez referência no âmbito das declarações que prestou. - Depoimentos prestados pelas testemunhas: a) FF, sócio da autora e cunhado da 1ª ré, o qual também mencionou a existência da cedência gratuita a que temos vindo a fazer alusão; - EE, o qual demonstrou ter um conhecimento directo e detalhado da factualidade vertida nos pontos 6, 7, 8, 9 e 10, conhecimento que lhe advém, em particular, da circunstância de ser pai da 1ª ré e ter cedido (doado) à sua filha (e genro) o terreno onde iria ser construída a moradia que o representante da autora prometeu executar. Esclareceu, de forma serena e coerente, os contornos do negócio que então foi estabelecido, designadamente quando à cedência do aludido terreno e à promessa de construção assumida pelo representante da autora, tendo o Tribunal formado a convicção segura de que os factos ocorreram da forma que o depoente relatou em sede de audiência final.” O acórdão recorrido alterou a factualidade constante do ponto 9, impugnada na totalidade na apelação, eliminando o segmento “na qualidade de representante da autora”, mantendo-a no mais, com a seguinte motivação: “A recorrente defende que tais factos ( 6,7,8 e 9) devem passar a não provados e o facto 10 parcialmente não provado, por ser isso que resulta do depoimento de FF (sócio da recorrente e irmão do falecido) e do depoimento do representante legal da A. pai do falecido. Procedemos à audição dos depoimentos e constata-se que sendo certo – como refere a recorrente – que tal matéria não é admitida nos depoimentos referidos, resulta, porém, a mesma do depoimento de EE, pai e avô das recorridas e é nesse depoimento que se apoia – e bem, no nosso entender (à excepção da qualidade de representante do facto 9º) -a convicção do tribunal, referindo que “Esclareceu, de forma serena e coerente(…) tendo o Tribunal formado a convicção segura de que os factos ocorreram da forma que o depoente relatou em sede de audiência final”, ou seja, o tribunal atribuiu credibilidade e convenceu-se desta versão dos acontecimentos, fazendo uso do seu poder de livre apreciação da prova. Não há no nosso entender, qualquer razão para afastar esta convicção, pois, para além do facto da mesma beneficiar da imediação da prova, comprovámos a credibilidade coerência e serenidade do depoimento em causa. Com uma excepção, porém: A relativa à qualidade em que terá agido o sogro e avô das aqui rés quando disse que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito e quanto á presença da neta que na altura era menor. Não há qualquer prova de que, o tenha feito, na qualidade de representante da autora, nem se sabe se a neta estava presente na reunião, pelo que se retira tal expressão de referido facto.” Da transcrita fundamentação do acórdão recorrido, na parte relativa à alteração do ponto 9 dos factos provados resulta que o Tribunal da Relação de Évora no uso dos poderes que a lei lhe atribui, reapreciou a prova produzida indicada pelo A /apelante e procedeu ao exame critico das provas em causa, ainda que de forma sucinta. A Recorrente enfatiza a motivação da sentença recorrida, salientando a alegada “confissão” do CC, como representante da A e ainda o depoimento da testemunha EE. Em primeiro lugar, importa referir, que é atualmente pacífico, na jurisprudência do STJ que a reapreciação, por parte do Tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, antes implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas. Não há, pois, qualquer fundamento legal para o STJ, censurar o acórdão recorrido, por este ter alterado a factualidade provada, em detrimento dos princípios da oralidade e imediação e como se referiu, essa alteração não está limitada aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão do tribunal de 1ª instância, nos concretos pontos questionados. No caso, como se transcreveu, na sentença recorrida, consta que nas declarações prestadas pelo representante da autora (CC), este “confessou que a sociedade sua representada “emprestou” o imóvel a que se reporta o presente litígio (…) e que a mencionada cedência tinha um limite temporal (um ano/ um ano e meio), até que o seu falecido filho construísse uma casa no terreno disponibilizado para o efeito” e ainda que FF, sócio da autora e cunhado da 1ª ré, o qual também mencionou a existência da aludida cedência gratuita.” O Tribunal da Relação na motivação do recurso da decisão da matéria de facto refere que procederam à audição dos depoimentos, de FF (sócio da recorrente e irmão do falecido) e do depoimento do representante legal da A. e de EE, pai e avô das recorridas e apesar de terem dado credibilidade a este último depoimento que foi determinante para a convicção do Tribunal de 1ª instância, entendeu que não se fez qualquer prova relativa à qualidade em que terá agido o CC, sogro e avô das aqui Rés, quando disse que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito. Assim apesar de não o ter expressamente referido, da interpretação da motivação resulta que os Srs. Desembargadores ao avaliarem as declarações do representante da autora (CC) entenderam que ao contrário do que constava da sentença este não tinha “confessado” que agira na qualidade de representante da autora. Ora, analisadas as atas da audiência final, constatamos que em 21.09.2022, o representante da Autora prestou declarações de parte ( artigo 466º do CPC), na sequência de requerimento da sua mandatária aos factos constantes dos artigos 7º a 18º da petição. Posteriormente, na sessão de 26.10.2022, após a junção de dois documentos apresentados pelas Rés, em 27.09.2022, o Tribunal de 1ª instância ordenou que o representante da Autora prestasse novas declarações, o que ocorreu em 21.11.2022. Nessas atas não consta qualquer assentada, nos termos do artigo 463º do CPC. Do artigo 358º n.º 1 do Código Civil resulta que é essencial que o depoimento seja reduzido a escrito nos segmentos em que houver confissão do depoente, pois só deste modo se assegura que da mesma sejam retirados efeitos probatórios plenos, nos termos do artigo 358º n.ºs 1 e 4 do Código Civil ( cf. neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em CPC Anotado, Vol. I, pág. 526). Assim, ainda que nas declarações do representante da Autora este tenha “confessado” algum facto, a falta de redução a escrito dessa alegada confissão, devia ter sido arguida oportunamente pelas Rés, até ao final da audiência, em que foram prestadas as declarações. Das referidas atas nada consta, por isso, ainda que nas declarações de parte do representante da Autora, este tenha efetuado declarações confessórias, por não terem sido reduzidas a escrito, não têm força probatória plena contra a Autora e só podem ser valoradas livremente pelo Tribunal, nos termos do n.º 4 do artigo 358º do Código Civil (cf. neste sentido acórdão do STJ de 30.05.2013, processo n.º 2531/05.7TBBRG.G1.S1). Por conseguinte, as instâncias apreciaram livremente as declarações de parte do representante da Autora – CC. Por isso, ao contrário do que defendem as Recorrentes o acórdão recorrido não violou o artigo 674º n.º 1 al. b) do CPC, pois, apesar de referido na sentença recorrida, não consta dos autos, por meio da assentada exigida pelo artigo 463º do CPC, que o CC, tenha praticado os atos relatados no ponto 9, na qualidade de representante legal da A. Não pode, pois, o STJ alterar esse ponto, com fundamento em violação do artigo 358º n.ºs 1 e 4 do Código Civil. Quanto ao aditamento da factualidade constante dos pontos 11 e 12, importa referir, como escreve Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo CPC, 2ª edição, pág. 232, com a nova redação do artigo 662º n.º1 do CPC, que “ quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem disponíveis determinem uma solução diversa.” No ponto 11 consta: - “O falecido DD era sócio da autora e as rés são herdeiras da sua quota na sociedade até 04.02.2020” - a prova dessa factualidade decorre da certidão permanente da autora junta com a réplica em 20.03.2022, ou seja, está provada por documento com força probatória plena ( artigo 371º n.º 1 do Código Civil e artigo 75º do Código de Registo Comercial). Assim e tendo o Tribunal da Relação entendido que essa factualidade tinha relevância para a decisão e estando a mesma provada por documento autêntico, junto aos autos, é indiscutível, que não violou o disposto no artigo 662º n.º 1 do CPC, ao aditar essa factualidade. * Relativamente ao que consta do ponto n.º 12, o acórdão recorrido julgou provado: - O valor de renda mensal para o imóvel em causa, atualmente, ronda os 350,00 euros. A fundamentar essa factualidade, adiantou o seguinte: “declaração junta a fls. 5- vº, relativamente à qual não se vê qualquer razão para ser posta em causa.” A Recorrente sustenta que o acórdão recorrido, motivou essa factualidade de forma genérica e infundada e ao aditá-la cometeu a nulidade de excesso de pronúncia. Na sentença da 1ª instância foi julgada não provada, entre outra, a seguinte: - Se o referido imóvel tivesse sido entregue à autora, desde, pelo menos, a data de 29 de setembro de 2008, aquele poderia ter sido colocado no mercado de arrendamento, através de imobiliárias especializadas, mais vocacionadas para essa atividade comercial, podendo obter, desde aquela data até à data de hoje (Novembro de 2021), o rendimento de 59.045,00 € (cinquenta e nove mil e quarenta e cinco euros) (art. 13º da petição inicial). Na motivação o Tribunal de 1ª instância justificou a factualidade julgada não provada por não terem sido “carreados para os autos quaisquer elementos, designadamente de ordem documental e testemunhal, que permitissem (…) concluir que a factualidade em apreço ocorreu.” No recurso de apelação a Autora pugnava que a factualidade acima transcrita, que tinha sido alegada, no artigo 13º da petição, fosse julgada provada ( cf. conclusões 30ª a 36ª), concretamente nas conclusões 34ª e 35ª e nos documentos juntos com a petição (anexos 4 e 5). Note-se que no artigo 14º da petição, a A remetia para o que constava nos documentos juntos como docs. n.ºs 4 e 5. Ora a declaração em que se baseou o acórdão recorrido para julgar provado o que consta do ponto 12, corresponde ao documento junto com a petição n.º4, que constitui um documento particular, datado de 20.09.2021 emitido por um sócio -gerente de uma sociedade mediadora, denominada I..., Lda, em que declara “que para efeitos meramente indicativos o valor de arrendamento para o imóvel, sito no concelho ..., freguesia de ..., artigo matricial urbano ..60, fração autónoma designada pela letra C, tipologia tipo T2, com garagem e arrecadação nesta zona, sem ser mobilado, os valores para este tipo de imóvel rondaram os valores em 2005 a 2010 entre os 250€ (duzentos e cinquenta euros) e os 325€ (trezentos e cinquenta euros). Entre 2010 a 2015, de €300,00 (trezentos euros) a €350,00 (trezentos e cinquenta euros), e entre 2015 a 2021, seria de cerca de entre €350,00 (trezentos e cinquenta euros) a €400,00 (quatrocentos euros). A variação justifica-se com o estado do imóvel.” Assim, o acórdão recorrido ao julgar provado que o valor de renda mensal para o imóvel em causa, atualmente, ronda os 350,00 euros, não está a cometer a nulidade de excesso de pronúncia, pois a factualidade que julgou provada está contida, no alegado pela Autora nos artigos 13º e 14º da petição e esta factualidade foi expressamente impugnada no recurso da decisão da matéria de facto na apelação da Autora. De referir ainda que a circunstância do acórdão recorrido ter mantido a restante factualidade não provada inalterada, não acarreta qualquer contradição, pois, como é entendimento pacifico, se um determinado facto não se prova, tudo se passa como se o mesmo não tivesse sido sequer alegado, não sendo possível haver contradição entre factos julgados provados e factos julgados não provados (cf. neste sentido acórdão desta Relação do Porto de 16.04.1994, CJ, tomo III, pág. 235 e os acórdãos nele citados e Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, pág. 347). A alegação das Recorrentes que a referida declaração, documento particular, por elas impugnado, desacompanhado de outro meio de prova, era insuficiente para julgar provado a referida factualidade, não tem relevância. Como decidiu o acórdão do STJ de 02.11.2023, proferido no processo n.º. 8988/19.1T8VNG-B. P1.S1, desta 6ª secção, relator António Barateiro Martins, o que o STJ escrutina, numa revista com fundamento na violação dos artigos 662º n.º1 e 607º n.º 4 do CPC, é o errado uso dos poderes de reapreciação da matéria de facto e não a errada reapreciação da matéria de facto (por parte da Relação). Não podem ser invocadas, ao abrigo do controlo sobre “o uso (ou não uso) que a Relação fez dos poderes que lhe são concedidos", divergências relativamente ao julgamento de facto feito pela Relação, agindo esta ao abrigo do princípio da livre apreciação de meios de prova, seja esta a prova por declarações de parte, testemunhal, documental ou pericial, atuação essa da Relação que, nos termos do artigo 674.º n.º 3, 1.ª parte do CPC, é insindicável através do recurso de revista. Sendo o Tribunal da Relação livre na apreciação da prova documental, bem como nas declarações de parte, estando subtraído ao STJ reapreciar a matéria de facto (que a Relação julgou ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova), não pode escrutinar se o que foi dado como provado pela Relação foi ou não bem dado como provado e se corresponde à exata e correta apreciação da prova produzida, documental, testemunhal e declarações de parte, em que o tribunal recorrido se baseou para alterar a factualidade constante do ponto 9 e aditar a factualidade do ponto 12. Em suma, os meios de prova admissíveis para o Tribunal recorrido alterar a factualidade em causa ( pontos 9 e 12) estavam sujeitos à sua livre apreciação e apesar da motivação do acórdão recorrido quanto ao recurso da decisão da matéria de facto ser sucinta, no uso dos poderes que a lei lhe atribui, reapreciou a prova produzida relevante e procedeu ao seu exame critico, formando uma convicção autónoma relativamente à factualidade alterada e aditada nos referidos pontos. Improcedem ou são irrelevantes as conclusões 1ª a 40ª, não tendo o acórdão recorrido violado o disposto nos artigos 662º n.º 1 e 674º n.º 1 alíneas b) e c) do CPC. * II - As questões essenciais a decidir são a de saber se há ou não fundamento para condenar as Rés a restituir o imóvel e na hipótese afirmativa, a indemnizar a A. Passando a apreciar os diferentes fundamentos invocados pelas Recorrente. A primeira questão que se coloca, decorrente da alteração da matéria de facto, efetuada pelo Tribunal Recorrido, que o STJ não pode alterar, é a de saber a factualidade provada integra a celebração válida de um contrato de comodato celebrado entre a autora ( sociedade) e a Ré e seu o falecido marido. Como é sabido, as sociedades comerciais, gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem - art. 5.° do Código das Sociedades Comerciais. Consequência fundamental do reconhecimento da personalidade jurídica às sociedades comerciais é a existência de um novo sujeito de direitos e obrigações , distinto dos sócios e com um património separado dos patrimónios destes. Sendo o prédio reivindicado propriedade da autora, titular desse direito é a sociedade, não são os sócios. Tendo o acórdão recorrido julgado provado que o Sr. CC, não atuou na qualidade de representante da sociedade/autora, quando cedeu o imóvel em causa ao falecido marido da Ré e às Rés para neles habitarem, a título gratuito, carecia de legitimidade substantiva para celebrar o contrato de comodato, pois, pessoalmente não era titular de qualquer direito de gozo sobre o imóvel. Esta questão não se suscitou na sentença da 1ª instância, dado que nela se tinha julgado provado, que o referido CC, tinha agido na qualidade de representante da Autora e a sua fundamentação assenta no pressuposto da existência de um contrato celebrado entre a sociedade e o falecido marido e pai das Rés, que não se tinha extinguido, por ainda não ter ocorrido a condição acordada. Ora, o acórdão recorrido ao alterar a decisão da matéria de facto, concretamente no ponto 9, considerando que o referido CC, não agiu como representante da Autora, afetou todo o enquadramento jurídico da sentença recorrida, inviabilizando estar-se perante um contrato de comodato válido e eficaz. Como é entendimento pacífico, são dois os pedidos que integram e caracterizam a ação de reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e a restituição da coisa , por outro. O demandado poderá contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade do autor, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (cf. Pires Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado, Vol. III,” 2ª edição, pág. 116). A existência de um contrato de comodato constitui precisamente um dos meios, previstos no nosso ordenamento jurídico, que obsta à entrega da coisa pelo detentor ao seu proprietário. No caso, estando assente que a autora era a proprietária do imóvel, e que as Rés o ocupam competia-lhes provar a existência e validade do alegado contrato de comodato, que invocavam para recusar a restituição, nos termos dos artigos 1311º n.º 2 e 342º n. 2 ambos do Código Civil. Por isso, resultando da factualidade provada que a cedência do imóvel foi efetuada por quem não era titular de qualquer direito de gozo sobre o imóvel, esse contrato era ineficaz relativamente à autora e, por isso, não legitimava a detenção do prédio pelas Rés. O acórdão recorrido apesar de ter alterado a factualidade provada, continuou a efetuar o enquadramento jurídico dessa factualidade como tendo vigorado um contrato de comodato entre a autora e a ré e o seu falecido marido, tendo as questões suscitadas pelas Rés esse pressuposto. No entanto, ainda que se estivesse perante contrato de comodato válido entendemos que não assiste razão às Recorrentes. As Recorrentes sustentam, nas conclusões 42ª a 44ª, que o acórdão recorrido considerou indevidamente que os beneficiários do contrato de comodato eram incertos. No entanto, o acórdão recorrido limitou-se a afirmar que da factualidade provada não resulta que fosse apenas comodatário o falecido marido da Ré e aceitou implicitamente que as Rés também tinham essa qualidade. Caso tivesse decidido que o comodatário era apenas o falecido marido da Ré, também sócio da autora, com a morte do comodatário, o contrato caducava, como prevê o artigo 1141º do Código Civil, o que inequivocamente não foi aplicado pelo acórdão recorrido, sendo, pois, irrelevantes as considerações expendidas nas referidas conclusões 42ª a 44ª: O acórdão recorrido aplicou o disposto no artigo 1137º n.º 2 do Código Civil, que estipula: “Se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida”. Partindo do pressuposto que é inequívoca a vontade das partes de atribuir carácter temporário ao uso do imóvel, mas inexistindo uma delimitação temporal expressa e clara mas antes incerta, o comodante poderá exigir em qualquer momento a restituição da coisa por não ser tolerável a sua subsistência indefinida. Como refere, seguiu o entendimento defendido, com profundidade, pelo Ac. STJ de 15.12.2011, proc. 3037/05.0TBVLG.P1.S1, relator Salazar Casanova, que acompanha a posição maioritária da jurisprudência nele citada, segundo o qual a restituição mediante interpelação se impõe quando não foi convencionado prazo certo para a restituição nem determinado o uso da coisa. As Recorrentes defendem (conclusões 45ª a 48ª) que o conceito de “uso determinado” no âmbito do contrato de comodato, se encontra preenchido no caso presente. No entanto, apesar de, como alegam as Recorrentes, estar provado que o prédio foi cedido para habitação do seu agregado familiar, esta factualidade não integra o conceito de uso determinado para efeitos do artigo 1137º do Código Civil. Como decidiu o citado acórdão do STJ de 15.12.2011, “ quando a coisa é entregue para um uso determinado, tem-se em vista a utilização da coisa para uma determinada finalidade, não a utilização da coisa em si. Emprestar a vivenda para a realização de uma festa constitui comodato para uso determinado, mas não constitui comodato para uso determinado o mero empréstimo da referida vivenda para habitação. Por isso, não será ao abrigo do uso determinado da coisa que ficará impedido o comodante de exigir a restituição ad nutum nos termos do artigo 1137.º/2 do Código Civil. No Ac. do S.T.J. de 29-5-1979 (Santos Victor) 067830, como os demais citados sem outra referência consultáveis em www.dgsi.pt, considerou-se que era determinado o uso do local cedido de instalação de cavalos para aprendizagem de tauromaquia; no entanto, no Ac. do S.T.J. de 12-6-1996 (Sampaio da Nóvoa) 088392 referiu-se que “ no comodato, dois requisitos são necessários para caracterizar o uso determinado do empréstimo de prédio: a) que ele esteja expresso de modo bem claro; b) e, para evitar que em parte a situação se possa confundir com uma atitude de doação, que esse uso seja de duração limitada; neste mesmo sentido, o de o uso ser determinado, veja-se o Ac. do S.T.J. de 26-6-1997 (Fernando Fabião) 97A334 onde se salienta que o uso só é determinado quando se delimita a necessidade temporal que o comodatário visa satisfazer, pelo que não se pode considerar como determinado o uso de certa coisa se não se ficar a saber quanto tempo ela vai durar, ou seja, um uso genérico e abstracto que pode subsistir indefinidamente, pois que, de contrário, se atingiria a própria noção do contrato dada pelo artigo 1129 do Código Civil, de que faz parte a obrigação de restituir a coisa entregue, o que revela o carácter temporal do uso (Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, volume II, 440; Vaz Serra, R.L.J. 114, 21 e 22; acórdão do S.T.J. de 29 de Setembro de 1993, B.M.J. 429, 807; acórdãos da Relação do Porto de 26 de Janeiro de 1984, 6 de Junho de 1991, 11 de Janeiro de 1994, in, respectivamente, C.J. 1984, Tomo 1, 231, 1991, Tomo 3, 246, 1994, Tomo 2, 173).” No mesmo sentido, consta da fundamentação do acórdão do STJ de 16.11..2010 , processo n.º 7232/04.0TCLRS.L1.S1, relator Alves Velho: “É entendimento corrente, na doutrina e na jurisprudência, que, relativamente a empréstimo “para uso determinado”, a determinação do uso, contém, ela mesma, a delimitação da necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, não sendo de considerar como determinado o uso de certa coisa se não se souber - nos casos em que o uso não vise a prática de actos concretos de execução isolada, mas de actos genéricos de execução continuada - por quanto tempo vai durar, caso em que se haverá como facultado por tempo indeterminado.” Como se refere o sumário do Ac. STJ de 31.05.1990 (Proc. 077043), também acessível no sítio do IGFEJ “Não pode confundir-se o fim a que a coisa emprestada se destina com o seu "uso determinado" a que se alude no artigo 1137º do Código Civil, constituindo este uma sua espécie de que aquele seria o género.” É, pois, de concluir que não se pode qualificar como “determinado” o uso de certa coisa, se não se souber por quanto tempo vai durar, ou seja, se for concedido por tempo indeterminado ( cf. neste sentido, para além dos supra citados, os acórdãos do STJ de 16.02.1983 (processo n.º 070496); de 01.07.1999 (processo n. º 99B344); de 13.05.2003 (processo n.º 03A1323). Assim, no caso, não sendo o uso para habitação do falecido marido da Ré e das Rés temporalmente determinado, podendo substituir indefinidamente, não se está perante “uso determinado”. As Recorrentes nas conclusões 48ª a 60ª, defendem que o contrato tinha prazo certo, pois duraria até o pai do falecido marido da Ré construir uma casa, onde a família iria habitar e consequentemente o acórdão recorrido incorreu em erro ao aplicar a norma constante do n.º 2 do artigo 1137º do Código Civil. Sobre esta questão, ficou definitivamente provado, que o sogro da 1ª Ré e avô da 2ª Ré, CC prometeu ao falecido filho DD, marido da 1ª Ré e a esta última que lhes daria uma casa, a construir , tal como já havia feito aos outros filhos. E que disse ao seu falecido filho e às aqui Rés que enquanto não lhes construísse a casa/moradia para habitar poderiam viver no apartamento (prédio dos autos) a título gratuito. Estando ainda provado que devido a desavenças familiares não concretamente apuradas surgidas entre a 1ª Ré e o sogro este não construiu a casa/moradia a que se alude em 6 e 9 conforme havia sido prometido em vida do falecido DD. A sentença considerou que o contrato não tem natureza ou carácter vitalício, mas que foi estabelecida uma condição ( artigo 270º do CC), ainda não verificada, que impede a restituição do imóvel: trata-se da obrigação, assumida pela autora, de construir uma moradia destinada às ora rés e ao falecido marido da 1ª ré. No entanto, a promessa de doação de um imóvel, nos termos dos artigos 410º e 947º do Código Civil, só é válida se for celebrada por escritura pública ou documento particular autenticado. Assim sendo, a promessa verbal de construção de uma moradia destinada às Rés e ao seu falecido marido, é nula, por falta de forma ( artigo 220º do Código Civil) e, por isso, não produz qualquer efeito e pode ser declarada oficiosamente (artigo 286º do CC). Por outro lado, com a alteração da factualidade provada, no ponto 9, supra analisada, está liminarmente excluída a interpretação da sentença que a Autora/ sociedade se obrigou, a construir uma moradia destinada às ora Rés e ao falecido marido da 1ª Ré. Quem prometeu doar essa morada ao filho, entretanto falecido e à 1ª Ré, foi o CC, tal como já havia feito aos outros filhos. Ainda que o CC fosse o único sócio da sociedade autora, as obrigações por ele assumidas, a título pessoal, não vinculam a sociedade, que, como supra se referiu, tem uma personalidade judiciária distinta dos sócios e um património separado dos patrimónios dos sócios. Por isso, a argumentação adiantada pelas Recorrentes nas conclusões 49ª a 57ª, que pressupunham a validade da referida condição carecem de fundamento, pois essa condição, de Autora construir uma casa destinada à habitação do marido da Ré, entretanto falecido, da sua mulher ora 1ª Ré e da filha do casal, 2.ª Ré é inválida e ineficaz. Não tem, pois, fundamento legal, a argumentação das Recorrentes que foi fixado um prazo certo e que a restituição apenas se impõe, quando a Autora terminar a construção da casa. Assim, mesmo que se considere ter a Autora cedido o prédio ao falecido marido da 1ª Ré e às Rés para a habitação do agregado familiar, essa cedência não tem prazo determinado, nem validamente determinável. Por isso, o acórdão recorrido não violou o disposto nos artigos 1137º n.º 1 e 1135 al. h) do Código Civil e nada há a censurar por ter aplicado o n.º 2 do artigo 1137º do Código Civil e decidido que a Autora tem direito a exigir a restituição do prédio, ao abrigo do citado normativo. Nas conclusões 72ª e 73ª, as Rés invocam a exceção de não cumprimento do dever de sair do imóvel enquanto a Autora não cumprir a condição a que ela própria se submeteu, nos termos dispostos no artigo 428.º do Código Civil. É controversa a qualificação do contrato de comodato como contrato unilateral ou bilateral, sendo considerado um contrato bilateral imperfeito não sinalagmático ( cf. neste sentido Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 6ª edição, pág. 369 e Júlio Gomes, Do contrato de Comodato, Cadernos de Direito Privado, Nº 17 (Jan-Mar. 2007) pág.17), estando, por isso, em principio, afastada a possibilidade legal da invocação da exceção do não cumprimento, nos termos do disposto no artigo 428º do Código Civil, aplicável aos denominados contratos bilaterais ou sinalagmáticos. Mas para o caso em apreço, essa questão é irrelevante, pois, como se referiu, a Autora não se obrigou validamente a construir a casa para as Rés, condição alegadamente não cumprida que estas invocam para não restituírem o prédio. As Recorrentes sustentam ainda, nas conclusões 61ª a 71ª que a Autora está a agir em abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium. Segundo o artigo 334º do Código Civil há abuso de direito quando o titular deste exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral ”, vol. I, 9ª edição, pág. 564, refere que “para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder.” Coutinho de Abreu, “ Do Abuso de Direito”, pág. 43, entende que “ há abuso de direito quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização de interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem.” Como expressamente refere o citado artigo 334º, para se estar perante abuso de direito é necessário que o titular o exerça com manifesto excesso. Assim, Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª edição, pág. 296, escreve: “Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso”. No mesmo sentido vem alinhando a jurisprudência do S.T.J, conforme acórdãos de 8.5.91, B.M.J. n.º 407, pág. 273 e de 11.3.99, B.M.J. n.º 485 onde, a pág. 375, se escreveu “ o abuso de direito existe, quando o direito se exerce em termos clamorosamente ofensivos do sentimento jurídico dominante” e de 24.09.09, relatora Maria dos Prazeres Beleza. proferido no processo n.º 09B0659 do sítio do IGFEJ, onde se decidiu que o exercício, para ser abusivo tem de ser ostensivamente contrário aos referidos princípios. O abuso de direito abrange várias modalidades. Menezes Cordeiro, “ Da Boa Fé no Direito Civil”, vol. II, pp. 719 e ss. e mais sinteticamente no Tratado de Direito Civil, Parte Geral, tomo I, p. 198 e ss, faz o elenco das situações que integram o instituto. No caso, as Recorrentes, invocam o «venire contra factum proprium» - que censura a conduta contraditória do demandante, em violação do princípio da confiança da contraparte e abrange a situação em que uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem manifeste a intenção de não praticar determinado ato e depois o pratique. No entanto, da factualidade assente não resulta o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pela autora. Como supra se referiu, atenta a alteração da decisão da matéria de facto, não pode sequer sustentar-se que a cedência do prédio foi efetuada pela sociedade, não obstante o cedente ser sócio-gerente, não era a título pessoal titular de direito de gozo sobre o prédio. Por outro lado, não é defensável, que, pelo menos, o falecido marido da Autora, também sócio, não soubesse que a cedência efetuada pelo pai, que extravasa os seus poderes enquanto gerente, não vinculava a sociedade. Também a argumentação das Recorrentes quanto à alegada assumida obrigação da autora de construir e lhes doar um prédio, deixou de ter apoio factual. Da factualidade assente apenas decorre que essa promessa de doação foi do pai do seu falecido marido e não pela sociedade, que legalmente nem sequer podia celebrar esse contrato de doação. Assim sendo, não está demonstrada factualidade que permita sustentar que a Rés, criaram justificadamente uma situação de confiança com base no comportamento da Autora e que esta esteja a ofender gravemente os princípios da confiança e da boa fé. Quem criou essa situação foi o pai do falecido marido da Ré e avô da 2ª Ré, que é o sócio gerente da Autora, mas o comportamento dele, em particular, quando promete doar uma casa, nunca podia vincular a Autora. Por conseguinte, não pode ser com fundamento na promessa verbal de doação a título pessoal do sócio-gerente da Autora, que se pode sustentar estar-se perante o exercício manifestamente excessivo do direito da proprietária de exigir das Rés a restituição do imóvel comodatado, nos termos do artigo 1137º n.º 2 do Código Civil. O abuso de direito na modalidade da «suppressio», também invocada pelas Recorrentes, que é a situação do direito que, não tendo sido, em determinadas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa fé, também não ocorre, por não estar provado, que depois do falecimento do falecido marido da 1ª Ré, a Autora consentiu que as Rés continuassem a ocupar o prédio. De referir que a circunstância de não estar provado que a Autora exigiu logo após a morte do marido da Ré a restituição do prédio, não permite tirar a ilação do facto contrário, ou seja, que aquela consentiu na ocupação. Como é entendimento pacifico, se um determinado facto não se prova, tudo se passa como se o mesmo não tivesse sido sequer alegado, não sendo possível formular qualquer conclusão de facto a partir dos factos julgados não provados. Por outro lado, está junto aos autos cópia de um acórdão proferido em 15.10.2013, no proc. n.º 817/10.8TBVNO.CI, donde resulta que antes da propositura dessa ação, a Autora tinha intentado outra contra a 1ª Ré, outra ação com o mesmo objeto que terminou com a absolvição da instância. Para além disso, era às Rés que invocam o abuso de direito que incumbia a prova dos respetivos factos constitutivos ( cf. artigo 342º n.º 2 do Código Civil e acórdão do STJ de 24.09.2009, proc. n.º 09B0659). De referir por último, como salienta Júlio Gomes, em “ Do Contrato de Comodato, Cadernos de Direito Privado, n.º 17 (jan.-mar. 2007) pág. 20, é da essência do comodato que dele resulta para o comodatário um direito de uso temporalmente limitado. É, pois, de concluir que a Autora/sociedade ao exercer o seu direito à restituição do prédio não excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito, o que acarreta, também nesta parte, a improcedência do recurso. Nas conclusões 74ª a 80ª as Rés sustentam não estarem obrigadas a restituir o imóvel, nem a indemnizar a Autora. Começam por defender a ineficácia da interpelação com a citação, baseando- se no incumprimento da condição estipulada. No entanto, como supra se referiu, essa condição assumida pelo sogro e avó da 1ª e 2ª Rés, respetivamente, não vincula a Autora e não pode ser considerada para efeitos de afetar o direito desta pedir a restituição. Por outro lado, mesmo aceitando que apesar da ilegitimidade substantiva, CC, sócio-gerente da sociedade Autora, sem ser em representação desta, celebrou o contrato gratuito de cedência do prédio ao falecido marido da Ré e às Rés, a promessa de o mesmo vigorar até o CC doar um prédio ao filho para sua habitação e família, pelas razões atrás expostas, em nenhuma circunstância, vincularia a Autora proprietária do prédio cedido. Por isso, como supra se decidiu, não constitui comodato para uso determinado o mero empréstimo do referido prédio para habitação do falecido marido da 1ªRé e das Rés e, por outro lado, não sendo válida a condição referida, não tem prazo certo, o prazo é incerto e não determinável, sendo certo que não está na disponibilidade da Autora/ sociedade saber quando e se seu sócio vai construir a casa que prometeu verbalmente doar ao filho, falecido marido e pai das 1ª e 2ª Rés. Assim, não tendo o comodato em causa uso determinado, nem prazo certo é subsumível ao disposto no n.º 2 do artigo 1137.º do Código Civil. Tendo as Rés sido interpeladas com a citação para restituírem o imóvel e não o tendo feito, privaram a autora proprietária do uso e fruição dele. A privação do uso de um bem é suscetível de constituir, por si, dano patrimonial, por se traduzir a lesão do correspondente direito real de propriedade, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário usar e fruir o prédio. A supressão dessa faculdade, impedindo a proprietária de extrair do prédio todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, é passível de reparação. No caso. estando provado que o valor locativo do prédio é de 350 euros mensais, nada há a censurar ao acórdão recorrido por ter condenado as Rés a pagar essa importância mensalmente desde a citação até à entrega efetiva do imóvel. Nas conclusões 81ª a 86ª, as Recorrentes sustentam que o acórdão recorrido padece das nulidades previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 615º do CPC. As Recorrentes começam por defender que se verifica a nulidade a que se refere a alínea b) do artigo 615º do CPC, que ocorre quando a sentença ou acórdão não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como sempre foi entendimento pacífico só é causa de nulidade da sentença a falta absoluta de fundamentação, a ausência de toda a fundamentação necessária, situação que não ocorre quando existe fundamentação, mas a mesma é débil, escassa, insuficiente. Desse modo, uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação de facto ou de direito não acarreta nulidade da sentença ( cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5, pág. 140; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, 669; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 141 e Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, 2001, vol. II, 669). Ora, como supra se analisou o acórdão recorrido justificou suficientemente as pontuais alterações que efetuou à matéria de facto fixada na 1ª instância, sendo que quanto aos demais factos as Recorrentes concordaram. Por outro lado, o acórdão recorrido indica os fundamentos jurídicos da decisão, aplicando e interpretando as normas jurídicas que entendeu relevantes. A discordância quanto à aplicação dessas normas e sua interpretação, não se confunde com falta de fundamentação. As Recorrentes referem também existir a nulidade a que se refere a al c) do artigo 615º do CPC, sem sequer concretizar esse vício, parecendo sustentar ocorrer contradição entre os fundamentos e decisão. Como é entendimento pacifico o vicio da contradição entre os fundamentos e a decisão apenas ocorre quando da fundamentação da sentença segue uma determinada linha de raciocínio, apontando numa determinada conclusão e depois, decide em sentido oposto ou divergente ( cf. neste sentido Lebre de Freitas e outros CPC Anotado, 2001, vol. 2º, pág. 670, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Sires de Sousa (no CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 763 e os acórdãos do STJ de 24.01. 2019 processo n.º 668/15.9T8PVZ.P1.S1e de 22.06.2023, processo n.º 1603/19.5T8EVR.E1.S1). Ora, no caso, a argumentação do acórdão seguiu uma linha de raciocínio, coerente julgando em conformidade, tendo apesar da alteração da factualidade provada, considerado que o contrato de comodato era válido e eficaz e que a autora tinha o direito de o denunciar nos termos do n.º 2 do artigo 1137º do Código Civil. Saber se houve ou não errada aplicação dessa norma, nada tem a ver com a arguida contradição entre os fundamentos e a decisão. As Recorrentes também arguiram nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 artigo 615.º do CPC, segundo o qual constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. A “omissão de conhecimento” ou o “conhecimento indevido”, remete para as questões a resolver a que alude o artigo 608.º do CPC. Em obediência ao comando do n.º 2 do artigo 608.º, deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica invocada por qualquer das partes). No entanto, como é entendimento pacifico, só a omissão do conhecimento de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, não tendo juiz que analisar um por um todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes (cf. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pág. 371). Por outro lado, só ocorre excesso de pronúncia, quando o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que não sejam do seu conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2º, 2ª parte do CPC). Ora, as Recorrentes acabam por não concretizar as questões que o acórdão recorrido deixou de decidir ou indevidamente conheceu, exceto as relativas ao aditamento dos factos constantes dos pontos 11 e 12, supra analisadas, em que se decidiu não se verificar o vício de excesso de pronúncia. Assim, tendo acórdão recorrido decidido as questões suscitadas pela A/apelante, não cometeu qualquer omissão de pronúncia. Improcedem, pois, as arguidas nulidades. As Recorrentes sustentam ainda que o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa. As Recorrentes começam por invocar a violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República que impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No caso, em que está em causa se deve ou não ser ordenada a restituição de um prédio à sua proprietária, invocando as Rés um contrato de comodato, não se vislumbra, nem elas invocam qualquer tratamento desigual. Invocam ainda a violação do artigo 20º da CRP, que consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, mas sem invocar qualquer fundamento que não se descortina, sendo certo que às Rés foi assegurada o direito a defender os direitos que invocam, sem qualquer limitação, gozando do benefício de apoio judiciário. Defendem ainda que o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 202.º n.º2 da CRP, que estipula que: “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”. No entanto, o acórdão recorrido decidiu o conflito entre a autora sociedade e as demandadas, ora Recorrentes, sendo insustentável, como parecem defender as Rés que a Constituição Portuguesa faz prevalecer o direito de habitação num prédio, com base num contrato gratuito, sobre o direito de propriedade da autora. Por outro lado, na aplicação e interpretação do artigo 1137 n.º 2 do CC, o acórdão recorrido seguiu o entendimento dominante na jurisprudência e os Recorrentes não concretizam em que medida a interpretação desse normativo efetuado pelo acórdão recorrido viola a Constituição. Relativamente à violação do artigo 205º n.º 1 da CRP, que consagra a obrigatoriedade da fundamentação, como supra se referiu, o acórdão recorrido, está suficientemente fundamentado. Não houve, pois, ao contrário do que sustentam as Recorrentes, a aplicação de qualquer norma que infrinja as invocadas normas e princípios da Constituição da República Portuguesa, em violação do artigo 204º da CRP. Improcedem ou são irrelevantes todas as conclusões apresentadas pelas Recorrentes. Decisão Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e ainda que com diferente fundamentação confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelas Recorrentes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário. Lisboa, 09.07.2024 Leonel Serôdio (Relator) Luís Espírito Santo (1º adjunto) Graça Amaral (2ª adjunta)
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