Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02240/20.7BEPRT
Data do Acordão:10/17/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CPPT
REQUISITOS
ACÓRDÃO
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência consagrado no artº 284º do CPPT, pertencente à espécie dos recursos extraordinários, tem como pressuposto necessário a estabilidade e imutabilidade dos julgamentos, concretizados nas decisões opostas apresentando-se a apreciação rigorosa desses requisitos legais como a garantia da estabilidade e da segurança inerentes ao caso julgado já formado, fazendo jus à natureza extraordinária do recurso.
II - O recurso deve ser indeferido in limine quando tiver sido interposto convocando como fundamento acórdãos, que são da competência da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, quando o acórdão recorrido foi proferido pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
III - Por assim ser, a decisão da Exmª Relatora errou ao perfilhar o entendimento de que o recurso interposto do Acórdão devia prosseguir, nos próprios autos, como de uniformização de jurisprudência, com subida a este STA para apreciação da sua admissibilidade.
IV - Tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de apreciar a questão (cfr. artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), o que vale por dizer que, apesar de ter sido reconhecida pela respectiva relatora do processo no TCA Sul a eventual admissibilidade do dito recurso, essa decisão não vincula este Supremo Tribunal ao qual incumbe apreciar se ocorrem ou não os requisitos de que a lei faz depender o recurso para o Pleno.
Nº Convencional:JSTA000P32758
Nº do Documento:SAP2024101702240/20
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório


AA, com os sinais dos autos, vem interpor recurso de uniformização de jurisprudência, nos termos do artigo 284.º do CPPT, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte datado de 22/09/2022, invocando contradição com Acórdão também proferido pelo TCAN, no âmbito no Processo n.º 00079/17.6BECBR, de 07/12/2018, que indica como fundamento, no que respeita à apreciação da questão da suspensão do prazo pela interposição do recurso hierárquico, o que, nos termos do n.º 2 do artigo 66.º do CPPT, dispondo do prazo de 30 dias úteis para apresentar o recurso, mas que tendo sido notificado da decisão de indeferimento em 24.07.2020, e deduzindo recurso hierárquico em 27.08.2020, foi o mesmo considerado intempestivo.

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente AA, as seguintes conclusões:

1ª – O Tribunal a quo decidiu que: Com efeito o Recorrente interpôs recurso hierárquico, face a esta situação, a sentença recorrida apreciou a questão da suspensão do prazo pela interposição do recurso hierárquico, concluindo nos termos do n.º 2 do artigo 66.º do CPPT, que o Recorrente dispunha do prazo de 30 dias úteis para apresentar o recurso, mas que tendo sido notificado da decisão de indeferimento em 24.07.2020, e deduzindo recurso hierárquico em 27.08.2020 foi intempestivo.
2ª – Já no Ac., fundamento: TCAN proc., n.º 00571/13.1BEPRT, de 09/09/2016, do Relator Frederico Macedo Branco, e consultável in dgsi.pt.
I) – A contagem dos prazos de propositura das acções é feita “nos termos do artigo 279.º do Código Civil” (art.º 58.º, nº 2, do CPTA).
3ª – Tal conclusão face ao facto de o aqui, o R., ter sido notificado a 24/07/2020, da decisão de indeferimento a 24/07/2020, e o correcto recurso hierárquico chegado ao serviço periférico de Finanças a 27/08/2020, e perante a Lei deve-se descontar ou não contabilizar os fins-de-semana e feriados, não se concorda com o Aresto recorrido em como o recurso hierárquico foi intempestivo.

4ª – No recurso foi impugnado essa declaração de intempestividade, pelo que a questão era cognoscível pelo tribunal recorrido.

5ª – Em termos gerais na legislação Tributária conta-se no âmbito do art.º 20º da LGT – tal como o Acórdão fundamento.

6ª – Em sede de utilidade do presente recurso, pois considerando tempestivo o recurso hierárquico, nos termos do A., do STA de 06/10/2021, da relatora PAULA CADILHE RIBEIRO, proc., n.º 0878/13.8BEAVR e consultável in dgsi.pt - Nos termos previstos no art.º 59º, n.º4 do C.P.T.A. de 2002, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa decorrente de interposição de recurso hierárquico facultativo cessa com a notificação da decisão proferida sobre essa impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.

7ª – A impugnação judicial, e o seu prazo suspender-se-ia e poderia ser legal a convolação em acção administrativa comum.

8ª - O r., conclui que deve ser fixada jurisprudência neste sentido: Aos prazos o art.º 66º n.º 2 do CPPT devem ser aplicados os prazos do artigo 279.º do Código Civil, e do art.º 20º n.º 1 da LGT.

9ª – Devendo depois retiram-se as devidas consequências legais da contagem

10ª – Em sede de dimensão interpretativa constitucional: De modo claro, distinto e adequado, requer-se pronúncia e fundamentação expressa sobre a questão supra invocada, gerando um dever distinto e expresso de fundamentação, no âmbito do art.º 205º da CRP.

O R., imputa como inconstitucional a interpretação dos artigos 66.º n.º2 do CPPT no sentido de contar o prazo de interposição do recurso hierárquico não nos termos do art.º 279º do CC e do art.º 20º da LGT, mas, por outro lado, não descontando os dias não úteis, por violação do princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais e direito a um processo equitativo, nos termos do art.º 20º n.º1 e 4 da CRP.

Termos em que deve ser provido o presente recurso, fixando-se jurisprudência no preciso sentido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não se mostrarem reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, nos seguintes termos:

1. Vem interposto recurso para uniformização de jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 284.º do CPPT, a fls. 344/351 do SITAF.

O recorrente propugna que existe contradição entre o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22.09.2022, proferido nos autos à margem referenciados e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07.12.2018, proferido no processo n.º 079/17.6BECBR (relator: Desembargador Luís Migueis Garcia) (Disponíveis em www.dgsi.pt), por alegada interpretação divergente quanto à contagem do prazo para propositura de ação, na sequência de indeferimento de recurso hierárquico. Sendo certo que, em sede de alegações e de conclusões, indica como acórdão fundamento o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09.09.2016 (relator: Desembargador Frederico Macedo Branco).

2. Notificado para juntar cópia do acórdão fundamento, nos termos previstos no artigo do 690.º, n.º2 do CPC, aplicável ex vi artigos 2º, alínea e) e 281º do CPPT, vem o recorrente juntar o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2019, proferido no processo n.º 00465/17.1BEPRT (relatora: Desembargadora Helena Canelas).

3. Assim, não se mostra possível descortinar a alegada interpretação divergente e a invocada oposição entre acórdãos, não tendo o recorrente alegado e demonstrado, ainda que de forma perfunctória, que se verificam os requisitos de admissibilidade do presente recurso.

4. Por outro lado, o acórdão recorrido, datado de 22.09.2022, foi prolatado pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, enquanto os acórdãos indicados (de forma pouco clara) como decisões fundamento provêm da Secção de Contencioso Administrativo do mesmo tribunal. Ora, tal recurso apenas poderia ter por fundamento a oposição entre a decisão recorrida e outra de um Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo, com a mesma especialização da secção do STA para onde o recurso é interposto.

5. Pelo exposto, somos do parecer que não estão reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.

O recorrente veio, de acordo com o propugnado pelo MP, juntar o Acórdão n.º 00079/17.6BECBR, de 07/12/2018.

O Ministério Público emitiu novo Parecer, reiterando não estarem reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso.

Por seu turno, o recorrente veio sustentar estarem preenchidos os requisitos para o recurso de uniformização de jurisprudência, sendo os Acórdãos em confronto claros (na sua disparidade), no modo como se contam os prazos legais.


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Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

2.1.1. No acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A sentença recorrida não autonomizou a matéria de facto embora tenha julgado provado que:
1. O Recorrente foi notificado da decisão de indeferimento do ato em 24.07.2020, e deduzido recurso hierárquico em 27.08.2020.
2. O Recorrente foi notificado da decisão final em 24.07.2020 e interpôs a ação em 25.11.2020.

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2.1.2. - No acórdão fundamento, proferido no processo do TCAN n.º 00079/17.6BECBR, foi fixada a seguinte matéria factual:

a. A entidade Demandada enviou à ora Autora o ofício nº 26735, datado de 4 de Novembro de 2016, através do qual lhe foi comunicado o indeferimento do pedido de renovação da licença de exploração de um posto de abastecimento de combustíveis do qual se destaca:
“Por despacho do Exmo. Sr. Vereador, com competência subdelegada, …exarado em 28/10/2016, NOTIFICO V.Exas que o pedido de renovação da licença de exploração do posto de abastecimento foi indeferido pelos motivos exarados na informação nº 3892/2016/DGU, que a seguir se transcrevem (…)

Transcrição da Informação nº 3892/2016/DGU (…)” – cfr. doc. 1 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

b. O ofício precedente foi recebido pela ora Autora em 8 de Novembro de 2016 – cfr. fls. 13 do PA e acordo;
c. A petição inicial da presente acção foi entregue via site no dia 10.02.2017 – cfr. fls. 1 /2 dos autos.

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2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento existe discrepância no que concerne à contagem do prazo para a propositura de ação, na sequência de indeferimento de recurso hierárquico.
Para a recorrente, a existência dessa divergência é de molde a permitir o recurso para uniformização de jurisprudência, consubstanciado no artigo 284.º do CPPT.
Vejamos.
Tem cabimento, desde logo, apreciar se ocorrem os requisitos legais, adrede de natureza formal, de que depende a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 284º do CPPT, pois, tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão numerosa, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de apreciar a questão (cfr. artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Significa, mais concretamente, que, apesar de ter sido reconhecida pela respectiva relatora do processo no TCA Norte a eventual admissibilidade do dito recurso (vide despacho exarado a fls. 353 SITAF), importa referir que tal decisão não vincula este Supremo Tribunal, pelo que há que apreciar se ocorrem ou não os requisitos de que a lei faz depender o recurso para o Pleno.
Entendemos que esta espécie de recurso apresentado no processo para reagir contra o acórdão que decidiu o recurso, foi inadequadamente aceite e tramitado.
Na verdade, o recurso para uniformização de jurisprudência é um recurso extraordinário que visa decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que as decisões dos Tribunais superiores sobre uma questão fundamental de direito tenham sido contraditórias. Tem, pois, por função, não só corrigir a eventual injustiça cometida na decisão recorrida, mas, essencialmente garantir que o novo julgamento regularize o entendimento a adoptar perante a questão fundamental de direito controvertida.
Enfim, o recurso para uniformização de jurisprudência consagrado no artº 284º do CPPT, pertencente à espécie dos recursos extraordinários, tem como pressuposto necessário a estabilidade e imutabilidade dos julgamentos, concretizados nas decisões opostas apresentando-se a apreciação rigorosa desses requisitos legais como a garantia da estabilidade e da segurança inerentes ao caso julgado já formado, fazendo jus à natureza extraordinária do recurso.
Daí que, só possam ser admitidos nas circunstâncias fixadas na lei, impondo-se por isso averiguar se se encontram reunidos os pressupostos de que depende a sua admissão e só depois, se o mesmo for admitido, conhecer do seu mérito.
O regime deste tipo de recursos está fixado no artº 284º do CPPT, no qual se estabelecem os seguintes requisitos de admissibilidade:
“1 - As partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição:
a) Entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.
2 - A petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido.
3 - O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
4 - O recurso é julgado pelo pleno da secção e o acórdão é publicado na 1.ª série do Diário da República.” (sublinhados nossos).
E porque se mantêm os princípios que vinham da jurisprudência anterior (firmada no âmbito da LPTA), a estes requisitos há que acrescentar as condições de admissibilidade estabelecidas na jurisprudência para o recurso por oposição de julgados, a saber: (i) para cada questão deve o recorrente eleger um e apenas um acórdão fundamento; (ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; (iii) só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos – cfr. entre muitos outros, Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo de 2012.06.05, in rec. nº 0420/12 e de 14/03/2013 in rec. nº 1166/12, acessíveis em www.dgsi.pt.
Tal significa que a existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito só pode prosseguir quando se constate que as decisões contraditórias foram tiradas perante quadros normativos e factuais essencialmente idênticos e, por isso, quando essa contradição tenha resultado apenas de divergente interpretação jurídica.
Donde que, jurisprudencialmente se entenda que a função primordial que a lei lhes reserva é a de fixarem a melhor leitura para um quadro legal cuja interpretação vem sendo objecto de controvérsia, por isso se elucidando o supratranscrito nº 2 do artº 284º do CPPT que a petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinaram a contradição alegada e a infracção imputada ao acórdão recorrido.
Vejamos.
O recorrente defende que existe contradição entre o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22.09.2022, proferido nos presentes autos e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07.12.2018, proferido no processo n.º 079/17.6BECBR, por alegada interpretação divergente quanto à contagem do prazo para propositura de ação, na sequência de indeferimento de recurso hierárquico.
Apesar disso, já em sede de alegações e de conclusões, aponta como acórdão fundamento o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09.09.2016.
Notificado para juntar cópia do acórdão fundamento, nos termos previstos no artigo do 690.º, n.º2 do CPC, aplicável ex vi artigos 2º, alínea e) e 281º do CPPT, vem o recorrente juntar o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2019, proferido no processo n.º 00465/17.1BEPRT e que, tal como todos os demais referidos pelo recorrente estão publicados em www.dgsi.pt..
Como bem denota o Ministério Público no seu douto Parecer, não se mostra possível descortinar a alegada interpretação divergente e a invocada oposição entre acórdãos, não tendo o recorrente alegado e demonstrado, ainda que de forma perfunctória, que se verificam os requisitos de admissibilidade do presente recurso.
Mas, mais importante ainda, o acórdão recorrido, datado de 22.09.2022, foi prolatado pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, enquanto os acórdãos indicados (de forma pouco clara) como decisões fundamento provêm da Secção de Contencioso Administrativo do mesmo tribunal. Mas, tal recurso apenas poderia ter por fundamento a oposição entre a decisão recorrida e outra de um Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo, com a mesma especialização da secção do STA para onde o recurso é interposto.
Neste ponto, cumpre salientar que, para além dos requisitos supra elencados, é exigível ainda que, relativamente à origem dos acórdãos invocados como fundamento do recurso, eles provenham da respectiva formação especializada, ou seja, sendo o acórdão recorrido proferido pela secção administrativa, os acórdãos fundamento, também terão que ter resultado da secção administrativa do STA ou dos TCA, consoante as situações, e se proferido pela secção tributária, também o acórdão fundamento, daí terá de ter resultado.
Neste sentido, se pronunciou, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, proferido em 07.07.2011, in proc. nº 310/09, que pese embora, adoptar normas do ETAF de 2002, não põe em causa as actuais normas do ETAF de 2015, no que a este aspecto concerne.
Adoptando esse entendimento, é de considerar que, relativamente à origem dos acórdãos invocados como fundamento do recurso, apesar de a letra do art. 284º não conter uma indicação explícita derivada da competência material das Secções do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos, deverá fazer-se uma interpretação restritiva, imposta pela repartição de competências materiais das secções do contencioso administrativo e do contencioso tributário daqueles Tribunais.
Em reforço desse ponto de vista, evoca-se, com a devida vénia, o discurso jurídico expendido no Acórdão do Pleno da SCA der 18-04-2018, prolatado no Processo nº 0139/18, também consultável em www.dgsi.pt:
“(…)
À face dos arts. 22º, 24º e 30º do ETAF de 1984, que estabelecem as competências dos plenos das secções e do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação de recursos como fundamento em oposição de julgados, os recursos em que está em causa apreciar conflitos de jurisprudência entre acórdãos proferidos por formações especializadas de áreas diferentes, administrativa e fiscal, eram apreciados por uma formação, o Plenário, constituída por Juízes de ambas as áreas.
É uma solução legal de razoabilidade evidente, ainda vigente para os processos iniciados antes de 1-1-2004, pois, o facto de ter havido pronúncia sobre idêntica questão em ambas as áreas, que legislativamente se pretenderam especializadas, revela que se está perante questão para cuja resolução relevarão conhecimentos especializados em ambas as áreas, e, por isso, justifica-se que a uniformização jurisprudencial, que pretende ser uma orientação superior visando evitar ulteriores divergências jurisprudenciais entre os tribunais com competências nas duas áreas incluídas na jurisdição administrativa e fiscal, seja efectuada com uma intervenção de uma formação do Supremo Tribunal Administrativo composta por Juízes de ambas as áreas. Com efeito, essa intervenção de uma formação composta por Juízes de ambas as áreas é manifestamente aconselhável para assegurar o acatamento generalizado da decisão uniformizadora em ambas as áreas, que é a finalidade visada por uma decisão uniformizadora gerada por um conflito de decisões proferidas em áreas diferentes, pois a potencial influência da decisão sobre a ulterior jurisprudência será tendencialmente maior, em ambas as áreas, se for proferida por Juízes a quem, pela posição que ocupam no topo da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, é reconhecida superior competência profissional nessas áreas.
É esta também a regra adoptada em matéria de conflitos em razão da matéria, que são apreciados por formação que contenha elementos com especialização nas áreas em causa (art. 29º do ETAF de 2002, art. 35º, nº 2, da LOFTJ).
No ETAF de 2002, o Plenário é a única formação composta por juízes de ambas as secções do Supremo Tribunal Administrativo (art. 28º deste diploma), mas apenas lhe compete conhecer dos conflitos de jurisdição entre tribunais administrativos de círculo e tribunais tributários ou entre as Secções de Contencioso Administrativo e de Contencioso Tributário (art. 29º do mesmo diploma).
Pelo que se referiu, o facto de no ETAF de 2002 não se ter incluído na competência do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo a apreciação de recursos para uniformização de jurisprudência deve ser interpretado como expressão de uma intenção legislativa de não admitir recursos para uniformização com fundamento em decisões proferidas por formações do Supremo Tribunal Administrativo especializadas em áreas diferentes.
Aliás, o ETAF de 2002, em outras disposições confirma esse desígnio legislativo ao prever apenas situações de uniformização de jurisprudência no âmbito de cada uma das áreas da jurisdição administrativa e fiscal, como pode ver-se pelos seus arts. 23º, nº 1, alínea f), 36º, nº 1, alínea g), 43º, nº 3, alínea d).
Assim, é de concluir que, no âmbito do ETAF de 2002, não se previu a prolação de decisões uniformizadoras relativamente a divergências jurisprudenciais ocorridas em áreas diferentes da jurisdição administrativa e fiscal.
Consequentemente, devem interpretar-se restritivamente as referências que no nº 1 do art. 152º do CPTA se fazem a acórdãos em contradição com o recorrido como reportando-se apenas a decisões proferidas pela Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo e ou por uma das secções do contencioso administrativo dos Tribunais Centrais Administrativos. (Neste sentido, pode ver-se o acórdão da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 14-7-2008, processo nº 764/07.)»
Entende-se ser importante transcrever o seguinte excerto deste último aresto da SCT que também está acessível em www.dgsdi.pt:
“(…)
4 – No despacho reclamado fez-se, como explicitamente nele se refere, uma interpretação restritiva da alínea b) do n.º 1 do art. 152.º do CPTA, explicando-se que há razões para limitar o alcance da referência a «acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo», no que se refere ao acórdão fundamento, como reportando-se a «acórdãos proferidos pela Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo» e, na adaptação da norma ao contencioso tributário, «acórdãos proferidos pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».
O art. 9.º, n.º 2, do CC proíbe, efectivamente, interpretações que não tenham «na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Sobre a interpretação restritiva, ensina BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186:
c) Interpretação restritiva: outras vezes, pelo contrário, o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance).
Como se vê, a interpretação restritiva, por definição, é efectuada em situações em que a letra da lei não contém um elemento restritivo, mas o intérprete chega à conclusão que é necessário tê-lo em conta para que o texto se mostre compatível com o pensamento legislativo.
Se o elemento restritivo necessário para compatibilizar o texto com o pensamento legislativo consta do próprio texto, então não se estará a fazer uma interpretação restritiva, mas sim meramente literal ou declarativa.
Ora, a interpretação restritiva é, evidentemente, uma forma de interpretação não só admitida como imposta pelo art. 9.º, n.º 1, do CC, ao estabelecer, como primeira regra da interpretação jurídica que, «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo».
Por outro lado, é também manifesto que a interpretação da referência a «acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo», feita na alínea b) do n.º 1 do art. 152.º do CPTA, como reportando-se, no contencioso administrativo, a «acórdão proferido pela Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo» e, na adaptação ao contencioso tributário, como significando «acórdão proferido pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo» tem no texto daquela norma muito mais que um mínimo de correspondência verbal: na verdade, é inquestionável que os acórdãos proferidos pela Secção do Contencioso Administrativo e pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo são «acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo», como se refere naquela alínea b) do n.º 1 do art. 152.º e são «acórdãos», como se exige no art. 284.º do CPPT.
Este ponto, relativo à admissibilidade da interpretação restritiva no nosso direito, é um ponto sobre o qual, são dispensáveis, obviamente, mais esclarecimentos.»
Esta jurisprudência aqui reproduzida, é de manter face à actual redacção das normas do ETAF de 2015 e de 2019 (que instituiu o recurso de uniformização de jurisprudência na área tributária no artº 284º do CPPT), dado que não ocorreram divergências que justifiquem a adopção de uma interpretação diversa.
E, retornando ao caso sub judice, como já se anotou acima, o acórdão recorrido, datado de 22.09.2022, foi prolatado pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, enquanto os acórdãos indicados (de forma pouco clara) como decisões fundamento provêm da Secção de Contencioso Administrativo do mesmo tribunal. Mas, como antedito, tal recurso apenas poderia ter por fundamento a oposição entre a decisão recorrida e outra de um Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo, com a mesma especialização da secção do STA para onde o recurso é interposto.
Destarte, se conclui que não estão reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que o mesmo não poderá ser admitido.
Significa que não se pode admitir o recurso para uniformização de jurisprudência ora apresentado e nos termos que foram definidos pela Exmª Relatora que errou ao perfilhar o entendimento de que o recurso interposto devia prosseguir, nos próprios autos, como de uniformização de jurisprudência, com subida a este STA para apreciação da sua admissibilidade.
Tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de apreciar a questão (cfr. artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), o que vale por dizer que, apesar de ter sido reconhecida pela respectiva relatora do processo no TCA Norte a eventual admissibilidade do dito recurso, essa decisão não vincula este Supremo Tribunal ao qual incumbe apreciar se ocorrem ou não os requisitos de que a lei faz depender o recurso para o Pleno.

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3.- Decisão:

Termos em que se acorda rejeitar o presente recurso jurisdicional, devido a falta de verificação de pressuposto processual para a sua admissão.

Custas a cargo do recorrente.

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Lisboa, 17 de Outubro de 2024. - José Gomes Correia (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.