Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0166/20.3BELLE |
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Data do Acordão: | 10/23/2024 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | FERNANDA ESTEVES |
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Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA RECLAMAÇÃO GRACIOSA FUNDAMENTAÇÃO LIQUIDAÇÃO |
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Sumário: | I - Não há nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal diz expressamente que o conhecimento das demais questões fica prejudicado pela procedência do vício apreciado. II- Ao emitir uma “nova” liquidação em resultado da anulação parcial, em sede de reclamação graciosa, da primitiva liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira não está a praticar um acto com conteúdo inovatório, mas apenas a anular o acto tributário na parte em que foi atendida a pretensão do sujeito passivo, mantendo-o no demais. III - Está fundamentado o valor de imposto a pagar em resultado do deferimento parcial de reclamação graciosa se, nesta decisão, consta, em termos que se revelam apreensíveis para um destinatário normal, o itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente à correcção efectuada, na parte em que foi atendida a pretensão do sujeito passivo, e o cálculo do valor (inferior) de imposto a pagar. |
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Nº Convencional: | JSTA000P32761 |
Nº do Documento: | SA2202410230166/20 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | COOPERATIVA AGRÍCOLA A..., CRL. |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Cooperativa Agrícola A..., CRL contra a liquidação de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA) e juros compensatórios, no montante global de € 234.783,63. Alegou, concluindo da seguinte forma: A. A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento da matéria de direito, na medida em que considerou que o conhecimento dos “vícios” da reclamação graciosa (falta de fundamentação) prejudicou o conhecimento das restantes questões suscitadas em sede da petição de impugnação; B. Sendo que, no entendimento da Fazenda, a ocorrência de vícios de forma no processo de reclamação graciosa (no caso a falta de fundamentação) nunca poderia implicar a anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) e respetivos juros compensatórios conforme decidiu. C. Pelo que a douta sentença padece de erro de julgamento por violação dos artigos 77.º da LGT e 68.º do CPPT; D. Com efeito, perscrutando a douta sentença verifica-se que esta debruça-se exclusivamente sobre a falta de fundamentação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa não fazendo qualquer análise ao concreto ato de liquidação objeto mediato do processo, nem analisa os vícios que o impugnante imputa ao mesmo. E. Dispõe o art.º 68.º do CPPT que “1 - O procedimento de reclamação graciosa visa a anulação total ou parcial dos actos tributários por iniciativa do contribuinte, (..) ao que acresce o n.º2 do mesmo artigo que: “Não pode ser deduzida reclamação graciosa quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento.” F. Prevendo o n.º 1 do art.º 70.º do CPPT que: “1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial (..) “ G. Ora, quer a reclamação graciosa quer a impugnação judicial visam a anulação total ou parcial do ato de liquidação, H. Existindo uma interligação entre o processo de reclamação graciosa e a impugnação judicial, a ponto do n.º 2 do art.º 68.º do CPPT proibir a interposição de reclamação graciosa “quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento”. I. No caso dos autos, a decisão proferida pelo douto tribunal a quo, limita a sua apreciação a vícios formais imputados à reclamação graciosa, a referida insuficiente fundamentação, não se pronunciando sobre o essencial e que foi pedido pelo impugnante, a anulação do ato tributário de liquidação. J. Ora a insuficiente fundamentação da reclamação graciosa a existir, é apenas um vicio no formalismo do procedimento de reclamação graciosa, que não contende com a legalidade do ato tributário de liquidação; K. Legalidade que o tribunal a quo não conheceu, nem sobre ela se pronunciou. L. O que viciou a sentença por omissão de pronúncia; M. Assim, com tal decisão o único acto ferido de vicio e por tal a anular, sempre seria a decisão da reclamação graciosa e não o ato tributário de liquidação. N. Devendo o tribunal na sua douta apreciação conhecer quer dos vícios/ilegalidades imputados aos atos de liquidação, quer dos vícios atinentes ao deferimento parcial da reclamação graciosa. O. Em tal sentido e entendimento veja-se, entre vários, o Acórdão do STA, de 02.02.2022 no processo 01260/08.4BESNT, donde se extrai o seguinte: ” (..) a verificação de vício de forma consubstanciado na falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, não projecta efeitos anulatórios sobre o acto tributário de liquidação que a antecede, antes implicando apenas a anulação da mencionada decisão graciosa, tudo conforme jurisprudência uniforme deste Tribunal e que subscrevemos (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/06/2004, rec.1877/03; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/10/2008, rec. 542/08; ac.S.T.A-2ª.Secção, 25/06/2009, rec.345/09).” P. decidindo que: ”(..) anulado o indeferimento da reclamação graciosa por vício procedimental desta, cabe ao Tribunal conhecer dos vícios imputados ao acto tributário de liquidação, uma vez que este é competente para conhecer em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao acto tributário objecto mediato do processo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/11/2011, rec. 723/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/06/2014, rec. 1942/13; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/05/2015, rec.1021/14). Q. Ora o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que tinha de conhecer e sobre elas decidir, padecendo a sentença desta forma de nulidade por omissão de pronúncia. R. Por outra via, cumpre ainda referir que se discorda da douta sentença ora recorrida porquanto a decisão da reclamação graciosa, se encontra corretamente fundamentada, tendo a ora recorrida compreendido perfeitamente o seu conteúdo tendo em conta o teor da petição inicial apresentada; S. Sendo certo que esta fundamentação é aferida pela compreensibilidade do destinatário médio, colocado na situação concreta do administrado, devendo dar-se por cumprido o dever legal se a motivação externada permitir perceber as razões de facto e de direito que determinaram o ato; T. Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (v., por todos, acórdão de 12 de Março de 2014, proc. 01674/13) “[O] acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação. U. Sendo certo que, ao contrário do que foi considerado pelo douto tribunal a quo a recorrida, não alega qualquer desconhecimento, “(..) quanto à forma como foi apurado o concreto valor expresso na quantia constante no ofício comunicado à impugnante para pagamento.” V. Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que a douta sentença errou no seu julgamento, impondo-se a revogação da sentença aqui em escrutínio devendo o processo baixar à 1.ª instância a fim de ser apreciado o mérito da impugnação. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências. Não foram apresentadas contra- alegações. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, “devendo ser proferida nova sentença onde deverão ser conhecidos os vícios imputados à liquidação impugnada”. Cumpre decidir. 2. Fundamentação 2.1. Matéria de facto 2.1.1. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1. A Impugnante detêm o estatuto de depositário autorizado n.º ...07 4518 – facto não controvertido; 2. A Impugnante é titular do entreposto fiscal de produção n.º ...01, com autorização para a produção de bebidas espirituosas, designadamente aguardente de medronho e figo – facto não controvertido; 3. A Impugnante foi sujeita a acção de natureza inspectiva (ANI), desenvolvida pelos serviços da Alfândega de Faro ao abrigo da ordem de serviço n.º ...97 – cfr. fls. 1 do processo administrativo instrutor apenso aos autos; 4. No âmbito da acção inspectiva acima referida, foi elaborado Relatório de Inspecção Aduaneira [RIA], no qual consta, nomeadamente, o seguinte:
[IMAGEM] (…) - cfr. o relatório constante do processo administrativo instrutor apenso aos autos; 5. Com data de 3 de Junho de 2019 foi remetido à Impugnante, pela Alfândega de Faro, ofício atinente ao assunto “liquidação de IABA – notificação para pagamento”, onde, entre o mais, constava o seguinte:
[IMAGEM]
- cfr. o processo de liquidação oficiosa constante do processo administrativo instrutor apenso aos autos; 6. A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IABA e juros compensatórios acima referidos – cfr. o processo de reclamação graciosa constante do processo administrativo instrutor apenso aos autos; 7. Em 3 de Dezembro de 2019, o Director da Alfândega de Faro proferiu despacho a deferir parcialmente a reclamação graciosa apresentada – cfr. requerimento de fls. 560 e seguintes dos autos, numeração SITAF; 8. O despacho do Director da Alfândega de Faro acima referido assentou em informação dos serviços, da qual se extrai, nomeadamente, o seguinte excerto:
[IMAGEM]
cfr. requerimento de fls. 560 e seguintes dos autos, numeração SITAF; 9. Com data de 26 de Fevereiro de 2020, o Director da Alfândega de Faro proferiu despacho de concordância com informação dos serviços, sobre “deferimento parcial de reclamação graciosa – anulação parcial de liquidação de IA”, de onde se extracta o excerto que se segue: [IMAGEM] – cfr. requerimento de fls. 560 e seguintes dos autos, numeração SITAF; 10. Em anexo à informação supra referida, encontravam-se os seguintes elementos:
[IMAGEM]
– cfr. requerimento de fls. 560 e seguintes dos autos, numeração SITAF; 11. Com data de 10 de Março de 2020 foi remetida, à Impugnante, comunicação escrita da Alfândega da Faro, de onde se extrai o seguinte excerto:
[IMAGEM] – cfr. requerimento de fls. 560 e seguintes dos autos, numeração SITAF; 12. As 109 estampilhas fiscais referidas no relatório de inspecção aduaneira correspondem à aguardente de figo engarrafada em 17 de Março de 2016 – cfr. declarações de parte, prova testemunhal e cópia da informação prestada à administração fiscal [folha do portal aduaneiro], documento n.º 4 junto com a petição inicial; 13. As 109 estampilhas fiscais referidas no relatório de inspecção aduaneira encontravam-se na zona de enchimento das garrafas, para serem colocadas nestas após o seu enchimento – cfr. declarações de parte e prova testemunhal; 14. A taxa de rendimento para a produção de aguardente de figo situa-se entre os 5 e os 6 litros por arroba de produto, ou seja, na ordem dos 40% – cfr. declarações de parte e prova testemunhal; 15. A taxa comunicada mensalmente nas contas correntes, pela Impugnante situa-se, desde Outubro de 2014 nos valores acima referidos – cfr. declarações de parte e prova testemunhal; 16. A Impugnante não atingiu em algum momento taxa de rendimento para a produção de aguardente de figo de 9 litros por arroba de produto – cfr. declarações de parte e prova testemunhal; 17. A Impugnante só aproveita a aguardente produzida no meio do processo de destilação – cfr. declarações de parte e prova testemunhal; 18. O figo apresentado para destilar é, pelas suas características físicas, de menor qualidade – cfr. declarações de parte e prova testemunhal. 2.2. O direito Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial e, em consequência, anulou os actos de liquidação de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA) e juros compensatórios impugnados. A sentença recorrida julgou procedente o vício de falta de fundamentação e prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados na petição inicial. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, alegando, no essencial, que (i) o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que tinha de conhecer e sobre elas decidir, padecendo a sentença desta forma de nulidade por omissão de pronúncia; (ii) incorreu em erro de julgamento, porquanto a ocorrência de vícios de forma no processo de reclamação graciosa (no caso a falta de fundamentação) nunca poderia implicar a anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) e respectivos juros compensatórios conforme decidido e, ainda, porque a decisão da reclamação graciosa está fundamentada. Vejamos. 2.2.1. Alega a Recorrente que o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que tinha de conhecer e sobre elas decidir, padecendo a sentença desta forma de nulidade por omissão de pronúncia. Nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. Outrossim, estabelece o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 608º, nº 2 do CPC, em que se estabelece que o juiz deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Na sentença recorrida, após ser dado como verificado o vício de falta de fundamentação do acto de indeferimento da reclamação graciosa, concluiu-se pela procedência da impugnação judicial, e consignou-se que tal “determina a anulação dos actos impugnados, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões dos autos - artigo 608.º, n.º 2 do CPC”. Portanto, o tribunal quo deixou bem expresso na sentença que a procedência do vício apreciado (falta de fundamentação) acarretava a prejudicialidade do conhecimento das demais questões suscitadas nos autos. Ora, quando o tribunal entende que o conhecimento de uma questão fica prejudicado e o declara expressamente, pode ocorrer um eventual erro de julgamento se estiver errado o entendimento em que se baseou esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia. Assim, tendo a sentença recorrida indicado expressamente o motivo por que não conhecia as demais questões suscitados nos autos, é de concluir que não padece da invocada nulidade por omissão de pronúncia. Improcede, por isso, este fundamento do recurso. 2.2.2. Alega ainda a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao anular o acto de liquidação impugnado, com base na procedência do vício de falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa. É incontroverso, como refere a Recorrente, que a procedência de um vício procedimental da decisão da reclamação graciosa não poderá consequenciar a anulação do acto tributário. Tal vício poderá anular a decisão administrativa proferida na reclamação mas com tal efeito se quedará, podendo apenas conduzir, naquele primeiro aspecto, ao proferimento de nova decisão na reclamação, sanado o cometido vício procedimental mas nunca à anulação da liquidação igualmente impugnada - assim, acórdão STA de 16.06.2004, Processo 0187/03. Por outro lado, também constitui entendimento jurisprudencial pacífico e reiterado, que anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que este é competente para conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação quer dos vícios imputados à liquidação - cf., entre outros, acórdãos STA de 16.06.2004, Processo 01877/03; de 28.10.2009, Processo 0595/09; de 18.05.2011, Processo 0156/11; de 12.10.2011, Processo 0463/11; de 16.11.2011, Processo 0723/11; de 18.06.2014, Processo 01942/13; de 20.05.2015, Processo 01021/14; de 02.02.2022, Processo 01260/08.4 BESNT. No caso, como vem anunciado no intróito da petição inicial, a impugnação judicial foi deduzida da decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa “cumulada com impugnação judicial da liquidação do tributo”, imputando-se vícios tanto à decisão da reclamação graciosa como ao acto de liquidação. Na sentença recorrida apenas foi apreciado e julgado verificado o vício de falta de fundamentação e, em consequência, julgado prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados. E com fundamento na procedência desse vício, o tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial e, em consequência, a anulação do acto de liquidação impugnado. Todavia, e se bem percebemos, o tribunal a quo não reporta propriamente o vício de falta de fundamentação à decisão da reclamação graciosa, mas sim aos montantes de imposto e juros compensatórios corrigidos contidos no ofício que foi remetido ao sujeito passivo [cf. ponto 11) do probatório], em resultado do deferimento parcial da reclamação graciosa. Aliás, para concluir pela falta de fundamentação desses montantes, o tribunal a quo alheia-se precisamente da fundamentação da decisão da reclamação graciosa. Como quer que seja, essa questão, no caso, não é relevante, porque a Recorrente também imputa erro de julgamento à sentença recorrida na parte em que julgou procedente o vício de falta de fundamentação, argumentando que, ao contrário do que foi entendido pelo tribunal a quo, os montantes corrigidos e indicados no aludido ofício estão devidamente fundamentados na decisão da reclamação graciosa. E a Recorrente tem razão. Por um lado, a denominada “nova” liquidação de imposto, referida no aludido ofício, não tem conteúdo inovador, consubstanciando apenas uma mera correcção aos valores da liquidação primitiva, decorrente de a pretensão do sujeito passivo ter sido parcialmente atendida, em sede de procedimento de reclamação graciosa. Como é entendimento jurisprudencial, a liquidação correctiva não possui natureza de acto substitutivo porque não cria um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta, tratando-se antes de um acto que se confina a expurgar uma parte do acto primitivo - cf., entre outros, acórdão STA de 31/5/2023, Processo 030/17.3BCLSB. Ao emitir o “novo” acto de liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira não está a praticar um acto com conteúdo inovatório. Limitou-se a anular administrativamente o acto tributário na parte em que foi atendida a pretensão do sujeito passivo, mantendo-o no demais. Como se refere no acórdão do STA de 18/2/2010, Processo 00195/09 “[a] revogação (no caso, anulação) parcial de uma liquidação e a substituição do montante da mesma pelo novo montante não se traduz na revogação da liquidação e sua substituição por outra: a liquidação continua a ser a mesma, se bem que corrigida ou expurgada da parte revogada.” E, portanto, a fundamentação da liquidação é, no caso, a que resulta do relatório de inspecção tributária que lhe serviu de suporte (a que não foi assacado qualquer vício de falta de fundamentação) e, na parte corrigida, da decisão da reclamação graciosa, em resultado do deferimento parcial da pretensão da Recorrida. Quanto à correcção do montante do imposto e juros compensatórios efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o tribunal a quo não podia deixar de ter em conta que a mesma resulta, como aliás é expressamente referido no ofício a que alude, da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, oportunamente notificada ao sujeito passivo. É nessa decisão que a correcção efectuada encontra o seu suporte e donde se deve retirar o itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente à mesma e ao cálculo dos (inferiores) montantes de impostos e respectivos juros compensatórios a pagar. Ora, na decisão da reclamação graciosa está devidamente justificada, e em termos que se revelam apreensíveis para um destinatário normal, a correcção efectuada, na parte em que foram atendidos os argumentos da Recorrida, e o reflexo nos montantes de imposto e juros compensatórios a pagar em resultado dessa correcção, constante, como aí é referido, de mapa anexo a essa decisão - cf. pontos 9) e 10) do factos provados. Sendo certo que há uma total correspondência entre os montantes incluídos na denominada “nova” liquidação e os da decisão da reclamação graciosa. Pelo que, é de concluir que não se verifica falta de fundamentação dos montantes de imposto e juros compensatórios a pagar em resultado do deferimento parcial da reclamação graciosa, não podendo manter-se a sentença recorrida que assim não entendeu. Procede, pois, o recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira, o que implica a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para conhecimento dos demais fundamentos da impugnação. Em conclusão: 1. Não há nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal diz expressamente que o conhecimento das demais questões fica prejudicado pela procedência do vício apreciado. 2. Ao emitir uma “nova” liquidação em resultado da anulação parcial, em sede de reclamação graciosa, da primitiva liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira não está a praticar um acto com conteúdo inovatório, mas apenas a anular o acto tributário na parte em que foi atendida a pretensão do sujeito passivo, mantendo-o no demais. 3. Está fundamentado o valor de imposto a pagar em resultado do deferimento parcial de reclamação graciosa se, nesta decisão, consta, em termos que se revelam apreensíveis para um destinatário normal, o itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente à correcção efectuada, na parte em que foi atendida a pretensão do sujeito passivo, e o cálculo do valor (inferior) de imposto a pagar. 3. Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em: a) Conceder provimento ao recurso; b) Revogar a sentença recorrida; c) Determinar a baixa dos autos à 1.ª instância para apreciação das demais questões suscitadas nos autos, se a tal nada mais obstar. Custas pela Recorrida, sem taxa de justiça porque não contra alegou. Lisboa, 23 de Outubro de 2024 - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro. |