Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01095/06.9BELSB 0843/17 |
Data do Acordão: | 11/27/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | NEVES LEITÃO |
Descritores: | TAXA DE CONSERVAÇÃO DE ESGOTOS TAXA IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS |
Sumário: | I - O facto tributário subjacente à taxa de conservação de esgotos (TCE) é configurado pela ligação do colector de cada prédio urbano à rede geral de esgotos do município onde se encontra situado, constituindo a contrapartida pecuniária devida ao município pelos encargos suportados com a sua manutenção e conservação. II - A norma constante do art.14º nº 1 DL nº 287/2003, 12 novembro (diploma de aprovação do CIMI, com início de vigência em 1 dezembro 2003) deve ser interpretada com o sentido de que a TCE não pode exceder ¼ da taxa de IMI fixada para os prédios urbanos no mesmo ano (e não ¼ da colecta de IMI apurada no ano a que respeita a TCE). III - Não invalida a antecedente interpretação o facto de a norma transitória constante do art.25º nº 1 DL nº 287/2003, 12 novembro ter estabelecido um limite de € 60 para o aumento da colecta do IMI no ano de 2004, por comparação com o ano 2003; e a Tabela de Taxas e Outras Receitas (TTOR) do município de Lisboa ter estabelecido para o ano 2004 um limite de € 15 para o aumento da colecta da TCE, por comparação com o ano 2003, correspondente a ¼ do aumento da colecta do IMI. |
Nº Convencional: | JSTA000P25238 |
Nº do Documento: | SA22019112701095/06 |
Data de Entrada: | 07/12/2017 |
Recorrente: | A............., LDA |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE LISBOA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1. A………………, L.da interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento de recurso hierárquico apresentado contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidação de taxa de conservação de esgotos (TCE) no montante de €4.624,26 efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa (ano 2003) 1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões: A) O Tribunal a quo decidiu não dar razão à Recorrente na impugnação judicial que esta apresentou da liquidação de taxa de conservação de esgotos (TCE) relativa ao ano de 2003 do prédio sito na Rua ……………, nº …………, em Lisboa. B) Na sua Impugnação a Recorrente entendia que o valor que estava obrigada a pagar de TCE em 2004, relativa a 2003, era de apenas € 858,97, valor que correspondia a 1/4 do IMI que pagou sobre o prédio relativamente àquele ano. C) O Tribunal decidiu que o valor que a Recorrente estava obrigada a pagar foi o que efetivamente lhe foi liquidado no montante de € 4.624,26 D) Fundou o Tribunal a sua decisão nos artºs 112º nº 1 alínea b) e 14º todos do Decreto-Lei 287/2003, de 12 de Novembro, no sentido de que a TCE corresponderia sempre a 1/4 da percentagem da tabela de IMI aplicável ao prédio e não a 1/4 do IMI a pagar pelo prédio. E) Ou seja, entendeu o Tribunal que, sendo a percentagem da tabela de IMI aplicável de 0,7%, a taxa da TCE seria de 0,175% a incidir sobre o VPT do prédio, no caso, € 2.642.435,73 x 0,175% = € 4.624,26 F) Contudo, salvo o devido respeito, o Tribunal ao decidir assim, violou outras disposições do próprio Decreto-Lei 287/2003, como também, ainda que assim não fosse, fez uma incorreta interpretação das disposições que aplicou, senão vejamos: G) O Decreto-Lei 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que procedeu à reforma do regime da tributação do património, estabelece no artigo 25º do seu regime transitório, uma cláusula de salvaguarda no sentido de que o valor a pagar de IMI não possa aumentar mais de € 60,00 na liquidação deste imposto a realizar no ano de 2004 face ao ano de 2003. H) Daí que, a Requerente, em vez de ter pago em 2004 de IMI 0,7% do VPT do prédio, ou seja, € 18.497, pagou apenas € 3.435, conforme documento junto aos autos. I) Mas, o legislador, até por coerência de atuação, viria a estabelecer que a TCE teria os limites máximos as taxas estabelecidas no artº 112º do Decreto Lei 287/2003, mas que o cálculo do valor a pagar de TCE seria definido por deliberação da Assembleia Municipal (cfr. artº 112º, nº 4, daquele diploma) J) E o facto foi que a Assembleia Municipal do Concelho de Lisboa viria através do seu Edital 1/2004 de 8 de Janeiro, que aprovou a tabela da TCE, estabeleceria no seu artº 52º, nº 2, alínea a) que a TCE a cobrar em 2004, relativa a 2003, não poderia exceder em mais de € 15,00 a TCE cobrada no ano anterior (cláusula de salvaguarda). K) Esta disposição serviu exatamente para manter o valor da TCE em exatamente 1/4 do IMI - os € 15,00 de aumento máximo da TCE corresponde a 1/4 dos € 60,00 de aumento máximo do IMI. L) Ou seja, o legislador, no caso o Governo e Município de Lisboa, criaram um regime transitório, limitando o valor do aumento anual do valor a pagar de IMI e de TCE de 2003 para 2004 em € 60,00 e € 15,00 respetivamente. M) Mantendo o rácio de 1/4 entre a TCE e o IMI. O que bem se compreende e faz toda a lógica. N) O Tribunal a quo ao entender que a Recorrente num ano (2004 relativo a 2003) em que pagou de IMI € 3.435 deveria ter pago 4.624,26 de TCE faz uma interpretação errónea da legislação aplicável ao caso. O) Não só porque não levou em linha de conta o artº 112º, nº 4 do DL 287/2003 conjugado com a deliberação publicada no Edital nº 1/2004 de 8 de Janeiro da Assembleia Municipal de Lisboa, mas também porque não respeitou o artº 9º do Código Civil na interpretação que fez do DL 287/2003 no sentido de que a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada P) E no caso concreto, é manifesto que será absurdo qualquer interpretação da lei que determine que o valor da TCE a pagar por um contribuinte relativa a um prédio em determinado ano, possa ser manifestamente superior ao valor do IMI a apagar pelo mesmo contribuinte, pelo mesmo prédio e pelo mesmo ano. Q) Toda a lógica da legislação aplicável à TCE versus IMI sempre apontou e aponta para que a primeira represente 1/4 do valor da segunda. R) E tanto assim é que a Recorrente nos anos subsequentes, 2005, em diante, continuou a pagar a TCE sujeita à cláusula de salvaguarda, pagando em 2005, € 877,96; em 2006, € 900,46; em 2007, € 926,00, e em 2008, € 956,71 S) Assim como, a Recorrente pagou de IMI, ao abrigo da cláusula de salvaguarda, apenas € 3.510,86, em 2005; € 3.600,86, em 2006; € 3.705,86, em 2007 e € 3.825,86, em 2008 Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, e em consequência deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação apresentada pela Recorrente do valor da liquidação da taxa de conservação de esgotos que lhe foi liquidada em 2004, relativa ao ano de 2003, com respeito ao prédio em causa, passando a liquidação do valor € 4.624,26 para € 858,96, tudo com as demais consequências legais. ASSIM FAZENDO V.EXAS. A ACOSTUMADA JUSTIÇA! 1.3. A Fazenda Pública apresentou contra-alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões: 1. O presente Recurso foi incorrectamente dirigido ao Tribunal Central Administrativo Sul. 2. Com efeito, a Recorrente no presente recurso não põe em causa, em momento algum, seja no corpo alegatório, seja nas conclusões que deduz, a matéria de facto dada como provada, nem tão pouco, almeja a sua aIteração. 3. Neste contexto, nas Conclusões apresentadas pela Recorrente, e que fixam o objecto do Recurso, não é referida matéria de facto, tendo por exclusivo fundamento matéria de direito e questões jurídicas que entende erroneamente apreciadas na decisão do Tribunal a quo. 4. Tratando-se exclusivamente de matéria de direito, o presente recurso deveria ter sido interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sob pena de violação das regras de competência em razão da matéria, facto que, nos termos do n.º 2 do artigo 18º do CPPT, determina a incompetência absoluta desse Venerando Tribunal Superior. 5. A douta Sentença considerou provados os factos que, nos autos, detinham interesse para a questão controvertida e que elenca sob os Pontos A. a N. do probatório. Factos estes não controvertidos, porquanto aceites pela Recorrente. 6. A douta Sentença recorrida decidiu bem ao julgar não se verificarem os vícios que na Impugnação Judicial a ora Recorrente pretende assacar ao acto de liquidação da TCE referente ao ano de 2003, não merecendo, na ótica da Recorrida, qualquer reparo. 7. Ao contrário do versado pela Recorrente nas alíneas F) a S) das Conclusões de Recurso, o cálculo da taxa sindicada respeita, na íntegra, a disciplina legal e regulamentar aplicável à data da verificação do facto tributário da TCE referente ao ano de 2003, basta, para o efeito, atentar no regime jurídico e especificidades que envolvem a sua liquidação, como decidiu, e bem, o Tribunal a quo. 8. A taxa de conservação de esgotos do ano de 2003 encontra a sua sede legal e regulamentar na alínea d), do artigo 16º, alínea I) do artigo 19º e 20º, todos da Lei das Finanças Locais e do artigo 53º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (TTORM) para o ano de 2003, aprovada pelo Edital nº 1/2003, publicada no Boletim Municipal nº 464, de 9 de Janeiro de 2003. 9. A liquidação da taxa de conservação de esgotos é anualmente publicitada através de Edital, e mais concretamente no que respeita à liquidação em causa no Edital nº 68/2004, publicado no Boletim Municipal nº 557, de 21 de Outubro de 2004. 10. Como decorre da Observação 8ª ao artigo 53° da TTORM/2003, a taxa é anual, não fracionável e devida pelo proprietário ou usufrutuário a partir do ano seguinte ao da ligação do prédio à rede de esgotos, em 31 de Dezembro do ano a que disser respeito (data da verificação do facto tributário), 11. Pressuposto da liquidação da taxa de conservação é a inscrição do imóvel na matriz, uma vez que o valor da taxa de conservação de esgotos é fixado com base no valor patrimoniaI dos imóveis, constante da respetiva matriz, elemento fornecido anualmente pelos Serviços de Finanças. 12. No caso dos autos, o CIMI entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 aplicando-se a sua disciplina jurídica à liquidação controvertida, atenta a data de verificação do facto tributário, em 31 de Dezembro de 2003, e o facto de o CIMI, então em vigor, conter regras atinentes ao tributo controvertido, escrupulosamente cumpridas pela Recorrida, como decidido e bem pelo Tribunal a quo. 13. À data da verificação do facto tributário, disciplinava o artigo 14º do Diploma Preambular do CIMI que o valor da taxa de conservação de esgotos teria como limite máximo 1/4 ou 1/8 da taxa aprovada em Assembleia Municipal para efeitos de liquidação de IMI, consoante os prédios não tenham, ou tenham, sido avaliados de acordo com as regras previstas no CIMI e dentro dos limites estabelecidos no artigo 112º do CIMI, designadamente nas alíneas b) e c) do seu n.º 1. 14. As taxas para a liquidação do IMI aprovadas pela Recorrida contemplam tal disciplina, correspondendo a 0,7% para os prédios urbanos contemplados na alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e a 0,4% para os prédios urbanos contemplados na alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º do mesmo código. 15. Da conjugação do disciplinado no artigo 14º do Decreto Preambular e no artigo 112º do CIMI resulta que, o cálculo da taxa de conservação de esgotos efetuado pelos serviços da Recorrida, na liquidação em causa nos presentes autos, teve como referência o valor patrimonial do imóvel, em 31 de Dezembro de 2003, determinado pelo Serviço de Finanças (cfr. artigo 12º do CIMI), o qual foi multiplicado por 0.175% correspondente a 1/4 da taxa de 0,7% aprovada pela Assembleia Municipal, para a liquidação de IMI. 16. Pelo exposto, resulta claro, que na liquidação em apreço foram respeitadas todas as disposições legais e regulamentares citadas, tendo os serviços municipais procedido ao cálculo da taxa de conservação de esgotos adotando a base de incidência prevista na TTORM/2003, o valor patrimonial do prédio averbado na matriz predial urbana no momento a que se reporta a liquidação, isto é, 31 de Dezembro de 2003, bem como, as limitações impostas pelos referenciados artigo 14º preambular e artigo 112º do CIMI, cuja disciplina legal entrou em vigor em momento anterior à data da verificação do facto tributário. 17. A este respeito, reafirma a Recorrida que, a Recorrente incorre em erro de interpretação das normas jurídicas que disciplinam a liquidação da taxa de conservação de esgotos, pretendendo, num raciocínio que não encontra eco na disciplina legal, aplicar o limite de 1/4 ao valor tributado de IMI (isto é, ao valor liquidado de imposto a pagar pelo contribuinte), quando o referido limite Incide, por decorrência legal, sobre, a taxa a aplicar no cálculo/liquidação de IMI e não, reitera-se, sobre o valor do imposto liquidado em função daquela taxa. 18. A Recorrente traz à discussão, reitera a Recorrida, uma construção Jurídica que não encontra eco nem na letra da lei, nem na letra nos dispositivos regulamentares, cujos normativos regem a liquidação em apreço, como bem asseverado na douta Sentença Recorrida. 19. Nem tão pouco, tal construção jurídica encontra amparo na unidade do sistema Jurídico e na ratio da lei a que a Recorrente apela e entende violada pelo Tribunal o quo ao, segundo alega, cingir-se apenas ao literalismo da lei. 20. A jusante, diga-se, desde logo, que a tese da Recorrente falece por firmar, em jeito próprio, uma Interpretação sem qualquer fundamento no regime jurídico em discussão e aplicável à TCE do ano de 2003, seja na letra das normas jurídicas que sustentam a liquidação, seja no espírito das mesmas e muito menos na unidade do sistema jurídico, a cujo apelo a Recorrente evoca para justificar a absoluta desconsideração da disciplina jurídica subjacente à liquidação controvertida, insistindo na aplicação de normas regulamentares (TTORM/2004) que não estavam em vigor à data da verificação do facto tributário da TCE/2003. 21. A montante, diga-se que, o Tribunal a quo ao chamar à colação, na decisão que firma, os limites da interpretação da lei, afirmado e bem que estes significam que o teor verbal da lei é o elemento básico por onde deve começar todas a interpretação, sendo também o limite (dentro do fim ou ratio que subjaz à norma e ao sistema em que se insere) que não pode ser ultrapassado pelo intérprete, mais não faz do que, afastando a errada interpretação da Recorrente, aplicar e bem as normas legais e regulamentares que subjazem ao acto de liquidação da TCE do ano de 2003. 22. No que respeita ao limite de 15€, aplicável à coleta da taxa de conservação de esgotos de prédios urbanos, com exceção dos avaliados de acordo com as regras introduzidas pelo CIMI, e com referência ao valor liquidado no ano anterior, renova a Recorrida, ao contrário do entendimento da Recorrente, tal limite foi introduzido, pela Câmara Municipal de Lisboa, apenas, na TTORM de 2004, pelo que só limita a liquidação referente a esse ano, cujo facto tributário opera em 31 de Dezembro de 2004, e aos que se lhe seguirem, enquanto persistir a tal opção regulamentar. 23. Tal regime de salvaguarda constituiu, insiste-se, uma opção da Câmara Municipal de Lisboa e, reitera a Recorrida, tal cláusula de salvaguarda apenas foi introduzida no diploma regulamentar aprovado para o ano financeiro de 2004 e, consequentemente, quanto às liquidações da taxa de conservação de esgotos referentes ao ano de 2004, uma vez mais, atenta a data da verificação do facto tributário - 31 de Dezembro do ano a que respeitar a liquidação. Deste modo, não influencia, ao contrário do defendido pela Recorrente, a liquidação vertente, por não existir/vigorar à data da verificação do facto tributário que esteve na base da mesma. 24. A Recorrente incorre no erro de considerar a TTORM/2004 aplicável à liquidação controvertida quando, pelas regras gerais da aplicação das normas no tempo, ao acto de liquidação da TCE do ano de 2003 aplica-se a disciplina jurídica em vigor à data da verificação do seu facto tributário, isto é, a 31 de Dezembro de 2003, sendo, nessa data, o normativo regulamentar em vigor a TTORM/2003 e os limites introduzidos pelo artigo 14º do referido Decreto-Lei n.º 287/2003, e não, diga-se com veemência, a TTORM em vigor para o ano financeiro de 2004 e cujo dispositivo se aplica à TCE do ano de 2004, por referência à data da verificação do facto tributária, 31 de Dezembro (de 2004). 25. A Recorrente confunde o acto de liquidação da TCE com a data da verificação do facto tributário e o nascimento da relação jus-tributária, erro de direito que atinge, na sua totalidade, a argumentação que leva à alçada desse Venerando Tribunal Superior, à semelhança, aliás, da que levou ao conhecimento do Tribunal a quo e cuja decisão, pela estrita observância e aplicação do direito, vaticinou a total improcedência da presente impugnação e, assim, bem se decidiu na douta Sentença, ora em recurso. 26. De igual feita, o regime de salvaguarda previsto no artigo 25º do Decreto-Lei 287/2003 tinha como âmbito de incidência, apenas e tão só, as liquidações de IMI. 27. A este respeito, diga-se que a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 25.º do Diploma que aprovou o IMI, apenas delimita o aumento da coleta do IMI resultante da atualização dos valores patrimoniais tributários, não se aplicando à taxa de conservação de esgotos, que dispõe de dispositivo próprio naquele Diploma, cujo n.º 1 do artigo 14.º estabelece os limites das taxas de conservação de esgotos calculadas com base nos valores patrimoniais dos prédios: 1/4 ou 1/8 das taxas fixadas ao abrigo das alíneas b) e e), do n.º 1, do artigo 112.º, do CIMI, como se mencionou supra e que a Recorrida cabalmente adotou na liquidação aqui em causa. 28. Improcedem, assim, na sua totalidade, os argumentos invocados pela Recorrente como base do presente Recurso. 29. O acto de liquidação da taxa de conservação de esgotos questionado nos presentes autos foi praticado de acordo com lei habilitante expressa, no pleno uso das competências atribuídas por lei aos municípios e de acordo com o previsto na lei e nas normas regulamentares, para o efeito, não padecendo de qualquer vício ou irregularidade, sendo plenamente válido. 30. Bem decidiu o TribunaI a quo, devendo a sua decisão ser mantida na ordem jurídica, assim de fazendo, a já a costumada JUSTIÇA. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO SE CONCLUI, INVOCANDO O DOUTO SUPRIMENTO DE V.Exªs, PELA MANUTENÇÃO DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO A JÁ COSTUMADA JUSTIÇA. 1.4. Por acórdão proferido em 27 abril 2017 o Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, indicando como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo (processo físico fls.246/260). 1.5. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (processo físico fls.278/279) 1.6. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência. 2.FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DE FACTO A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos: A. A Impugnante detém, entre outros, o prédio urbano sito na Rua ………….., n.ºs ……….-……….., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………………… sob o artigo 615 (acordo das partes); B. A B…………….., Lda., foi notificada da liquidação e cobrança da taxa de conservação de esgotos referente ao ano de 2003, relativa ao mesmo prédio, no montante de € 858,96, através da factura n.º 56000096353, emitida em 1 de Novembro de 2004, correspondente ao doc. 8, junto com a p. i., a fl. 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; C. A B……………., Lda., efectuou em 26 de Novembro de 2004 o pagamento parcial da factura referida na letra anterior, do montante de € 429,48, conforme cheque correspondente ao doc. 9, junto com a p. i. a fl. 29, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; D. A Impugnante foi notificada da liquidação e cobrança do IMI referente ao ano de 2003, relativo ao mencionado prédio, no montante de € 3.435,86, valor correspondente a 0,7% do valor patrimonial do prédio, através do documento n.º 2004 330004803, emitido em 9 de Junho de 2005, correspondente ao doc. 7, junto com a p. i. a fl. 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; E. A Impugnante foi notificada da liquidação e cobrança da taxa de conservação de esgotos referente ao ano de 2003, relativa ao referido prédio, no montante de € 4.624,26, através da factura n.º 560000170850, emitida em 1 de Julho de 2005, correspondente ao doc. 3, junto com a p.i., a fl. 13, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; F. A Impugnante apresentou em 19 de Julho de 2005 reclamação graciosa "contra o valor patrimonial inscrito na matriz" (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fl. 12, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, igualmente constante do PAT apenso); G. A Impugnante apresentou em 20 de Julho de 2005 reclamação graciosa "contra a liquidação da taxa de conservação de esgotos" (cf. doc. 4, junto com a p. i. a fls. 15 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, igualmente constante do PAT apenso); H. A Impugnante efectuou em 2 de Agosto de 2005 o pagamento parcial da factura referida na letra C, do montante de € 2.254,33, conforme recibo correspondente ao documento junto a fl. 68, igualmente constante de fl. 85, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; I. Por ofício n.º 1763/DC/DROR/2005, de 12 de Outubro de 2005, da Divisão de Apoio Técnico do Departamento de Apoio Jurídico à Actividade Financeira da Direcção Municipal de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, a Impugnante foi notificada nos seguintes termos essenciais (cf. doc. 5, junto com a p. i. a fl. 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido): Assunto: TAXA DE CONSERVAÇÃO DE ESGOTOS DE 2004 Fica V. Exa notificado que foi deferido o pedido apresentado através do processo nº 23816/DMSC/2005, tendo sido anulada parcialmente a liquidação da taxa de conservação de esgotos de 2004 (relativa a 2003) factura nº. 560000170850. Assim sendo, deverá V. Exa dirigir-se à Tesouraria desta Câmara, sita no Edifício do Campo Grande, 25 piso 0, das 9h às 16h, a fim de efectuar o pagamento da importância remanescente da 1ª prestação no valor de 2.312,13 euros até ao próximo dia 21 do corrente mês, sem juros de mora, munido deste ofício. J. A Impugnante apresentou em 11 de Novembro de 2005 recurso hierárquico "da decisão constante do referido ofício" (cf. doc. 6, junto com a p. i. a fls. 20 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, igualmente constante do PAT apenso); K. Por ofício n.º 226/DAJAF/DAT/06, de 4 de Abril de 2006, da Divisão de Apoio Técnico do Departamento de Apoio Jurídico à Actividade Financeira da Direcção Municipal de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, a Impugnante foi notificada nos seguintes termos essenciais (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fl. 11, cujo teor se dá por integralmente reproduzido): Fica V.Exa notificada, na Qualidade de mandatária de A……………., Lda. de que, por despacho de 21 de Março de 2006 do Sr. Vice Presidente, no uso das competências delegadas através do Despacho n.º 72/P/2006, publicado no Boletim Municipal n.º 626, de 16 de Fevereiro de 2006, e relativamente aos processos acima identificados, foi decidido o seguinte: 1. Na sequência da apresentação, pela representada de V.Exa. do Recurso Hierárquico autuado sob o n.º 36331/DMSC/05, constatou-se que, no processo de Reclamação Graciosa sobre o qual aquele Recurso incindia, não havia sido proferida decisão relativamente à totalidade do pedido, pelo que, no âmbito do Processo de Reclamação Graciosa n.º 23816/DMSC/05, mantendo-se a decisão de deferimento anteriormente proferida, no que respeita às fracções do prédio sito na Av. ………, ……..•……..-……….., foi ora decidido, relativamente ao prédio sito na Rua …………, n.ºs ………-………, indeferir o pedido, nos seguintes termos: a) No que concerne ao facto de ter sido solicitada segunda avaliação do imóvel, junto dos serviços de finanças competentes, o mesmo não influi na liquidação da Taxa de Conservação de Esgotos até que, eventualmente, seja averbado o novo valor patrimonial; b) Por outro lado, a liquidação da Taxa de Conservação de Esgotos foi efectuada de acordo com as normas estabelecidas para o efeito, no CIMI (v.g., no art. 14º do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro) e na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais em vigor para o ano de 2003 ano da verificação do facto tributário em questão, referindo-se que o limite de €15 veio a ser aprovado para a liquidação de 2004 da Taxa de Conservação de Esgotos. 2. Face à decisão proferida no proc. n.º 36331/DMSC/05, foi decidido arquivar o Recurso Hierárquico autuado sob o n.º 36331, por inutilidade superveniente. L. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação 21/DAJAF/DAT/06 e despacho concordante proferido pelo Vice-Presidente em 21 de Março de 2006, constantes do PAT apenso; M. A p. i da presente impugnação judicial foi enviada a juízo via correio postal registado em 21 de Abril de 2016 (cf. carimbo dos CTT aposto a fl. 33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); N. Do artigo 53.°, n.º 3, da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para o ano de 2003, aprovada por Edital n.º 1/2003, publicado no 1º Suplemento ao Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa n.º 464, consta, entre o mais, que a taxa de conservação de esgotos (por ano) é de 0,25% do valor patrimonial do prédio (cf. doc. 1, junto com a contestação, a fls. 58 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 2.2. DE DIREITO 2.2.1. Questão decidenda: legalidade da liquidação da taxa de conservação de esgotos efectuada pelo município de Lisboa, referente ao ano 2003 2.2.2. Apreciação jurídica 2.2.2.1. As autarquias dispõem de poderes tributários e regulamentares próprios para o exercício das competências e prossecução das atribuições nas áreas do ambiente e saneamento básico (arts. 238º e 241º CRP; art.13º nº1 al.l) Lei nº 159/99, 14 setembro) O facto tributário de onde emerge a obrigação tributária de pagamento da TCE 2003 é configurado pela ligação do colector de cada prédio urbano sito na área do município à rede geral de esgotos; sendo devida pelo seu proprietário ou usufrutuário em 31 dezembro 2003, a partir do ano seguinte ao daquela ligação, constitui a contrapartida devida ao município pelos encargos suportados com a manutenção e conservação da rede de esgotos (arts.16º al.d),19º al.l) e 20º Lei das Finanças Locais -Lei nº 42/98, 6 agosto; art.53º nº 2 al.b) Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (TTORM) para o ano 2003, aprovada pelo Edital nº 1/2003 publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa nº 464) Originariamente, a TCE 2003 correspondia a 0,25% do valor patrimonial tributário do prédio (VPT) (art.53º nº 3 TTORM para o ano 2003) O decreto preambular de aprovação do CIMI (diploma com início de vigência em 1 dezembro 2003) estabeleceu que a TCE não podia exceder ¼ da taxa de IMI fixada para os prédios urbanos (arts.14º e 32º nº1 DL nº 287/2003,12 novembro; art.112º nºs 2 al.b) e 4 CIMI) O município de Lisboa, mediante deliberação da assembleia municipal, fixou em 0,7% do VPT a taxa de IMI a aplicar aos prédios urbanos em 2003 (art.112º nº4 CIMI redação e numeração vigentes em 2003) Em consequência, foi aplicada a taxa de 0,175% ao VPT do prédio em causa, correspondente a ¼ da taxa aplicável de IMI, determinando a colecta da TCE apurada (VPT € 2 642 435,73 x 0,175%= € 4 624,26) 2.2.2.2. É de recusar a tese da recorrente segundo a qual a colecta da TCE deve corresponder a ¼ da colecta de IMI paga em 2003 (e não resultar da aplicação de taxa correspondente a ¼ da taxa aplicável de IMI) convocando-se para a sua refutação o seguinte argumentário: a) a interpretação do art.14º DL nº 287/2003, 12 novembro propugnada pela recorrente (supra enunciada) não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, não podendo ser adoptada para a reconstituição do pensamento legislativo subjacente à emissão da norma (art.9º nºs 1 e 2 CCivil) b) a norma regulamentar constante do TTORM para o ano 2004, que estabeleceu um limite de €15 para o aumento da colecta da TCE (por comparação com o ano 2003), e a norma transitória constante do art.25º nº1 DL nº 287/2003, 12 novembro que estabeleceu um limite de € 60 para o aumento da colecta do IMI, aplicam-se apenas ao ano 2004, segundo o princípio geral da aplicação da lei no tempo (art.12º nº1 CCivil; art.12º nº1 LGT) c) a norma transitória citada aplicava-se à colecta de IMI a partir do ano 2004 até ao ano 2011, estabelecendo um regime de salvaguarda por forma a evitar um aumento desproporcionado resultante da actualização dos VPT dos prédios urbanos por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda, enquanto não se completasse a sua avaliação geral segundo as regras previstas no CIMI (arts.16º e 25º nº 2 DL nº 287/2003, 12 novembro); d) o aumento da colecta da TCE em € 15 no ano 2004, estabelecido em norma regulamentar da TTORM para o ano 2004, exprime um acréscimo autónomo, sem qualquer correlação explícita com a acréscimo de € 60 estabelecido em acto legislativo para a colecta de IMI no ano 2004, não podendo constituir subsídio relevante para a interpretação da norma controvertida (art.14º DL nº 287/2003, 12 novembro) com o sentido pretendido pela recorrente 3- DECISÃO Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 27 de novembro de 2019. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - José da Ascensão Nunes Lopes. |