Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:046/24.3BALSB
Data do Acordão:09/26/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32654
Nº do Documento:SAP20240926046/24
Recorrente:AA (E OUTROS)
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



AA, com o NIF ...51, 1.º Recorrente e BB, com o NIF ...71, 2.º Recorrente, notificados da decisão do tribunal arbitral colectivo no processo n.º 414/2023-T, vêm pela presente requerer a aceitação do seu pedido de recurso e respectivas alegações para o Pleno da 2.ª Secção do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, o que fazem, nos termos do art.º 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, conjugados com os termos do disposto no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por aquela decisão arbitral se encontrar em contradição com outra decisão arbitral proferida no processo n.º 745/2022-T.

Alegaram, tendo concluído:
1.ª Conforme acima se demonstrou, os requisitos do art.º 152.º do CPTA, para admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência estão presentes: a) Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral; b) Que exista contradição entre essa decisão arbitral e outra decisão arbitral, relativamente à mesma questão fundamental de direito; C) Que a orientação perfilhada pelo acórdão recorrido não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
2.ª De igual modo, estão verificados os princípios exigíveis para a verificação da contradição: - para a questão em oposição apresentarem os recorrentes um acórdão fundamento para sustentar a sua pretensão; - só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; - é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, pressupondo esta a identidade dos respectivos pressupostos de facto; - a norma reguladora da decisão é a mesma e na sua mesma versão.
3.ª A mesma questão fundamental de direito exige que se esteja perante situações de facto idênticas, o que se verifica pelo circunstancialismo de estarmos perante a mesma exacta situação em que a mesma entidade (A...) adquiriu acções aos seus accionistas e, no mesmo momento e da mesma forma, lhes pagou parte da dívida que para com eles tinha, apenas mudando, nas situações aqui em conflito, a identidade dos accionistas objecto dos pagamentos.
4.ª Em virtude dessa situação de total igualdade de circunstâncias, foram os diferentes accionistas sujeitos a inspecção tributária visando os mesmos objectivos – a desqualificação da natureza de pagamento de uma dívida, por forma a que os rendimentos obtidos (mais-valias isentas) pudessem ser sujeitos a tributação como dividendos.
5.ª A norma da CGAA requer a verificação de várias condições, acima de tudo que se tenha atingido um fim de evasão fiscal através de meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas tendentes à obtenção de vantagens fiscais.
6.ª A decisão recorrida dá por verificadas estas duas condições, concluindo, em consequência, que o direito constituído não pode aceitar o resultado de vantagem fiscal alcançado pelos recorrentes, razão pela qual deve ser considerada fiscalmente ineficaz a qualificação dos pagamentos como pagamento de dívida, tal como efectuada pela empresa pagadora.
7.ª No entanto, conforme decorre do entendimento da decisão fundamento (e do voto de vencido da decisão recorrida), a constituição de uma SGPS para onde foram transferidas as acções das sociedades originais nada tem de artificioso ou fraudulento, antes pelo contrário, a criação de uma SGPS como entidade de topo de um grupo económico centralizando a gestão de todas as participações sociais do grupo em que se integram as sociedades operacionais com actividades distintas, foi precisamente o objectivo desejado pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, ao criar um regime especial para essas sociedades, mais favorável que a detenção das participações sociais numa sociedade operacional do grupo.
8.ª Daí resulta que a operação de reestruturação empresarial foi apta a cumprir o objectivo pretendido e que a sua motivação era empresarial e não fiscal tendo substância económico-empresarial consentânea com a finalidade para a qual foi levada a efeito.
9.ª Já na decisão recorrida, verifica-se a desconsideração dos factos e razões essenciais ao reconhecimento da legalidade dos atos tributários e motivação empresarial das decisões do grupo B... (business purpose test) em encontrar uma solução de governação que não pusesse em causa a congruência do exercício da sua atividade económica que, ainda que actuando com uma mesma marca, se encontrava, na realidade, dispersa por diferentes sociedades, detidas em distintas proporções por um núcleo de acionistas, com perspetivas e atuação no mercado diferenciadas.
10.ª A questão essencial aqui em causa, como se verifica nos pedidos de pronúncia arbitral, residia no facto da sociedade B... Norte se encontrar na situação de 50%/50%, promotora de ingovernabilidade, na medida em que o acionista CC tinha 50% do capital e a B... Software (sul) os restantes 50%.
11.ª Relativamente à aquisição das acções pela SGPS, no que respeita ao financiamento dos accionistas através de crédito, considerou a decisão fundamento, que consistiu num meio simples, sem os encargos do financiamento bancário e sem inconvenientes para o crescimento e fortalecimento do grupo, por a dívida aos accionistas poder ser paga a médio ou longo prazo na medida das disponibilidades da SGPS, sem colocar em causa os investimentos necessários para assegurar os seus objectivos.
12.ª Quanto ao elemento resultado, há que atentar que a obtenção de uma vantagem fiscal que a AT considerou injustificada, por se tratar da obtenção de rendimentos sem tributação em IRS, resultou de um regime legal de não tributação das mais-valias então vigente e não no comportamento dos Recorrentes que praticaram actos não proibidos e que eram até incentivados legislativamente.
13.ª Assim, concedido por lei e adquirido legalmente pelos recorrentes, o direito a receber as mais-valias realizadas sem sujeição a IRS, o diferimento do pagamento da dívida para momento em que já não vigorava essa não tributação não pode, por proibição do n.º 3 do art.º 103.º da CRP, ser pretexto para a tributação retroactiva das mais-valias.
14.ª Por outras palavras, o que aqui se verificou com o recurso à CGAA para tributar a posteriori mais-valias que não estavam sujeitas a tributação no momento indicado pela lei como sendo o devido para a sua tributação, foi a violação do princípio constitucional da proibição da retroactividade.
15.ª Há, pois, que concluir, como o fez a decisão fundamento, que as vantagens fiscais resultantes do acesso aos lucros acumulados pela B... foram legalmente obtidas à face do regime que vigorava quando foram concretizadas pelo que não se verifica nesta situação o elemento normativo, dado que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legalmente legitimada do resultado obtido se pode falar em reprovação da lei e, consequentemente, da verificação do elemento normativo.
16.ª Isto porque o regime da CGAA foi criado para eliminar vantagens fiscais ilegítimas e não as que se alcançam pela utilização dos meios previstos na lei para os contribuintes a elas recorrerem.
17.ª Conforme igualmente referido pela decisão fundamento, ao não se encontrarem verificados os elementos meio e normativo, necessários à aplicação da CGAA, deixa esta de ter condições de aplicabilidade, na medida em que os seus requisitos são cumulativos. A constatação da não verificação destes dois elementos basta para concluir pela ilegalidade da sua aplicação.
18.ª Nestes termos, há que concluir que a decisão recorrida incorre em erro de apreciação da CGAA ao considerar verificada a actuação por intermédio de meios artificiosos ou fraudulentos, que a actuação dos recorrentes não teve motivação económico-empresarial, orientando-se exclusivamente para fins de vantagens fiscais indevidas e que, como tal, essa actuação não pode ser pretendida pelo ordenamento fiscal vigente, devendo ser considerada ineficaz para efeitos fiscais e sujeita a tributação ao abrigo do art.º 5, n.º 2, alínea h), do CIRS.
19.ª Do exposto, resulta que a mesma questão fundamental de direito foi perante duas situações exactamente iguais tratada de forma oposta pelas duas decisões em confronto que tomaram soluções expressamente divergentes em resultado da interpretação efectuada com base nas mesmas regras de direito.
NESTES TERMOS, e nos mais de Direito aplicáveis, se requer o deferimento deste recurso, anulando-se a decisão arbitral recorrida proferida pelo Tribunal Arbitral Tributário.

Contra-alegou a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, pugnado, quer pela não admissão do recurso por não se mostrarem reunidos os requisitos a que alude o artigo 152º do CPTA, quer pelo não provimento do recurso por dever decair de mérito.

Também o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de não admissão do recurso.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
1. Os Requerentes são accionistas da C...- SGPS, SA.
2. Os Requerentes eram accionistas da D..., SA, no momento em que esta foi adquirida pela C...- SGPS, SA, no âmbito de um processo de reestruturação que teve lugar em 29 de Dezembro de 2009.
3. A reestruturação de 2009 teve, como propósitos anunciados, terminar com a dispersão de empresas e duplicação de estruturas resultantes de uma organização bicéfala, com duplicação de custos de estrutura e de contexto, mormente entre a sociedade D..., Lda e a Sociedade E..., Lda, mas abarcando também a sociedade F..., Lda, a sociedade G..., Lda, a sociedade H..., Lda, a sociedade I..., Lda, a sociedade J..., Lda, a sociedade K..., Lda e a sociedade L... Lda.
4. Ao todo, 9 empresas, com 15 sócios e 8 gerentes, divididas em 2 pólos: o de Lisboa centrado na D..., Lda, contendo ainda as sociedades F... e G...; o do Porto centrado na H..., e contendo as sociedades H..., I... e J..., K... e L... .
5. Entendeu-se que, com os propósitos anunciados, se deveria encarar a constituição de uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, que agregaria os sócios maioritários – a C...- SGPS, SA, com a seguinte composição:
a. M... (35%), com 17.500€ (3.500 ações)
b. A... (35%), com 17.500€ (3.500 ações) (o 1º Requerente no presente processo)
c. N... (20%), com 10.000€ (2.000 ações)
d. B... (8%), com 4.000€ (800 ações) (o 2º Requerente no presente processo)
e. O... (1%), com 500€ (100 ações)
f. P... (1%), com 500€ (100 ações),
6. No Conselho de Administração da C...- SGPS, SA ficaram:
· M... (Presidente)
· A... (Vice-Presidente) (o 1º Requerente no presente processo)
· B... (vogal) (o 2º Requerente no presente processo)
· N... (vogal)
7. A D..., Lda transformou-se em SA em 31 de Dezembro de 2009, e fez um aumento de capital, ficando a ser as seguintes as participações:
a. M...– 44,82% (€ 22.410)
b. A...– 44,82% (€ 22.410) (o 1º Requerente no presente processo)
c. B...– 9,96% (€ 4.980) (o 2º Requerente no presente processo)
d. Q...– 0,2% (€ 100)
e. R...– 0,2% (€ 100)
8. Nesse âmbito foi convencionado que os Requerentes, tal como os demais accionistas da D..., SA, alienariam em 30 de Dezembro de 2009 as suas acções à C...- SGPS, SA, e esta pagaria o respectivo preço ao longo de um prazo máximo de reembolso de 15 anos:
a. M... (venda de 2.241.000 acções à C...)
b. A... (venda de 2.241.000 acções à C...) (o 1º Requerente no presente processo)
c. B... (venda de 498.000 acções à C...) (o 2º Requerente no presente processo)
d. Q... (venda de 10.000 acções à C...)
e. R... (venda de 10.000 acções à C...)
9. O 1º Requerente vendeu as suas 2.241.000 acções na D..., SA por € 3.186.098,55.
10. O 2º Requerente vendeu as suas 498.000 acções na D..., SA por € 708.021,90.
11. Também em 31 de Dezembro de 2009 a E.., Lda se transformou em SA, realizou um aumento de capital e cedeu as suas acções à C..., da seguinte forma:
a. N... (49,71%, € 29.927,87) (venda de 2.992.787 acções à C...)
b. D... (49,71%, € 29.927,87) (venda de 2.992.787 acções à C...)
c. M... (0,24%, € 144,26) (venda de 14.426 acções à C...)
d. A... (0,17%, € 100,00) (venda de 10.000 acções à C...) (o 1º Requerente no presente processo)
e. B... (0,17%, € 100,00) (venda de 10.000 acções à C...) (o 2º Requerente no presente processo)
12. A D..., SA continuou a deter a maioria do capital das sociedades F... – e G..., cedendo a totalidade das quotas da F... (€ 5.000,00) à C... em 31 de Dezembro de 2009.
13. A H..., Lda, que dependia da E..., foi transferida em 100% (5.000€), por cedência de quotas, à C..., em 31 de Março de 2010.
14. Por cedência de quotas, a sociedade K..., Lda passou da E... para a C... em 76%, ficando os restantes 24% para o sócio S....
15. A criação da C...- SGPS, SA representou, portanto, a integração numa estrutura comum das sociedades D... e E..., e dessa circunstância decorreu a extinção da E..., em Maio de 2013.
16. No mesmo sentido, foram encerradas as sociedades G... e I... e J ... .
17. Em 11 de Março de 2010 foi criada uma nova sociedade,T..., Lda, com o objectivo de promover o software SaaS., tendo por sócios:
· C…- SGPS, SA (98%, € 4.900,00)
· D…, SA (2%, € 100,00)
E por gerentes:
· M...
· A... (o 1º Requerente no presente processo)
18. Em 27 de Junho de 2011 foi criada a U..., sociedade espanhola, detida a 100% pela C... (€ 25.000,00).
19. Já em 2018 e 2019, foram criadas, no grupo de empresas, sociedades em Moçambique (V...), em Angola (D..., Lda) e Perú (W...), todas com o objecto de comercialização de software.
20. Por seu lado, a sociedade H..., Lda, que foi redenominada X..., Lda. em 7 de Janeiro de 2011, e tinha como sócio único a C..., foi, em 1 de Abril de 2013, objecto de cessão de quotas para a sociedade Y..., SA, sociedade que não tem nada a ver com o grupo de empresas.
21. Em termos contabilísticos, a C... evidencia os seguintes resultados:

2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
Proveitos
0
2.304.789
382.866
1.651.274
2.316.903
2.090.271
1.724.021
2.558.925
2.067.676
2.706.895
3.170.480
3.040.020
Capitais próprios
50.000
2.357.126
3.219.137
4.902.014
6.938.712
9.015.246
10.590.251
12.539.182
14.048.096
16.135.238
18.147.599
20.595.005

22. A C...- SGPS, SA foi sujeita a procedimentos de inspecção relativamente aos exercícios de 2017 e 2018, em resultado das ordens de serviço n.os OI2019... e OI2021....
23. Os Requerentes foram, na sequência, objecto de procedimentos de inspecção aos anos de 2017 e 2018, respectivamente com os n.os OI2021..., 012021... (A...), OI2021... e OI2021... (B...).
24. Os resultantes RITs concluíram que, para ambos os Requerentes, se verificaram actos e negócios jurídicos que teriam sido essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos e com abusos de formas jurídicas, à eliminação de impostos que de outro modo seriam devidos, o que justificaria o recurso à norma geral anti-abuso prevista no art. 38º, 2, da LGT.
25. Especificamente, ambos os RIT concluíam que:
“Entende-se que o conjunto de operações levadas a cabo pelos acionistas das sociedades D... e C... SGPS, são negócios que devem ser objeto de qualificação como “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas”. Ao serviço de uma finalidade exclusivamente fiscal, os atos de aquisição de ações das sociedades D... e E... (Norte) pela C... SGPS foram objeto de uma utilização distorcida destinada simplesmente a conseguir, sem tributação, a distribuição de dividendos oriundos da D..., mediante distribuição “encapotada”, “indireta” de dividendos a B... (e aos restantes acionistas) com o fim de evitar que os montantes recebidos fossem subsumíveis na norma de incidência constante do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º CIRS, segundo os quais os lucros/ adiantamentos por conta de lucros, das entidades sujeitas a IRC, colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, constituem rendimentos de capitais (categoria E) sujeitos a IRS.
A sociedade criada, C... SGPS, foi utilizada e serviu de sociedade veículo para elidir o disposto no citado normativo, através de uma configuração artificiosa do pagamento de uma dívida em vez da obtenção de dividendos distribuíveis, de modo a obter uma vantagem fiscal. Configurou-se, sem qualquer substância económica, por razões estritamente fiscais, uma situação negocial que produz idênticos resultados materiais e financeiros, mas que possibilita evitar as consequências tributárias aplicáveis à distribuição de dividendos, nos termos do art.º 5.º n.º 2 alínea h) do CIRS, incorrendo-se numa prática abusiva de elisão fiscal.
Face a todo o exposto, entende-se estarem verificadas as condições para que se possa lançar mão do mecanismo previsto no n.º 2 do art.º 38.º da LGT.”
26. Nomeadamente, foi imputada aos Requerentes a omissão de tributação sobre dividendos que, na sua qualidade de accionistas da C...- SGPS, SA, teriam recebido nos anos de 2017 e 2018, no valor bruto de €408.000 (o 1º Requerente) e €36.000 (o 2º Requerente), em cada um daqueles anos.
27. Entretanto, ambos os Requerentes, que tinham auferido € 500,332,84, cada um, de rendimentos da categoria A provenientes da E... nos anos de 2009 e 2010, após a alienação à C... passaram a auferir cada um apenas €14,960,00, não tendo auferido quaisquer rendimentos da categoria A pagos pela E... em 2011 e 2012.
28. Os Requerentes foram informados do teor do RIT em 21 de Setembro de 2021, através do ofício nº..., tendo eles exercido esse direito de audição prévia em 29 de Outubro e 20 de Novembro de 2021.
29. Da conjugação dos factos alcançados nas acções inspectivas resultaram os fundamentos para se proceder à aplicação da norma legal anti-abuso prevista no art. 38º, 2 da LGT e do art. 63º do CPPT, cuja autorização foi dada a 18-11-2021 por despacho da Directora-geral da AT.
30. Daí resultaram, quanto a A..., as liquidações adicionais de IRS 2017 n.º 2021..., de 2021-11-09, com valor a pagar de €110.870,40, e IRS 2018 nº 2021..., de 2021-11-09, com valor a pagar de € 98.880,27; quanto a B..., as liquidações adicionais de IRS 2017 nº 2021..., de 2021-11-09, com valor a pagar de € 6.062,01, e IRS 2018 nº 2021..., de 2021-11-09, com valor a pagar de € 6.180,12. Tudo acrescido de juros compensatórios.
31. Ambos os Requerentes apresentaram reclamação graciosa (nº ...2022... A..., nº ...2022... B...), tendo também em vista a impugnação da liquidação de tributos com base na norma geral anti-abuso, para efeitos do art. 63º, 11 do CPPT. Nelas sustentaram que o pagamento efectuado pela C...- SGPS, SA aos seus accionistas não teve a natureza de dividendo, mas sim de pagamento de uma dívida de que os Requerentes são credores, resultante da compra, pela C...- SGPS, SA, das acções da D..., SA, da qual os Requerentes eram titulares.
32. No âmbito das reclamações graciosas, os Requerentes exerceram o seu direito de audição prévia, depois de notificados para o efeito pelos ofícios nº ... 23-01-20 e nº ... 23-01-20, nos quais se transmitia a conclusão do RIT relativa à “existência de actos e negócios jurídicos que teriam sido essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à eliminação de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, o que constituiu fundamento para a aplicação da norma legal anti-abuso (CGAA)”.
33. As decisões finais de indeferimento das reclamações graciosas, por despacho de 6 de Março de 2023, foram notificadas pelos ofícios ... 23-03-08 e ... 23-03-08, ambos da DF Lisboa, no dia 9 de Março de 2023.
34. No despacho de indeferimento consideraram-se “reunidos os pressupostos de direito e de facto para se proceder à sujeição a tributação dos rendimentos de capitais – categoria E - previstos no nº 1 e na al. h) do nº 2 do art.º 5.º do CIRS, auferidos e não declarados, relativos aos dividendos pagos ou colocados à sua disposição, em obediência à aplicação do disposto no nº 2 do art.º 38º da LGT, conjugado com o art.º 63.º do CPPT, e sobre os mesmos incidiria a taxa liberatória de 28%, prevista, à data dos factos, na alínea a) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRS
35. Em 5 de Junho de 2023 os Requerentes apresentaram no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
Não se provou a seguinte matéria de facto:
a. Que houvesse razões económicas que tivessem levado os accionistas da C..., entre eles os Requerentes, a investirem nela um valor que é uma pequena fracção do crédito que constituíram sobre ela.
b. Que o sobre-endividamento da C... e a sua subcapitalização fossem soluções necessárias ou indispensáveis, ou sequer normais, para a constituição da SGPS como meio de “reestruturação e racionalização da actividade do grupo AA...”, ou de agregação em si de “todo o valor da gestão estrutural e estratégica desse grupo de empresas”.
c. Que o sobre-endividamento da C..., a sua subcapitalização, e a sua subdotação em meios materiais e humanos, fossem o modo adequado de prossecução de um escopo económico genuíno pela própria C... .
Na decisão fundamento levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
A) Em 30-12-2009 foi criada a sociedade B...-SGPS, S.A. (“B...”), com o capital distribuído da seguinte forma:
B) Na mesma data de 30-12-2009, a B... adquiriu as ações representativas do capital da sociedade C..., S.A (“C...”), aos seus accionistas, com os prazos de pagamento indicados no quadro que segue:
C) Na mesma data de 30-12-2009, a B... adquiriu, também, aos accionistas infra indicados, as acções representativas do capital da sociedade D..., S.A., “D...”, nas seguintes condições:
D) A C... dedica-se à produção de software de gestão (depoimentos das testemunhas E... e F...);
E) Foi efectuada uma inspecção tributária ao Requerente relativa a IRS dos anos de 2017 e 2018, ao abrigo das Ordens de Serviço OI2021... e OI2021...;
F) Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.5.1.2. Da atividade da B... SGPS
Coloca-se a questão se a constituição da SGPS (sociedade gestora de participações sociais) teria por objetivo o desenvolvimento ou a diversificação das áreas de atividade exercidas indiretamente pela Sociedade, na sua qualidade de sociedade gestora de participações sociais.
Ora vejamos, relativamente ao exercício de 2018, o conjunto das participações detidas pela sociedade B... SGPS:
Como se pode verificar, as participações detidas pela sociedade B... SGPS, para além da C..., 3,A., representam apenas 0,73% dos capitais próprios antes de resultados e 0,48% depois de resultados e um resultado líquido, no seu conjunto, negativo (- €10 783.70), não gerando rendimentos capazes de justificar a própria criação da SGPS.
Face à análise do conjunto das participações detidas pela sociedade B... SGPS, verifica-se que o desenvolvimento e diversificação das áreas de atividade exercidas indiretamente pela B... SGPS simplesmente, desde a sua constituição, nunca sucedeu verdadeiramente, o que se compreende à luz dos atos e negócios jurídicos acima descritos, uma vez que é a sociedade C... que gera quase na totalidade os resultados da sociedade B... SGPS.
A: Dos colaboradores da B... SGPS
Da consulta e análise à informação aportada aos procedimentos, nomeadamente, as IES, regista-se que a B... SGPS não tem, no seu quadro, ao longo dos exercícios, qualquer trabalhador ou colaborador, facto que reforça a nossa posição de que a constituição da sociedade B... foi meramente instrumental.
B: Dos serviços contratados pela B... SGPS
Resumo, extraído da informação contabilística, relativa aos gastos com Fornecimentos e Serviços Externas (FSE) - conta SNC #62.
Da análise aos gastos com Fornecimentos e Serviços Externos pela B... SGPS, resulta que materialmente estes respeitam a:
(i) serviços bancários, representaram em 2017 - 35% e em 2018 - 81% dos gastos totais; (ii) trabalhos especializados, relativos ao pagamento à sociedade de revisores oficiais de contas representaram em 2017 - 59% e em 2018 - 35%, correspondendo a 17% dos gastos totais.
Verifica-se, em reforço do afirmado, que a B... SGPS não dispunha nem dispõe de qualquer colaborador, nem contratou serviços para esse efeito, que lhe permitissem desenvolver qualquer atividade sem recorrer aos serviços dos colaboradores da sociedade C...- demonstrando-se, de forma inequívoca, que o objetivo da sua constituição não foi mais que proporcionar vantagem fiscal para os seus acionistas.

II.5.1.3. Análise das participações cruzadas e alterações societárias
Como acima precisado, a sociedade C...era acionista maioritária da sociedade D... com 49,71 % do capital social.
Apenas um (1) dia antes da aquisição, por parte da B... SGPS, de ações representativas do capital da sociedade D..., seja em 2009/12/29, foi, conforme informação constante na certidão permanente desta deliberada, com a entrada de novos sócios, o aumento do capital social, a "transformação" da D... de sociedade por quotas em sociedade anónima e a composição do conselho de administração.
(...)
Importa dar nota que relativamente à sociedade D..., de acordo com a informação constante na Conservatória do Registo Comercial, em maio de 2013 ocorreu a sua dissolução e encerramento da liquidação.
Anexo 4- Certidão permanente D...
As sociedades C... e a D... partilhavam recursos e clientes. Após a cessação da D..., a C... integrou ambos (recursos e clientes) passando a operar no mercado antes "dominado" por ambas as sociedades.

II.5.1.4. Créditos gerados na B... SGPS para com os seus acionistas
Das operações de aquisição acima identificadas e efetuadas pela sociedade B... SGPS, foram constituídos, em 2009, face à incapacidade patrimonial / financeira para solver o pagamento das ações adquiridas aos alienantes com maior representatividade no capital social das sociedades C... e a D..., os seguintes créditos contabilísticos a favor dos vendedores infra identificados e que cumulam simultaneamente a qualidade de acionistas da sociedade B... SGPS:
Valor em dívida, que, 1 (um) dia após a sua constituição, se encontrava registado no balanço na rubrica outros credores como se pode verificar no print abaixo, retirado da IES 2009 da B... SGPS:
Anexo 5 -Pág. 5 (balanço) da IES 2009 da B... SGPS.
Atentos os valores em dívida e como referido à incapacidade patrimonial / financeira da sociedade B... SGPS em solver os valores contratualizados relativos ao preço de aquisição, foi determinada a fixação dos infra indicados prazos de pagamento.
Atento aos valores em dívida e prazo de pagamento, resultavam os seguintes valores médios a receber anualmente:
Contabilisticamente o preço contratado pelos acionistas comuns às sociedades C..., D... e B... SGPS foi creditado, nesta, nas contas #268 acionista respetivas.

II.5.1.5. Valores pagos pela B... aos seus acionistas
Pela sua importância, infra, apresenta-se um registo contabilístico efetuado pela B... SGPS relativamente ao pagamento das Identificadas dívidas (conta SNC #268), nos exercícios de 2017 e 2018.
De referir que os registos contabilísticos integram os documentos de prestação de contas da sociedade B... SGPS que foram, conforme estipulado pelo artigo 65.º e ss do CSC, elaborados pelos membros da administração e as contas aprovadas pelos sócios, seja os acionistas mencionados.
(...)

II.5.1.6. Dividendos recebidos pela B..., da sua participada
Da análise da declaração IES relativa à saciedade B... SGPS, concretamente ao Mapa de Fluxos de Caixa, e aos períodos 2016/2019, foi possível extrair a seguinte informação:
O pagamento dos dividendos pela sociedade C... à sociedade B... SGPS processou-se da seguinte forma, de acordo com os elementos obtidos (€) no âmbito das diligências efetuadas:

II.5.1.7. Evolução da política remuneratória dos órgãos sociais
Após a constituição do crédito aos acionistas das sociedades B... / C.../ D... na sociedade B... SGPS, supra identificado, observou-se, vide quadro infra, que a política de salários da administração das sociedades C... e D... sofreu uma alteração materialmente significativa, nomeadamente nos anos de 2009 para 2010 e de 2011 para 2012. Tendo permanecido com relativa estabilidade quantitativa nos anos de 2013 a 2018.
Política salarial da qual não resultou redução dos meios financeiros disponibilizados aos acionistas, uma vez que, conforme Infra se dá nota, apesar de se ter verificado a diminuição do montante dos rendimentos da categoria A (IRS) do sp, assistiu-se ao recebimento, através da B... SGPS, de parte dos lucros provenientes da sociedade C..., transferidos para aquela sob a forma de dividendos e reencaminhados para o(s) acionista(s), já não sob a forma de rendimento mas, como já referido, sob a forma de amortização da dívida constituída.
Nesse sentido, a possibilidade de receber rendimentos da categoria E sem tributação motivou a alienação à B... da participação na D... de A... que auferia 500.332,84 € de rendimentos da categoria A provenientes da D... no ano 2009 e em 2010, após a alienação, passou a auferir apenas 14.960,00 €. Não tendo em 2011 e 2012 auferido qualquer rendimento da categoria A pago pela D... .
Regista-se, no intervalo temporal de 2009 a 2018, uma redução global de cerca de 1,5 milhões de euros despendidos pela C... em remunerações com os membros do seu conselho de administração.
Subjacente às diminuições remuneratórias verificadas, refiram-se as diminuições, em sede das sociedades C... e D..., com os gastos relativos a encargos legais, nomeadamente, as contribuições para a Segurança Social e eventuais seguros.
A nível individual do sp assistiu-se a uma diminuição seja no valor do IRS suportado, decorrente das retenções na fonte, seja no dos descontos para a Segurança Social, que deixaram de ser efetuadas.

II.5.2. Da vantagem fiscal
Com os atos e negócios jurídicos acima descritos foi possível aos acionistas das sociedades B... /C... / D... receber importâncias monetárias pagas pela B... SGPS, que tiveram a sua origem nos dividendos pagos a esta pela sociedade C..., sem que tenham sido sujeitos a tributação em sede de IRS, enquanto rendimentos da categoria E. Valores estes que, decorrente do negócio jurídico celebrado, estão relacionados com a dívida constituída na esfera patrimonial da B... SGPS decorrente da alienação pelos acionistas das suas participações nas sociedades C.../D... à B... SGPS, sem que se vislumbre desta reorganização empresarial qualquer outra vantagem económica conforme será demonstrado neste relatório.

II.5.3. Da análise verificada
Face a tudo exposto, visto o quadro fatual elencado numa perspectiva conjunta, objetiva e de modo indireto, é suficiente para considerar que outra conclusão não é passível de se retirar senão a de que os atos ocorridos e negócios jurídicos celebrados foram utilizados essencial ou principalmente para concretizar o resultado de evitação fiscal através da aplicação fraudulenta de normas jurídico-tributárias de exclusão da tributação a negócios jurídicos que numa situação considerada normal/usual/habitual, não estariam por elas abrangidas mas sim por normas de incidência tributária.
O resultado final alcançado foi de exclusão de tributação da operação aparente de amortização parcial da dívida, proveniente do preço das ações, quando a operação real constituiu uma distribuição de lucros, respeitante a entidade sujeita a IRC, colocados à disposição do respetivo associado ou titular, qualificados como rendimentos de capitais e subsumíveis na norma de incidência constante da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º CIRS.

III. Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

III.1. Fundamentação da aplicação da CGAA
O conjunto de atos e negócios jurídicos anteriormente analisados e pormenorizadamente descritos, foram essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, a redução ou eliminação de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios.
Encontrando-se assim plenamente verificados os pressupostos legais de aplicação da norma legal antiabuso (Cláusula Geral Antiabuso - CGAA) prevista no n.º 2 do art.º 38.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Prevendo e estatuindo, o n.º 2 do art. 38.ºda LGT, conforme redação à data dos factos, "São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de Impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas."
Esta norma consagra no ordenamento jurídico tributário nacional uma cláusula geral anti abuso, isto é, um dispositivo legal que, sendo um instrumento de aferição e delimitação concreta dos casos de elisão fiscal, estatui a ineficácia ao nível tributário de atos jurídicos praticados com evidente abuso de formas jurídicas, os quais conduzem à eliminação, total ou parcial, ou ao diferimento temporal dos tributos que de outro modo seriam devidos, nos cofres do Estado.
Da avaliação de Iodos os elementos que foram dados a conhecer ao procedimento é passível verificar as condições referidas no citado normativo e no cumprimento do disposto no n.º 3 do art.º 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributária (CPPT).
Importa, pois, no caso em apreço, aferir da verificação cumulativa de tais requisitos, sendo eles:
a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e dos negócios ou atos de Idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;
b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.
A alínea a) do n.º 3 do art.º 63º do CPPT exige a observação cumulativa de três requisitos:
I. Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado;
II. Descrição dos negócios ou atos de idêntico fim económico; [II. Indicação das normas de incidência que se lhas aplicam, os quais serão objeto de demonstração nos pontos seguintes.

III.1.1 Descrição dos negócios jurídicos celebrados
No excurso do referido no Capítulo II deste relatório e que aí se encontra detalhadamente descrito, mas que aqui, em síntese, se convoca para melhor apreensão cognoscitiva dos atos e negócios jurídicos celebrados por parte do(s) destinatário(s) da presente informação, temos que, dos factos:
l) A 30 de dezembro de 2009 foi constituída a sociedade B... SGPS pelos acionistas mais relevantes das sociedades C... e D..., ocupando estes cargos nos conselhos de administração das referidas sociedades; na mesma data da sua constituição, a sociedade B... SGPS adquire aos seus acionistas as ações representativas do capital da sociedade C..., S.A., NIF -..., pato preço de 7.100.219,00 €.
II) A sociedade B... SGPS adquire também, as ações representativas do capital da sociedade C..., S.A., NIF-..., pelo preço de €1.464.979,76.
III) O capital social da B... SGPS, perfazia, à data das referidas operações aquisitivas, apenas €50.000,00. Para solver a obrigação legal de pagamento das ações adquiridas importa referir que a B... SGPS não recorreu (v.g.) quer ao aumento de capital quer ao financiamento externo da operação.
IV) A incapacidade patrimonial / financeira para solver o pagamento das ações adquiridas aos alienantes com maior representatividade no capital social da C... e da D..., determinou a fixação de um prazo de pagamento de quinze anos, com a constituição de um crédito contabilístico a favor destes nos montantes Infra.
V) Valor, contabilisticamente registado, 1 (um) dia após a sua constituição, no balanço (rubrica outros credores), da sociedade B... SGPS, conforme se extrai da IES/2009:
VI) Nos exercícios de 2017 e 2018 a sociedade B... SGPS recebeu da sua participada C..., os fluxos financeiros infra a título do dividendos. O pagamento dos dividendos pela sociedade C... à sociedade B... SGPS processou-se da seguinte forma, de acordo com os elementos obtidos (€) no âmbito das diligências efetuadas:
Vil) Nos anos em análise a sociedade B... SGPS, como referido, recebeu fluxos financeiros provenientes da distribuição de lucros da C... e transferiu para a conta bancária de que é titular o sp A... os seguintes montantes monetários a título de amortização parcial do crédito constituído na esfera da B... SGPS a favor daquele:
VIII) As transferências monetárias foram efetuadas da conta de depósitos à ordem titulada pela sociedade B... SGPS, com o n.º ... e do Banco Comercial Português, para a conta n.º PT50... do mesmo banco, de que é titular A...(com o descritivo LP, designação dada nos registos contabilísticos a A... como se verifica no extrato acima).
X) Por fim, refira-se, como se dá evidência no ponto II.5.1.2, e que aqui se convoca, as participações detidas pela sociedade B... SGPS, para além da C..., S.A., representam apenas 0,73% dos capitais próprios antes de resultados e 0,48% depois de resultados e um resultado líquido, no seu conjunto, negativo (- €10 783.70), não gerando rendimentos capazes de justificar a própria criação da SGPS.
X) Face à análise do conjunto das participações detidas pela sociedade B... SGPS, verifica-se que o desenvolvimento e diversificação das áreas de atividade exercidas indiretamente pela B... SGPS simplesmente nunca sucedeu verdadeiramente, o que se compreende à luz dos atos e negócios jurídicos acima descritos, uma vez que é a C... que gera quase na totalidade os resultados da sociedade B... SGPS.
XI) O sp A... e os restantes acionistas lograram assim, nos anos em análise, tomar possível alcançar uma vantagem fiscal, através da transformação de fluxos financeiros qualificados como rendimentos de capitais e subsumíveis na norma de incidência constante da alínea h) do n.º 2 do art.º 5º do CIRS (pagamento de dividendos com origem na sociedade C...), em fluxos financeiros não sujeitos - pagamento (amortização) por parte da sociedade B... SGPS aos acionistas, do preço (dívida) determinado (constituída) no negócio de aquisição, pela sociedade B... SGPS, de ações representativas do capital social das sociedades C..., e D... .

III.1.2 Descrição dos negócios jurídicos de idêntico fim económico
Os negócios jurídicos em análise resultam de um esquema, pré-planeado, com a interposição da B... SGPS entre as sociedades C... e D... e os seus quatro acionistas mais relevantes, acima melhor identificados.
Este esquema compreende um conjunto complexo de atos sujeito a uma arquitetura global, como seja:
I) A constituição em 30 de dezembro de 2009, da B... SGPS, com um capital de €50 000 e a aquisição por € 8 544 854,50, no dia 30 dezembro de 2009, das ações das sociedades C... e D... aos acionistas mais relevantes, que são comuns em ambas as sociedades.
II) A aquisição de ações representativas da totalidade do capital social da C... e da D... pela B... SGPS em 30/12/2009, no dia em que esta última foi constituída, fez com que esta incorresse num encargo financeiro com o pagamento do preço no montante de €8 544 854,50, quando a sua situação patrimonial /financeira, objetivamente, não o permitiria.
III) A incapacidade patrimonial /financeira para solver o pagamento das ações adquiridas aos alienantes com maior representatividade no capital social das referidas sociedades - como é o caso do sp A... com 2.992.787 ações da D... representativas de 49,71% do capital da sociedade (quota idêntica à da C...), determinou a fixação de um prazo de pagamento de quinze anos, com a constituição de um crédito contabilístico a favor deste no montante de €1.464.635,50.
IV) A não ter ocorrido a interposição da sociedade B... SGPS, os dividendos distribuídos pelas sociedades C..., e D... (Norte) aos seus acionistas singulares seriam objeto de tributação à taxa liberatória prevista na alínea a) do nº. 1 do art.º 71 º do CIRS.
V) Por sua vez, na esfera pessoal do acionista singular seriam qualificados como rendimentos de capitais e subsumíveis na norma de incidência constante da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º CIRS.
VI) Com a sucessão de atos e negócios jurídicos, coordenados entre si, que embora ocorressem em momentos temporais diversos, o resultado final alcançado resultou na exclusão de tributação da operação aparente de amortização parcial da dívida, proveniente do preço das ações.
Por todo o referido, decorre que um negócio jurídico normal de idêntico fim económico seria a distribuição direta de dividendos pela C... ao(s) acionista(s), o qual ocorre de facto quando a B... SGPS lhe(s) reembolsa o crédito contabilístico, mas cujos fundos provêm dos dividendos distribuídos pela C..., na medida em que todos os restantes atos e negócios jurídicos praticados tiveram em vista a obtenção das vantagens fiscais descritas, e foram praticados com abuso das formas jurídicas.

III.1.3. Indicação das normas de incidência aplicáveis aos negócios com idêntico fim económico
Como já acima detalhadamente precisado, os dividendos da C... colocados à disposição do respetivo associado ou titular, seriam qualificados como rendimentos de capitais e subsumíveis na norma de Incidência constante da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º CIRS. Sobre os mesmos incidiria a taxa liberatória de 28%, prevista, à data dos factos, na alínea a) do n.º 1 do artº 71.º do Código do ÍRS.
Nos quadros abaixo vem determinado o valor do Imposto que seria devido, caso não se tivesse registado um conjunto de "step by step transactions" com o fim último do valor recebido deixar de ser subsumível à norma de incidência e de sobre o mesmo incidir a taxa de liquidação de 28%.
O sp A..., recebeu da B... SGPS, a título de amortização parcial da dívida constituída na esfera patrimonial desta, € 219.600,00 no ano de 2017 e€ 69.600,00 no de 2018, respetivamente.
De salientar que, se tivesse sido efetuada a respetiva retenção na fonte a título definitivo (IRS), pela sociedade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 71.º do CIRS, à taxa de 28%, o imposto apurado seria o constante no quadro seguinte:

III.1.4. Demonstração de que a celebração do negócio jurídico foi essencial, ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais
Face a todo o exposto, é manifesto que estamos perante uma situação de esquema fiscal elisivo, concebido e executado numa sequência lógico-temporal de modo a alcançar um resultado de evitação fiscal, designadamente:
I) A sequência das operações é indiciadora de que a atuação dos diversos acionistas, concertada e concertados entre si, que conduziu à celebração dos atos e negócios jurídicos acima detalhadamente descritos, teve como último desiderato a finalidade fiscal (a eliminação da tributação dos dividendos distribuídos pela sociedade C...) dos mesmos.
II) Finalidade fiscal essa que consistiria em receber os dividendos da sociedade C... (a D... Norte cessou atividade em 2012/09/30) como se fora o pagamento do valor em dívida constituída na esfera patrimonial da B... SGPS, sem que os mesmos "caíssem" nas normas de incidência do CIRS e concomitantemente fossem objeto de tributação.
III) Como referido, a inserção da sociedade B... SGPS entre as sociedades C... e D... (Norte) e os acionistas, comuns, não apresentou nem apresenta substância ou vantagem económica que sustente a constituição da SGPS.
IV)As sociedades gestoras de participações sociais são, de acordo com o regime jurídico consagrado, previsto no Decreto-Lei nº. 459/88, de 30 de dezembro, um instrumento de gestão de um determinado tipo de ativos, gerador de valor acrescentado pela gestão integrada dos mesmos e não, como referido pela doutrina, um mero "cofre" de participações sociais do tipo holding de investimento que visa a mera detenção de títulos, de modo a faturar dividendos e mais-valias,
V) Temos que ter presente que a atividade de gestão das participações sociais envolve uma série integrada e coordenada de atos projetados sobre um conjunto de participações sociais que têm como objetivo o lucro. Todavia, para que tal gestão configure uma atividade económica, devemos encontrar-nos perante algo mais do que o exercício individual e ocasional por um acionista dos direitos e deveres resultantes da detenção de uma participação social.
VI) Com o objetivo de concretizar esta gestão ativa e dinâmica das participações sociais detidas pela SGPS, para além do exercício dos direitos sociais inerentes às participações sociais detidas, o legislador no diploma supra citado, admite a realização de diversas operações pela SGPS na prossecução dos seus interesses e das relações com as suas participadas, o que não se verifica de todo no caso da B... SGPS, conforme demonstrado acima no ponto II.5.1.2.
Em síntese, resulta que da B... SGPS, não encontramos, como referido, razões económicas válidas para a sua constituição e existência, desde logo porque:
a) a sociedade não exerceu, no lapsus temporal analisado, de facto a atividade de gestora de participações sociais, tal como preconizado no respetivo diploma legal;
b) a sociedade não procedeu à distribuição de resultados aos seus acionistas, os acima sobejamente identificados, que lembremos, são pessoas singulares e comungavam de idêntica qualidade nas sociedades C... e D... (Norte);
c) a sociedade B... SGPS assumiu face à sua incapacidade patrimonial / financeira para solver o pagamento das ações adquiridas aos seus acionistas, como é o caso do sp A..., a constituição de um crédito contabilístico a favor deste e dos demais, a ser amortizado durante 15 anos;
d) a amortização parcial do crédito constituído na esfera da B... SGPS a favor do sp A..., durante os anos de 2017 e 2018, foi realizado com os fluxos financeiros provenientes da distribuição de lucros da C... à B...SGPS;
e) a sociedade B... SGPS não aufere praticamente outros rendimentos, nem tão pouco se lhe conhece qualquer outra fonte de financiamento;
f) Não se lhe identificaram colaboradores/ trabalhadores.
VII) Esta sociedade teve gastos associados à sua constituição e existência, que só são compreensíveis e economicamente racionais, com o pressuposto da vantagem fiscal obtida, porque outra não se vislumbra.
VIII) A constituição da SGPS não trouxe qualquer mais-valia de índole económico-financeira para o detentor do capital da sociedade D... (Norte) que apenas passou de acionista direto para indireto.
IX) A celebração do contrato do compra e venda das ações no mesmo dia da constituição da SGPS adquirente, pelos mesmos acionistas que já participavam no capital social da sociedade C... e D... (Norte) determinando a sua intervenção simultânea na qualidade de adquirentes e vendedores, fruto das participações sociais cruzadas, evidencia inequivocamente uma motivação que não económica ou financeira.
X) Igualmente se refira que o resultado desta vantagem fiscal permitiu que os acionistas/administradores das sociedades alterassem a política salarial das sociedades C... e D... (Norte), sabendo que poderiam receber rendimentos da categoria E do CIRS, sem que sobre eles impendesse qualquer carga fiscal, que não fora o esquema criado, seriam tributados.
XI) A distribuição dos dividendos da C... para a B... SGPS não concorre para a determinação do seu lucro tributável, nos termos do n.º 1 do art.º 51.º do CIRC (participation exemption) e encontrava-se dispensada de retenção na fonte, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 97º do CIRC.
XII) De onde somos a concluir que a sociedade B... SGPS - serviu única e exclusivamente para receber os dividendos pagos pela(s) sua(s) participada(s) e permitir a sua retirada pelos acionistas que controlam esta sociedade agora transmutados sob as vestes de amortização de crédito(s).
XIII) Assim, os fluxos financeiros provenientes da sociedade C... passam a afluir ao acionista A..., não como dividendos sujeitos a tributação em IRS, mas, por via indireta, com a utilização da sociedade veículo B... SGPS, unicamente sob a forma de amortização de crédito, sem serem objeto de tributação em sede de IRS.
Não obstante os atos e negócios jurídicos que compõem a estrutura, acima descrita, sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e correspondam à efetiva vontade dos sujeitos passivos, não se lhes vislumbra, como detalhadamente descrito, qualquer substância económica.
Na aplicação da Cláusula Geral Antiabuso importa aferir se o ato ou negócio jurídico escolhido tem uma substância, económica ou outra, que se possa dizer predominante na sua relação com a vantagem fiscal (comparativa) objetivamente decorrente dessa escolha. Analisando a sequência dos factos não se vislumbra substância económica na operação para além da vantagem fiscal.
Neste contexto, o nº. 3 do art.º 11º da LGT, ao afastar-se das regras gerais de interpretação da norma, aderindo expressamente à tese da substância sobre a forma, legitima a não vinculação da Autoridade Tributária à qualificação efetuada pelas partes deste negócio jurídico, prevalecendo, no âmbito de aplicação da CGAA, a substância sobre a formatação jurídica do negócio, dado que ao direito fiscal interessa mais a substância económica dos factos tributários, do que a sua forma.
Aqui chegados, em reforço do referido, concluímos pela existência de uma motivação fiscal preponderante, que se manifestou nas formas adotadas e que faz prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal, pelo que se verifica, de acordo com o supra exposto, estarem reunidas as condições para a aplicação do disposto no art.º 38.º, n.º 2, da LGT e no art.º 63.º do CPPT.
Assim sendo, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz no âmbito tributário, a consideração como reembolso de dívidas / amortização do crédito, o valor dos dividendos distribuídos aos acionistas da C.../ B... SGPS, uma vez que esta operação foi praticada com abuso das formas jurídicas e teve como objetivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem utilização desses meios.

III.2. Conclusões
Entende-se que o conjunto de operações levadas a cabo pelos acionistas das sociedades C... e B... SGPS, são negócios que devem ser objeto de qualificação como "meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas. Ao serviço de uma finalidade exclusivamente fiscal, os atos de aquisição de ações das sociedades C... e D... (Norte) pela B... SGPS foram objeto de uma utilização distorcida destinada simplesmente a conseguir, sem tributação, a distribuição de dividendos oriundos da C..., mediante distribuição "encapotada", "indireta" de dividendos a A... (e aos restantes acionistas) com o fim de evitar que os montantes recebidos fossem subsumíveis na norma de incidência constante do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º CIRS, segundo os quais os lucros/adiantamentos por conta de lucros, das entidades sujeitas a IRC, colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, constituem rendimentos de capitais (categoria E) sujeitos a IRS.
A sociedade criada, B... SGPS, foi utilizada e serviu de sociedade veículo para elidir o disposto no citado normativo, através de uma configuração artificiosa do pagamento de uma dívida em vez da obtenção de dividendos distribuíveis, de modo a obter uma vantagem fiscal. Configurou-se, sem qualquer substância económica, por razões estritamente fiscais, uma situação negocial que produz idênticos resultados materiais e financeiros, mas que possibilita evitar as consequências tributárias aplicáveis à distribuição de dividendos, nos termos do art.º 5º n.º 2 alínea h) do CIRS, incorrendo-se numa prática abusiva de elisão fiscal.
Face a todo o exposto, entende-se estarem verificadas as condições para que se possa lançar mão do mecanismo previsto no n.º 2 do artº 38º da LGT.
Por fim, é de referir que estes Serviços de Inspeção Tributária não têm conhecimento da existência de qualquer informação vinculativa, solicitada em nome dos sujeitos passivos, sobre os factos na origem da aplicação da disposição antiabuso atento a disposto no n.º 8 do art.º 63º do CPPT.

III.3. Proposta de tributação
A sociedade C..., colocou à disposição da sua acionista, a sociedade B... SGPS, as seguintes importâncias a título de dividendos:
Dividendos 2017: com origem na sociedade C...- 3.050.000,00 €, Dividendos 2018: com origem na sociedade C...- 2.100.000,00€.
A sequência das operações, anteriormente descritas, é Indiciadora da intenção de eliminar a tributação, pretensão dos acionistas da C... e D... (Norte), alcançada através dos atos e negócios jurídicos anteriormente descritos.
O resultado pretendido - receber dividendos da C... (a D... Norte cessou atividade em 2012/09/30) como se de pagamento do valor em dívida de tratasse -foi alcançado.
Caso não existisse, entre A... pessoa singular e A... ex. acionista da D... (Norte) e administrador da C... a sociedade B... SGPS, a distribuição desses lucros ao sp, seria considerada rendimentos de capitais sujeitos a IRS nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS.
Não obstante a tributação dos rendimentos de dividendos operar por retenção na fonte, a título definitivo, por aplicação de taxa liberatória de 28%, como previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 71º do CIRS, pela entidade que coloca esses rendimentos à disposição, neste caso a B... SGPS, a dilação temporal entre a ocorrência do facto gerador do rendimento e a reconstituição tributária, operada através da aplicação da CGAA, tornam impossível a retroação temporal das obrigações de retenções na fonte. Essa impossibilidade resulta - para além da óbvia ultrapassagem dos respetivos prazos legais de cumprimento - da própria natureza da correção operada pela requalificação negocial da CGAA.
A eliminação das operações elisivas e a respetiva reconstituição negocial considerada normal, efetuadas a posteriori, não pode originar a aplicação do regime tributário normalmente aplicável ao mesmo tipo de rendimentos auferidos em circunstâncias não elisivas, na medida em que a natural dilação temporal própria da aplicação da CGAA o impede, não sendo, portanto, possível a sua retroação.
Nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outras rendimentos tributados noutras categorias. Os frutos e vantagens económicas referidos compreendem, designadamente: os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o art.º 20.º; nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS.
A sociedade B... SGPS transferiu, conforme referido, para a conta bancária titulada pelo seu acionista A..., € 218.600.00 em 2017 e € 69.600,00 em 2018,
Estes rendimentos consubstanciam, atento o acima exposto, rendimentos de capitais, paio que devem ser incluídos no anexo E da declaração de rendimentos modelo 3, pelo sp A..., NIF -..., nos referidos anos, conforme previsto no n.º 1 do art.º 57.º do CIRS.
Conforme referido anteriormente, a dilação temporal entre a ocorrência do facto gerador do rendimento e a reconstituição tributária, operada através da aplicação da CGAA, tornam impossível a retroação temporal das obrigações de retenções na fonte, pelo que a tributação destes rendimentos é efetuada através da aplicação do regime de tributação autónoma à taxa de 28%, consagrado na alínea d) do n.º 1 do art.º 72.º do Código do IRS.
No caso do sp vir a manifestar a opção pelo englobamento nos termos do n.º 8 do supracitado artigo, o rendimento anual respetivo será considerado em 50% nos termos do n.º 1 do art.º 40.º-A, do CIRS.
De tudo o exposto resultam as seguintes correções, em sede de IRS: í) Correções (Imposto a pagar - categoria E)
ii) No caso do sp vir a manifestar a opção pelo englobamento, as correções operam ao nível do rendimento coletável.
Nos termos do n.º 1 do art.º 40.º- A do CIRS, os lucros devidos por pessoas coletivas sujeitas e não isentas do IRC, são no caso de opção pelo englobamento, considerados em apenas 50 % do seu valor. De ressalvar que nos termos do n.º 5 do art.º 22.º do CIRS (redação à data dos factos), quando o sujeito passivo exerça a referida opção, fica, por esse facto, obrigado a englobar a totalidade dos rendimentos da mesma categoria de rendimentos, sendo a existência de demais rendimentos desta categoria desconhecida e por esse fato não considerada.

(...)
IX. Direito de Audição – Fundamentação

(...)

Dos argumentos
Os pontos 1.º ao 9.º do direito de audição, são fundamentalmente introdutórios, sendo que nestes efetua a sua descrição sucinta dos factos e pressupostos legais, descritos no projeto de relatório, que conduziram a AT à aplicação da norma legai antiabuso.
Afirmando no ponto 10º o seu desacordo.
Nos pontos 11º a 12º, convoca os factos, detalhadamente descritos no projeto de relatório, sobre a operação da venda das ações por parte do sp à sociedade B..., da existência de uma dilação no pagamento dos valores por parte desta.
Concluindo (pontos 13º e 14.º) que teria o sp (i) sempre direito a receber o valor acordado referente á operação de alienação das ações.
(i) Os fundamentos da aplicação da CGAA invocados no presente relatório não versam sobre a sujeição a imposto das eventuais mais-valias com a venda das ações, mas sim sobre o recebimento de dividendos sem a correspondente sujeição a imposto.
Nos pontos 14.º a 25.º, é justificada a operação de alienação das ações a uma sociedade sem meios financeiras para o efeito como sendo normal à luz do (ii) regime fiscal em vigor à data dos factos, o que não constituí qualquer tipo de artificialidade ou fraude à lei que pudesse Justificar a aplicação da norma geral antiabuso.
(ii) Não fosse o facto dos acionistas da B... e da C.../D...Norte serem os mesmos, a referida operação de alienação de participações sociais, sem que o adquirente tivesse meios financeiros para o efeito, não teria ocorrido; foi esse quadro societário que permitiu a natureza das operações acima descritas, nomeadamente a constituição da B... e a alienação das participações sociais por parte do acionista, ocorrido com um espaço temporal de 1 dia, a celebração do acordo de pagamento nas condições referidas e a criação de um crédito/dívida de tão elevado montante.
O sp refere também: a não contestação por parte da AT do preço das ações e a não sujeição a IRS do valor da operação de alienação das mesmas. No que concerne à primeira referência não foi questionada pela AT porque não foi colocado em causa o preço determinado para o negócio. Quanto à segunda referência no exercício de 2009 o regime legal em sede de IRS assim o determinava, o que permitiu fazer o negócio nas condições acima descritas e o posterior recebimento dos dividendos sem tributação nos anos em análise.
Nos pontos 26.º a 28.º, é referido que a redução das remunerações decorreu da (iii) intervenção financeira em Portugal do FMI/União Europeia.
(iii) Como referido na presente relatório a política remuneratória da sociedade D... (Norte) sofreu uma alteração materialmente significativa, nomeadamente nos anos de 2009 para 2010 e, no mesmo sentido, a política remuneratória da sociedade C... nos anos de 2011 para 2012, tendo permanecido com relativa estabilidade quantitativa nos anos de 2013 a 2018, o que contraria a argumentação do sp.
Nos pontos 29.º a 45.º discorre sobre o regime jurídico das SGPS e os motivos da constituição da mesma, concluindo que a (iv) criação da B... como SGPS foi determinada pela convicção do requerente e restantes accionistas de que esta seria a forma de estruturação empresarial adequada.
(iv) Como acima demonstrado verifica-se, que a B... SGPS não dispunha nem dispõe de qualquer colaborador, nem contratou serviços para esse efeito, que lhe permitissem desenvolver qualquer atividade sem recorrer aos serviços dos colaboradores da sociedade C... - demonstrando-se, de forma inequívoca, que o objetivo da sua constituição não foi, como referido no exercício do direito de audição, o de proceder a uma restruturação empresarial, mas o de proporcionar vantagem fiscal para os seus acionistas.
No ponto 46.º conclui o sp (v) que não tem qualquer fundamento legal a qualificação da criação da B... SGPS como artificiosa ou fraudulenta ou constituir abuso das formas jurídicas uma vez que não se trata de uma operação insólita ou invulgar.
(v) Não está, por tudo o referido, em discussão, o caráter mais ou menos legal, mais ou menos em conformidade com a lei, dos negócios e atos jurídicos em apreço, importa sim perceber se estes foram pensados e praticados com o objetivo último de reduzir ou evitar a tributação respetiva dos rendimentos postos à disposição do sp, Nesse contexto, foram adotadas práticas fiscalmente menos onerosas, o que é aceitável no âmbito de qualquer sistema fiscal e incentivado pelo próprio Estado com a criação de benefícios fiscais que "premeiem" determinadas escolhas ou comportamentos do sp. Não é o caso da elisão fiscal, o qual se traduz num comportamento formalmente não contrário à lei, mas pelo qual se atinge resultado idêntico ao que esta visa impedir.
No caso em apreço, e é disso que estamos a tratar, com os negócios e atos jurídicos praticados logrou-se evitar a obrigação fiscal, obtendo, no entanto, o resultado económico-financeiro pretendido. Na prática, como descrito no relatório em confronto, o sp contornou as normas tributárias de forma a atingir efeitos equivalentes sem a correspondente tributação.
Em nada do alegado, se vislumbra razão, que não a de evitar a efetiva tributação dos dividendos distribuídos, que afaste a fundamentação que serve de base à aplicação da disposição antiabuso a as correcções em matéria tributária dalpresentados em sede de direito de audição, tal não corresponde à verdade, foram apreciados todos os argumentos, no entanto não foram apresentados elementos novos suscetíveis de modificar as conclusões do projeto de relatório.
Também os argumentos apresentados ao longo da p.i. da reclamação graciosa em epígrafe, não colocam em crise o RIT e o recurso à Clausula Geral Anti-Abuso.

Conclusão
Entendemos que deverá ser indeferida a pretensão do reclamante.
Da presente informação, deverá o reclamante ser notificado para, querendo, vir exercer o direito de audição prévia nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.
J) A criação da B... e as aquisições de acções foram feitas em concretização do «Plano Estratégico C...» cuja cópia consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Antecedentes
Ao iniciar a sua actividade a C... vendia directamente ao público. Em 1994 arrancou com a criação de uma rede de distribuição que passava por deixar de vender ao público directamente, mas sim através de parceiros que executavam as fases de pré-venda e pós-venda do software.
Neste âmbito, a expansão a norte começou por ser através de parceiros, mas rapidamente se verificou que era necessária a presença da própria C... para melhor atender os parceiros locais. Com este objectivo foi criada a D... Norte, uma empresa que tinha como objectivo criar a rede de parceiros a norte e mantê-los activos.
Apesar de ter resultado durante muitos anos, ultimamente verificou-se que a estratégia baseada em empresas diferentes não era adequada, em virtude da necessidade de existir uma mensagem única e procedimentos únicos perante os parceiros e clientes finais, ou seja, o nosso mercado. Na verdade, o facto de existirem duas empresas distintas faz com que a C... passe uma cultura diferente a Norte e a Sul. Este facto é claramente reconhecido pelos parceiros que actuam a nível nacional, sendo actualmente um dos maiores factores de desvantagem- que a C... apresenta perante o seu mercado. Urge corrigir este facto, principalmente quando a C... enfrenta vários desafios de crescimento para os quais tem de se apresentar una. São essas as necessidades actuais que passamos a apresentar.

As necessidades actuais
No presente momento a C... depara-se com vários desafios muito exigentes.
Desde logo, a sua segunda fase de internacionalização. Depois de termos conseguido criar uma rede de parceiros em Moçambique com uma empresa controlada por nós e em Angola uma empresa Independente, estamos há dois anos a desenvolver esforços para criar a rede de parceiros em Espanha. Para criar esta rede são necessários mais recursos e investimentos dos que nós alocamos até este momento. Resulta, por isso, a necessidade da C... se apresentar com maior massa crítica, criando uma equipa alargada mais capaz e focada neste ponto estratégico, o crescimento da C..., a partir de recursos disponíveis debaixo de uma única organização.
Outro desafio é o desenvolvimento e comercialização de um software desenhado especificamente para micro empresas, mercado este em que não estávamos presentes até ao momento, e que Irá ser comercializado num modelo de aluguer com alojamento incluído. Por ser um conceito novo em Portugal e por (incluir o alojamento, algo que até hoje a C... não necessitou de fazer, é um desafio à nossa competência, que irá necessitar de investimentos significativos no desenvolvimento e marketing. As sinergias resultantes da reestruturação das duas empresas permitiram ter outra capacidade de investimento para este enorme desafio que é endereçar soluções inovadoras para um mercado onde a C... nunca esteve.
Por último, a C... tem o desafio de manter o entusiasmo e o desempenho da actual rede de parceiros nacional, os quais comercializam um software já muito estabilizado, maduro e completo, mas cuja inovação é cada vez mais difícil.
Por todos estes desafios é necessário e imperativo à C... reestruturar a sua forma de actuação e refocar nas áreas estratégicas e rever o seu modelo estrutural e societário.

A reestruturação
A reestruturação irá ser desenvolvida em várias frentes.

Estrutura societária
Passará pelas seguintes etapas, a cumprir até final de 2009:
Transformação das sociedades, C... e D... Norte em sociedades anónimas, como forma de flexibilizar a estrutura de capital, atraindo terceiros, caso se venha a revelar necessário e como forma de maior profissionalização da gestão e imagem para o mercado.
Criação de uma sociedade cabeça do grupo, B..., S.A, que ficará a deter as participações relativas ao capital social das sociedades cujo objecto se reporta às áreas de negócio a intervir. Deste modo, ficam organizadas as unidades da negócio por especialidade (desenvolvimento, formação, etc.), as sociedades de tipo operacional deixam de participar em negócios fora da sua esfera de actuação, sendo essa separação feita ao nível da SGPS.
Atendendo às diferentes culturas existentes entre, C... e D... Norte, julgamos prudente não avançar já para uma fusão. O capital social dessas duas será integralmente adquirido pela SGPS e conviverão durante um período experimental, sob uma gestão comum e concertada. Passado esse período e concluindo-se pelo sucesso da experimentação, as sociedades serão fundidas numa só.
Se o projecto de gestão comum não vingar, este modelo permitirá com maior facilidade em se voltar ao ponto de partida ou avançar para outras estruturações do grupo societário.

Recursos humanos
Dada a necessidade de recursos humanos especializados em Software C... para fazer face ao desafio internacional e a um maior apoio dos parceiros nacionais, optámos por desativar (embora com um período de transição) as áreas de venda directa, ou seja, de venda directa ao público. O descontinuar desta área permite realocar os técnicos e comerciais especializados e convertê-los em mais opções de ajuda à área Internacional e ao apoio de parceiros nacionais em projectos, que no fundo é um dos principais objectivos: mais recursos para um melhor e mais eficaz apoio aos parceiros.
Com a empresa numa única estrutural vamos ainda aproveitar uma série de sinergias imprescindíveis para ultrapassar com sucesso estes desafios. Por deixarem de ser necessários diretores que tinham funções semelhantes nas duas empresas, estes podem agora ser convertidos para junções de direção nacional conseguindo assim uma maior atenção à área que dirigem e uma mensagem e procedimentos Idênticos para todos os parceiros e clientes.

Os objectivos
São vários os objectivos finais que se pretendem com todas estas medidas, os quais se podem dividir em duas áreas:

Objectivos de médio/longo prazo
A atingir no prazo de 3 a 5 anos e que resultam da nossa percepção do que será uma empresa de sucesso nesta área de negócio.

Imagem corporativa
Queremos uma imagem única e coesa, sem mensagens diferentes conforme a região de contrato, e que passe a nossa missão de esforço pelos Parceiros e pelos Clientes finais. Pretendemos assim extinguir e ultrapassar alguns problemas de dupla identidade que se vem sentindo junto dos clientes.
Queremos projectar para todo o mercado uma "cultura" única característica e identificativa do universo C... .

Novos mercados
Pretendemos continuar a nossa expansão internacionalizando a nossa actividade. Já temos o processo iniciado em África, o qual pretendemos consolidar e fazer crescer aproveitando o crescimento potencial dos Países onde estamos, nomeadamente, Angola, Moçambique e Cabo Verde.
Em paralelo pretendemos criar uma rede de Parceiros em Espanha, aproveitando a nossa proximidade geográfica. Após consolidadas estas duas áreas, pretendemos prosseguir a internacionalização pelos restantes países da União Europeia aproveitando a homogeneização de legislação contabilística, a qual facilita a adaptação do Software C... aos diferentes enquadramentos.
Queremos projectar definitivamente a C... para o universo da internacionalização apetrechando a C... dos meios e recursos necessários à localização das suas aplicações e oferta de produtos para qualquer país da Comunidade Europeia.

Produtos
A inovação é uma constante nesta área, pelo que não só a C..., mas toda a concorrência, só se mantém no mercado com um grau de-inovação e investimento em I&D elevados. É um objectivo de longo prazo manter este ritmo na C..., que aliás, tem sido um dos factores que justificou o crescimento da C... ao longo de todos estes 20 anos.

Rentabilidades esperadas
Apesar de acreditarmos que o mercado nacional ainda pode sustentar algum incremento, não é esperado que seja o suficiente para manter o nível de crescimento a que nos habituamos e que necessitamos para manter os restantes objectivos de inovação e investigação. Assim, contamos com o mercado nacional para manter um crescimento reduzido e conseguir com a internacionalização produzir as mais-valias-imprescindíveis a um crescimento mais sustentado e mais acelerado.

Objectivos de curto prazo
Para sustentar os objectivos de longo prazo e de modo a corrigir factores que não estão conforme aquilo que acreditamos ser Indispensável a uma empresa de sucesso, temos também uma série de objectivos de curto prazo.

Estrutura organizacional
De modo a satisfazer os objectivos de médio e longo prazo é imprescindível reorganizar os recursos humanos de modo a obter sinergias que permitam um maior enfoque no que é vital para a C...; o desenvolvimento do software, o atendimento aos Parceiros e o apoio à área internacional. Assim, temos que conseguir evitar a duplicação de esforços (por existirem unidades em duas regiões - norte e sul) e concentrar em objectivos comuns a nível nacional.
Para isto é imprescindível unificar departamentos, centralizar determinadas tarefas e cativar todos os recursos humanos para os objectivos globais.
Queremos assegurar o sucesso da internacionalização, criando condições humanas de direcção e execução para assegurar um grande apoio aos parceiros internacionais,

Recursos financeiros
As necessidades financeiras para suportar o crescimento da capacidade de investigação e desenvolvimento, para suportar a criação da marca C... no exterior, são elevadas. Por isto, é imprescindível obter sinergias que permitam aumentar a capacidade de investimento nestas.
Queremos ter maior capacidade de investimento para continuar um alto processo de investigação e desenvolvimento, com o objectivo de continuar a inovação constante que tem caracterizado a C... ao longo destes últimos 20 anos.
(...)
K) Para a realização das operações referidas de reorganização societária foram elaborados um relatório justificativo da transformação da Sociedade C..., Lda. em Sociedade comercial anónima (documento n.º 4), outro para a transformação da D..., Lda (documento n.º 5) e um relatório de avaliação das empresas do Grupo P... em 31 de Dezembro de 2009 (documento n.º 6), documentos que se dão como reproduzidos;
L) Antes da realização das operações referidas, a C... e a D... Norte tinham participações directas e indirectas em várias sociedades de venda de software, formação profissional, contabilidade, auditoria, serviços de administração, gestão e consultadoria, publicidade, designadamente a Q..., Lda (“Q...”), a R..., Lda. (“R...”), S..., Lda (“S...”), T..., Lda (“T...”), U..., Lda. (“U...”), V..., Lda. (“V...”), W..., Lda. (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos de X... e F...);
M) O funcionamento do grupo P..., antes da reorganização de 2009, traduzia-se na existência de um polo de Lisboa assente na C..., que incluía as sociedades Q... e R... e um polo do Porto assente na D... Norte que incluía as sociedades S..., T... e U..., V... e W... (depoimento da testemunha F...);
N) Os dois polos tinham funcionamentos distintos a nível de remunerações de colaboradores, organização, gestão de pessoal e desenvolvimento da actividade, havendo duplicação de funções para a mesma área de negócio, designadamente directores comerciais, de formação e financeiros (depoimento da testemunha F...);
O) Até à reorganização de 2009, as decisões de negócio e de gestão do polo de Lisboa eram tomadas pelos gerentes da C... e as decisões de negócio e gestão do polo do Norte eram tomadas pelos gerentes da D... Norte, o que originava diferentes decisões sobre situações idênticas e afectava o negócio, gerando desagrado nos clientes por serem aplicadas regras negociais diferentes em cada um dos polos (depoimentos das testemunhas F... e I...);
P) Com a reorganização de 2009, pretendeu-se centralizar e unificar as decisões, tendo em vista inclusivamente a internacionalização do grupo, passando a testemunha F... a ser CEO do grupo, e pretendeu-se também reduzir custos, por eliminação de duplicação de cargos nos polos de Lisboa e Porto (depoimentos das testemunhas F..., I... e J...);
Q) Na sequência da reorganização de 2009, a B... passou (???) a que decidiu o funcionamento geral do grupo, designadamente o abandono pela C... das actividades de comercialização directa e reservar-se para a produção de software e apoio aos parceiros que o vendem (depoimento da testemunha F...);
R) A opção pela compra e venda de acções em vez de entradas em espécie para realizar o capital social da B... foi motivada por aquela facilitar a eventual saída de sócios (depoimento de X...);
S) Após a criação da SGPS, foram vendidas sociedades directa ou indirectamente detidas pela B..., e foram criadas outras sociedades (depoimentos das testemunhas X... e F... e organigramas que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e cuja correspondência à realidade não é questionada);
T) A B... decidiu acumular lucros até ter o suficiente para suportar um ano de custos, para não estar dependente de empréstimos, não distribuindo dividendos até esse objectivo ser atingido, o que ocorreu em 2019, ano em que distribuiu dividendos aos seus accionistas (depoimento de F...);
U) O Requerente não faz parte actualmente da administração nem é accionista da B... (depoimento de F...);
V) Em 09-01-2022, o Requerente pagou a quantia de € 69.978,39, relativa à liquidação relativa ao ano de 2017 e, em 10-01-2022, pagou a quantia de € 21.337,49, relativa à liquidação do ano de 2018 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
W) Em 06-12-2022, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados

2.2.1. Não se provou que a criação da B... e a aquisição de acções a crédito aos maiores accionistas da C... e da D... (Norte) não tivesse em vista proceder a uma reestruturação empresarial e tivesse em vista essencial ou primordialmente uma situação em que os lucros por estas acumulados pudessem ser distribuídos àqueles accionistas sem o pagamento de impostos.
2.2.2. Não se provou que a B... não tivesse exercido a sua actividade de gestão de participações sociais.
2.2.3. Não se provou que os montantes recebidos pelo Requerente a título de pagamento do valor da venda à B... das participações sociais que detinha na D... (Norte) correspondam a distribuição de lucros obtidos pela C... ou pela B... .
Nada mais se deu como provado ou não provado nas decisões em confronto.

Há agora que saber se o recurso que nos vem dirigido reúne os requisitos legalmente previstos para ser admitido e, em caso afirmativo, se deve obter provimento.

É entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos com vista à uniformização de jurisprudência, tendo em conta o regime previsto nos artigos 25º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Seguindo de perto o bem elaborado parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal surpreende-se, de ambas as decisões arbitrais em confronto que a operação sujeita à aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38º da LGT por parte da Administração Tributária (AT) é semelhante, por estarem em ambos os casos envolvidas empresas do mesmo grupo societário, diferindo apenas a identidade dos Requerentes (acionistas) do pedido de pronúncia arbitral.
Igualmente decorre das decisões arbitrais que em ambos os processos o tribunal arbitral enunciou como questão decidenda a ilegalidade da aplicação da CGAA, tendo sido perfilhadas soluções antagónicas, atento que na decisão arbitral recorrida se entendeu estarem reunidos os requisitos daquela aplicação e se decidiu pela legalidade da decisão da AT, enquanto na decisão arbitral fundamento se entendeu não estarem reunidos os requisitos da aplicação da CGAA e se decidiu pela ilegalidade da decisão da AT.
Sucede, porém, que o antagonismo das duas decisões não assenta numa divergente interpretação e aplicação do disposto no artigo 38º da LGT, mas antes no julgamento da matéria de facto.
Com efeito é notória a diversidade de ilações de facto que foram extraídas pelos dois coletivos de juízes em cada um dos casos, que se mostram relevantes para efeitos de qualificação da operação realizada com a constituição da SGPS e a transmissão a esta das ações das sociedades que distribuíram os dividendos, mediante a constituição na esfera jurídica da SGPS de um crédito a favor dos acionistas transmitentes, de pagamento diferido a longo prazo e sem juros.
Extrai-se da decisão arbitral recorrida que o tribunal deu como não provado que «o sobre-endividamento da C... e a sua subcapitalização fossem soluções necessárias ou indispensáveis, ou sequer normais, para a constituição da SGPS como meio de “reestruturação e racionalização da actividade do grupo AA...”, ou de agregação em si de “todo o valor da gestão estrutural e estratégica desse grupo de empresas”.
Na mesma decisão arbitral o tribunal deu como não provado que «…o sobreendividamento da C..., a sua subcapitalização, e a sua subdotação em meios materiais e humanos, fossem o modo adequado de prossecução de um escopo económico genuíno pela própria C...».
Por seu lado, na decisão arbitral fundamento o tribunal arbitral deu como não provado que «…a criação da B... e a aquisição de acções a crédito aos maiores accionistas da C... e da D... (Norte) não tivesse em vista proceder a uma reestruturação empresarial e tivesse em vista essencial ou primordialmente uma situação em que os lucros por estas acumulados pudessem ser distribuídos àqueles accionistas sem o pagamento de impostos».
Mais se deu como não provado que «…corresponda à realidade a conclusão formulada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT de que «a sociedade B... SGPS - serviu única e exclusivamente para receber os dividendos pagos pela(s) sua(s) participada(s) e permitir a sua retirada pelos acionistas que contraiam esta sociedade agora transmutados sob as vestes de amortização de crédito(s)».
Deu-se igualmente como não provado que «… os montantes recebidos pelo Requerente a título de pagamento do valor da venda à B... das participações sociais que detinha na D... (Norte) correspondam a distribuição de lucros obtidos pela C... ou pela B... ».
Ou seja, do ponto “2.2” da decisão arbitral fundamento constam diversas ilações de facto extraídas pelo tribunal dos elementos de prova produzidos que não têm qualquer correspondência na matéria de facto fixada na decisão arbitral recorrida, e que justifica por si só a diversa solução perfilhada em cada uma das decisões.
Na verdade, enquanto na decisão arbitral recorrida o tribunal não destacou dos elementos probatórios qualquer razão económica ou propósito empresarial relevante na constituição da SGPS e respetivo endividamento perante os acionistas (titulares da acções vendidas), já na decisão arbitral fundamento o tribunal destacou e elencou diversas razões económicas e propósitos empresariais que considerou preponderantes.
O que permitiu a que na decisão arbitral recorrida o tribunal tenha concluído que «..não consegue descortinar-se uma razão válida para o endividamento da C... perante aqueles que seriam os seus sócios, em alternativa à capitalização da própria C... através das entradas dos seus sócios, deixando a C..., desde o primeiro momento, subcapitalizada e sobre-endividada – por mais válidas que fossem todas as razões para a reestruturação do Grupo AA...».
E de que «A sequência de sucessivos negócios jurídicos, nesta segunda modalidade, propicia a dissimulação da distribuição de dividendos através da interposição deliberada de uma SGPS, a quem os accionistas da principal geradora de lucros transmitem onerosamente as suas acções, não obstante serem eles mesmos os únicos accionistas da própria SGPS, estabelecendo um valor para essa venda de acções que assegura por um longo período um rendimento correspondente àquilo que teria sido distribuído em termos de dividendos».
Enquanto na decisão arbitral fundamento o tribunal considerou que «…não se pode concluir que a criação da SGPS e o modelo de financiamento adoptado tenham sido escolhidos tendo em vista a obtenção de mais vantagens fiscais a nível da distribuição dos lucros acumulados, pois já tinham sido obtidas, nem que tenham sido utilizados meios artificiosos ou fraudulentos ou com abuso de formas jurídicas, pois trata-se de opções não só permitidas por lei, mas até objectivamente incentivadas pelo regime legal vigente em 2009, quanto a não tributação de mais-valias em sede de IRS e isenções em sede de imposto do selo».
Conclui-se, assim, que não se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de mérito que uniformize jurisprudência, uma vez que as situações de facto definidas em cada uma das decisões arbitrais em confronto, em decorrência da disparidade dos julgamentos de facto realizados, não são substancialmente idênticas, motivo pelo qual não se pode tomar conhecimento do mérito do recurso.

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pelos Recorrentes, com dispensa do pagamento do remanescente da t.j..
Comunique-se ao CAAD.
D.n.

Lisboa, 26 de setembro de 2024. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.