Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0842/23.9BESNT
Data do Acordão:05/29/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA
PEDIDO
INSCRIÇÃO
RESIDENTE NÃO HABITUAL
Sumário:I - Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.
III - Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018.
Nº Convencional:JSTA000P32315
Nº do Documento:SA2202405290842/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

AA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 16-01-2024, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de ACÇÃO ADMINISTRATIVA relacionada com o despacho proferido pela Subdiretora Geral da Área da Cobrança, datada de 27-04-2023, de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. O presente Recurso tem por objeto a Sentença, proferida em 16 de janeiro de 2024 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a ação administrativa apresentada pela ora RECORRENTE contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra a decisão de indeferimento do pedido de inscrição como RNH emitido pela Direção de Serviços do Registo de Contribuintes em 20 de janeiro de 2023;

B. Está em causa, em concreto, o facto de a RECORRENTE ter procedido à apresentação do pedido de inscrição como RNH após o prazo previsto no Artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS, ou seja, após 31 de março de 2019 (ano seguinte àquele em que a RECORRENTE se tornou residente fiscal em território português);

C. Entende a RECORRENTE que, tal como resulta, de forma cristalina, do n.º 9 do Artigo 16.º do Código do IRS, o direito a aceder aos benefícios do regime RNH depende, exclusivamente, do preenchimento de dois requisitos legais (previstos no n.º 8 do Artigo 16.º do Código do IRS), a saber: (i) que o sujeito passivo se torne residente fiscal em Portugal e (ii) que tal sujeito passivo não tenha aqui sido residente fiscal nos cinco anos anteriores;

D. Considerou o Tribunal a quo, alinhando pelo mesmo diapasão da entidade Recorrida, que “…o regime de residente não habitual consubstancia a aplicação de um benefício fiscal (…) que carece de reconhecimento por parte dos serviços da AT, e que depende de um impulso por parte do requerente…”, pelo que, segundo aquele entendimento, por ter apresentado o pedido de inscrição como RNH após o prazo previsto no n.º 10 do Artigo 16.º do Código do IRS, “não se encontram reunidos os pressupostos para a inscrição da Autora no regime de residente não habitual”;

E. O aludido entendimento impõe, assim, um requisito constitutivo do direito a beneficiar do regime RNH que, pura e simplesmente, não decorre da Lei, tendo em consideração que, nos termos do disposto no n.º 9 do Artigo 16.º do Código do IRS, “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português”;

F. Sendo que, de acordo com o n.º 8 daquele mesmo Artigo, “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores”;

G. Conclui-se, assim, que o direito a ser tributado como RNH não se adquire ope judicis (i.e. a partir da inscrição tempestiva como RNH em conformidade com o n.º 10 do Artigo 16.º), como pretende o Tribunal a quo, mas antes ope legis, ou seja, a partir do momento em que o contribuinte se torna residente em território português, contanto que não foi aqui residente nos 5 anos anteriores (cfr. n.º 9 do Artigo 16);

H. O pedido de inscrição como RNH, constante do n.º 10 do Artigo 16.º do Código do IRS, e o reconhecimento pela Autoridade Tributária dele emergente, não configuram, assim, requisito constitutivo de tal direito, configurando uma mera formalidade declarativa que não se pode sobrepor ao direito que se adquiriu automaticamente por via do n.º 9 daquele mesmo preceito legal;

I. Atento o teor do n.º 9 do Artigo 16.º do Código do IRS, o pedido de inscrição previsto no n.º 10 daquele Artigo confere à Autoridade Tributária um mero poder vinculado, que se limita a declarar um direito já existente na esfera jurídica do contribuinte, a partir do momento que este preencheu os pressupostos constantes do n.º 8;

J. O que leva à conclusão de que qualquer interpretação do n.º 10 do Artigo 16.º do Código do IRS no sentido de configurar o pedido de inscrição aí previsto e, bem assim, o consequente reconhecimento da Autoridade Tributária, como requisito constitutivo do direito do sujeito passivo a ser tributado como RNH afigura-se manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade;

K. A verdade é que, se o legislador pretendesse, como pretende o Tribunal a quo, que o direito a ser tributado como RNH dependia da inscrição tempestiva como RNH nos termos do n.º 10 do Artigo 16.º, tê-lo-ia expressamente indicado no n.º 9 desse mesmo Artigo ou teria expressamente referido no n.º 10 que aquele direito depende do reconhecimento da Autoridade Tributária resultante de pedido de inscrição tempestivamente apresentado;

L. Neste sentido, resulta do disposto no n.º 2 do Artigo 5.º do EBF que o reconhecimento dos benefícios fiscais por parte da Autoridade Tributária tem um efeito meramente declarativo, tendo apenas efeito constitutivo quando “a lei dispuser em contrário”, ou seja, quando a lei expressamente indicar que determinado benefício depende necessariamente desse reconhecimento, o que não sucedeu no caso em apreço, uma vez o Artigo 16.º não confere à inscrição prevista no n.º 10 do Artigo 16.º do Código do IRS efeito constitutivo do direito de um contribuinte a ser tributado como RNH;

M. Nem podia tal pedido de inscrição revestir um requisito constitutivo do direito de ser tributado como RNH, tendo em considerado que o mesmo configura um mero mecanismo de controlo da verificação dos pressupostos do benefício fiscal, não permitindo à Autoridade Tributária estabelecer o seu alcance e, consequentemente, não podendo esta deixar de o reconhecer, tendo em conta o princípio da legalidade ínsito na Constituição da República Portuguesa (cfr. Artigo 103.º, n.º 2);

N. Tal controlo nem carecia, em bom rigor, de ser efetuado no momento exigido no n.º 10 do Artigo 16.º do Código do IRS, na medida em que, atenta a aquisição ope legis do referido direito, esse controlo poderia perfeitamente ser efetuado a posteriori após a apresentação da declaração anual de rendimentos pelo contribuinte - o que sucedia, aliás, no regime RNH originalmente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro (o qual não previa qualquer pedido de inscrição como RNH);

O. Pelo que o incumprimento do prazo para efeitos de apresentação do pedido de inscrição previsto no n.º 10 do Artigo 16.º determina, tão somente, um ilícito contraordenacional e, nunca, a perda do direito de o contribuinte ser tributado como RNH, o qual, como vimos, se adquire ope legis, por força do n.º 9 do Artigo 16.º do Código do IRS;

P. Neste sentido, segue, de resto, de forma unânime, a jurisprudência dos Tribunais Arbitrais do Centro de Arbitragem Administrativa, de que são exemplos os processos, a qual defende que o regime de RNH é um regime jurídico-fiscal cujo direito se verifica ope legis (por força do n.º 9 do Artigo 16.º do Código do IRS), sem depender do registo formal da qualidade de RNH, a qual reveste mero carácter declarativo (cfr. decisões arbitrais nos processos 188/2020-T, 777/2020- T, 782/2021-T, 815/2021-T, 319/2022-T, 550/2022-T, 581/2022-T, 705/2022-T, 57/2023-T, 76/2023-T), a qual, pese embora não constitua qualquer vinculo para este Douto Tribunal, não pode deixar de ser considerada, em virtude da multiplicidade dos juristas nelas evolvidos e da diversidade do respectivo background profissional;

Q. Sempre prejuízo do exposto, sempre se impõe, também, a conclusão de que, agindo, neste caso, a Autoridade Tributária no âmbito de um poder vinculado - uma vez que o direito a ser tributado como RNH resulta do preenchimento dos pressupostos previsto no n.º 8 do Artigo 16.º -, é, na verdade, absolutamente indiferente o momento em que esta confirma/declara a existência do direito a ser tributado como RNH, o qual já decorre já expressamente do n.º 9 do Artigo 16.º;

R. Tal irrelevância resulta, igualmente, do Artigo 12.º do EBF, o qual estabelece que “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos”;

S. Em suma, para além de fazer letra morta do disposto no n.º 9 do Artigo 16.º do Código do IRS - que estabelece que quem seja considerado RNH nos termos do n.º 8 adquire o direito a ser tributado como tal -, a Sentença recorrida ancora o seu entendimento num pressuposto que não existe, ou seja, de que o pedido tempestivo de inscrição como RNH e o reconhecimento da Autoridade Tributária que dele emanar revestem efeito constitutivo;

T. Acresce que, contrariamente ao que se invoca no aresto recorrido, a produção dos efeitos práticos do reconhecimento como RNH encontra-se circunscrito precisamente ao prazo de caducidade do direito à liquidação, tendo em consideração que os contribuintes dispõem de 4 anos para solicitarem a revisão dos atos de liquidação, em conformidade com o disposto no Artigo 78.º da Lei Geral Tributária;

U. E mesmo que assim não fosse, a produção dos efeitos práticos estaria sempre em linha com os princípios, constitucionalmente consagrados, da legalidade (que impõe, no n.º 9 do Artigo 16.º, o direito de ser tributado como RNH uma vez preenchidos os pressupostos previstos no n.º 8) e da capacidade contributiva (do qual resulta que os contribuintes devem ser tributados de acordo com as suas condições especificas, as quais refletem, à luz da lei, a sua capacidade contributiva - neste caso, a condição RNH);
V. Deverá, pois, concluir-se, a final, que o incumprimento do prazo de apresentação do pedido de inscrição como RNH, previsto no n.º 10 do Artigo 16.º do Código do IRS - e cuja resposta, por parte da Autoridade Tributária reveste, por via do Artigo 5.º, n.º 2, do EBF, mero carácter declarativo -, é, assim, insuscetível de abalar o direito, que assiste ope legis (n.º 9 do Artigo 16.º do Código do IRS) à ora RECORRENTE, de beneficiar do regime de tributação RNH, tendo em conta o preenchimento (que não foi colocado em causa pela entidade Recorrida, nem pelo Tribunal a quo) dos pressupostos constantes do Artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS -, direito esse que não podia, por esse motivo, ter deixado de ser reconhecido pela entidade Recorrida e pelo Tribunal a quo;
W. Verificam-se, em suma, violadas as disposições legais previstas nos n.ºs 8, 9 e 10 do Artigo 16.º do Código do IRS e, bem assim, os princípios, constitucionalmente consagrados, da legalidade e da capacidade contributiva.
X. Motivo pelo qual deverá o presente Recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e, em consequência, a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e, bem assim, da decisão de indeferimento do pedido de inscrição como RNH emitida pela Direção de Serviços do Registo de Contribuintes.
TERMOS EM QUE SE REQUER AOS VENERANDOS SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO SE DIGNEM DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DETERMINADO A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, A ANULAÇÃO DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DO RECURSO HIERÁRQUICO E, BEM ASSIM, DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE INSCRIÇÃO COMO RNH EMITIDA PELA DIREÇÃO DE SERVIÇOS DO REGISTO DE CONTRIBUINTES.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

A. A sentença recorrida não é merecedora de qualquer reparo, sendo a sua interpretação e conclusão as únicas juridicamente possíveis, atento os factos provados e o quadro legal vigente, inexistindo assim qualquer erro que inquine a sua validade.

B. Pelo contrário, são as alegações de recurso que padecem de erro manifesto sobre os pressupostos de direito.

C. O RNH consubstancia um regime especial, com benefícios de natureza excecional e temporária, e que beneficia os sujeitos passivos que cumpram os pressupostos estabelecidos nos n.ºs 8 a 10 do artigo 16.º do CIRS, e que optem pela sua inscrição nesse regime, cumprindo, igualmente, os requisitos formais para tal, designadamente o pedido de inscrição efetuado no prazo legalmente previsto.

D. O regime jurídico do RNH foi pensado no sentido de criar um incentivo para um conjunto limitado de pessoas com determinadas características deslocalizarem a sua residência para Portugal, tutelando assim interesses públicos extrafiscais relevantes, o que manifestamente não se verifica na situação dos presentes autos.

E. É legítimo que o legislador estabeleça um prazo para o exercício de um direito, in casu para apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de modo que o interesse da estabilidade da relação jurídica tributária não possa ser posto em causa por uma eventual atitude desinteressada do titular desse direito.

F. Prazo esse, vertido no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que configura uma limitação adequada, necessária e proporcional deste direito, para a satisfação do interesse da certeza e segurança jurídica, elemento estrutural do Estado de Direito.

G. Na verdade, se olharmos para o ordenamento jurídico no seu conjunto verificamos que noutras situações, a título de exemplo na isenção do IMI prevista no n.º 9 do artigo 44.º do EBF, o legislador consagrou expressamente essa possibilidade, o que não se verifica quanto ao regime jurídico do RNH.

H. O próprio elemento histórico demonstra que não era essa a intenção do legislador, como bem ilustra o n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio.

I. Como é manifesto por todo o exposto, e ao contrário do alegado, o prazo consignado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS é um prazo perentório, de caducidade.

J. Improcede, assim, o alegado erro de julgamento por violação do estatuído no artigo 16.º do CIRS e, consequentemente, dos princípios legalidade e da capacidade contributiva.

K. Andou bem a sentença recorrida quando decidiu pela improcedência do peticionado por não se encontrarem reunidos os pressupostos para a inscrição da Recorrente como residente não habitual, designadamente, por apresentação intempestiva do pedido.

L. Conclui-se, assim, pela total improcedência da argumentação expendida pela Recorrente, e pela inexistência de qualquer erro que inquine a bem elaborada sentença recorrida.

M. No caso de o presente recurso per saltum vir a merecer provimento, a Recorrida requer, a título subsidiário, a ampliação do objeto do presente recurso, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 636.º em relação à improcedência da exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato.

N. Em primeiro lugar, porque existe uma evidente oposição entre a fundamentação e a decisão, no que tange à reconhecida natureza confirmativa do despacho objeto da lide, sem que daí se retire as consequências inerentes, designadamente, no que concerne à sua inimpugnabilidade, o que configura uma nulidade da sentença recorrida, como determina o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

O. Com os mesmos fundamentos, e apenas caso não proceda a nulidade, o que não se concede, e por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que a decisão de improceder a exceção invocada está ferida de erro de julgamento, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 53.º do CPTA.

P. Pelo que procedendo a referida exceção dilatória, como se impõe, deve a Ré ser absolvida da instância.

a) Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão proferida em 1.ª instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra;

b) Subsidiariamente, caso o recurso apresentado venha a merecer provimento, o que não se concede, deve ser julgada totalmente procedente a ampliação do objeto do recurso e a sentença recorrida ser declarada nula, com fundamento na oposição entre os seus fundamentos e a decisão, ou, assim não entendendo, deve ser anulada por manifesto erro de julgamento, por violação do n.º 1 do artigo 53.º do CPTA.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento da decisão recorrida ao ter considerado que a qualidade de residente não habitual depende do reconhecimento por da AT e que o prazo previsto no art. 16º nº 10 do CIRS, na redacção introduzida pelo D.L. nº 41/2016, de 01-08, é um prazo preclusivo do direito a beneficiar do regime de RNH.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) Entre março de 2013 e março de 2018 a Autora residiu no Reino Unido [cf. cópia de despacho - doc. 2 junto à petição inicial, doc. n.º ...07, de 29.08.2023 SITAF].

B) Em março de 2013, a Autora não alterou a sua residência fiscal, mantendo-se, entre 2013 e 2018, no cadastro da AT como residente em Portugal [cf. cópia de despacho - doc. 2 junto à petição inicial, doc. n.º ...07, de 29.08.2023 SITAF].

C) Em março de 2018 a Autora voltou a residir em Portugal [cf. cópia de despacho - doc. 2 junto à petição inicial, doc. n.º ...07, de 29.08.2023 SITAF].

D) Em 13.05.2019, a Autora submeteu, através do portal das Finanças, pedido de inscrição como residente não habitual no território português, com efeitos a partir do ano de 2019, ao qual foi atribuído o n.º ...68 [cf. prints do sistema informático da Administração Tributária (“AT”) constantes do doc. n.º ...74, de 02.10.2023 SITAF (PAT) e a fls. 10 do doc. n.º ...12, de 29.08.2023 SITAF].

E) Com data de 01.07.2019, foi emitido ofício com a referência ...68, pela Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, de “Indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual”, do qual consta, no que releva:

“(…)

[IMAGEM]

[cf. cópia de ofício – doc. 4 junto à petição inicial, doc. n.º ...09, de 29.08.2023 SITAF].
F) Em 08.01.2020, a Autora submeteu, através do portal das Finanças, pedido de inscrição como residente não habitual no território português, com efeitos a partir do ano de 2020, ao qual foi atribuído o n.º ...18 [cf. print do sistema informático da AT, constante do doc. n.º ...74, de 02.10.2023 SITAF (PAT)].
G) Com data de 24.02.2020, foi emitido ofício com a referência ...18, pela Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, de “Indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual”, do qual consta, nomeadamente:
“(…)
[IMAGEM]

[cf. cópia de ofício - doc. 5 junto à petição inicial, constante do doc. n.º ...10, de 29.08.2023 SITAF].
H) Em data anterior a 13.12.2021, a Autora formulou junto do Serviço de Finanças de Oeiras 2, um pedido de alteração de morada, para Reino Unido, com efeitos retroativos ao período de 13.03.2013 a 13.03.2018 [facto admitido por acordo – cf. artigo 19.º da Petição Inicial e cópia de Informação da AT – 1.º paragrafo a fls. 2 do doc. n.º ...07, de 29.08.2023 SITAF].
I) Com data de 14.12.2021, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 2, que deferiu o pedido de alteração da data de produção de efeitos da alteração da morada da Autora, no sentido de a considerar residente no Reino Unido de 13.03.2013 a 13.03.2018 [cf. cópia de despacho - doc. 2 junto à petição inicial, doc. n.º ...07, de 29.08.2023 SITAF].
J) Em concretização da decisão identificada no ponto anterior, a Autora foi inscrita no cadastro junto da AT portuguesa como tendo residência em Portugal com efeitos a partir de 19.03.2018, e não residente entre 13.03.2013 e 13.03.2018 [cf. certidão - doc. 3 junto à petição inicial, doc. ...08, de 29.08.2023, e Informação da visão integrada e sistema de gestão e registo de contribuinte a fls. 2 do doc. n.º ...76, de 02.10.2023 SITAF].
K) Em 28.02.2022, a Autora submeteu, através do portal das Finanças, pedido de inscrição como residente não habitual no território português, com efeitos a partir do ano de 2021, ao qual foi atribuído o n.º ...39 [cf. print do sistema informático da AT, constante do doc. n.º ...74, de 02.10.2023 SITAF (PAT)].
L) Com data de 28.02.2022, foi emitido ofício com a referência ...39, da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, contendo “Projeto de decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual”, do qual consta, nomeadamente:
[Imagem]

[cf. cópia de ofício – doc. 6 junto à petição inicial, constante do doc. n.º ...11, de 29.08.2023 SITAF, cópia de Informação da AT – ponto 2 a fls. 3 do doc. n.º ...72, de 02.10.2023 SITAF].
M) Em 21.03.2022, a Autora remeteu à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, requerimento através do qual exerceu o direito de audição prévia, do qual constava, nomeadamente:
“(…)
7. (…) aquando da sua saída de Portugal em 2013, a Requerente não procedeu à alteração da sua morada fiscal para o Reino Unido (…).
8. No ano de 2019 (…), a Requerente formulou pedido de inscrição como RNH com efeitos a 2018, uma vez que não tinha sido, efetivamente (de ponto de vista factual), residente fiscal em Portugal nos últimos cinco anos (2013 a 2018) (cfr. Documento 2 em anexo).
(…).
21. (…) no ano seguinte àquele em que regressou a Portugal (2019), a Requerente encontrava-se, por lapso, registada como residente em Portugal no período de 2013 a 2018, pelo que lhe foi negado, então, o pedido de inscrição como RNH.
22. (…) Por outro lado, a residência fiscal no Reino Unido no período de 2013 a 2018 veio apenas a ser oficiosamente reconhecida pela AT em Dezembro de 2021.
23. Assim, apesar de não ter sido residente fiscal em Portugal nos anos de 2013 a 2018, apenas em Dezembro de 2021 foi tal facto oficiosamente reconhecido pela AT, pelo que, apenas a partir desta data, se verificou a possibilidade de a ora Requerente solicitar a sua inscrição como RHN, o que fez, em 22 de fevereiro de 2022.
(…).
Documento 2
(…)
[IMAGEM]
(…).”
[cf. cópia de requerimento a fls. 1 a 7 e print do sistema informático da AT a fls. 10, ambas constantes do doc. 7 junto à petição inicial - doc. n.º ...12, de 29.08.2023 SITAF, e doc. ...71, de 02.10.2023 SITAF (PAT)].
N) Em 30.01.2023, através do ofício n.º ...71, de 23.01.2023, da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, a Autora recebeu notificação do despacho de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, proferido pelo Diretor de Serviços de Registo de Contribuintes, em 20.01.2023, exarado na informação n.º ...23, do qual consta, nomeadamente:
“(…)
10. Tendo em consideração que a Contribuinte (…) regressou a Portugal em março de 2018 (…), o seu pedido de inscrição como RNH tinha de ser efetuado até 31 de março do ano de 2019 (conforme previsto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS).
11. Ora, como o mesmo foi realizado (…) em 2022-02-28, ou seja, fora do prazo legalmente estabelecido, não poderia a sua pretensão ser deferida, na medida em que não se verificava um dos pressupostos essenciais para que o pedido da Requerente merecesse deferimento: a tempestividade do mesmo.
(…)”.
[cf. copia de despacho constante do doc. 8 junto à petição inicial – doc. ...13, de 20.08.2023, e junto ao PAT no doc. n.º ...72 e ...73, de 02.10.2023 SITAF, facto admitido por acordo - cf. artigo 27.º da Petição Inicial e artigo 18.º da Contestação].
O) Com data de 28.02.2023, a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, referida no ponto anterior [cf. cópia de recurso hierárquico – doc. 9 junto à petição inicial, doc. ...14, de 29.08.2023 SITAF, e a fls. 2 a 16 e cópia de registo postal a fls. 31, ambas constantes do doc. n.º ...77, de 02.10.2023 SITAF].
P) Em 15.05.2023 foi dado conhecimento à Autora do teor do despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado, datado de 27.04.2023, da Subdiretora Geral da Área da Cobrança, através da receção do ofício n.º ...47, de 03.05.2023, da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes [cf. cópia de despacho constante do doc. n.º ...79, de 02.10.2023 SITAF e cópia de aviso de receção constante do doc. n.º ...78, de 02.10.2023 SITAF, e cópia do ofício constante do doc. n.º ...80, de 02.10.2023, e doc. 1 junto à petição inicial - doc. ...06 de 29.08.2023 SITAF].

*
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
1. Em março de 2019, a Autora submeteu, através do portal das Finanças, pedido de inscrição como residente não habitual no território português [cf. artigo 15.º da Petição Inicial e por contraposição do facto assente descritos na alínea A) supra].
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Quanto ao facto dado por não provado, pese embora a Autora não remeta, na sua petição inicial, especificamente para nenhum documento, a prova da alegação de que em março de 2019 submeteu junto da AT portuguesa, pedido de inscrição como residente não habitual, fê-lo em sede de audição prévia no âmbito do procedimento de formação do ato de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual (cf. al. J) dos factos assentes). E nessa sede, remeteu para o “Documento 2”, que consiste numa impressão de página da área pessoal do portal das Finanças. Contudo, do referido documento consta como data de submissão do pedido, o dia 13.05.2019 (que não o mês de março de 2019). Informação essa corroborada por impressão do sistema informático da AT, especificada na al. A) dos factos assentes.
Consequentemente, a alegação da Autora de que em março de 2019 submeteu junto da AT portuguesa, pedido de inscrição como residente não habitual, é contraditória face ao teor da documentação que juntou para a respetiva prova.”
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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de analisar o invocado erro de julgamento da decisão recorrida ao ter considerado que a qualidade de residente não habitual depende do reconhecimento por da AT e que o prazo previsto no art. 16º nº 10 do CIRS, na redacção introduzida pelo D.L. nº 41/2016, de 01-08, é um prazo preclusivo do direito a beneficiar do regime de RNH.


Nas suas alegações, a Recorrente insiste que o Tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação e aplicação do regime legal do residente não habitual previsto no art. 16º nºs 8, 9 e 10 do CIRS e fazendo referência a jurisprudência do tribunal arbitral, aponta que “o incumprimento do prazo de apresentação do pedido de inscrição como RNH, previsto no n.º 10 do Artigo 16.º do Código do IRS - e cuja resposta, por parte da Autoridade Tributária reveste, por via do Artigo 5.º, n.º 2, do EBF, mero carácter declarativo -, é, assim, insusceptível de abalar o direito, que assiste ope legis (n.º 9 do Artigo 16.º do Código do IRS) à ora Recorrente, de beneficiar do regime de tributação RNH, tendo em conta o preenchimento (que não foi colocado em causa pela entidade Recorrida, nem pelo Tribunal a quo) dos pressupostos constantes do Artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS -, direito esse que não podia, por esse motivo, ter deixado de ser reconhecido pela entidade Recorrida e pelo Tribunal a quo”.

Para recusar abrigo da pretensão da Recorrente, a decisão recorrida entendeu que, apesar de ter entregue três pedidos nos anos sucessivos ao retorno a Portugal - 2019 (cff. al. E) dos factos assentes - 13.05.2019), 2020 (cfr. al. F) dos factos assentes - 08.01.2020) e 2022 (cfr. al. K) dos factos assentes - 28.02.2022), todos foram apresentados de forma extemporânea, sendo que o regime de residente não habitual consubstancia a aplicação de um benefício fiscal. (…) Benefício esse que carece de reconhecimento por parte dos serviços da AT, e que depende de um impulso por parte do requerente (cf. artigo 5.º do EBF), concluindo no sentido de que não se encontram reunidos os pressupostos para a inscrição da Autora no regime de residente não habitual, porquanto o(s) pedido(s) foi(ram) apresentado(s) de forma intempestiva.

Nesta matéria, diga-se que o artigo 16º nºs 8 a 11 do CIRS, sob a epígrafe “Residência”, na redacção do Decreto-Lei nº 41/2016, de 01-08, determinava o seguinte:
“8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.”

Como se assinala na decisão recorrida, este regime foi introduzido no sistema tributário através do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, iniciativa legislativa que pretendia dar consagração jurídica a um novo espírito de competitividade da economia portuguesa, com o qual se prende estimular a economia nacional e o tecido empresarial português, tendo em conta que “[a] crescente projecção de Portugal no cenário mundial obriga a uma reflexão profunda sobre as orientações negociais nas relações económicas internacionais, sendo, nesta perspectiva, imperioso que seja delineada uma estratégia fiscal global assente nos actuais paradigmas da competitividade. Esta circunstância conduz a que os instrumentos de política fiscal internacional do nosso país devam funcionar como factor de atracção da localização dos factores de produção, da iniciativa empresarial e da capacidade produtiva no espaço português.” (cf. 1.º parágrafo do preâmbulo do referido diploma).

Por outro lado, tal como referem Ricardo da Palma Borges e Pedro Ribeiro de Sousa, “O Novo Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais”, BB, pág. 6, disponível em https://www.isg.pt/wp-content/uploads/2021/03/40_1_rborges_rna_f40.pdf, “o regime visa atingir outros tantos tipos, distintos, de destinatários não residentes: por um lado, os que se dispõem a estabelecer domicílio em Portugal de forma permanente (por exemplo, profissionais independentes, reformados e pensionistas) e, por outro, sobretudo ao nível dos trabalhadores dependentes ou membros dos órgãos sociais de pessoas colectivas, os que aqui apenas pretendem estabelecer uma residência temporária, decorrente de relações de destacamento ou de expatriação”.

Na sentença recorrida faz-se ainda apelo ao Código de Fiscal do Investimento, aprovado pelo referido Decreto-Lei nº 249/2009, de 23-09, nomeadamente, ao seu artigo 23.º, sob a epigrafe “Investidor com residência não habitual em território português”, enquadrado na parte III referente ao regime fiscal do investidor residente não habitual, o qual dispunha que:
“1 - Considera-se que não têm residência habitual em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes, nomeadamente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal em sede de IRS.
2 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI.
3 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no número anterior requer que o sujeito passivo nele seja considerado residente para efeitos de IRS.
4 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior num ou mais anos do período referido no n.º 2 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, contando que nele volte a ser considerado residente para efeitos de IRS.”
Nesta sequência, é depois referido que através da Lei nº 64-B/2011, de 30-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, e da Lei nº 20/2012, de 14-05, foram revogados aqueles preceitos, passando este regime a constar, no que releva, do artigo 16º do Código do IRS.

Em todo o caso, tem de dizer-se que, embora o regime fiscal do residente não habitual tenha sido criado no âmbito da iniciativa legislativa relativa ao Código Fiscal de Investimento, o mesmo foi introduzido no CIRS e não em legislação autónoma, designadamente com o aditamento dos já descritos números 8, 9 e 10 ao artigo 16º do CIRS, nos quais ficaram definidos os requisitos de aplicação de tal regime.

A partir daqui, decorre dos elementos acima descritos com referência ao art. 16º do CIRS que é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.

Neste ponto, a AT encara a aposição deste termo final do prazo de inscrição da qualidade de residente não habitual como uma condição preclusiva do direito à aplicação deste regime fiscal, posição acolhida na decisão recorrida, quando se considera, a este propósito, que o legislador não previu qualquer hipótese de relevar a apresentação tardia do pedido de inscrição, como está previsto noutras situações de gozo de benefícios fiscais e de que foram dados alguns exemplos.

Ora, perante o destacado efeito preclusivo da apresentação tardia do pedido de inscrição, crê-se, tal como aponta o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, que o efeito gravoso de tal situação imporia uma previsão mais expressa por parte do legislador.

Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, inscrição que sempre foi obrigatória para aplicação do regime fiscal, como resulta da redacção inicial da norma, que dispunha “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (Aditado pelo artigo 4º do D.L. nº 249/2009, de 23-09, produzindo efeitos desde 01/01/2009).

Deste modo, temos que o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a AT tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais.
No entanto, não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa nos termos propostos pela ora Recorrente.
Por outro lado, nos termos do artigo 12º do EBF, “O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.

Com este pano de fundo, a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período.
Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (nº 7 do artigo 16º do CIRS, na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção -Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (nº 12 do artigo 16º do CIRS).

Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018, situação que implica a procedência do presente recurso, a revogação da decisão recorrida, com a consequente viabilização da pretensão da Recorrente no âmbito desta acção no sentido da anulação da decisão de indeferimento do pedido de inscrição.

A Recorrida AT, em sede de ampliação do recurso, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 636º do C. Proc. Civil, invoca erro de julgamento de decisão recorrida em relação à apreciação da questão por si suscitada quanto à inimpugnabilidade do acto, por violação do artigo 53º do CPTA, apontando ainda que existe nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do C. Proc. Civil, por evidente oposição entre os fundamentos e a decisão, considerando que a decisão proferida em sede de recurso hierárquico facultativo aderiu “aos fundamentos que estiveram na base do acto recorrido, e sem nada lhe acrescentar, manteve a decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, com fundamento na sua extemporaneidade, nº 10 do artigo 16º do CIRS e alínea d) do nº 1 do artigo 109º do CPA”, motivo pelo qual configura um mero ato confirmativo da decisão anterior, concluindo que o “despacho proferido pela Senhora Subdiretora-Geral, se limitou a confirmar o despacho do Senhor Director de Serviços de Registo de Contribuintes que, em 20/01/2023, rejeitou liminarmente o pedido de inscrição como residente não habitual, sem nada acrescentar, ou retirar, ao seu conteúdo. Sendo, pois, forçoso concluir que tal despacho não é impugnável, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 53º do CPTA”.

Quanto à questão da nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, temos que o vício em questão apenas ocorre quando a decisão padece de uma contradição intrínseca que consiste numa incompatibilidade da subsunção, da factualidade dada por provada e tida por relevante à decisão final que veio a ser tomada, ao quadro jurídico aplicável, na medida em que aquela - factualidade - impunha sentido decisório diferente e oposto ao que veio a ser acolhido; Numa palavra, a contradição tem de se verificar entre os fundamentos invocados em suporte da decisão e o sentido decisório desta última.

Na linha do que se vem de referir doutrinava o Dr. R. Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol III, 246, que “A oposição referida na alínea c) do n.º 1 é a que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir.”; No mesmo sentido ensinava o Prof. A. dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 141, ao dissertar sobre esta temática e por cotejo com as contradições decorrentes de mero lapso material, que, no caso considerado no art.º 668.º, n.º 3, do CPC de 1939, - substancialmente similar ao art.º 668.º, n.º 1, al. c), do CPC actual -, «(…) a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.».

Esta doutrina mantém toda a actualidade, como se encontra reflectido, entre outros e a título meramente exemplificativo, no Ac. da 1.ª Secção, do STA, de 04-06-2009, tirado no processo n.º 0438/09 e onde e além do mais se consigna, com relevância à presente questão, que «Como é jurisprudência assente, esta nulidade só se verifica quando existe uma contraditoriedade lógico formal entre os pressupostos enunciados para a decisão e esta última (v. a título exemplificativo ac. do S.T.A. de 6/2/2007, rec. 575/06; ac. de 11/9/07 p.º 59/07).

Tal nulidade “reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência em termos tais que os fundamentos invocados pelo juiz devessem logicamente conduzir a resultado oposto ao expresso na decisão” (citado ac. de 11/9/07)».


Pois bem, neste domínio, é manifesto que a pretensão da ora Recorrida não pode proceder nesta sede, porquanto, embora o Tribunal “a quo” tenha entendido que a decisão proferida no recurso hierárquico facultativo era meramente confirmativa da anterior decisão de indeferimento do pedido de inscrição, considerou que a interposição desse recurso hierárquico tinha efeitos suspensivos sobre o prazo de impugnação contenciosa dessa decisão, e que à data da apresentação da presente acção - 29/08/2023 - ainda não havia decorrido o referido prazo, o que significa que independentemente da bondade do modo como o Tribunal “a quo” fundamentou a recorribilidade da decisão impugnada, temos que o mesmo Tribunal afastou a caducidade da acção, por ter considerado que, no momento da propositura da mesma, ainda não havia decorrido o respectivo prazo de caducidade, o qual foi aferido em função da notificação da decisão de indeferimento do pedido de inscrição e não da decisão de notificação da decisão do recurso hierárquico.

Por outro lado, apesar de a decisão de indeferimento proferida em sede de recurso hierárquico ser meramente confirmativa da primeira decisão da AT que indeferiu o pedido de inscrição como residente não habitual e que, nessa medida, não inova nem produz efeitos lesivos autónomos, temos por adquirido que a acção tem como objecto mediato este primeiro acto, cuja anulação se peticiona, e a acção foi considerada tempestiva em relação ao mesmo, o que não é questionado pela Recorrente.

Deste modo, ainda que se possa discutir o modo como a decisão recorrida fundamentou a impugnabilidade das decisões proferidas pela AT, tais deficiências não colocam em crise o acerto da decisão sobre a impugnabilidade do acto de indeferimento do pedido de inscrição que constitui o objecto mediato da acção, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, não podendo proceder a pretensão da Recorrida em relação ao invocado erro de julgamento em relação à apreciação da questão por si suscitada quanto à inimpugnabilidade do acto.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, perante a improcedência do exposto pela AT em sede de ampliação do recurso, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e, nesta sequência, julgar a presente Acção Administrativa procedente, determinando-se a anulação da decisão da AT de indeferimento do pedido de inscrição como RNH (Residente Não Habitual),
Custas pela Recorrida em ambas as Instâncias.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 29 de maio de 2024. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Fernanda de Fátima Esteves.