Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0345/21.6BEVIS |
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Data do Acordão: | 02/12/2025 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | JOÃO SÉRGIO RIBEIRO |
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Descritores: | CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR ENERGÉTICO |
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Sumário: | I - A questão fundamental a que importa dar resposta é a de saber se as normas do regime da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (“CESE”), em particular os artigos 2.º, 3.º, 6.º, 11.º e 12.º, na versão e período de vigência conferidos pelo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020), que prorrogou a CESE para 2020, padecem de inconstitucionalidade. II - Até ao ano de 2018 foi entendido, de forma reiterada, que não eram inconstitucionais as normas objeto dos sucessivos pedidos de controlo. III - A partir de 2019, porém, houve uma inflexão do posicionamento, até então maioritário. Isto é, do exercício de 2019 em diante, houve uma inversão da jurisprudência, passando-se a decidir no sentido da inconstitucionalidade da CESE. IV - Esta nova linha jurisprudencial, tem na sua base o acórdão n.º 101/2023 do TC, cuja linha argumentativa e dos acórdãos que o seguiram é plenamente transponível para o caso sub judice, relativo à CESE de 2020, que se refere, justamente, a um sujeito passivo que exerce a sua atividade no âmbito do provisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados, atividade expressamente referida nos vários arestos aludidos V - Pelo que se apresenta como inelutável o alinhamento deste Supremo Tribunal com a jurisprudência do TC referente à matéria em apreço, no sentido de que, também aqui, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE – (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2020, pelo artigo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2020, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural – viola o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser desaplicado. VI - Acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação do ato de liquidação impugnado. |
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Nº Convencional: | JSTA000P33256 |
Nº do Documento: | SA2202502120345/21 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A..., S.A., interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 15.06.2023, que julgou improcedente a impugnação judicial da autoliquidação da “Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético” (CESE), referente ao ano de 2020, no valor de € 485.797,00, na sequência de indeferimento de reclamação graciosa, bem como contra a liquidação de juros compensatórios no valor de € 509,59, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso: «A. A CESE foi estabelecida com a intenção de constituir uma medida extraordinária (conforme decorre, aliás, da sua própria designação), no âmbito e a propósito da negociação e cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) acordado entre o Estado português, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, que vigorou entre 2011 e 2014 (vulgo “programa da Troika”). Assim sendo, era suposto que a CESE vigorasse por um período transitório e limitado. Porém, desde que foi criada, a medida tem vindo a ser prorrogada anualmente, até ao presente, estando já no nono ano de vigência (quase uma década). O período em causa nos presentes autos, 2020, foi o sétimo ano em que a CESE esteve em vigor. B. Quer agora, em 2023, quer no ano aqui em questão, 2020, estamos a falar de momentos por reporte aos quais foram há muito ultrapassadas as circunstâncias que justificaram a permanência excepcional e transitória da CESE na nossa ordem jurídica. De acordo com a jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, essas circunstâncias reconduzem-se à situação de emergência financeira que a República Portuguesa atravessou entre o início e meados da década passada. Com efeito, apesar de até ao momento o Tribunal se ter colocado do lado da validade da CESE, não só teve apenas em conta o tributo vigente entre 2014 e 2017 como, das decisões conhecidas, é possível retirar como consequência que, a partir de 2018, a medida deixou de ter justificação constitucional para vigorar (extraordinariamente) no nosso ordenamento. C. A essa luz, tanto os actuais nove anos de duração da CESE quanto os sete que ela já levava em 2020 configuram uma situação óbvia de uso excessivo e inconstitucional do poder do Estado, que requer com urgência uma intervenção que o limite – pelo menos, como ultima ratio, uma intervenção judicial. É essa intervenção que se requer a este Tribunal, enquanto garante máximo dos princípios constitucionais em que se baseia a ordem jurídico política portuguesa. D. Segundo o Tribunal, a conformidade da CESE com a Constituição mantém-se apenas enquanto ela puder ser considerada uma medida extraordinária, pelo que saber se ela ainda merece ou não essa qualificação é uma questão central, um critério fundamental que deve orientar a apreciação da sua validade ou invalidade. Ora, à luz da jurisprudência, não faz sentido que, no quinto ano de vigência da medida, ainda se possa considerar admissível a permanência da CESE na ordem jurídica. É que não é só a urgência da receita gerada que despareceu (em 2020, Portugal não estava já na situação financeira de há dez anos. Nessa altura, aliás, o Governo inclusivamente celebrava o facto de termos ultrapassado essa situação); desapareceu também a urgência de o tributo existir naquelas condições – condições essas que, lembre-se, este Tribunal aceitou porque eram «de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e certo, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados (…), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados à urgência do caso pretendido». E. Pois bem: para o Tribunal (por exemplo, no Acórdão n.º 532/2021), saber se a CESE reveste ou não natureza extraordinária é uma pergunta cuja resposta tem de ser determinada por um “critério conjuntural”, em cada ano de vigência, à luz da “verificação periódica de um certo estado de coisas”. F. No entanto, esta circunstância de a validade da CESE tem de ser apreciada ano a ano, de acordo com a manutenção ou não do contexto que justificou a sua criação, implica que não nos possamos desviar de alguns princípios essenciais. Em primeiro lugar, sob pena de se abrir a porta à maior arbitrariedade possível, ao configurarem-se as razões que justificam a continuidade do tributo na ordem jurídica, não podemos estar permanentemente a pesquisar razões novas que sustentem, por exemplo, a natureza extraordinária da CESE. G. É verdade que, potencialmente e em abstracto, em todos anos, até à eternidade, existirão por certo no Estado português circunstâncias (por exemplo, de índole orçamental) que poderão justificar a necessidade de receitas tributárias acrescidas, de natureza extraordinária; todavia, quando nos debruçamos sobre uma determinada medida concreta, para averiguar se ela é (ou ainda permanece) constitucionalmente válida – desde logo à luz da sua eventual natureza extraordinária – , não nos podemos afastar dos motivos que levaram o legislador a criá-la: é que, se optarmos por esse afastamento, estamos a aceitar que pode deixar de haver – ou deixar de ser impossível averiguar – qualquer correspondência entre a razão de ser do tributo e a necessidade de o exigir especificamente aos operadores económicos que são os seus sujeitos passivos. H. Em vez de estarmos sempre a justificar a CESE com razões novas, ou com razões que, mesmo existindo à data da criação do tributo, não consta dos documentos legislativos ou de qualquer elemento do contexto da sua criação que tenham sido levadas em conta, aquilo a que estamos adstritos é a perguntar se as razões que presidiram à implementação do tributo se mantêm ou não, ou se foram cumpridas com a receita gerada pela medida. Caso contrário, estaremos perante uma medida violadora do princípio da proporcionalidade, por não existir correspondência entre a sua suposta necessidade e os objectivos determinado pelo legislador. I. Nesse caso, só há duas hipóteses: ou a CESE tem de ser expurgada da ordem jurídica ou as suas regras têm de ser alteradas, com – nas palavras do TC – “a implementação de critérios, porventura mais adequados” à vigência do tributo posterior ao momento extraordinário da sua criação. J. De resto, diga-se também, em segundo lugar, que não se pode dar justificações para a CESE que alterem natureza do tributo, a não ser que daí se retirem as devidas consequências, por exemplo e desde logo, considerando que não se trata de uma contribuição financeira, mas sim de um imposto. Lembre-se que a qualificação da CESE como uma contribuição, estabelecida no Acórdão n.º 7/2019, tinha por pressuposto que a actividade dos sujeitos passivos dava causa aos problemas que o tributo visava ajudar a resolver e/ou beneficiavam da actuação do Estado na resolução desses problemas. Porém, se a CESE passar a ser justificada sem apelo a essa ideia de bilateralidade, então é porque é um imposto e tem de ser tratada como tal, de acordo com os princípios que conformam a constitucionalidade da criação de impostos. K. Ora, o único argumento que o TC avança para justificar a validade da CESE até 2017 é o das condições de emergência financeira em que a República Portuguesa se encontrava. Em concreto, o TC justifica a CESE com a situação de rescaldo do PAEF, durante o qual Portugal permanecia num contexto de fragilidade das contas públicas, e a manutenção do procedimento por défice excessivo, previsto no artigo 126º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (relativamente à CESE dos anos de 2015 e 2016, podemos referir as Decisões Sumárias n.ºs 358/2021 e 422/2021 e os Acórdãos n.ºs 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021 e 532/2021. Quanto a 2017, podemos citar o Acórdão 736/2021). L. Antes de mais, analisada a jurisprudência em apreço, o que importa sublinhar é que o TC dá apenas uma justificação para a CESE de 2015, 2016 e 2017 – e essa justificação é a necessidade de consolidação orçamental. Esta circunstância transporta dois significados importantes para o caso vertente. M. Em primeiro lugar, implica necessariamente que a CESE deve ser considerada como um verdadeiro imposto, na medida em que, se serviu simplesmente para consolidação orçamental, constitui afinal um tributo cobrado para os fins gerais dos impostos, sem qualquer efeito no financiamento de medidas de sustentabilidade do sector energético, seja na redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional ou em qualquer outra. Assim, é indispensável a medida ser apreciada à luz dos princípios constitucionais que regem a criação de impostos. N. Aliás, insista-se, a partir de 2018 a CESE perdeu até a ligação à emergência da consolidação orçamental, que nessa altura deixou de se verificar, o que acarreta que deixou de existir qualquer correspectividade especial entre a CESE e uma necessidade do Estado que pudesse justificar, mesmo que temerariamente, a sua vigência extraordinária. Também por este facto se deve concluir, então, que falar hoje da CESE como um tributo bilateral –designadamente uma contribuição especial – é um erro. O. Com efeito, em segundo lugar, levando em linha de conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem de se concluir que a CESE deixou de ser uma medida extraordinária em 2018, pois que nesse ano Portugal não só já tinha há muito deixado para trás o PAEF como havia fechado o procedimento por défice excessivo. Por reporte a 2017, o último ano analisado pelo Tribunal, este já só teve como pressuposto da natureza extraordinária da CESE a existência do procedimento por défice excessivo: se este terminou, terá de se concluir que com ele terminou igualmente a validade transitória e excepcional da CESE. Ao contrário do que sucedeu de 2014 a 2017, em 2018 e nos anos seguintes Portugal já não estava obrigado pela União Europeia à adopção de medidas orçamentais extraordinárias. P. Portanto, se a jurisprudência do Tribunal Constitucional é a que é, e se os factos a partir de 2018 são o que são, nada pode justificar a vigência da CESE em 2020. O Tribunal sinaliza claramente uma aproximação da CESE ao limite do aceitável, já que a razão com a qual o tem identificado a justificação da validade temporária da medida – a emergência financeira de Portugal – não se verifica nos anos seguintes àqueles sobre os quais se debruçou a jurisprudência conhecida. O limite do aceitável, segundo o TC, foi ultrapassado em 2018. Q. É por isso que, precisamente a partir de 2018, o Governo foi dando sinais formais – nas sucessivas leis orçamentais – de que pretende uma revogação faseada da medida. Fê-lo mediante autorizações legislativas, para sinalizar uma alegada vontade do Estado português de, mais tarde ou mais cedo, remover a CESE do ordenamento jurídico. E fê-lo porque teve a noção do risco de constitucionalidade de o não fazer. R. Porém, ao desaproveitar sistematicamente essas autorizações legislativas, o que o Governo demonstrou é que, em bom rigor, a sua intenção é fazer letra morta da natureza extraordinária da CESE, que deste modo permanece ainda na ordem jurídica basicamente como foi aprovada em 2014. S. Do exposto resulta que a CESE tem de ser apreciada como aquilo que verdadeiramente é – ou que verdadeiramente era já a partir de 2018, incluindo em 2020: um imposto especial sobre o sector da energia, sem natureza extraordinária. T. Trata-se, sem dúvida, de uma medida inconstitucional. U. A inconstitucionalidade decorre, antes de mais, de a CESE ser um imposto cujas bases de tributação subjectiva e objectiva violam o princípio da capacidade contributiva, concretização do princípio da Igualdade (artigo 13º da Constituição), desenvolvido também, no que respeita à base objectiva, pelo princípio da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do artigo 104º). V. Sobre isso, deve começar-se por sublinhar que a Recorrente não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) – que é o principal problema regulatório que o regime da CESE declara pretender resolver –, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos do tributo). W. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a Recorrente não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu igualmente como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo, também aqui, com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares. X. Quanto ao financiamento de outras políticas sociais e ambientais do sector energético, em geral, que o legislador também inscreveu formalmente no regime como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Y. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária do SEN e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental). Z. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos. AA. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular. BB. Posto isto, a CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da“contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente. CC. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório. DD. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade. EE. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade. FF. Este princípio é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução. GG. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema. HH. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades – como a Recorrente – que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio). II. Por fim, entende a Recorrente que caberá, nesta sede, invocar a ilegalidade do acto de (auto)liquidação por violação da regra da discriminação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CESE não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CESE aqui em causa – 2020 –, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a criação da CESE até à presente data – 2014 a 2023, como se demonstrará. JJ. Vício que, entende a Recorrente, é cominado com nulidade típica ou integral, por se reconduzir à previsão das alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA, como se demonstrará. KK. Ora, a nulidade é, nos termos do disposto no número 2 do artigo 162.º do CPA e no número 1 do artigo 58.º do CPTA, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e é suscetível de ser, oficiosamente, conhecida e declarada, termos em que é forçoso concluir pela inexistência de óbice à sua invocação no âmbito do presente Recurso. LL. Sempre se dirá que as questões de constitucionalidade deverão ser susceptíveis de ser invocadas e conhecidas (ainda que oficiosamente) pelo Tribunal até ao trânsito em julgado dos presentes autos, dada a relevância das normas constitucionais violadas pela CESE, cf. o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: “(…) até transitar em julgado a decisão final do processo em que se discute a validade do ato, a situação jurídica gerada com a sua prática está instável, pelo que não se podem gerar expectativas dignas de tutela jurídica relativas à validade do ato impugnado e sua manutenção. Por isso, uma vez impugnado o ato, a preclusão do direito de arguir novos vícios não se impõe por razões de segurança jurídica, mas essencialmente por razões de disciplina e economia processuais, para que o processo tenha a tramitação normal prevista na lei, presumivelmente a mais adequada para apreciação dos direitos em litígio. Nestas condições, não havendo prejuízo para a segurança jurídica, é aceitável que se admita a discussão das questões de constitucionalidade durante o processo, mesmo oficiosamente, atenta a relevância jurídica das normas constitucionais.” (cf. Lopes de Sousa, Jorge – Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado – Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 445 e 446, nota 4 – sublinhado do Recorrente). MM. A possibilidade de invocação, em sede de Recurso, de questões de inconstitucionalidade foi, com efeito, reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo: “I - Em recurso interposto para o STA de decisão proferida pela 1ª instância pode ser alegada a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos essenciais do tributo, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Dezembro de 2000, proferido no processo n.º 024319, disponível em www.dgsi.pt). NN. Assim, entende a Recorrente estar em tempo para invocar a nulidade de Que padece a autoliquidação de CESE sub judice, por violação de lei e de normas constitucionais, nos termos em que, de seguida, se expõe. OO. O princípio orçamental da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.º da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.º a 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo também da própria CRP a imposição da “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”, conforme se dispõe no artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP. PP. Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos o subprincípio, ou regra orçamental, da especificação (a par das regras orçamentais da não compensação e da não consignação). QQ. O fundamento da regra da especificação orçamental reside nos requisitos de clareza e maior verdade e, bem assim, numa perspetiva de racionalidade financeira e controlo político (cf. Sousa Franco, A. L.– Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, p. 353). RR. Esta regra orçamental da especificação integra duas proibições: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento. SS. Ora, poder-se-á concluir, como faz Maria d’ Oliveira Martins, que a regra orçamental da especificação serve o princípio da publicidade do Orçamento, que “implica a obrigação de tornar públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada divulgação e transparência do Orçamento do Estado e a sua execução.” (cf. p. 32 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria D´Oliveira Martins, cit. Anexo n.º 3). TT. Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO (esta última, tanto na versão de 2001, como na versão de 2015), preveem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional. UU. Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que mais releva para os presentes autos, recorde-se, estabelece o artigo 8.º da LEO de 2001 que “As receitas devem ser suficientemente especificadas de acordo com uma classificação económica” (cf. também artigo 17.º da LEO de 2015). VV. Sucede, porém, que a CESE – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente orçamentada de acordo com a regra da especificação orçamental. WW. Embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista na Lei do Orçamento do Estado – neste caso, por referência ao ano de 2020 –, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto na CRP e na LEO, não se afigurando, à luz do que antecede, suficiente a inscrição global das receitas do FSSSE no Mapa V dos vários Orçamentos do Estado até 2020 e, em 2021, 2022 e 2023, da receita da presumivelmente apenas dentro da categoria de “impostos diretos diversos” do Mapa 5. XX. Na Lei do Orçamento do Estado para 2014, a CESE não é mencionada, especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais sendo que, da consulta do Relatório do Tribunal de Contas n.º 3/2015, parece resultar que a CESE terá sido contabilizada, no Mapa I, no Capítulo 0.8 “Outras receitas correntes”. YY. Todavia, tal como resulta do referido Mapa I, não é possível aferir se, realmente, tal contabilização se deu, uma vez que, como se referiu, a receita da CESE não se encontra especificada em nenhum dos mapas anexos à Lei do Orçamento do Estado para 2014. ZZ. A este respeito, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2020, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê-se, tão-só, a arrecadação pelo FSSSE do montante global de € 133.140.000 (cento e trinta e três milhões e cento e quarenta mil euros). AAA. Se é certo que, do artigo 3.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, resulta que constitui receita do FSSSE, designadamente, o produto da CESE, assim como outras receitas provenientes de aplicações financeiras, de doações, heranças, entre outras, no aludido Mapa V, as receitas do FSSSE não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas, pois que não se especifica quais os montantes, a título de CESE, que, afinal, se autoriza que sejam cobradas durante o ano e consignados ao FSSSE, em clara violação da CRP (artigo 105.º, n.º 1, alínea a)) e da LEO (artigo 8,º da LEO de 2001 e 17.º da LEO de 2015). BBB. De onde se conclui que não está, por isso, discriminado de que é constituído o valor inscrito no Mapa V, de € 133.140.000 (cento e trinta e três milhões e cento e quarenta mil euros), e desse valor, assumindo que ali está incluída a CESE, qual o que lhe corresponde. CCC. De facto, considerando os valores arrecadados com a CESE –aproximadamente 665 milhões de euros no período compreendido entre 2014 a 2017 (v.g. http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c32 4679595842774f6a63334e7a637664326c75636d56785833426c636d6431626 e52686379395953556c4a4c33442794e4451784c58687061576b744d7931684c6e426b5a673d3d&fich=pr441-xiii-3-a.pdf&Inline=true) – a mesma deveria ser objeto de suficiente especificação – o que, in casu, não se verifica. DDD. Ora, só com o cumprimento efetivo das necessidades de individualização decorrentes do princípio da especificação, poderá a Assembleia da República promover o controlo, político e orçamental, devido e exigido pela CRP e pela LEO, razão pela qual existe este princípio. EEE. Nesta medida, é forçoso concluir que a receita escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, razão pela qual a sua não especificação, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição – e à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado. FFF. A este respeito, Casalta Nabais vai ainda mais longe, entendendo que “(…) o cumprimento do princípio da especificação obriga não só ao cumprimento das exigências constitucionais, mas também das exigências legais e destas decorre não apenas a necessidade da sua previsão no Orçamento do Estado, mas também a sua correcta especificação. Assim, as receitas da CESE teriam que constar dos Mapas I, ou seja, conjuntamente com as receitas dos serviços integrados, por classificação económica. Mas a verdade é que, apesar de uma análise muito cuidada não encontramos a sua menção na classificação respectiva, isto é, como receita corrente” (cf. pág. 9 do Parecer do Professor Doutor José Casalta Nabais, cit. Anexo n.º 5), (sublinhado da Recorrente). GGG. Por outro lado, esta deficiente inscrição orçamental das receitas da CESE atenta, não apenas contra o princípio da legalidade, por violação da regra orçamental da especificação das receitas, mas gera, também, o incumprimento de outros princípios orçamentais, nomeadamente os princípios da transparência, da unidade e da universalidade. HHH. Acresce, ainda, referir que o facto de o recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, de 8 de janeiro, ter (pese embora sem força obrigatória geral) qualificado a CESE como uma “contribuição financeira”, e não como uma taxa ou imposto, também não poderá justificar o aligeiramento da especificação orçamental quanto a estas receitas. III. Em primeiro lugar, porque quer a CRP, quer a LEO referem-se a receitas, sem especificar a sua origem. JJJ. Depois, porque as contribuições financeiras possuem características semelhantes aos impostos, tendo assim sido vistas, quer pelo Tribunal de Contas, que a qualificou, em 2015, na categoria dos “impostos diretos”, quer pelo Estado, que anulou a sua propriedade comutativa (determinante para o Tribunal Constitucional a ter qualificado como contribuição financeira) ao não transferir, em 2014 e em 2015, o produto da receita da CESE para o FSSSE, tendo, assim, servido finalidades públicas gerais. KKK. Por tudo, verifica-se a violação do princípio da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2014 a 2023, foi efetuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CESE. LLL. Razão pela qual, a omissão da referência à CESE nos Orçamentos do Estado para 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023 corresponde a uma manifesta violação da regra orçamental prevista no artigo 8.º da LEO de 2001 (aplicável aos Orçamentos de Estado de 2014 e 2015) e do artigo 17.º da LEO de 2015 (aplicável aos Orçamentos de 2016 a 2023) e, bem assim, à violação do Decreto-Lei n.º 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico e, também, a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 105.º da CRP. MMM. Acresce referir que esta violação da regra orçamental da especificação põe, também, em crise os outros referidos princípios e regras orçamentais, em especial, aqueles que mais se relacionam com esta, como são os da proibição de compensação e da compensação. NNN. Ora, como acima já se deixou referido, a violação do princípio da especificação conduz à nulidade dos “créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (…)”, conforme preveem o artigo 8.º n.º 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.º, n.º 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CESE nunca tivesse sido prevista. OOO. Ora, como bem refere Maria d’ Oliveira Martins, “implicando as inconstitucionalidades e as ilegalidades detetadas na sua orçamentação a invalidade e a total improdutividade (nulidade absoluta) dos créditos orçamentais relativos à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, isso não pode deixar de ter como consequência que os atos de liquidação e cobrança fiquem sem base legal de apoio, por não haver previsão orçamental das mesmas. Sem previsão orçamental, a Autoridade Tributária deixa de ter autorização para cobrança desta receita.” (cf. p. 77 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria D’Oliveira Martins, cit. Anexo n.º 3). PPP. Por este motivo, o ato de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstrata, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO. QQQ. Importa, ainda, chamar à colação o teor do recentíssimo Acórdão n.º 411/2022, do Tribunal Constitucional (TC), no qual este Tribunal se dedica à análise da eventual violação do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, pelo disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), no qual, salvo melhor opinião, ao mesmo tempo que se defende que a violação do princípio da discriminação da regra da especificação não poderá ter consequências – nem sequer reflexas – ao nível normativo, se defende que tal violação deverá, porém, inquinar o próprio ato de liquidação do crédito, na medida em que os créditos que lhes subjazem são inválidos. RRR. Do que antecede decorre que o TC relega a palavra final para os tribunais tributários, uma vez que, de acordo com o Acórdão em escrutínio, o vício decorrente da violação arguida adere ao ato de liquidação e não à norma que prevê a consignação do tributo, i.e., o 11.º, n.º 1, do RCESE (norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela ali Recorrente). SSS. No que respeita ao desvalor jurídico do acto de autoliquidação em crise, em resultado da violação das regras orçamentais acima descritas, deverá este conduzir-se à nulidade dos "créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)", conforme prevêem o artigo 8.° n.° 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.°, n.° 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CESE nunca tivesse sido prevista. TTT. Neste sentido, merecem acolhimento as considerações do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, quando indica que “(…) A falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição será um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo (…)” (cf. Lopes de Sousa, Jorge – Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª Edição, p. 451). UUU. Com efeito, a ilegalidade, in casu, é abstracta pelo facto de a mesma não residir directamente no acto que faz a aplicação da lei ao caso concreto – rectius, acto de liquidação -, mas na lei cuja aplicação é feita (cf. Lopes de Sousa, Jorge, Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 443). VVV. Ora, esta ilegalidade, decorrente da falta de previsão e de especificação das receitas proporcionadas pela CESE resulta, efectivamente, numa ilegalidade grave dos respectivos actos de liquidação e cobrança, a qual, salvo melhor opinião, nunca pode reconduzir-se à mera anulabilidade, devendo materializar-se numa nulidade típica ou integral. WWW. Com efeito, com a entrada em vigor do Código de Procedimento q Administrativo (CPA), publicado em 7 de janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no atual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”. XXX. Assim, de acordo com esta norma, são nulos quaisquer atos que gerem uma obrigação de pagamento não prevista na lei – com desrespeito do princípio da legalidade ou da tipicidade –, garantindo-se, assim, que todas as receitas têm cabimento legal. YYY. Como explicam Fausto de Quadros, José Manuel Sérvulo Correia, Rui Chancerelle de Machete, José Carlos Vieira de Andrade, Maria da Glória Dias Garcia, Mário Aroso de Almeida, António Políbio Henriques e José Miguel Sardinha, dá-se assim “expressão e merecido relevo a uma regra constitucional, nos termos da qual os atos de imposição pela Administração de uma obrigação pecuniária aos particulares, designadamente a liquidação de um tributo (imposto, taxa ou outra contribuição), têm como pressuposto necessário a respetiva base legal impositiva” (cf. Comentários à Revisão do Código de Procedimento Administrativo, Coimbra: Almedina, 2016, p. 324). ZZZ. Ora, se um dos fundamentos legais da realização da receita da CESE é o Orçamento de Estado, então não devem gerar-se obrigações pecuniárias por meio de ato administrativo quando um tributo não foi adequadamente orçamentado. AAAA. Donde é forçoso concluir-se que as deficiências de orçamentação da CESE, desde a sua criação até à presente data, são tão graves que este tributo deve ter-se, mesmo, por não orçamentado, com a consequente nulidade das respetivas (auto)liquidações, ao abrigo da alínea k) do artigo 161.º do CPA. BBBB. Considerando as exigências do ónus de suscitação prévia e as particularidades dos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, os quais aderem, em rigor, a todo o escopo normativo conducente à cobrança do crédito tributário nulo, elucida-nos Tiago Duarte que “Deverá, assim, ser suscitada ao Tribunal a quo a inconstitucionalidade da norma que no ano em causa tenha mantido em vigor a CESE, bem como as normas do regime jurídico da CESE (com a redação em vigor nesse ano) que serão aplicadas pelo Tribunal a quo (…). (…) Todas estas normas (na versão em vigor relativamente ao ano a que a impugnação judicial diga respeito) contribuem para a criação da receita não orçamentada e são normas que serãonecessariamente aplicadas pelo Tribunal a quo no momento de decidir um litígio em torno da liquidação e cobrança da CESE no contexto de uma impugnação judicial do acto de liquidação da mesma” (cf. cit. Anexo n.º 4, pp. 23 e 24). CCCC. Concluindo, suscita-se, expressamente e desde já, e nos termos que antecedem, a (in)constitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013;(ii) da norma que manteve em vigor, no ano 2020, o regime jurídico da CESE, i.e. da norma contida no artigo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março; (iii) da norma que se retira do artigo 1.º do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 2.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (v) da norma que se retira do artigo 3.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (vi) a norma que se retira do artigo 6.º do regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vii) a norma que se retira do artigo 11.º do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (viii) da norma que se retira do artigo 12.º do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE, no sentido de que são devidos pelo contribuinte e não são nulos créditos tributários da CESE respeitantes ao ano de 2020, quando inexista especificação (ou exista insuficiente especificação) no Mapa V da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020) da receita que o Estado previu arrecadar para o FSSSE, por a CESE não ser a única fonte de receita do aludido Fundo. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida. Mais se requer a V. Exas., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 651.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), se dignem admitir a junção aos presentes autos de recurso dos Pareceres da autoria do Prof. Rui Medeiros, do Prof. J. J. Gomes Canotilho, da Prof. Maria d´Oliveira Martins, do Prof. Tiago Duarte e do Prof. José Casalta Nabais, identificados como Anexos n.º 1, n.º 2, n.º 3, n.º 4 e n.º 5, respetivamente.» 1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações. 1.3. Por decisão sumária de 26.01.2024, o Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e remeteu os autos ao STA. 1.4. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu douto parecer que se transcreve parcialmente: «(….)» 2.1. A impugnante peticionou a anulação do ato de autoliquidação da CESE, a anulação do ato de indeferimento da revisão oficiosa e ainda o reembolso do montante de imposto autoliquidado e o pagamento de juros indemnizatórios. Defende que o regime da CESE, criado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31.12, designadamente nas regras de incidência subjetiva constantes dos artigos 2.º e 4.º, enferma de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da capacidade contributiva, emanação direta do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP). Defendeu também que a CESE é materialmente inconstitucional no que respeita à base de incidência objetiva constante do artigo 3.º do respetivo regime, igualmente por violação do princípio da igualdade, concretizado no princípio da capacidade contributiva e expressamente desenvolvido pelo princípio da tributação das empresas segundo o lucro real (n.º 2 do artigo 104.º da CRP). A douta sentença recorrida, louvando-se na jurisprudência do Tribunal Constitucional, vertida no acórdão n.º 7/2019, do Tribunal Constitucional, datado de 8.01.20191, e reafirmada nos acórdãos n.ºs 303/2021, 436/2021, 437/2021, 532/2021, 735/2021, 736/2021, 756/2021, 777/2021, 135/2022, 204/2022, 215/2022 e 271/2022, julgou a impugnação improcedente e absolveu a AT dos pedidos. 2.2. Na verdade, como é jurisprudência assente, a CESE tem a natureza de uma contribuição financeira, sujeita ao princípio da equivalência, refração no universo dos tributos bilaterais dos princípios da igualdade tributária e da proporcionalidade. A noção de contribuição financeira pressupõe uma relação bilateral entre uma entidade pública e um grupo homogéneo de sujeitos - que se presumem causadores ou beneficiários de determinadas prestações administrativas -, e quando tiver por finalidade angariar receitas destinadas a compensar os inerentes custos ou benefícios presumivelmente gerados ou aproveitados pelos elementos desse grupo. A douta sentença recorrida, adotando expressamente a fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2023, de 25.05, proferido no processo n.º 1288/21, decidiu que os atos tributários não padecem das inconstitucionalidades invocadas pela impugnante, concluindo pela improcedência dos pedidos. 2.3. Tal posição tem vindo igualmente a ser sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo, de forma reiterada e uniforme. O acórdão do STA de 2.02.2022 (P. 0353/19.7BESNT) decidiu que os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, do Regime da CESE, não padecem do vício de inconstitucionalidade, tal como do vício de ilegalidade devido a violação do artigo 17º, da Lei do Enquadramento Orçamental (Lei nº 151/2015, de 11/09). Sendo jurisprudência uniformizada do STA que o Regime da CESE, não padece do vício de inconstitucionalidade, tal como do vício de ilegalidade, designadamente devido a eventual violação do artigo 17º da Lei do Enquadramento Orçamental.2 O acórdão do STA de 20.12.2023 (P. 01339/20.4BELRS) concluiu que as normas que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético” não violam o princípio constitucional da igualdade, enquanto proibição de “tratamento igual do que é desigual”. 2.4. Existindo, como se referiu, vasta jurisprudência recente do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo sobre as questões suscitadas, a douta sentença recorrida decidiu de acordo com a mesma. Desta forma, o tribunal a quo cumpriu o preceituado no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, uma vez que teve em consideração todos os casos que mereceram tratamento análogo, assim contribuindo para uma interpretação e aplicação uniformes do direito. 3. Conclusão Nestes termos, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.» 2. Fundamentação de facto O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto: «Factos Provados Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) No exercício de 2020, a sociedade comercial, com a denominação social "A...", com o número de identificação de pessoa coletiva ...60, com sede em "URB ..., ... Viseu ... Viseu" (doravante Impugnante), dedicava-se à “distribuição de combustíveis gasosos por condutas”, correspondente à classificação de atividade económica (doravante CAE) 35220, encontrando-se enquadrada, em sede de I.V.A., no regime normal de periodicidade mensal, e, em sede de I.R.C., no regime geral de tributação (facto não controvertido; Petição Inicial (232951) Documentos da PI (004788110) Pág. 2 a 6 de 31/08/2021 18:17:44); B) No dia 17 de outubro de 2020, a Impugnante apresentou a declaração modelo 27, referente à Contribuição Extraordinária sobre Setor Energético (doravante CESE), referente ao exercício de 2020, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do RCESE, indicando a "atividade de transporte ou distribuição de energia" como setor de atividade, o n.º 35220 como CAE, o montante de €52.346.248,32 como "ativos referentes a atividades de transporte" e o valor de €485.797,00, como total da contribuição extraordinária a pagar, decorrente da aplicação da taxa de 0,850%, tendo resultado a importância a pagar de €485.797,00 (Processo Administrativo "Instrutor" (...33) Processo Administrativo "Instrutor" (...53) Pág. 17 a 21 de 04/11/2021 15:00:02); C) No dia 19 de outubro de 2020, foi emitida a liquidação de juros compensatórios por atraso ou insuficiência de pagamento do valor de €485.797,00, no período de 2020-11-03 a 2020-11-10, à taxa de 4,786%, perfazendo o montante de €509,59, com data limite de pagamento no dia 28 de dezembro de 2020 (Processo Administrativo "Instrutor" (...33) Processo Administrativo "Instrutor" (...53) Pág. 20 de 04/11/2021 15:00:02); D) No dia 17 de março de 2021, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, originando o processo de reclamação graciosa n.º ...73 (doravante procedimento de reclamação graciosa), na qual peticiona a anulação dos atos reclamados, identificados na alínea B) e C) precedentes, e a indemnização prevista nos artigos 171° do CPPT e 53° da LGT, caso venha a ser julgada indevida qualquer garantia que a Reclamante possa ter apresentado e/ou ter de vir ainda a apresentar com vista à suspensão de processo de execução fiscal instaurado em virtude da dívida cuja legalidade ora se contesta (Processo Administrativo "Instrutor" (...29) Processo Administrativo "Instrutor" (...42) Pág. 7 a 39 de 04/11/2021 14:43:59, Processo Administrativo "Instrutor" (...30) Processo Administrativo "Instrutor" (...44) Pág. 1 a 35 de 04/11/2021 14:46:30, Processo Administrativo "Instrutor" (...31) Processo Administrativo "Instrutor" (...47) Pág. 1 a 34 de 04/11/2021 14:48:48, Processo Administrativo "Instrutor" (...32) Processo Administrativo "Instrutor" (...49) Pág. 1 a 34 de 04/11/2021 14:52:24 e Processo Administrativo "Instrutor" (...33) Processo Administrativo "Instrutor" (...53) Pág. 1 a 15 de 04/11/2021 15:00:02); E) No dia 05 de maio de 2021, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foi emitida informação, da qual consta, entre o mais, que: "3.10. Do acervo de inovações em matéria fiscal decorrentes da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2014 (Lei n.° 83-C12013, de 31 de dezembro), mormente do previsto no seu art.° 228.1, e tal como sucede em sede de outros setores específicos de atividade, dimana a criação de uma CESE, com entrada em vigor no dia 1 de janeiro de 2014, a qual visa arrecadar receita para o denominado "Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético". 3.11 Através do referido "Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético", o legislador fiscal teve em mente a criação dos mecanismos rumo a sustentabilidade do referido setor, o que implicaria a redução da divida tarifaria e o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético, assim como, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o "Sistema Elétrico Nacional" resultantes de custos de Interesse económico geral, numa tentativa também de aproximação aos princípios de apoio e proteção do consumidor de eletricidade decorrentes do "Terceiro Pacote da Energia da União Europeia", este consubstanciado nas Diretivas n.° 2009/72/CE e 2009/73/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009. 3.12. De acordo com o estabelecido no respetivo "Regime", a CESE é devida pelas pessoas singulares ou coletivas que integrem o setor energético nacional, com domicilio fiscal ou sede, direção efetiva ou estabelecimento estável, em território português, e que, em 01 de janeiro do corrente ano, preencham determinados requisitos, isto e, que tenham como atividade a produção, transporte, distribuição, armazenamento ou comercialização grossista de petróleo e produtos derivados, como é a caso da Reclamante. 3.13. A CESE é autoliquidada pelo próprio sujeito passivo, mediante declaração de "Modelo 27",aprovada pela Portaria n.° 208/2014, de 10 de outubro, tendo que ser enviada por transmissão eletrónica de dados até ao dia 31 de outubro, salvo nos casos da produção de eletricidade por intermédio de centrais termoelétricas de ciclo combinado a gás natural e da atividade de refinação de petróleo bruto, em que a data limite para a submissão eletrônica da mencionada declaração é a de 20 de dezembro do ano em causa. 3.14. Assim, no que concerne ao ato tributário, ora reclamado, entendemos que o mesmo não se encontra enfermado de qualquer inconstitucionalidade, muito menos nos termos em que tal é argumentado pela Reclamante, designadamente, no âmbito quer formal, quer material. 3.15. Igualmente não nos é conhecida qualquer intervenção em termos da fiscalização preventiva ou sucessiva da constitucionalidade do RCESE, que, por sua vez, possa colocar em causa os atos tributários praticados em consonância com este último. 4. PARECER Através de urna adequada ponderação dos interesses em causa, e atendendo que a própria Administração Tributaria se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro cio principio da legalidade, somos de parecer que não subsistem razões atendíveis para os termos e efeitos de anulação do ato tributário, ora colocado em crise pela Reclamante, com todas as consequências legais que dai advém, tanto ao nível das liquidações, aqui em apreço, como dos PEF's onde se procura proceder à cobrança coerciva das quantias em apreciação nos presentes autos. 5. CONCLUSÃO Em conformidade com o anteriormente exposto, porquanto se demonstrar vedado a este Serviço outro entendimento que não o até aqui referido, somos de propor que o pedido formulado nos autos seja integralmente indeferido, com todas as consequências legais. Mais se propõe que, igualmente em caso de concordância superior, se promova a notificação da Reclamante, de acordo com as normas insertas nos art.°(s) 35.° a 41º, todos do CPPT, para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição previa, sob a forma escrita, nos termos do disposto no art.° 50.º, da LGT." (Petição Inicial (232951) Documentos da PI (004788110) Pág. 2 a 6 de 31/08/2021 18:17:44) F) No dia 06 de maio de 2021, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foi proferido despacho, do qual consta, entre o mais, o seguinte: "CONCORDO. Notifique-se o reclamante para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição nos termos do n° 5 do art.° 60° da LGT" (Petição Inicial (232951) Documentos da PI (004788110) Pág. 2 de 31/08/2021 18:17:44); G) No dia 06 de maio de 2021, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foi emitido o ofício ...27, destinado a levar ao conhecimento do mandatário da Impugnante, do projeto de indeferimento da reclamação graciosa e da faculdade de exercer direito de participação (Petição Inicial (232951) Documentos da PI (004788110) Pág. 1 de 31/08/2021 18:17:44); H) No dia 28 de maio de 2021, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foi emitida informação, do qual consta, entre o mais, o seguinte: "Em cumprimento do despacho exarado a fls. 80 e de conformidade com o disposto no n° 5 do artigo 60° da Lei Geral Tributária, foi a reclamante notificada, através do oficio n.º ...27, de 2021.05.06, fls. 82, para se pronunciar sobre o teor do projeto de decisão do indeferimento da presente reclamação. Decorrido o prazo determinado, a reclamante não se pronunciou. Deste modo, deverá manter-se o indeferimento da reclamação." (Petição Inicial (232951) Documentos da PI (...11) Pág. 2 e 3 de 31/08/2021 18:17:44); I)No dia 31 de maio de 2021, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foi emitido o ofício n.º ...35, destinado a levar ao conhecimento do mandatário da Impugnante, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e respetivos meios de reação (Petição Inicial (232951) Documentos da PI (...11) Pág. 1 de 31/08/2021 18:17:44); J)No dia 31 de agosto de 2021, a Impugnante apresentou no presente tribunal, por via eletrónica, a petição inicial de impugnação judicial constante dos presentes autos (Petição Inicial (232951) Petição Inicial (Comprovativo Entrega) (...12) de 31/08/2021 18:17:44 e Petição Inicial (232951) Petição Inicial (...06) de 31/08/2021 18:17:44). Factos não provados Não existem quaisquer outros factos, atento o objeto do litígio, com relevância para a decisão da causa.» 3. Fundamentação de Direito A questão suscitada nestes autos é, essencialmente, tal como configurada pela Recorrente, a de saber se as normas do regime da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (“CESE”), em particular os artigos 2.º, 3.º, 6.º, 11.º e 12.º, na versão e período de vigência conferidos pelo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020), que prorrogou a CESE para 2020, padecem de inconstitucionalidade. Entende a Recorrente que os referidos artigos enfermam de inconstitucionalidade material no que concerne às normas de incidência subjetiva e objetiva, por violação dos princípios: da proporcionalidade, da igualdade, da equivalência, da consignação de receitas a determinadas despesas; por restrição ao direito da proporcionalidade e, por fim, por a CESE assumir natureza não extraordinária, perene e não transitória, não constituindo, por conseguinte, como era o objetivo inicial, uma medida excecional. No âmbito da questão que se coloca, é importante fazer a seguinte contextualização. O problema suscitado não é novo, tendo a CESE sido objeto de múltiplas decisões jurisprudenciais, desde logo no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, mas também no âmbito do próprio Tribunal Constitucional. Todavia, denota-se, no âmbito da jurisprudência existente, uma demarcação clara entre o que foi entendido até 2018 e o posicionamento que tem vindo a prevalecer a partir de 2019. Até ao ano de 2018 foi entendido, de forma reiterada, que não eram inconstitucionais as normas objeto dos sucessivos pedidos de controlo, sempre na esteira do primeiro aresto que se pronunciou sobre esta questão – o acórdão do TC n.º 7/2019. A partir de 2019, porém, houve uma inflexão do posicionamento, até então maioritário. Isto é, do exercício de 2019 em diante, houve uma inversão da jurisprudência, passando-se a decidir no sentido da inconstitucionalidade da CESE (cfr. os acórdãos do TC n.ºs 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 338/2024 e 427/2024). Havendo, denote-se, uma reiteração desse juízo de inconstitucionalidade da CESE em situações em que estava precisamente em causa a tributação de empresas dos setores de distribuição de gás natural, como é o caso da Recorrente (decorre da matéria provada que – letra A – a Recorrente «dedicava-se à “distribuição de combustíveis gasosos por condutas”»), tal como foi evidenciado pelos acórdãos: 443/2024, 475/2024, 476/2024, 712/2024, 445/2024, 517/2024, 553/2024 e o 930/2024. Esta nova linha jurisprudencial, tem na sua base o acórdão n.º 101/2023 do TC que, sem prejuízo de não ter sido acolhida pelo TC logo no contexto do exercício do ano 2018 (afastada pelos acórdãos n.º 338/2023 e 720/2023), passou, todavia, a dominar a partir do momento em que começam a estar em causa o exercício de 2019 ou seguintes. Linha essa que foi sintetizada, com mestria, pelo acórdão 197/2024, ao dizer: «a linha jurisprudencial traçada pelo Acórdão n.º 101/2023 assenta na ideia de que “[…] as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência. Para tais sujeitos, pois, a CESE passou a constituir, em virtude de tal alteração de regime, um verdadeiro imposto, sem que o mesmo encontre respaldo algum no princípio da capacidade contributiva». Tendo sido, portanto, sobretudo como decorrência desse posicionamento que no acórdão 101/2023 do TC se decidiu «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2018 pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual)»: – Posicionamento seguido e replicado nos vários arestos acima referidos, no contexto de vários exercícios subsequentes a 2018. Ora, o cerne da linha argumentativa decorrente do acórdão 101/2023 do TC e dos que o seguiram é plenamente transponível para o caso sub judice, relativo à CESE de 2020, que se refere, justamente, a um sujeito passivo que exerce a sua atividade no âmbito do provisionamento e distribuição de gás natural e outros gases combustíveis canalizados, atividade expressamente referida nos vários arestos aludidos. Assim sendo, apresenta-se como inelutável o alinhamento deste Supremo Tribunal com a jurisprudência firmada pelo TC quanto à matéria em apreço, no sentido de que, também aqui, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE – (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2020, pelo artigo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1, do artigo 3.º, do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2020, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural – padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Alinhamento, aliás, já consumado por este Supremo Tribunal em vários acórdãos, dos quais destacamos, por ser totalmente sobreponível aos presentes autos, o proferido em 5 de fevereiro de 2025, processo n.º 367/23.2BEAVR, disponível in www.dgsi.pt, cuja fundamentação, pela plena adequação ao caso sub judice, seguimos muito de perto. Decorre do exposto a necessária desaplicação do artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE em que se funda a exigência de pagamento da CESE à Recorrente. A inconstitucionalidade da norma atrás identificada, justifica, por si, a procedência do presente recurso e consequente a anulação dos aludidos atos tributários. Fica, por conseguinte, prejudicada, por não ser necessária, a apreciação da constitucionalidade suscitada pela recorrente relativamente às restantes normas que indicou do regime jurídico da CESE.
4. Decisão Nestes termos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação do ato de liquidação impugnado. Custas pela Fazenda Pública em ambas as instâncias, com dispensa de taxa de justiça neste STA uma vez que não contra-alegou, e com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, ponderado o seu desempenho processual e a menor complexidade deste recurso. Lisboa, 12 de fevereiro de 2025. - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes. |