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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02167/21.5BEBRG
Data do Acordão:09/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras "razões" ou "argumentos") que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei).
II - No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P32575
Nº do Documento:SA22024091102167/21
Recorrente:AA e BB
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. – SEC. PROC. EXEC. PORTO II
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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AA E BB, com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, constante a fls.270 a 285 e despacho correctivo do decaimento em custas a fls.315, todos do processo (numeração do Sitaf), a qual julgou parcialmente procedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, coligida pelos ora recorrentes na qualidade de devedores subsidiários, visando a decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento e declaração da prescrição das dívidas exequendas objecto de diversos processos executivos a correr termos na Secção de Processo Executivo do Porto II.
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Os recorrentes terminam as alegações do recurso (cfr.fls.302 a 307 do processo - numeração do Sitaf) formulando as seguintes Conclusões:
I - Preceitua o n.º 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex. vi artigo 2º do CPPT, que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC;
II - A sentença recorrida apreciou e pronunciou-se apenas sobre a PRESCRIÇÃO.
III - Não apreciou nem se pronunciou, como se impunha, sobre outras questões colocadas pelos Reclamantes ora recorrentes.
IV - A sentença recorrida não apreciou nem se pronunciou sobre os efeitos do não reconhecimento do crédito exequendo no processo de insolvência que decretou a insolvência dos Reclamantes ora recorrentes;
V - Também não apreciou nem se pronunciou sobre os efeitos das várias declarações emitidas pela entidade reclamada IGFSS entre os anos de 2013 e 2020, através das quais reconheceu expressamente que os Reclamantes ora recorrentes nada lhe deviam.
VI - Trata-se de um vício formal, de natureza procedimental e não emergente do plano do mérito da causa.
VII - Independentemente de considerarmos a necessidade de analisar a prova documental e avaliar a prova testemunhal relativas à apreciação do mérito de tais questões, facto é que a omissão de pronúncia sobre as mesmas evidenciada na sentença recorrida sempre determinaria a declaração de NULIDADE da mesma, como impõem as disposições conjugadas dos artigos 608º, n.º 2 e 615º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC e aplicáveis ex.vi artigo 2º do CPPT;
VIII - A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 608º, n.º 2 e 615º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC, aplicáveis ex. vi artigo 2º do CPPT.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.349 a 351 do processo - numeração do Sitaf).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.teor de fls.270 a 285 do processo - numeração do Sitaf)):
A - No âmbito dos Processos de Execução Fiscal n.º ...78 e apensos, a Exequente reverteu contra os Reclamantes as seguintes dívidas exequendas:

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– (cfr. fls. 14/17 do Processo de Execução Fiscal em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B - No âmbito dos Processos de Execução Fiscal referidos em A), os Reclamantes foram citados, na qualidade de devedores subsidiários, em 11/04/2012 – (cfr. fls. 67/78 do Processo de Execução Fiscal em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C - Em 13/01/2021, os Reclamantes remeteram ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a petição inicial da presente reclamação - cfr. fls. 2 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo em apenso, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório – Cfr. art.º 74.º, 76.º da Lei Geral Tributária (mormente os n.ºs 1 e 4) conjugado com o art.º 115, n.ºs 2 e 4 do Código de Processo e Procedimento Tributário. Na verdade, a Exequente muito embora tenha invocado (não em sede de resposta como competia a alegação dos factos, mas em requerimento autónomo a fls. 110/118 do processo SITAF) a celebração de acordos prestacionais com os Reclamantes, certo é que não logrou juntar aos autos efetivos comprovativos dos mesmos (com requerimento, respetivos despachos de deferimento e respetiva notificação destes aos Reclamantes)…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou parcialmente procedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, em virtude da declaração de prescrição das dívidas exequendas anteriores a Fevereiro de 2007.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
Defendem os apelantes que a sentença recorrida padece de nulidade devido a omissão de pronúncia, dado não ter examinado dois dos fundamentos da reclamação que originou o presente processo, concretamente, a questão dos efeitos do não reconhecimento do crédito exequendo no processo de insolvência que decretou a insolvência dos mesmos recorrentes, tal como o assunto das consequências das várias declarações emitidas pela entidade reclamada e ora recorrida, entre os anos de 2013 e 2020, através das quais reconheceu expressamente que os ora recorrentes nada lhe deviam. Que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos previstos no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil (cfr.conclusões I a VIII das alegações).
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei) ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "petitionem brevis", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões. E recorde-se que o objecto do recurso está dependente do objecto inicial da acção definido, essencialmente, a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos artºs.264 e 265, do C.P.Civil (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.57; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, C.P.Civil anotado, Volume 2º., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.737).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.50/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/05/2012, rec.514/12; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/10/2019; rec.3131/16.1BELRS; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/04/2020; rec.2145/12.5BEPRT).
"In casu", a sentença recorrida, quando identificou as questões a decidir, além do mais, explanou o seguinte raciocínio:
"(…)
Considerando que, em sede de reclamação do ato do órgão da execução fiscal o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato administrativo sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respetiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato; não pode valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocadas pelo órgão da execução fiscal a posteriori na pendência de meio impugnatório (Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Março de 2015, proferido no processo n.º 1212/14, disponível em www.dgsi.pt – e de 27 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 43/16, disponível em http://www.dgsi.pt), cumpre ao Tribunal, apreciar e decidir, se se verifica (ou não) a subida imediata da reclamação apresentada e, bem assim, se as dívidas exequendas em crise nos autos se encontrarem prescritas.
(…)".

Em conformidade, o Tribunal "a quo", em sede de fundamentação de direito, apenas se limitou a examinar a questão da existência dos pressupostos da subida imediata da reclamação a tribunal, concluindo pela positiva. Após, apreciou o tema da alegada prescrição das dívidas exequendas, tendo concluído pela parcial procedência de tal excepção, quanto às dívidas anteriores a Fevereiro de 2007, tudo conforme supra já se exarou.
Ora, independentemente da bondade do assim decidido, questão que se subsume já ao exame de eventual erro de julgamento da decisão objecto do recurso, que não à nulidade por omissão de pronúncia, certo é que não se pode concluir pela existência da invalidade invocada, dado que a sentença recorrida decidiu, explicitamente, que não podia tomar conhecimento dos outros esteios da reclamação, para além da sua subida imediata a Tribunal e da prescrição das dívidas exequendas.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo o único alicerce do recurso.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condenam-se os recorrentes em custas, porque vencidos (cfr.artº.527, do C.P. Civil), mais os dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 11 de Setembro de 2024. – Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.