Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:055/24.2BALSB
Data do Acordão:01/22/2025
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO
Descritores:IVA
ISENÇÃO
Sumário:I - As questões aduzidas pela recorrente têm um caráter meramente instrumental, não sendo, portanto, de admitir a sua autonomia relativamente àquelas a que, em cada uma das decisões, por terem sido assumidas como principais, se deu resposta de forma expressa (como se exige no âmbito do presente recurso).
II - Mesmo que as questões suscitadas fossem dominantes em cada uma das decisões, indo para além da condição de razões ou argumentos enformadores das decisões finais, e decorressem, todas, de decisões expressas, surgiria sempre o óbice de, a cada uma delas, estar subjacente uma base factual totalmente diversa.
III - Acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P33134
Nº do Documento:SAP20250122055/24
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A..., Lda., melhor identificada nos autos, inconformada com a decisão arbitral proferida no Processo n.º 283/023-T, em 26.02.2024, que correu termos pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), vem, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 25.º, n.ºs 2 e 3 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, 95.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 27.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), se interpor recurso para Uniformização de Jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com o fundamento de que a mesma se encontra em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão arbitral do mesmo CAAD, de 03.08.2022, proferida no Processo n.º 60/2022-T, e com a decisão arbitral, de 10.01.2023, proferida no Proc. n.º 701/2021-T, as quais convoca como decisões fundamento.

1.2. A Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:
«(…)
1. O presente recurso é interposto ao abrigo do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT e tem por objeto a Decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária em 26 de fevereiro de 2024, no âmbito do processo n.º 283/2023-T e que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral contra o ato de Liquidação de IVA com o n.º ...24 e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º ...44; ato de Liquidação de IVA com o n.º ...83, e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.ºs ...45; Ato de liquidação de IVA n.º ...10 e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º ...46; e Ato de liquidação de IVA n.º ...45 e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º ...47, todos relativos ao ano de 2019, perfazendo o montante total de 24.565,31€ (vinte e quatro mil, quinhentos e sessenta e cinco euros e trinta e um cêntimos).

2. Nos termos do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT é aplicável ao recurso sobre o mérito da decisão arbitral o regime do recurso para uniformização de jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do CPTA, contando-se o prazo para o recurso – que, nos termos do artigo 152.º, n.º 1 do CPTA, é de 30 dias – a partir da notificação da decisão arbitral, isto é, de 26.02.2024.

3. De acordo com o artigo 17.º-A do RJAT, o prazo processual estabelecido por lei, como é o caso, suspende-se durante as férias judiciais nos termos do artigo 144.º do CPC.

4. No caso concreto, nos termos do artigo 28.º da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto, verificam-se férias judiciais de 24 de março de 2024 – domingo de ramos – a 1 de abril de 2024 – segunda-feira de páscoa.

5. Da conjugação dos preceitos supra referidos resulta que o prazo para a interposição do presente Recurso se conta a partir de 26 de fevereiro de 2024, suspendendo-se de 24 de março de 2024 a 01 de abril de 2024, terminando a 05 de abril de 2024, motivo pelo qual é o presente Recurso tempestivo.

6. O presente recurso centra-se na contradição de decisões arbitrais, a propósito da violação do artigo 68.º-A, n.º 2 da LGT e dos princípios da boa-fé e da confiança (art. 266.º/2 da CRP e 59.º/2 LGT) pelos atos de liquidação supra identificados, relativos ao ano de 2019, por invocação retroativa de orientação genérica que, à data dos factos tributários, não se encontrava em vigor, perante o ora Recorrente que agiu com base numa interpretação plausível e de boa-fé do artigo 9.º, alínea 1) do CIVA.

7. E a propósito da existência de base de confiança e boa-fé fundada em legitimas razões decorrente do entendimento plasmado em Informação Vinculativa com identidade fáctica à situação do sujeito passivo, prestada a terceiros, pelo qual um sujeito passivo orienta a sua conduta fiscal.

8. Estando subjacente, à decisão arbitral recorrida, um sujeito passivo que prestava, à data dos factos em causa (2019), serviços de nutrição em instituição desportiva e faturou tais serviços com isenção de iva, nos termos do artigo 9.º, alínea 1) do CIVA, com base na doutrina administrativa e jurisprudência disponível à data.

9. Sujeito passivo esse que foi alvo de inspeção tributária que fundamentou os atos de liquidação impugnados invocando o Ofício Circulado 30247 da DSCIVA, emitido pela Administração Tributária em 13.05.2022 – com entendimento contrário à Informação Vinculativa em vigor à data dos factos, do processo n.º 9215, de 19.08.2015, revogada por aquele ofício – a propósito da isenção de IVA naquele contexto.

10. Tendo, em sede de pedido de pronúncia arbitral, o sujeito passivo alegado – no que a este propósito releva – a aplicação retroativa do Ofício Circulado 30247 da DSCIVA, emitido pela Administração Tributária em 13.05.2022 – com entendimento contrário à Informação Vinculativa em vigor à data dos factos, do processo n.º 9215, de 19.08.2015, revogada por aquele ofício, pelo qual se guiou a Recorrente, violando o artigo 68.º-A, n.º 2 e 68.º, n.º 16, ambos da LGT, e os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança, previstos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e artigo 55.º e 59.º, n.ºs 2 e 3 da LGT.

11. Não pode, contudo, a ora Recorrente conformar-se com o entendimento preconizado pela decisão recorrida, a qual desconsidera (1) a aplicação retroativa deste ofício, em clara violação do artigo 68.º-A, n.º 2 da LGT e o dever que recai sobre a Administração Tributária em não aplicar/invocar retroativamente orientações genéricas que não estavam em vigor no momento do facto tributário, perante contribuintes que agiram com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei; e (2) as legítimas expetativas, boa-fé e confiança do Recorrente na interpretação do artigo 9.º, 1) do CIVA, no que diz respeito aos serviços de nutrição prestados em instituições desportivas, feita pela Administração Tributária ao tempo dos factos em causa, no âmbito de Informação Vinculativa n.º 9215 de 2015 e no contexto de vários processos judiciais e arbitrais, posta em causa com o Ofício Circulado n.º 30247 de 13.05.2022.

12. Este entendimento colide com a jurisprudência do Tribunal Arbitral, do processo n.º 60/2022-T, de 03.08.2022 no que diz respeito à aplicação retroativa de uma nova interpretação da Administração Tributária, violadora dos princípios da boa-fé, da igualdade e da confiança, a factos tributários anteriores à alteração do entendimento preceituado na doutrina administrativa disponibilizada pela Administração Tributária, concluindo pela violação do artigo 68.º-A da LGT.

13. E ainda com a jurisprudência do Tribunal Arbitral, do processo n.º 701/2021-T de 10.01.2023, no que diz respeito às legitimas expetativas e boa-fé do sujeito passivo na interpretação de uma lei com base no entendimento plasmado em informação vinculativa prestada pela Administração Tributária a terceiro, pelo qual aquele orientou a sua conduta posta em causa em sede de inspeção tributária.

14. No caso concreto, os requisitos de admissibilidade do presente recurso, previstos no artigo 25.º, n.º 2, do RJAT e 152.º, n.º 3 do CPTA aplicável por força daquele, encontram-se verificados.

15. A decisão arbitral de que se recorre pronunciou-se sobre o mérito da pretensão deduzida e pôs termo ao processo arbitral.

16. A orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida - no que diz respeito à questão relativa à violação, ou não, do artigo 68.º-A LGT e dos princípios da boa-fé e da confiança (266.º/2 CRP e 59.º/2 LGT), quando se aplica um entendimento da Administração Tributária que não se encontrava em vigor à data dos factos tributários (n.º 2 do referido preceito), bem como quanto à existência, ou não, de base de confiança e boa-fé do sujeito passivo por atuação em conformidade com interpretação da lei plasmada em informação vinculativa emitida pela AT e jurisprudência à data dos factos tributários em causa - não está de acordo com qualquer jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

17. As decisões arbitrais fundamento encontram-se transitadas em julgado.

18. E a decisão arbitral recorrida encontra-se em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral.

19. O quadro jurídico em que se inseriram a Decisão Arbitral Recorrida e a Decisão Arbitral fundamento, do processo n.º 60/2022-T, é o mesmo, pelo menos na questão objeto do presente Recurso – o artigo 68.º-A da LGT (aplicação retroativa de nova interpretação da lei plasmada em orientação genérica não existente à data dos factos), 266.º/2 CRP e 59.º/2 LGT (princípios da boa-fé e proteção da confiança).

20. E é substancialmente idêntica a questão de direito a decidir – violação, ou não, do artigo 68.º-A da LGT e subjacente violação dos princípios da boa-fé e confiança previstos no art.266.º/2 CRP e 59.º/2 LGT, em face da aplicação/invocação de um novo entendimento pela Administração Tributária acerca de determinado circunstancialismo a factos tributários anteriores ao mesmo, à data dos quais o novo entendimento não existia, e que contradiz o entendimento defendido à data dos factos tributários, em informações vinculativas emitidas por aquela, perante a mesma factualidade.

21. E é também equivalente (substancialmente idêntica) a essência da factualidade apurada em cada uma das decisões.

22. Na decisão arbitral recorrida discutiu-se (1) a existência, ou não, de finalidades terapêuticas dos serviços de nutrição prestados em ginásio da impugnante e consequente aplicação, ou não, de isenção de IVA prevista na alínea 1) do art. 9.º do CIVA; e (2) se existiu violação do disposto no artigo 68.º-A, n.º 2 da LGT e dos princípios da confiança e da boa-fé, atendendo à aplicação/invocação retroativa - aos atos de liquidação subjacentes de 2019, ou seja, factos tributários já consumados - de entendimento que se passou a defender apenas a partir de 2022, por Ofício Circulado 30247 de 13.05.2022, quanto à aplicação da referida isenção aos serviços de nutrição prestados em instituições desportivas, quando, até 2022, o entendimento assumido pela Administração Tributária era outro.

23. Designadamente, até 2022, a doutrina administrativa disponível à data dos factos tributários em causa (2019) (Informação Vinculativa n.º 9215 de 2015 pela qual se orientou o Recorrente), bem como a jurisprudência, ia no sentido de aplicação da isenção de IVA, prevista no artigo 9.º, alínea 1) do CIVA, aos serviços de nutrição prestados em instituições desportivas, sem se colocar em dúvida as finalidades terapêuticas por aqueles prosseguidos e sem exigência de tal prossecução naquele contexto para efeitos de aplicação da isenção.

24. Era este o entendimento da Administração Tributária à data dos factos subjacentes à decisão arbitral recorrida, plasmado na Informação Vinculativa do processo n.º 9215, por despacho de 19.08.2015, e pelo qual se guiou o sujeito passivo.

25. Tendo a Administração Tributária invocado o novo entendimento de 2022 sobre o artigo 9.º, alínea 1) do CIVA - plasmado no referido Ofício Circulado, quanto àqueles serviços em ginásios, que entendia que os mesmos não se encontravam isentos de IVA – a factos tributários de 2019, data em que o entendimento da Administração Tributária, e mesmo dos tribunais, ia no sentido de tais serviços serem abrangidos pela isenção.

26. Invocando – e aplicando -, assim, retroativamente, o entendimento plasmado numa orientação genérica datada de 2022 – no caso, sob a forma de Ofício Circulado (artigo 68.º-A, n.º 1 LGT) –, ao contrário do que entendeu a decisão arbitral recorrida, que não estava em vigor no momento do facto tributário, isto é, 2019 (momento anterior à alteração do entendimento preceituado na doutrina administrativa disponibilizada pela AT),

27. Até 2022, antes do Ofício Circulado 30247 de 13.05.2022, o entendimento perfilhado pela própria Administração Tributária na referida informação, e até inícios de 2021 (antes do acórdão C-581/19, de 4 de março de 2021, do TJUE e do Acórdão do STA 1/2022) pela jurisprudência maioritária no território nacional, era o de que os serviços de acompanhamento nutricional prestados através de profissional certificado e habilitado, contratado por entidade que se dedica, a título principal, à prestação de serviços de acompanhamento de desportistas em ginásio, beneficiavam da isenção a que alude o artigo 9.º, n.º 1 do CIVA, exigindo-se apenas o título profissional (pela AT - Informação Vinculativa n.º 9215 de 2015, divulgada como ficha doutrinária) e a autonomia dos serviços de nutrição (de acordo com a jurisprudência).

28. Entendendo-se que o serviço de nutrição se enquadrava na atividade de Dietética e, portanto, como serviço paramédico, para efeitos do artigo 9.º, n.º 1 do CIVA.

29. Só se colocando em questão, à data dos factos em causa na decisão arbitral recorrida, se tais serviços eram ou não acessórios e autónomos em relação à prática de atividades desportivas e, enquanto tal, se beneficiavam, ou não, da isenção e se a mera disponibilização dos mesmos bastava para efeitos da isenção de IVA.

30. A este propósito, veja-se, por exemplo Decisão Arbitral de 02.04.2018, processo n.º 454/2017-T; decisão arbitral de 01.03.2021, processo n.º 236/2020-T; Decisão arbitral de 16.07.2020, processo n.º 727/2019-T; Decisão Arbitral de 31.08.2020, processo n.º 760/2019-T; Decisão Arbitral de 10.01.2020, processo n.º 163/2019-T; Decisão Arbitral de 05.03.2020, processo n.º 170/2019-T; Decisão Arbitral de 27.11.2019, processo n.º 181/2019-T; Decisão arbitral de 05.09.2020, processo n.º 740/2019-T – todas demonstram que as dúvidas que se levantavam em torno do serviço de nutrição prestado em ginásios se prendiam com a acessoriedade, autonomia e mera disponibilização dos mesmos para efeitos de aplicação, ou não, da isenção de IVA.

31. Verificando-se, assim, no caso subjacente à decisão arbitral recorrida, uma tendência interpretativa (resultante da doutrina administrativa disponível e da jurisprudência) em torno dos serviços de acompanhamento nutricional prestados em instituições desportivas, no que diz respeito à exigência, ou não, das finalidades terapêuticas e consequente isenção de IVA.

32. A existência de Informação Vinculativa n.º 9215 de 2015, divulgada como ficha doutrinária, com o entendimento já exposto, no sentido em que ia também a jurisprudência, consubstancia um comportamento gerador de confiança, que permitiu ao Recorrente fazer uma interpretação plausível (isto é, que se mantenha num quadro de razoabilidade, à luz de uma diligência normal) e de boa-fé (não dolosa) da lei.

33. Pelo que a alteração do entendimento pela Administração Tributária, aqui já exposto (Ofício Circulado n.º 30247 de 2022-05-13), e respetiva invocação como fundamentação das liquidações impugnadas (estando em causa factos de 2019 que já haviam produzidos os seus efeitos), consubstancia a aplicação retroativa de interpretação inovadora da lei, frustrando a confiança por parte de quem a gerou, implicando vício de violação de lei, por violação artigo 68.º-A da LGT e do princípio da boa-fé, conforme alegou o sujeito passivo em sede de pedido de pronúncia arbitral, ao contrário do que considerou a Decisão Arbitral Recorrida e em conformidade com o que resulta da Decisão Arbitral Fundamento 60/2022-T.

34. Na decisão arbitral fundamento do processo n.º 60/2022-T discutia-se se (1) os serviços prestados pelo sujeito passivo (transporte marítimo-turísticos) estavam abrangidos pela verba 2.14 da lista I anexa ao CIVA, aplicando-se taxa de 6% de IVA e qual o alcance da alteração legislativa de 2018, àquela norma (que se conclui ser de mero esclarecimento de divergências interpretativas), ou se abrangidos pelas regras gerais do imposto, no art.18.º, n.º 1, al. a) do CIVA, de 23% de IVA); e (2) saber se existiu violação do disposto no artigo 68.º-A, n.º 2 da LGT atendendo à doutrina administrativa, da Autoridade Tributária, disponível até à data dos factos ali em causa (2017), quanto à aplicação daquela verba aos transportes marítimo-turísticos, que determinada a taxa de IVA de 6%.

35. No caso subjacente à decisão arbitral fundamento do proc. n.º 60/2022-T, até à data dos factos ali em causa (2017), a doutrina administrativa disponível (Informação Vinculativa n.º 1768, de 8 de abril de 2011, Informação Vinculativa n.º 2283 de 3 de agosto de 2011, Informação vinculativa n.º 1153 de 29 de setembro de 2012, proferidas pela Administração Tributária a terceiros) e a jurisprudência ia no sentido de do tratamento autónomo, para efeitos de IVA, do transporte marítimo de passageiros, mesmo que com finalidades turísticas e com serviços diferentes associados, desde que faturados com autonomia, enquadrando tal serviço na Verba 2.14 da Lista I anexa ao CIVA e, portanto, à taxa de 6% de IVA.

36. Contudo, em meados de 2017 e 2018 - com as Informações Vinculativas n.º 12.637, de 2017, e n.º 13.464, de 2018 - verificou-se alteração do entendimento preceituado na doutrina administrativa disponibilizada pela Administração Tributária, passando esta a entender ser de aplicar a taxa normal de IVA, de 23% ao valor dos passeios turísticos sempre que estes sejam elementos adicionais ao transporte de passageiros, tais como refeições, independentemente da forma como o sujeito passivo os discriminasse na fatura.

37. Tendo a Administração Tributária fundamentado os atos de liquidação ali em causa invocando o novo entendimento, que não se encontrava em vigor à data dos factos tributários (2017), segundo o qual os serviços prestados pela impugnante seriam tributados a 23% de IVA, ao contrário do que se entendia nas Informações Vinculativas emitidas e publicadas à data.

38. Alegando a impugnante a aplicação retroativa de uma nova interpretação da AT, desde logo, violadora dos princípios da boa-fé, da igualdade e da confiança (e, portanto, violação do artigo 68.º-A da LGT, 266.º/2 CRP e 59.º/2 LGT.

39. Tendo a decisão arbitral fundamento 60/2022-T considerado ter sido violado o artigo 68.º-A da LGT por, nos atos de liquidação ali em causa, se ter aplicado/invocado um entendimento que determinava a aplicação da taxa de 23% de IVA, entendimento este inovador, que, à data dos factos tributários do caso (2017), não existia, não correspondia ao que havia sendo assumido pela Administração Tributária até à data, que considerava aplicar, a esses casos, a taxa de 6% de IVA, desde que as faturas discriminasses as operações de acordo com a sua natureza.

40. Entendendo esta decisão que as orientações genéricas só se aplicam para o futuro, não abrangendo as situações tributarias já consumadas, como era o caso na decisão arbitral recorrida, que decidiu em sentido contrário.

41. Perante a mesma essência fáctica e no mesmo quadro normativo (68.º-A LGT) – aplicação de novo entendimento da AT, quanto à lei, que não se encontrava em vigor à data dos factos tributários em causa e contrário ao entendimento defendido até à data -, as decisões foram diferentes.

42. Sendo que, na decisão arbitral fundamento do processo n.º 60/2022-T, o entendimento em vigor à data dos factos tributários (2017), de aplicação da taxa de iva de 6% aos casos aí subjacentes, resultava não só da doutrina administrativa disponível, como na jurisprudência, conforme resulta das decisões proferidas nos processos arbitrais n.º 450/2020-T de 29.11.2021, n.º 243/2021-T de 05.03.2022 e 132/2019-T de 03.03.2020, em que a decisão arbitral fundamento igualmente se apoia.

43. Assim, na decisão arbitral fundamento (processo n.º 60/2022-T), verificava-se tendência interpretativa nas situações ali subjacentes, no sentido de aplicação da taxa de IVA de 6%, quer pela Administração Tributária, quer pela Jurisprudência.

44. Tal como se verifica no caso subjacente à decisão arbitral recorrida, como demonstrado.

45. Ademais, no caso subjacente à decisão arbitral recorrida, como demonstrado – tanto em sede arbitral, como agora -, verifica-se, até 2022, um comportamento capaz de fundar uma situação de confiança na aqui Recorrente, legitimada e fundada em boas razões (e demais sujeitos passivos nas mesmas circunstâncias, com desenvolvimento da mesma atividade), em face da doutrina administrativa disponibilizada pela AT (designadamente informação vinculativa n.º 9215 de 2015) e jurisprudência já aqui evidenciada, à data dos factos tributários (2019).

46. Ao contrário do que entendeu a decisão arbitral recorrida (ponto 45, p. 24 da mesma).

47. No caso subjacente à decisão arbitral fundamento (60/2022-T), da mesma forma, verificava-se um comportamento capaz de fundar uma situação de confiança na ali Impugnante (e demais sujeitos passivos nas mesmas circunstâncias, com desenvolvimento da mesma atividade), legitimada e fundada em boas razões, em face da doutrina administrativa disponibilizada pela AT (designadamente Informação Vinculativa n.º 1768, de 8 de abril de 2011, Informação Vinculativa n.º 2283 de 3 de agosto de 2011, Informação vinculativa n.º 1153 de 29 de setembro de 2012 e jurisprudência, disponível à data dos factos tributários (2017)).

48. Não obstante, a decisão arbitral recorrida entendeu não se encontrar violado o artigo 68º-A, n.º 2 da LGT e o princípio da boa-fé e da confiança, ao contrário da decisão arbitral fundamento 60/2022-T.

49. À cautela, caso não se considere existir tendência interpretativa, sempre se diga o seguinte: o caso subjacente à decisão arbitral recorrida, esta considerou existirem dúvidas e divergências interpretativas à volta dos serviços de nutrição prestados em instituições desportivas (que, no entanto, na questão relativa às finalidades terapêuticas não existiam, como veremos).

50. Da mesma forma, no caso subjacente à decisão arbitral fundamento do processo n.º 60/2022-T, verificou-se igualmente divergências interpretativas a propósito da questão de direito ali em causa, da taxa de IVA aplicável aos serviços de transporte marítimo-turístico, o que se evidencia pela alteração da lei à verba 2.14 da lista I anexa ao CIVA verificada no caso e que, segundo a decisão arbitral fundamento, teve subjacente uma intenção clarificadora do regime em causa.

51. Não obstante, as decisões foram em sentido contrário quanto à violação do artigo 68º-A, n.º 2 da LGT e o princípio da boa-fé e da confiança.

52. Assim, perante tal contradição e encontrando-se verificados os demais requisitos do recurso, deve o mesmo ser admitido e, por conseguinte, ser a Decisão arbitral recorrida revogada e substituída por uma que declara a invalidade dos atos de liquidação praticados, por violação do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária.

53. Por outro lado, no que diz respeito à questão da existência, ou não, de base de confiança e boa-fé do sujeito passivo decorrente de interpretação da lei plasmada numa informação vinculativa emitida pela AT (vd. ponto 45 da decisão recorrida) e jurisprudência à data dos factos tributários em causa, pelo qual a conduta fiscal do sujeito passivo é orientada, a decisão arbitral recorrida encontra-se ainda em contradição com a decisão arbitral fundamento do processo n.º 701/2021-T.

54. O quadro jurídico em que se inseriram a Decisão Arbitral Recorrida e a Decisão Arbitral fundamento, do processo n.º 701/2021-T, é o mesmo, no que diz respeito a esta questão igualmente objeto do presente Recurso – o artigo 266.º/2 CRP, o princípio da confiança, a propósito das legitimas expetativas, confiança e conduta de boa-fé de um sujeito passivo que orienta a sua conduta fiscal (colocada em causa pela AT) na interpretação plasmada em informação vinculativa prestada a terceiro.

55. E é substancialmente idêntica a questão de direito a decidir – saber se existe base de confiança, legitimas expetativas e boa-fé do sujeito passivo que orienta a sua conduta fiscal com base na interpretação da lei que é feita pela Administração Tributária numa Informação Vinculativa prestada a terceiro, cujos contornos fácticos que lhe estão subjacentes são os mesmos do sujeito passivo e se, consequentemente, a conduta contrária da Administração Tributária ao entendimento subjacente nessa informação, é, ou não, violadora dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança (ínsitos nos artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 59.º/2 LGT).

56. E é também equivalente (substancialmente idêntica) a essência da factualidade apurada em cada uma das decisões, na medida em que em ambas as decisões estão em causa sujeitos passivos que basearam a sua conduta, em termos fiscais, na interpretação da lei realizada pela Administração Tributária em Informação Vinculativa relativamente à qual são terceiros (porque não foi por eles requerida), permitindo-lhes criar uma base de confiança e legitimas expetativas nesse entendimento plasmado na informação vinculativa.

57. A decisão arbitral recorrida considerou que a Informação Vinculativa n.º 9215 de 2015 não configura um comportamento capaz de fundar uma situação de confiança e fundada em boas razões, determinando que os atos de liquidação não padecem de vicio de violação de lei por violação dos princípios da boa-fé, nem da proteção da confiança.

58. Considerou a decisão arbitral recorrida que a Informação Vinculativa n.º 9215 de 2015 não bastava para criar, no sujeito passivo, uma confiança digna de tutela capaz de permitir que o mesmo entendesse serem os respetivos serviços de nutrição prestados no seu ginásio, isento de IVA – ao contrário do defendido pelo sujeito passivo no pedido de pronúncia arbitral (vd. artigos 208.º a 228.º).

59. Por sua vez, na decisão arbitral fundamento do processo n.º 701/2021-T, estava em causa – de entre as várias questões ali submetidas – um sujeito passivo (sociedade gestora de fundos de capital de risco que cobrava comissões de gestão) que orientou a sua conduta procedendo a autoliquidações de imposto selo em conformidade com uma Informação Vinculativa prestada a terceiros (onde se entendia que as comissões de gestão cobradas a fundos de capital de risco se encontram sujeitas a Imposto do Selo ao abrigo da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo), na qual confiou, imputando erro na emissão dessas autoliquidações aos serviços tributários (para efeitos de admissão do pedido de revisão nos termos do artigo 78.º LGT).

60. Assim, em ambas as decisões estão em causa sujeitos passivos que orientaram a sua conduta, em termos fiscais, numa informação vinculativa existente à data dos factos tributários, com base nas legitimas expetativas e confiança que tal informação criou naqueles, não obstante tal informação ter sido prestada a terceiros.

61. E perante tal circunstancia, a decisão arbitral recorrida entendeu que a informação vinculativa de 2015, proferida pela Administração Tributária a terceiro (relativamente à isenção de IVA nos serviços de nutrição prestados em instituições desportivas, com identidade fáctica dos casos) pelo qual se orientou o Recorrente, não criou base de confiança digna de tutela para que este pudesse entender que tal informação ampararia a isenção de IVA aqui em causa (desde logo, que pudesse entender que para os serviços de nutrição prestados em instituições desportivas serem abrangidos pela isenção do artigo 9.º, alínea 1) do CIVA, se exigisse apenas a sua prestação por profissionais habilitados e que não se colocava duvidas relativamente à prossecução de finalidades terapêuticas daqueles serviços e, consequentemente, na sua qualificação como serviços paramédicos, para o efeito.).

62. Quando, na realidade, a informação vinculativa n.º 9215 de 2015 foi determinante, decisiva, para o sujeito passivo confiar que se encontrava a agir de acordo com a lei, numa conduta de boa-fé, e isentar de IVA os serviços de nutrição que prestava no seu ginásio (vd. pedido de pronúncia arbitral).

63. Pelo contrário, na decisão arbitral fundamento do processo n.º 701/2021-T, o tribunal considerou que bastou uma informação vinculativa que ia no sentido pelo qual o sujeito passivo determinou a sua conduta fiscal (tal como no caso subjacente à decisão arbitral recorrida) – autoliquidações de imposto selo sob as comissões de gestão cobradas a fundos de capital de risco, ao abrigo da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo - para determinar que o mesmo não teve culpa nessa mesma conduta e que esta foi determinada pela confiança depositada no entendimento plasmado na informação vinculativa.

64. Na decisão arbitral fundamento proc. n.º 701/2021-T, a informação vinculativa alegada pelo sujeito passivo e considerada pelo tribunal, com um teor que determina a sujeição de imposto selo daquelas comissões, foi decisiva para a conduta do sujeito passivo – autoliquidar imposto de selo pelas mesmas.

65. Tendo a decisão arbitral fundamento n.º 701/2021-T adotado uma interpretação adequada à luz do princípio da proteção da confiança e da boa-fé (e segundo a qual tais princípios seriam violados por interpretação e decisão contrária), ao contrário da decisão arbitral recorrida, que não considerou tais princípios violados.

66. Por sua vez, a decisão arbitral recorrida considerou que o facto de o sujeito passivo atuar em conformidade com uma Informação Vinculativa emitida pela AT (no caso, a informação n.º ...15, precedente aos factos tributários em causa e aí em vigor), não permite concluir que exista “um comportamento capaz de, objetivamente, fundar uma situação de confiança” e “tão-pouco essa confiança se assumiria como legítima, justificada ou fundada em boas razões ”, concluindo pela não violação dos princípios de boa-fé administrativa nem da proteção da confiança (vd. ponto 45 e 46 da decisão arbitral recorrida).

67. Assim, dúvidas não existem de que está em causa a mesma questão de direito e essência fáctica e, não obstante, as decisões arbitrais foram contraditórias no que diz respeito à existência de base de confiança e boa-fé do sujeito passivo na adoção de conduta em conformidade com informação vinculativa prestada a terceiros.

68. A Administração Tributária está adstrita a atuar em conformidade com as suas decisões e posições anteriormente estabelecidas à luz da mesma lei – desde que, como é normal, a situação fáctica subjacente seja a mesma.

69. Sendo as informações vinculativas geradoras de legitimas expetativas em terceiros.

70. Dúvidas não podem existir de que tendo o Recorrente pautado a sua interpretação na Informação Vinculativa n.º 9215, a mesma é capaz de gerar legitimas expetativas e que, se a Administração Tributária, perante a mesma situação fáctica, aplica entendimento diferente – como foi o caso -, viola o princípio da boa-fé e da proteção da confiança, como, aliás, entende a decisão arbitral fundamento n.º 701/2021-T e 60/2022-T.

71. Verificando-se, indubitavelmente, contradição entre as decisões aqui expostas e demais requisitos do recurso, deve o mesmo ser admitido e, por conseguinte, ser a Decisão arbitral recorrida revogada e substituída por uma que declara a invalidade dos atos de liquidação praticados, por violação do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária e dos princípios da confiança e da boa-fé (art.266.º/2 CRP e 59.º/2 LGT).»

Termina pedindo que «seja concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se e substituindo-se a sentença recorrida por outra que declare inválidos, por violação do artigo 68.º-A da LGT e dos princípios da boa-fé e da confiança, os atos de liquidação aqui em causa, de IVA com o n.º ...24 e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º ...44; ato de Liquidação de IVA com o n.º ...83, e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º ...45; Ato de liquidação de IVA n.º ...10 e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º ...46; e Ato de liquidação de IVA n.º ...45 e respetivo ato de liquidação de Juros Compensatórios n.º ...47, tudo com as necessárias consequências legais, designadamente o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.»

1.3. Admitido o recurso, foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do RJAT.

1.4. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, não apresentou contra-alegações.

1.5. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu douto parecer no sentido do não prosseguimento do presente recurso com fundamento em oposição de acórdãos, nos termos que se reproduzem na parte que releva:

«(...)
3. Fundamentação

3.1. A questão controvertida traduz-se em determinar se os serviços de acompanhamento nutricional, prestados por um profissional habilitado e certificado para esse efeito, em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem também serviços de manutenção e bem-estar físico são subsumíveis no âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do CIVA.

Importa averiguar, antes de mais, se o entendimento perfilhado na decisão arbitral recorrida, no sentido de que “na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença de regeneração da saúde, e portanto, com finalidade terapêutica […] um serviço de acompanhamento nutricional prestado em instituições desportivas por profissionais habilitados tem uma finalidade sanitária, e não terapêutica, não preenchendo o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções do artigo 132.º da Diretiva 2006/112” está em consonância com a jurisprudência consolidada do STA.

Sendo que foi proferido acórdão no âmbito de recurso para uniformização de jurisprudência, datado de 20.10.2021, proferido no processo nº 77/20.2BALSB que uniformizou jurisprudência no sentido de que:

“Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de actividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, 1), do Código do IVA.”.

Na verdade, atento o disposto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA não é admissível o recurso para uniformização de jurisprudência, “se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo”.

Pelo que, sendo inquestionável que a decisão arbitral recorrida está de acordo com a jurisprudência recentemente consolidada do STA, impõe-se desde já sublinhar que não se verifica um dos pressupostos essenciais à admissão do recurso de uniformização interposto.

3.2. É certo que a recorrente pretende questionar a circunstância dos sujeitos passivos terem baseado a sua conduta na interpretação da lei realizada pela AT em sede de informação vinculativa, tendo sido criada uma base de confiança e legitimas expetativas nesse entendimento plasmado na doutrina administrativa disponibilizada pela AT.

Todavia, salvo melhor entendimento, não é este o meio próprio para discutir tal matéria, uma vez que o recurso para uniformização de jurisprudência não visa sindicar a bondade da decisão recorrida, nem as razões ou argumentos enformadores da mesma.

Como se observa no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 22.03.2023, proferido no processo n.º 0101/21.1BALSB

“Para que se considere existir oposição, exige-se que se tenha perfilhado, nas decisões em confronto, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.”

4. Conclusão

Nestes termos, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não estão reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos artigos 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA, pelo que somos do parecer que o mérito do mesmo não deve ser conhecido.»


1.6. Notificadas as partes do conteúdo do parecer que antecede (artigo 146.º, n.º 2, do CPTA), apenas a Recorrente veio responder, pugnando pela admissibilidade do presente recurso por reunir todas as condições para dele se conhecer o mérito, porquanto “(…) a questão controvertida no presente Recurso não é aquela que foi tida em conta no Parecer. A Recorrente não alega contradição entre decisões no que diz respeito a se os serviços de nutrição prestados em instituições desportivas devem, ou não, ser abrangidos pela isenção do artigo 9.º, n.º 1 do CIVA. (…) A Recorrente alega sim, contradição entre decisões, no que diz respeito à questão de se encontrar, ou não, violado o artigo 68.º-A LGT e os princípios da boa-fé e da confiança (266.º/2 CRP e 59.º/2 LGT) num caso em que o ato de liquidação se fundamenta em entendimento da Administração Tributária que não se encontrava em vigor à data dos factos tributários, e em que o sujeito passivo, de boa-fé, atua em conformidade com interpretação da lei plasmada em informação vinculativa prestada pela AT a terceiros e com jurisprudência à data dos factos tributários em causa, com entendimento contrário. (…) É esta a questão controvertida. E relativamente a ela, não existe jurisprudência consolidada no supremo Tribunal Administrativo. (…)»

1.7. Após «vista simultânea» (artigo 92.º, n.º 2 do CPTA), vêm os autos submetidos à Conferência no Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para julgamento.


2. Fundamentação de Facto

2.1. A Decisão Arbitral recorrida, proferida no Processo n.º 283/2023-T (CAAD), de 26.02.2024, com relevância para a decisão, considerou provados os seguintes factos:

1.º - A Requerente é uma sociedade por quotas de direito português, que iniciou a sua atividade em 03-09-2014, tendo por objeto as atividades constantes da certidão permanente (cf. Doc. n.º 11 junto com o PPA).

2.º - A Requerente encontra-se inscrita com o CAE principal “ginásios (fitness)” e com vários CAE secundários: 86906 – Outras atividades de saúde humana; 62010 – Atividades de programação informática; 47192 – Outros estabelecimentos (Doc. n.º 11 junto com o PPA).

3.º - A Requerente encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral desde 03-09-2014.

4.º - A Requerente encontra-se registada na Entidade Reguladora da Saúde (Doc. n.º 12 junto com o PPA).

5.º - À data dos factos, a Requerente oferecia aos seus clientes várias modalidades de adesão, permitindo-lhes contratualizar apenas serviços de ginásio, apenas serviços de acompanhamento nutricional ou combinar os dois tipos de serviços (Doc. n.º 14 e 17 juntos com o PPA).

6.º - A par das modalidades de utilização dos serviços de ginásio que incluem serviços de acompanhamento nutricional (“Acompanhamento nutricional fundador” e “Acompanhamento nutricional M”), a Requerente oferecia consultas de nutrição para clientes externos que não frequentavam os serviços de ginásio (“Nutrição especializada externa” e “Nutrição externa”) e consultas de nutrição extra (relativamente à consulta de nutrição mensal já contemplada no contrato de adesão, sob as rúbricas “Nutrição especializada” e “APP acompanhamento nutricional”) a clientes do ginásio (Doc. n.º 14 e 15 juntos com o PPA).

7.º - Os 1077 serviços de nutrição faturados pela Requerente durante o ano de 2019 estavam associados às seguintes modalidades contratuais (Doc. n.º 14, concretamente a faturação referente ao período entre 01-01-2019 e 01-01-2020):

8.º - A propósito dos serviços de nutrição prestados pela Requerente, na faturação emitida aos seus clientes, esta segregou uma importância, a título de serviços de nutrição, à qual aplicou a isenção de IVA.

9.º - As consultas de nutrição tinham lugar em gabinetes individualizados e separados do ginásio.

10.º - As consultas de nutrição eram prestadas presencialmente ou online (através da aplicação “...”) e eram faturadas e cobradas independentemente de os clientes comparecerem (ponto 39.º do PPA, não contrariado pelas testemunhas).

11.º - As consultas de nutrição pressupunham a elaboração, pelas nutricionistas, de um plano de alimentação personalizado e ajustado às necessidades de cada cliente, a que se seguia um acompanhamento presencial ou online.

12.º - Durante o ano de 2019, a Requerente teve ao seu serviço efetivo duas (2) nutricionistas: AA, com contrato de trabalho com início a 14-06-2019; BB, com contrato de trabalho com início a 07-04-2017, mas que, com referência ao ano de 2019, esteve de baixa a partir do mês de julho, tendo denunciado contrato de trabalho em 14-01-2020; e uma (1) nutricionista estagiária, CC, que realizou um estágio de seis (6) meses no estabelecimento da Requerente.

13.º Entre os clientes do estabelecimento da Requerente, contam-se pessoas com diversas patologias, entre elas a doença de Parkinson, obesidade mórbida, colite ulcerosa, cancro da mama, hipertensão arterial, diabetes, que contratualizaram ambos os serviços – de acompanhamento nutricional e ginásio.

14.º - A Senhora DD frequentou, durante o ano de 2019, as consultas de nutrição da Requerente, por recomendação médica, no sentido de tratar e controlar a colite ulcerosa e a obesidade mórbida que lhe tinham sido diagnosticadas.

15.º - O Senhor EE frequentou, durante o ano de 2019, as consultas de nutrição da Requerente, por recomendação médica, no sentido de controlar a doença de Parkinson que lhe tinha sido diagnosticada.

16.º - Atualmente, a Requerente não presta serviços de acompanhamento nutricional.

17.º - Em cumprimento da Ordem de serviço n.º ...73, a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção tributária externa, iniciado em 26-05-2022, relativo ao ano de 2019.

18.º - O RIT tem a seguinte fundamentação:

“Poderíamos abordar se existe balanceamento entre o peso relativo dos serviços de nutrição e os respectivos gastos associados, ou se, na óptica do cliente, existe essa valorização dos serviços de nutrição quando procuram serviços de prática de actividade física em ginásio. Ou, se pelo contrário, de um mecanismo de atracção de clientes pela redução do preço pela diminuição do IVA a liquidar, com a atribuição de valor artificial aos serviços de acompanhamento nutricional, procedendo ao seu enquadramento na isenção prevista no n.º 1 do art.º do Código do IVA.

Para melhor exposição da situação tributária em apreço, reproduzimos conteúdo do ofício circulado 30247, de 13-05-2022, da DSCIVA:

“1. A alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA isenta do imposto “As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, psicólogo, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”.

2. Esta disposição legal corresponde à alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro (Diretiva IVA), a qual determina que os Estados-Membros devem isentar "As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-membro em causa".

3. Decorre da norma comunitária que os Estados-Membros não isentam todas as prestações de serviços efetuadas no âmbito das profissões referidas, mas apenas as prestações de serviços de assistência, com uma finalidade terapêutica, ou seja, as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde1.

4. Atendendo a que o Código do IVA não define as profissões paramédicas abrangidas pela norma de isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º, observa-se o disposto no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, bem como no Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto, ambos do Ministério da Saúde, uma vez que, na legislação nacional, são estes dois diplomas que definem e regulam o exercício das profissões paramédicas.
5. As consultas de nutrição enquadram-se na descrição prevista para o exercício da atividade de "dietética", enquanto profissão paramédica de acordo com os decretos-lei mencionados, pelo que as prestações de serviços efetuadas por nutricionistas podem ser abrangidas pela isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA, desde que cumpridas as condições enumeradas nos citados diplomas e as mesmas constituam operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, visando o objetivo terapêutico, como tal definido pela jurisprudência comunitária.

6. Não obstante, o enquadramento desta atividade tem sido objeto de controvérsia, nomeadamente quando as prestações de serviços efetuadas por estes profissionais, certificados e habilitados para o efeito, são realizadas em instituições desportivas, designadamente como forma de melhorar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva.

7. Neste sentido, o Tribunal de Justiça da União Europeia veio declarar, no Acórdão C-581/19 2:

“A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), desta diretiva.”

8. Mais recentemente, o Acórdão n.º 1/2022 3, de 20 de janeiro, do Supremo Tribunal Administrativo, procede à uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:
“Os serviços de acompanhamento nutricional prestados, através de profissional certificado, habilitado e contratado para esse efeito, por entidade que se dedica a título principal à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas em ginásios e como forma complementar de proporcionar aos seus utentes um melhor desempenho físico e, em geral, maximizar os benefícios prosseguidos com a própria prática desportiva não têm finalidade terapêutica e, por isso, não beneficiam da isenção a que alude o artigo 9.º, alínea 1), do Código do IVA.”
Assim, para conhecimento dos Serviços e de outros interessados, comunica-se o seguinte:

9. As prestações de serviços efetuadas por profissional certificado e habilitado para o efeito que correspondam ao acompanhamento e aconselhamento nutricional realizado em ginásios ou em outros estabelecimentos desportivos ou relativamente às quais aquele profissional tenha sido contratado por entidade que se dedica à prestação de serviços de acompanhamento de atividades desportivas, não se encontram abrangidas pela alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA.”


19.º - A Requerente não exerceu o direito de audiência prévia (cf. ponto 9.º do PPA).

20.º - Com base no RIT, a AT procedeu a correções de natureza meramente aritmética em sede de IVA, liquidando €21 902,86, acrescidos de juros compensatórios (Doc. n.º 1 a 8 juntos com o PPA).

21.º - As liquidações não foram objeto de reclamação graciosa nem de recurso hierárquico.

§2. Factos não provados

15. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

§3. Fundamentação da matéria de facto

16. O Tribunal arbitral fundou a sua convicção quanto aos factos provados com base na prova documental produzida, constante do processo administrativo junto aos autos, nas declarações de parte (1) e nas quatro (4) testemunhas arroladas pela Requerente.

17. O Senhor FF, sócio fundador do A..., que se apresentou a prestar declarações de parte, descreveu o estabelecimento como um conceito diferenciado no mercado dos ginásios, concretamente como uma espécie de “centro de saúde” de Porto ..., ou de “clube de saúde com ginásio”, com foco na fisioterapia, na nutrição e no tratamento de patologias. Ao ponto de, questionado pelo respetivo mandatário sobre o aconteceria à empresa caso, no futuro, o ginásio “fosse à falência”, ter respondido enfaticamente que isso não teria impacto no negócio visto que o ginásio é que é complementar à nutrição, e não o contrário. Afirmações de idêntico teor foram feitas pelas testemunhas GG, contabilista da Requerente, e AA, nutricionista da Requerente à data dos factos, quando confrontadas com a mesma questão. Ora, entende o Tribunal que esta “narrativa” dos acontecimentos não é credível, sendo, aliás, desmentida pelos demais factos dados como provados no processo.

18. Em primeiro lugar, apesar da suposta centralidade do serviço de acompanhamento nutricional e da dimensão terapêutica ou de tratamento da saúde no “negócio” da Requerente, certo é que o A... não se dedica já, ao tempo da presente decisão, à prestação desse serviço, muito embora continue a prestar o serviço de ginásio. O que por si só demonstra que a tese da complementaridade do ginásio relativamente à nutrição foi hiperbolizada e exagerada pelas testemunhas supramencionadas.

19. Depois, os factos provados evidenciam que, em 2019, o número de clientes externos ao ginásio que contratualizam apenas serviços de acompanhamento nutricional – revelados pelas rúbricas “Consulta externa de nutrição”, “Nutrição especializada externa” e “APP acompanhamento nutricional” (está última incluindo sócios e não sócios do ginásio, como sublinhado pelas testemunhas) era residual, para não dizer insignificante, no contexto do número total de serviços de nutrição faturados nesse ano. A quase totalidade dos clientes do A... contratualizaram serviço de ginásio e serviço de acompanhamento nutricional, não tendo sido posto de parte pela testemunha AA (nutricionista) que uma parte dos clientes do A..., apesar se subscreverem modelos contratuais com acesso aos dois serviços, acabavam por frequentar apenas o primeiro.

20. Acresce que a circunstância de o A... prestar serviços de nutrição a clientes externos não é, per se, demonstrativa de que aquelas consultas tinham por finalidade o tratamento de um problema de saúde. A testemunha HH, técnico de exercício físico do A..., confirmou que nem todos os clientes com patologias que acompanhou durante o ano de 2019 recorriam aos serviços de acompanhamento nutricional. Ter uma doença não impõe o recurso a serviços de acompanhamento nutricional, nem o recurso a serviços de acompanhamento nutricional por parte de uma pessoa doente significa que a nutrição represente uma forma de tratamento dessa doença.

21. Finalmente, o facto de o A... não dispor de halteres (pesos) com carga muito elevada, normalmente associados à prática de culturismo ou a (certos) atletas de alto rendimento também não é demonstrativo – ao contrário do que as testemunhas quiseram fazer crer – de que os serviços de acompanhamento nutricional tenham finalidade de prevenção, diagnóstico, tratamento de doença ou regeneração de saúde. Pelo contrário, significa que a clientela-tipo do A... concebia a prática desportiva como o cliente-médio, ou seja, com a finalidade sanitária e lúdica que normalmente lhe está associada. E também nenhuma conclusão é suscetível de ser extraída do facto de os serviços de nutrição pressuporem a elaboração de um plano de alimentação personalizado, seguido de acompanhamento pelas nutricionistas. Planos de alimentação personalizados não são exclusivos de pessoas com patologias.

22. Isto dito, ficou demonstrado que os dois clientes do A... arrolados como testemunhas, DD e EE, frequentaram as consultas de nutrição com a finalidade de tratar e controlar as patologias que lhes foram diagnosticadas – respetivamente uma colite ulcerosa (acompanhada de obesidade mórbida e de fratura do colo do fémur) e doença de Parkinson – em ambos os casos por recomendação médica. Apesar de estes clientes também frequentarem os serviços de ginásio, o Tribunal formou a convicção de que as consultas de nutrição tiveram, no caso destes clientes, o propósito de tratar ou controlar uma patologia, nos termos avançados pelos próprios e de cuja credibilidade não tem razões para duvidar.

23. Tanto no PPA como no testemunho de HH, técnico de exercício físico do A..., foi mencionada a existência de clientes com outras patologias. Mas para além dos termos vagos e genéricos em que tal menção foi feita, não foram tais clientes identificados ou trazida prova aos autos de que frequentaram o A... em 2019, nem tão-pouco, o que é mais importante, que tais clientes tenham frequentado as consultas de nutrição com o propósito de tratar ou controlar a patologia que tinham.


2.2. A Decisão Arbitral fundamento, proferida no Proc. n.º 60/2022-T (CAAD), de 03.08.2022, deu como provada a seguinte factualidade:

A. A Requerente é uma sociedade por quotas, que tem por objeto a prestação de serviços de transporte de passageiros no âmbito de atividades marítimo-turísticas, com especial enfoque na prestação de serviços de transporte marítimo.

B. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externo, com referência ao ano de 2017, titulado pela ordem de serviço n.º O2018..., que teve início em 8 de junho de 2021 e terminou em 13 de setembro de 2021.

C. Em 29 de Julho de 2021, a Requerente foi notificada do projeto de Relatório de Inspeção Tributaria, e em 15 de Setembro de 2021, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributaria.

D. A Requerente foi notificada dos seguintes atos:

Atos de demonstração de acerto de contas, n.º 2021..., 2021..., 2021..., 2021...e 2021..., e 2021..., no valor de 65.013,83€.

Atos de liquidação de IVA n.ºs 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 20217...

Atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., 2021..., 2021...,2021... .

Ato de liquidação de juros moratórios n.º 2021... .

Atos demonstrações de acerto de contas n.º 2021..., 2021..., 2021... .

E. A Requerente encontra-se registada no Registo Nacional de Turismo como agente de animação turística (registo n.º .../2010) com autorização para o exercício das seguintes atividades: aluguer de embarcações com tripulação, passeios marítimo-turísticos e Pesca Turística.

F. Em sede de IVA está enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral desde 1991-11-14, e em sede de IRC no regime geral com contabilidade organizada por exigência legal informatizada.

G. A Requerente entregou as suas declarações periódicas de onde foi aplicada a taxa reduzida de imposto (6%), prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 18º do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA), cujos valores da base tributável e imposto liquidado foram inscritos nos campos 1 e 2 das declarações periódicas de IVA.

H. A Requerente referente a estas operações inscreveu nas suas declarações periódicas de IVA do ano de 2017 os seguintes valores:

I. No SAFT de faturação relativo a 2017 constam os seguintes descritivos do produto para as operações em que foi liquidado IVA à taxa reduzida de imposto: “barco privado”; “Cruzeiro à Vela ...”; “cruzeiro à vela ...”; “Cruzeiro às Grutas”; “Cruzeiro ás grutas...”; “Island Tour – Ad”; “kayak”; “Pesca ao Fundo (Dia Inteiro)– Spectator”; “Pesca ao Fundo (meio dia) – Spectator”; “Pesca ao Tubarão –Spetator”; “Privado”; “Reef half day...”; “Rock´s & caves ...”; “Rock´s & Caves ...Kid”; “Sailing & Barbecue - transporte -época alta”; “Sunset Emotion (Cruzeiro de Pôr do Sol) Ad”; “Sunset Emotion (cruzeiro por do sol) ...”; “TDF- Spec”; “Transp.mar. BFF Adu”; “Transp. mar. BFF Kid”; “Transporte Marítimo”; “Transporte SBC kid”.

J. Através do ofício n.º ... datado de 2021-07-05 e do ofício n.º ... datado de 09-07-2021, o sujeito passivo foi notificado no dia 19-07-2021, do projeto de correções do relatório de inspeção, para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição, ao abrigo dos artigos 60º da Lei Geral Tributária e 60º do Regime Complementar de Inspeção Tributária e Aduaneira.

K. Nesse seguimento, o sujeito passivo dentro do prazo de 15 dias, pronunciou-se por escrito, tendo sido rececionado pelos serviços em 29-07-2021.

L. A AT procedeu à correção em sede IVA alterando a taxa reduzida de 6% para a taxa normal de 23%, procedendo a seguinte correção:

M. Em 27-11-2020, a Requerente entregou declaração de alteração, os CAE da sua atividade passaram a ser os seguintes: CAE principal: 50102 –Transportes Costeiros e Locais de Passageiros; ii. CAE secundário 1: 93293 –Organização de Atividades de Animação Turística; iii. CAE secundário 2: 52220 –atividades Auxiliares dos Transportes por Água

N. A Requerente estava registada no Registo Nacional de Turismo, como agente de animação turística com autorização para o exercício de aluguer de embarcações com tripulação, passeios marítimo-turísticos e pesca turística.

O. A Requerente efetua prestações de serviço marítimo-turísticas consistindo num conjunto de atividades desenvolvidas no mar, e vão desde os passeios junto à costa, visitas a grutas, pesca desportiva de fundo, pesca ao tubarão, observação de golfinhos e passeios com refeição a bordo.

2.2. Factos não provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não

se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos foram dados como provados com base nos documentos junto pela Requerente, os que constam do processo administrativo e da prova testemunhal realizada no âmbito do processo arbitral n.º 243/2021-T.


2.3. A Decisão Arbitral fundamento proferida no Proc. n.º 701/2021-T (CAAD), de 10.01.2023, deu como provada a seguinte factualidade:

a. A Requerente é uma sociedade gestora de fundos de capital de risco, regularmente constituída em Portugal, tendo como atividade gerir fundos de capital de risco (cf. alegado no artigo 28.º do PPA e não contestado pela Requerida).

b. No âmbito dessa atividade de gestão, a Requerente cobra periodicamente aos referidos fundos uma comissão de gestão (cf. alegado no artigo 29.º do PPA e não contestado pela Requerida).

c. Entre 4 e 15 de abril de 2017, a Requerente recebeu comissões de gestão dos Fundos, no montante total de € 4.612.701,78 (cf. documentos 1 a 21 juntos ao PPA, e alegado no artigo 31.º do PPA, não contestado pela Requerida).

d. A Requerente procedeu à autoliquidação do Imposto do Selo sobre este valor, à taxa de 4% (cf. Verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo), no montante total de € 184.508,07:

(cf. documentos n.ºs 1 a 21 juntos ao PPA).

e. Em 31 de março de 2021, por entender que a Verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo não é aplicável às sociedades de capital de risco ou às sociedades gestoras de fundos de capital de risco, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa relativamente aos atos referentes à autoliquidação de Imposto do Selo do mês de abril de 2017, solicitando o reembolso de € 184.508,07 (cf. documento n.º 22 junto ao PPA).

f. Em 19 de julho de 2021, este pedido de revisão oficiosa foi expressamente indeferido, por Despacho do Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, no qual se pode ler:

(cf. decisão de indeferimento junto ao processo administrativo).

g. Este despacho concordou com o parecer da coordenadora da referida Divisão, no qual se pode ler:

(cf. decisão de indeferimento junto ao processo administrativo).

h. Na parte relevante da informação do técnico responsável subjacente a este parecer,

pode ler-se:

(Cf. Decisão de indeferimento junto ao processo administrativo).


i. Este ato de indeferimento expresso foi notificado à Requerente em 8 de agosto de 2021 (cf. documento 1 junto à Resposta, e alegado pela Requerida no artigo 13.º da Resposta, não contestado pela Requerente).

j. Em 29 de outubro de 2021, a Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, contra o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que, segundo a Requerente, se teria formado em 1 de agosto de 2021 nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT (cf. alegado pela Requerente no artigo 6.º do PPA).

§3.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.


3. Fundamentação de Direito

Invoca a recorrente uma oposição entre a decisão arbitral recorrida e duas outras decisões arbitrais, uma proferida em 3 de agosto de 2022, no processo n.º 60/2022-T, e outra em 10 de janeiro de 2023, no processo n.º 701/2021-T, quanto à mesma questão fundamental de direito, o que permitiu, numa fase preliminar, avaliados os requisitos formais em matéria de legitimidade, prazo, alegação ou formulação de conclusões, admitir o presente recurso para uniformização de jurisprudência.

Importa, agora, perante o Pleno da Secção que se avaliem e julguem, de modo definitivo, os pressupostos de admissibilidade e, consequentemente, a continuidade do recurso para uniformização de jurisprudência interposto.

A este recurso, de acordo com o preceituado no n.º 3, do artigo 25.º do RJAT, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA.

Decorrem do artigo 152.º, n.º 1 e n.º 3, do CPTA, três condições essenciais para que possa ser admitido o recurso: (i) uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento; (ii) verificada relativamente à mesma questão fundamental de direito e (iii) que a orientação perfilhada no acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

A propósito da concretização do imperativo de que haja uma contradição entre os dois acórdãos relativamente a uma mesma questão fundamental de direito (condição 1 e 2), a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido, desde longa data, constante na afirmação da imprescindibilidade da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

- Identidade substancial da norma jurídica aplicável e da situação de facto a ela subsumível;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- Que a oposição decorra de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, avançada no âmbito da apreciação de questão distinta.

O mesmo será dizer que, para que se considere verificada a contradição entre as duas decisões relativamente a uma mesma questão fundamental de direito, se impõe a verificação simultânea dos requisitos acabados de apontar. Bastando que um deles não se cumpra para que fique comprometida a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência.

O carácter excecional do recurso para uniformização e o propósito de assegurar que situações de facto substancialmente idênticas têm o mesmo tratamento justificam a limitação da sua admissibilidade unicamente nas situações substancialmente iguais. O objetivo do recurso não é, portanto, avaliar o mérito de uma decisão por si, mas fazer esta avaliação do mérito no confronto com uma outra que verse sobre as mesmas normas jurídicas aplicadas a uma factualidade em tudo idêntica para, assim, assegurar a verificação mais plena do princípio da segurança jurídica.

Vejamos se estão cumpridos os requisitos.

Tal como decorre da conclusão 6 e do requerimento apresentado na sequência da emissão de parecer pelo Digno Procurador-Geral Adjunto, existira uma contradição entre decisões, no que diz respeito à determinação de se haveria ou não violação do artigo 68.º-A, n.º 2 da LGT e dos princípios da boa-fé e da confiança (art. 266.º/2 da CRP e 59.º/2 LGT) pelos atos de liquidação supra identificados, relativos ao ano de 2019, por invocação retroativa de orientação genérica que, à data dos factos tributários, não se encontrava em vigor, perante o ora Recorrente que agiu com base numa interpretação plausível e de boa-fé do artigo 9.º, alínea 1) do CIVA. Estando aí ínsitas duas questões: por um lado, a da aplicação retroativa de orientações genéricas e, por outro, a das expetativas legítimas criadas pelas informações vinculativas; servindo como fundamento para a primeira questão, a decisão 60/2022-T e para a segunda, a decisão 701/2021-T.

Denota-se que as questões aduzidas pela recorrente têm um caráter meramente instrumental, não sendo, portanto, de admitir a sua autonomia relativamente àquelas a que, em cada uma das decisões, por terem sido assumidas como principais, se deu resposta de forma expressa (como se exige no âmbito do presente recurso):

· Na decisão recorrida, saber se os serviços de acompanhamento nutricional, prestados por um profissional habilitado e certificado para esse efeito, em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem também serviços de manutenção e bem-estar físico, são subsumíveis no âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do CIVA.

· Na decisão fundamento 60/2022-T aferir do enquadramento do transporte de passageiros em atividades marítimo-turísticas no âmbito da verba 2.14 da Lista I anexa ao código do IVA.

· Na decisão fundamento 701/2021-T saber se verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto de Selo é aplicável a “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, mas não a sociedades gestoras de fundos de capital de risco, ou a sociedades de capital de risco.

Justifica-se invocar a este propósito, tal como fez o Senhor Procurador-Geral Adjunto, o seguinte excerto do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 22.03.2023, proferido no processo n.º 0101/21.1BALSB, pela sua eloquência e propriedade:

“Para que se considere existir oposição, exige-se que se tenha perfilhado, nas decisões em confronto, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.”

Mesmo que as questões suscitadas fossem dominantes em cada uma das decisões, indo para além da condição de razões ou argumentos enformadores das decisões finais, e decorressem, todas, de decisões expressas, surgiria sempre o óbice de, a cada uma delas, estar subjacente uma base factual totalmente diversa.

Apesar de a recorrente, na decisão recorrida e no presente recurso, relevar sobretudo a aplicação retroativa de uma orientação genérica, por um lado, e o efeito em termos de expetativas criadas por uma informação vinculativa, por outro, apenas esta última questão mereceu atenção, não tendo a precedente (relativa à orientação genérica) sido abordada de forma expressa nessa decisão recorrida (como se exigiria para efeito de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência), tendo, na resposta que suscitou, a tónica sido colocada no direito da União Europeia. Consequentemente, a alegada aplicação retroativa foi apenas abordada de forma implícita.

Na decisão fundamento 60/2022-T temos informações vinculativas equiparadas a uma orientação genérica que, supostamente, não teriam sido respeitadas, não havendo qualquer questão de retroatividade suscetível de ser enquadrada no artigo 68.º A, n.º 2 da LGT, como pretende a recorrente, no contexto da decisão recorrida, mas, diferentemente, no artigo 68.º, n.º 14 da LGT e no artigo 68.º A, mas em n.ºs distintos, concretamente nos n.ºs 1 e 3 (havendo apenas uma referência incidental ao n.º 2, sem que daí tenham sido retiradas quaisquer consequências); preceitos diversos, portanto, cuja aplicação decorre, precisamente, de uma base fáctica distinta.

Na decisão fundamento 701/2021-T está em causa apenas uma informação vinculativa com todas as suas especificidades e caráter particular que reveste, não podendo, pela sua própria natureza, ser aquilatada no confronto com o facto de na decisão recorrida também existir uma informação vinculativa, igualmente marcada pelo seu carácter particular.

Por tudo isto, falharia o cumprimento do requisito que exige, como condição imprescindível para que seja admitida a apreciação da oposição invocada pela recorrente, a verificação de uma factualidade substancialmente idêntica.

Como foi afirmado anteriormente, basta que um dos requisitos necessários para a admissão do recurso de uniformização de jurisprudência, já elencados, não se verifique, dada a necessidade de cumprimento de todos eles de forma cumulativa, para que não seja admissível o recurso de uniformização de jurisprudência, o que, como acabámos de demonstrar, se constata no caso sub judice, pelo que tem de se considerar que não se verificam os pressupostos legais para que se possa admitir o recurso de uniformização.

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente (artigo 527.º, do CPC).

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 22 de janeiro de 2025. - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Dulce Manuel da Conceição Neto - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Catarina Alexandra Amaral Azevedo de Almeida e Sousa.