Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0175/23.0BALSB
Data do Acordão:09/26/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, no caso entre as decisões arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT).
II – Sendo demasiado evidente que entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento não existe qualquer similitude fáctica, pois enquanto a decisão arbitral recorrida versa sobre uma hipótese de cessão da posição contratual no contrato de locação financeira, no acórdão fundamento apreciam-se contratos de arrendamento de espaços integrados num Centro Comercial, tudo para efeito de isenção do IVA, não se verifica identidade da questão jurídica, sustentada numa situação fáctica coincidente.
III - Inexistindo essa oposição, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P32672
Nº do Documento:SAP202409260175/23
Recorrente:A... , S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório


A... S.A., melhor identificado nos autos, notificada da Decisão Arbitral proferida em 26-09-2023, no Processo n.º º 173/2023-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não se conformando com o conteúdo desta, vem dela recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do n.º 2, do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação da Lei n.º 119/2019 de 18 de Setembro, com fundamento em a mesma se encontrar em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul com o n.º 1155/10.1BELRS e com o artigo 135.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006 relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA).

Inconformada, a recorrente A... S.A. formulou alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

A) “(...) Não estando definido o conceito jurídico-tributário de «locação de bens imóveis» quer no CIVA quer na Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006 e face à ausência expressa para a remissão de norma nacional, a densificação do mesmo deve ser aferida à luz da jurisprudência emanada pelo TJUE.
B) Isto mesmo resulta claro do Acórdão do TJUE de 12 de Junho de 2003, Sinclair Collis Ltd e Commissioners of Customs & Excise (C-275/0)1, maxime no seu ponto 24, ao referir que « Quanto às isenções previstas no artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Directiva, esta disposição não define o conceito de «locação» nem remete para a respectiva definição adoptada na matéria pelos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros (v. acórdão de 4 de Outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, Colect., p. I-6831, n.° 44).»
C) «(…) para determinar a natureza de uma operação tributável, devem tomar-se em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão para apurar os seus elementos característicos (v. acórdãos de 2 de Maio de 1996, Faaborg-Gelting Linien, C-231/94, Colect., p. I-2395, n.° 12, e Stockholm Lindöpark, já referido, n.° 26)».
D) Segundo jurisprudência assente do TJUE, a característica fundamental do conceito de «locação de bens imóveis» na acepção do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Directiva consiste em conferir ao interessado, por um período acordado e em contrapartida de remuneração, o direito de ocupar um imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito (vide, neste sentido, acórdãos de 4 de Outubro de 2001, «Goed Wonen», C-326/99, Colect., p. I-6831, n.° 55; de 9 de Outubro de 2001, Cantor Fitzgerald International, C-108/99, Colect., p. I-7257, n.° 21; e de 12 de Junho de 2003, Sinclair Collis, C-275/01, Colect., p. I5965, n.°25) .
E) Para apreciar se uma determinada convenção responde a esta definição, devem tomar-se em consideração todas as características da operação e as circunstâncias em que se desenvolve.
F) A este respeito, o elemento decisivo é a natureza objectiva da operação em causa, independentemente da qualificação que lhe atribuem as partes (v., neste sentido, acórdão de 9 de Outubro de 200, Commissioners of Customs & Excise e Cantor Fitzgerald International.
G) Assim, e de harmonia com a jurisprudência sobre a matéria, tal como refere o TJUE, no seu Acórdão de 11.06.2009, RLRE Tellmer Property sro/ Finanční ředitelství v Ústí nad Labem (C- 572/07): « 16.Os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado que essas isenções constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado por todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo (v., designadamente, acórdãos de 18 de Janeiro de 2001, Stockholm Lindopark, C-150/99, Colect., p. I- 493, n.° 25, e de 8 de Dezembro de 2005, Jyske Finans, C-280/04, Colect., p. I- 10683, n.° 21 e jurisprudência aí indicada).
H) Em segundo lugar, decorre do artigo 2.° da Sexta Directiva, que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente (v. acórdão de 21 de Fevereiro de 2008, Part Service, C-425/06, Colect., p. I-897, n.° 50 e jurisprudência aí indicada).
I) Por outro lado, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes. Tal sucede, por exemplo, quando se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a(s) outra(s) prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador (acórdão Part Service, já referido, n.° 51 e jurisprudência aí indicada).
J) Além disso, pode igualmente considerar-se que se está em presença de uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial (acórdão Part Service, já referido, n.° 53).» (https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62007CJ0572&from=PT). (In Ac. STA 1155/10.1BELRS)
K) nem o acórdão Lubbock Fine, nem o acórdão Cantor International analisam um caso semelhante ao da recorrida.
L) Por outro lado, a conclusão do citado acórdão Cantor dá a entender, a contrario, que (não) isenta uma prestação de serviços efectuada por quem (não) possua qualquer título sobre um bem imóvel e que consiste em aceitar, a título oneroso, a cessão pelo arrendatário do arrendamento desse bem.
M) Resulta do probatório c) o contrato base celebrado e do probatório e) a j) e r) a intenção objetiva das partes.
N) As partes não quiseram celebrar a cessão da posição contratual sem estes contratos sinalagmáticos de sublocação e promessa unilateral de venda.
O) as partes locatária cedente e cessionária recorreram a este modelo jurídico por dificuldades concretas de tesouraria, mas mantendo a cedente com a cessionária todas as garantias que lhe possibilitaram manter-se no locado durante 3 anos, pagando todas as despesas, e mantendo ainda a possibilidade de passados estes 3 anos garantir a compra e a posterior venda do locado.
P) a conclusão a que chega a decisão arbitral é uma desconsideração objetiva da intenção das partes na operação acordada e na natureza distinta e independente da operação, conceitos que são indissociáveis à boa interpretação à luz da jurisprudência emanada pelo TJUE.
Q) Assim, no caso concreto, perscrutando o teor do clausurado acordado nos contratos e nas declarações das partes, a cessão da posição contratual que costuma implicar apenas a existência de 2 contratos: o contrato base e o contrato instrumento da cessão, deve ser analisada considerandos todos os contratos acordados.
R) a interpretação conjunta dos contratos acordados descaracterizam o conceito de ter existido uma cessão da posição do contrato de locação financeira, na acepção do artigo 13.°, B), alínea b), da Sexta Diretiva (Atual 135.º da Diretiva IVA).
S) Nestes termos, sem prejuízo de existir um contrato de cessão da posição contratual, visto como uma prestação de serviços tributável e não isenta, os efeitos jurídicos da união dos contratos sinalagmáticos visou a sublocação financeira pela qual a B... assume a posição de (sub)locador e nesse contexto a cessão da posição contratual não pode ver-se isoladamente, como pretende o CAAD, porquanto a mesma não tem autonomia perante os restantes contratos, desde logo porque, tal como decorre da matéria de facto dada como provada, aquela cessão nunca teria ocorrido sem a previsão do direito e de facto da A... se manter como locatária. Do mesmo modo, a sublocação financeira só seria possível se a B... adquirisse um título pelo qual pudesse sublocar, o que sucede com a cessão da posição contratual.
T) O que foi objetivamente pretendido pelas partes, não permite concluir qualquer cessão da posição de locatário, mantendo-se rigorosamente os mesmos efeitos que jurídicos que permitem a isenção da locação nos termos do art.º 135.º da Diretiva IVA.
U) Isto posto, a decisão arbitral mostra-se em oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo com o n.º 1155/10.1BELRS e com o artigo 135.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de Novembro de 2006 relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA) (A diretiva reformula e revoga a sexta diretiva relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA), para clarificar a atual legislação da União Europeia (UE) em matéria de IVA.), revelando-se necessário a formulação de reenvio prejudicial, já que, em face da orientação jurisprudencial estabelecida no referido acórdão Cantor Fitzgerald, estamos perante o circunstancialismo em que apesar de existir jurisprudência europeia na matéria, a aplicação não se adequa ao caso concreto.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não estarem reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que o mérito do mesmo não deve ser conhecido, com a seguinte fundamentação:

1.Objeto do recurso
A recorrente interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 25.º n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em obediência ao regime do artigo 152.º do CPTA, pugnando pela revogação da decisão arbitral proferida nos autos n.º 173/2023-T do CAAD e pela correção da interpretação perfilhada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 14.01.2021, proferido no processo n.º 1155/10.1BELRS, convocado como acórdão fundamento. (Disponível em www.dgsi.pt.)
1 2. Requisitos recurso para uniformização de jurisprudência
2.1. A recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo do estatuído no artigo 25.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 17.º da Lei 119/2019, de 18.09.
De facto, o citado artigo 25.º do RJAT, admite recurso para o STA, da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida, quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. Ao recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT.
2.2. São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:
- contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais;
- trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento;
- existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
- ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA. Por sua vez quanto à caraterização da questão fundamental de direito:
- deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;
- a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
- não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
- as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
- em oposição ao acórdão (decisão) recorrido podem ser invocados mais de um acórdão (decisão) fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas.
3. Fundamentação
3.1. Defende a recorrente que existe contradição entre a decisão arbitral proferida nos autos n.º 173/2023-T do CAAD e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14.01.2021, proferido no processo n.º 1155/10.1BELRS. Assim, o acórdão fundamento, na esteira da jurisprudência comunitária, decide pela necessidade de consideração em conjunto e como operação única, os diversos elementos aparentemente independentes que a compõem, mas que economicamente não são autónomas. No que é contrário com a douta decisão recorrida que separa os diversos contratos que compõe a operação em causa, para liquidar imposto sobre um dos elementos/contratos que, se visto autonomamente, deveria ser sujeito a imposto.
3.2. No processo arbitral n.º 173/2023-T, a ora recorrente sustentou o seu pedido no direito à isenção de IVA numa operação de cessão da posição contratual no contrato de locação financeira, considerando que a cessão da posição contratual condicionada por uma promessa unilateral de venda do cessionário ao cedente e pelo contrato de sublocação, não transmite o direito à transmissão da propriedade de um bem corpóreo que permanece na titularidade da entidade locadora, pelo que não se subsume ao conceito residual de prestação de serviços para efeitos de IVA, em conformidade com os artigos 4.º, n.º 1, e 1.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA.
Tendo, em sentido contrário, sido decidido que, estabelecendo no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA a isenção da locação de bens imóveis e não tendo a requerente celebrado um contrato de locação financeira, mas sim de sublocação, com direitos e deveres diferentes dos que resultam do contrato de locação financeira, não é tal isenção aplicável à cessão da posição contratual, no âmbito do negócio celebrado.
3.3. No acórdão fundamento a questão controvertida centrava-se na classificação dos denominados “Contratos de Arrendamento de Espaço integrado em Centro Comercial” celebrados entre a impugnante e os lojistas do Centro Comercial ..., de forma a determinar se os mesmos estão, ou não, isentos de IVA ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 30 do CIVA.
Tendo sido decidido que os serviços acessórios à prestação principal de proporcionar o gozo temporário de um espaço imobiliário num centro comercial, mediante retribuição, não descaraterizam os contratos em apreço como verdadeiros contratos de locação de bens imóveis, na acepção do artigo 13.°, B), alínea b), da Sexta Diretiva e, consequentemente, do artigo 9.°, n.° 30 do CIVA.
3.4. Do que se deixa dito resulta evidente que a situação fáctica apreciada nos dois arestos é substancialmente diversa, uma vez que a decisão arbitral versa sobre uma hipótese de cessão da posição contratual no contrato de locação financeira, enquanto no acórdão do TCA Sul se apreciam contratos de arrendamento de espaços integrados num Centro Comercial.
Aliás, a recorrente baseia a sua discordância na interpretação das regras europeias aplicáveis ao IVA e nos fundamentos jurídicos da decisão arbitral, não curando de demonstrar que estão reunidos os pressupostos para o recurso para uniformização de jurisprudência, designadamente a existência de identidade da questão de direito, alicerçada numa situação fáctica coincidente.
Assim, não se afigura que exista contradição entre ambos, relativamente a questão fundamental de direito, pelo que se não justifica uma decisão deste Supremo Tribunal, em ordem a fixar orientação jurisprudencial.
4. Conclusão
Nestes termos, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não estão reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 284.º do CPPT, pelo que somos do parecer que o mérito do mesmo não deve ser conhecido.
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Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

2.1.1 - Na decisão arbitral recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

a. A Requerente foi constituída em 19.12.2012 e iniciou a sua actividade para efeitos fiscais em 26.12.2012, para o exercício da “Compra e venda de bens imobiliários” (CAE 68100), enquanto actividade principal, e para o exercício de actividade de “Arrendamento de bens imobiliários (CAE 68200), enquanto actividade secundária, desde 04.04.2016”;
b. Em termos de IVA, a Requerente está enquadrada, desde 01.01.2022, no regime normal de periodicidade trimestral, de acordo com a al. b) do n.º 1 do art.º 41.º do Código do IVA (e mensal no período em referência);
c. Em 9.5.2017, a Requerente celebrou com o B... um contrato de locação financeira Imobiliária com o n.º ..., tendo por objecto o imóvel designado por fração autónoma letra “C”, correspondente ao piso dois, pertencente ao prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de Lisboa sob o n.º..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...:
d. No âmbito da ordem de serviço n.º 012022..., a Requerente foi sujeita a inspecção Tributária, em sede de IVA e IRC, relativamente ao ano 2019;
e. No âmbito do procedimento inspectivo, a Requerente juntou o contrato de cessão da posição contratual em contrato de leasing e contrato de sublocação e promessa de venda, relativamente ao imóvel sito na Avenida ......, inscrito na matriz predial sob o artigo ...-..., freguesia de ..., de 18.06.2019, em que são partes a A... e a C... (adiante Contrato 1);
f. Conforme o Contrato 1 foi celebrado entre a Requerente (locatário cedente) e a sociedade C... UNIPESSOAL LIMITADA (doravante apenas C...) (locatário cessionário) e o B... (locador), um contrato de Cessão de posição contratual em contrato de locação - leasing (locação financeira imobiliária),
entre a Requerente e a sociedade C... foi celebrado um contrato de sublocação e promessa de venda, sob o contrato de cedência da posição contratual;
g. A cessão de posição contratual foi realizada pelo preço de €3.500.000, sendo €1.131.284,90 correspondente à divida remanescente do contrato de leasing imobiliário para com o B... e o remanescente foi de €2.368.715,10 euros;
h. Com autorização do locador (B...), a C... subloca o locado à A..., assumindo esta a posição de sublocatário do imóvel por um período de três anos;
i. Pela sublocação, a A..., pagou à C... de renda mensal €29.166,67, liquidando à data do acordo o valor de €350.000, correspondentes a três meses de renda mais nove meses de caução.
j. De acordo com o Contrato 1, a C... concede à A... enquanto sublocador e durante o período de sublocação, a primeira opção de compra do mesmo imóvel pela A... pelo preço de €3.500.000;
k. Com a celebração do Contrato 1, a A... registou uma perda de €91.329,72;
l. Com a celebração do Contrato 1, a A... transmitiu para a C... os direitos e obrigações inerentes ao mesmo contrato;
m. Em sede de pedido arbitral, a Requerente anexa o contrato intitulado “Contrato de cessão de posição contratual de locatário do contrato de locação financeira imobiliária n.º ...”, em que são partes a Requerente, a C... e a entidade bancária “Banco B....”, de 18.06.2019 (adiante Contrato 2);
n. De acordo com o Contrato 2, a A... garante à C... a existência da posição contratual transmitida e a C... aceita-a sem reservas e declara ter total conhecimento dos direitos e obrigações para si resultantes dessa cessão de posição contratual, obrigando-se ao total cumprimento do contrato de locação financeira do qual tomou conhecimento;
o. Nos termos do Contrato 2, a C... declara ter recebido da A... o imóvel locado e que o mesmo foi devidamente entregue pela A...;
p. O Contrato 2 não faz qualquer referência ao contrato de cedência da posição contratual em contrato de leasing e contrato de sublocação e promessa de venda;
q. A 31.12.2019, o imóvel identificado em e. não consta da matriz predial como sendo da propriedade da A...;
r. A 16.12.2021, a A... exerceu a opção de compra do imóvel pelo preço de €3.500.000 e alienou-o a um terceiro pelo preço de €5.950.000;
s. Do procedimento inspectivo resultaram correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável, bem como no apuramento do IRC e IVA devido a final, que se encontram descritas e quantificadas no capítulo V do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), conforme resume o Parecer do Chefe de Equipa: (…)- Em sede de IVA – 2019.06, apurou-se a falta de liquidação de IVA, face ao disposto nos art.º 4.º e 16.º, conjugados com os artigos 18.º e 27.º, todos do CIVA, no montante total de € 544.804,47”.
t. Segundo a informação dos SIT, elaborada e remetida a propósito do actual pedido de pronúncia e processo administrativo:
43. De facto, existem dois contratos de cessão de posição contratual:
- O que foi apresentado pela requerente no âmbito do procedimento inspetivo, em que as partes são a A... e a C..., e que prevê a hipótese de exercício de uma opção de compra pela A... no prazo de três anos.
- O que foi apresentado pela requerente no âmbito da impugnação judicial junto do tribunal arbitral, em que são parte a A..., a C... e o locador B..., e em que a opção de compra pela A... à C... é omitida.
Por outro lado, neste contrato a A... garante à C... a existência da posição contratual transmitida e a C... aceita-a sem reservas e declara ter total conhecimento dos direitos e obrigações para si resultantes dessa cessão de posição contratual, obrigando-se ao total cumprimento do contrato de locação financeira do qual tomou conhecimento. Finalmente a C... declara ter recebido da A... o imóvel locado e que o mesmo foi devidamente entregue pela A... (vide cláusulas terceira e quarta).
44. Em termos da substância e da forma, a sujeição a IVA no momento de celebração do contrato de cessão da posição contratual efetiva-se pelo preenchimento dos requisitos legais para a sua sujeição no momento em que o mesmo é outorgado (18 junho de 2019). Ou seja, é consensual que a cessão de posição contratual em contrato de locação financeira configura uma transmissão de um direito, e que em sede de IVA consubstancia uma prestação de serviços como enunciado no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, que considera "operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens" como prestações de serviços, em harmonia com o entendimento do TJUE e a jurisprudência interna e atendendo ao disposto no artigo 24.º da Diretiva IVA, que estatui “qualquer operação que não constitua uma entrega de bens”.
45. Nestes termos, a cessão da posição contratual do locatário — que se analisa na transmissão do complexo de direitos e obrigações e das demais situações ativas e passivas, que decorrem para essa parte da relação contratual estabelecida com o locador, operando a sua substituição no contrato base, que passa a vigorar e a operar os seus efeitos entre a cedida e a cessionária (cfr arts. 424.º e seguintes do Código Civil) — não se reconduz a uma transmissão da propriedade de um bem corpóreo, que permanece na titularidade da entidade locadora, pelo que se subsume ao conceito residual de prestação de serviços para efeitos de IVA, em conformidade com os arts. 4.º, n.º 1, e 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA.
46. Assim, o "serviço" (para efeitos do IVA) que aqui é objeto de análise é a própria cessão da posição contratual de locatário, portanto a cedência da situação negocial complexa de que era titular o cedente no contrato de locação financeira imobiliária, cujo valor económico suscetível de ser encarado como um bem é a "síntese das vantagens e sacrifícios económicos que o contrato encerra" (MOTA PINTO, Cessão da posição contratual Coimbra, 1982, p. 397).
47. O sujeito passivo defende (§ 32 e seguintes) que analisando o Contrato de cessão de posição contratual em contrato de leasing e contrato de sublocação e promessa de venda, identifica três tipos de contratos:
- Cessão de posição contratual de leasing imobiliário;
- Contrato de sublocação;
- Contrato unilateral de venda do imóvel dado em doação.
48. Atendendo aos argumentos do sujeito passivo e da feitura dos dois contratos apresentados pelo sujeito passivo (o primeiro à inspeção tributária e o segundo no âmbito da impugnação arbitral), concluímos que efetivamente estamos perante dois tipos de contratos independentes:
- Cessão de posição contratual de leasing imobiliário;
- Contrato de sublocação com opção de venda do imóvel dado em doação.
49. Conforme fundamentos constantes do relatório da inspeção — e aceites pelo sujeito passivo — a cessão de posição contratual é um contrato sujeito a IVA e dele não isento.”
u. A 20.03.2023, a Requerente apresentou petição arbitral dos actos de liquidação oficiosa de IVA.º 2022..., de 3.11.2022 e n.º 2022... .
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2.1.2. - No acórdão fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante F............, S.A. é proprietária do Centro Comercial das Olaias - facto não controvertido/cf. relatório de Acção Inspectiva, de fls. 66 a fls. 83 do PAT apenso aos autos/petição inicial;
B) Em Janeiro de 2003, foi celebrado entre a Impugnante F............, S.A., na qualidade de primeira outorgante e a empresa C............, LDA., na qualidade de segunda outorgante, um contrato com a designação “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, do qual consta que “a 2.ª outorgante prestará à 1.ª outorgante, serviços de administração e gestão patrimonial do Centro Comercial das Olaias, que compreendem:
- comercialização das lojas e de outras superfícies comerciais existentes no Centro Comercial e que estejam actualmente desocupadas ou que o possam vir a estar no futuro;
- elaboração anual do orçamento das chamadas despesas comuns que consistem na prestação de serviços aos lojistas, necessários para que o Centro funcione como um condomínio;
- cobrança das rendas e despesas comuns junto dos lojistas e seu pagamento aos fornecedores, nomeadamente, EDP e EPAL;
- depósito das rendas cobradas em nome da 1.ª outorgante na conta (…);
- celebração de contratos de prestação de serviços, acompanhando o desenvolvimento e sua execução, desde que os mesmos consistam em reparações e fornecimentos, estabelecendo os seus preços, prazos e demais condições;
- fazer o marketing do Centro Comercial, sendo os seus custos pagos pelo orçamento das despesas comuns;
- prestar todos os esclarecimentos aos lojistas, necessários ao bom funcionamento do Centro. (…)”
- cf. fls. 130 a 132 do PAT apenso aos autos;
C) Em 2004, foram celebrados entre a ora Impugnante F............, S.A., na qualidade de senhoria e alguns dos lojistas do Centro Comercial das Olaias, na qualidade de inquilinos, vários contratos aos quais foi dada a designação “CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE ESPAÇO INTEGRADO EM CENTRO COMERCIAL”, dos quais constam, designadamente, as seguintes cláusulas:
“(…)
CLÁUSULA SEGUNDA
OBJECTO
Nesta sua qualidade, a 1.ª outorgante dá de arrendamento à 2.ª outorgante um espaço com (…) de área correspondente à loja n.° (…) sita na fracção (…) que corresponde no rés-do-chão Centro Comercial das Olaias, Av………….., n.° 3 e 3A e Américo Durão, nos 4, 4A e 6 e 6A, inscrito na matriz sob o Art° ......, de acordo com a planta do Centro Comercial que se anexa ao presente contrato e do qual faz parte integrante como Anexo I.
CLÁUSULA TERCEIRA
INTUITUS PERSONAE
O presente contrato é celebrado com a 2.ª outorgante tendo em conta a sua identidade, qualificação e experiência profissional.
CLÁUSULA QUARTA
DESTINO
O espaço arrendado destinar-se-á exclusivamente a artesanato, não lhe podendo ser dado outro destino salvo com autorização prévia da senhoria.
CLÁUSULA SEXTA
RETRIBUIÇÃO OU RENDA
1 - Durante o primeiro ano, a renda será de (…) mensais, e no 2.º ano de (…), vencendo-se a primeira renda a 1 do mês (…) e cada uma das rendas subsequentes no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito, sendo o respectivo pagamento efectuado por meio de transferência bancária para a conta n.° (…) do Banco (…), ou por entrega de cheque, em nome da F....., S.A., nos escritórios da C....., LDA., ou em qualquer outro local que venha pelo senhorio a ser indicado, por escrito, ao inquilino.
2 - A renda referida no número anterior será actualizada anualmente, mediante a aplicação dos coeficientes de actualização divulgados pelo I.N.E., nos termos do art.° 32° do R.A.U., através do envio de carta registada com aviso de recepção.
CLÁUSULA SÉTIMA
OUTRAS DESPESAS
1 - A 2.ª outorgante obriga-se, consoante o previsto nas Cláusulas Gerais e no Regulamento Interno do Centro, constantes dos Documentos Complementares que fazem parte integrante deste contrato como anexo II e III, nos termos do artigo 64° n° 2 do Código do Notariado, ao pagamento dos encargos resultantes dos serviços de manutenção, conservação, segurança e outros constantes do orçamento anual do CENTRO COMERCIAL DAS OLAIAS, definidos como despesas comuns, numa determinada percentagem ou permilagem.
0 coeficiente das despesas comuns será na proporção da área ocupada pela loja, pelo que as despesas comuns mensais serão este ano de (…)
IVA à taxa legal em vigor, correspondentes a uma percentagem ou permilagem do orçamento anual do Centro.
2 - Estas despesas serão orçamentadas, facturadas e cobradas directamente pela “C............, LDA.”, na sua qualidade de gestora do Centro Comercial.
(…)
CLÁUSULA DÉCIMA
ENTREGA DA LOJA
A loja é entregue no acto da assinatura deste contrato no estado em que se encontra, indicando-se desde já o ponto de alimentação eléctrica e as saídas do ar condicionado.
OBRIGAÇÕES DAS PARTES
1 - Da Senhoria:
a) Assegurar a gestão e funcionamento do Centro;
b) Assegurar o fornecimento de energia, água, etc;
c) Garantir a manutenção, limpeza, segurança, etc;
d) Assegurar a promoção e publicidade do Centro;
e) Contratar os seguros necessários ao Centro.
A prestação destes serviços será delegada pela Ia outorgante na “C..... -……….
, LDA.”
2 - Da inquilina:
a) Não destinar a loja a outros fins ou ramos;
b) Respeitar rigorosamente o Regulamento Interno e as Cláusulas Gerais (que fazem parte integrante deste contrato, nos termos do n.° 2, do Art.° 64° do Código do Notariado) e as disposições legais aplicáveis;
c) Pagar a renda e outras despesas até ao 8 dia de cada mês;
d) Manter a loja em perfeito estado de conservação, arranjo e limpeza;
e) Facultar a vistoria da loja e equipamentos à entidade gestora;
f) Deixar executar as necessárias reparações do imóvel, maquinaria e equipamentos;
g) Não transmitir o estabelecimento nos termos da cláusula 12ª;
h) Cumprir integralmente os horários de abertura ao público durante o período fixado pela entidade gestora para normal funcionamento do Centro, excepto no caso da execução de obras previamente autorizadas pela entidade gestora;
i) Manter válidos os seguros contra riscos de incêndio, lucros cessantes, quebra de vidros, montras, etc;
j) Não utilizar nem ocupar as zonas comuns do Centro;
k) Entregar a loja livre e devoluta no termo, a qualquer título, do contrato;
l) Entregar 1 (um) exemplar da chave principal da loja à Ia outorgante ou entidade gestora do Centro. (…)”
- cf. contrato de arrendamento constante de fls. 180 a 186 do PAT apenso aos autos;
D) Em 09/06/2005, foi elaborado o parecer n.º 51/2005, pelo Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral dos Impostos, sob o assunto “IVA: Exploração de Centros Comerciais”, onde consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
Do exposto decorre que, se o contrato entre (…) e (…) não constituir uma transferência onerosa de estabelecimento comercial, tem de ser qualificado como um contrato atípico ou inominado.
Esta posição tem apoio no parecer de Antunes Varela, que qualifica um contrato semelhante de «contrato inominado de cessão de gozo do imóvel para a instalação e exploração de um centro comercial», embora nesse contrato analisado pelo autor, tenha cabido exclusivamente à empresa gestora (diferente da proprietária), a fundação ou criação do centro comercial.
Tendo em conta estas conclusões sobre a qualificação do contrato em análise, para efeitos do Código do IVA, ela significa que estamos perante uma prestação de serviços, tal como definida no art.º 4.º do mesmo código, e portanto, perante uma operação tributável não abrangida pela isenção prevista no art.º 9, nº30 do CIVA” – cf. parecer a fls. 109 a 129 do PAT apenso aos autos;
E) Em 22/06/2005, pelo Director-Geral dos Impostos, foi proferido despacho de concordância com o parecer referido em D) - cf. despacho a fls. 109 do PAT apenso aos autos;
F) Entre 24/07/2009 e 23/09/2009, foi realizada, pelos Serviços de Inspecção Tributária, Acção Inspectiva à Impugnante F............, S.A, relativa aos anos de 2005 e 2006 e que incidiu sobre o IVA - cf. relatório da acção inspectiva de fls. 66 a fls. 83 do PAT apenso aos autos;
G) Em 20/10/2009, foi elaborado o Relatório da Acção de Inspecção, identificada em F), onde consta, com interesse para os autos, o seguinte:
“(…),
2. CORRECÇÕES EM SEDE DE IVA
2.1. RESUMO DA SITUAÇÃO IDENTIFICADA
A. INTRODUÇÃO
A sociedade F....., SA é proprietária do Centro Comercial das Olaias.
O Parecer n.° 51/2005, de 2005.06.09, do Centro de Estudos Fiscais, com despacho concordante do Director-Geral em 2005.06.22, que se pronunciou sobre a natureza jurídica de contratos de exploração de centros comerciais - entre entidade proprietária do centro e entidade gestora do centro - e de contratos de utilização de lojas - entre entidade gestora do centro e lojistas, concluiu pela aplicação do regime da sujeição de IVA e pela exclusão da isenção estabelecida para as operações de locação de imóveis (n.º 30 do artº 9.° do CIVA), qualificando os contratos em causa como atípicos e inominados.
(…)
B. SITUAÇÃO EM EXERCÍCIOS ANTERIORES
Em exercícios anteriores aos agora em análise (2005 e 2006), no âmbito da exploração do Centro Comercial das Olaias de que o sujeito passivo é proprietário, estiveram em vigor os seguintes contratos:
- “Contrato de Prestação de Serviços de Administração e Gestão Patrimonial do Centro Comercial das Olaias”, celebrado entre a FM, SA e a empresa C..... LDA (NIPC…………) na qualidade de entidade gestora do centro (ANEXO 3, folhas 1 a 3), assinado em 2 de Janeiro de 2003;
- “Contratos de Cessão de Espaço Integrado em Centro Comercial”, celebrados entre lojistas e entidade gestora, de que se apresenta exemplo em ANEXO 4 (folhas 1 a 7).
No que respeita à exploração do Centro Comercial, ao abrigo do “Contrato de Prestação de Serviços de Administração e Gestão Patrimonial do Centro Comercial das Olaias”, o sujeito passivo pagava à entidade gestora avenças mensais de € 5.000,00 + IVA, assim como as despesas comuns relativas às lojas desocupadas (com IVA) e uma comissão pela comercialização de cada novo espaço (com IVA).
C. SITUAÇÃO NOS EXERCÍCIOS EM ANÁLISE
C.1. Quanto à exploração do Centro Comercial, continuou em vigor em 2005 e 2006, o “Contrato de Prestação de Serviços de Administração e Gestão Patrimonial do Centro Comercial das Olaias”.
O IVA suportado com os custos decorrentes do mesmo foi sempre deduzido pela FM,. S A na integra (…).
A partir de sensivelmente meio de 2004, na maioria dos casos, foram rescindidos por mútuo acordo os “Contratos de Cessão de Espaço Integrado em Centro Comercial” até aí existentes entre entidade gestora do centro e lojistas e foram estabelecidos novos contratos entre os lojistas e a entidade proprietária (em vez da entidade gestora) denominados agora por “Contratos de Arrendamento de Espaço Integrado em Centro Comercial (…). Estes contratos abrangeram 36 lojas em 2005 e 25 lojas em 2006 (…)
Com o estabelecimento dos novos contratos, a empresa proprietária passou a considerar que se tratavam de contratos de arrendamento susceptíveis de beneficiar da isenção estabelecida para as operações de locação de imóveis (n.º 30 do art.º 9.º do CIVA).
(…)
E. CONCLUSÃO
Pelo exposto nos pontos anteriores, verifica-se que o teor dos contratos em análise é, na sua essência, o mesmo. Isto é, as características que levam a caracterizar os “Contratos de Cessão de Espaço Integrado em Centro Comercial” como atípicos e inominados, mantiveram-se nos “Contratos de Arrendamento de Espaço Integrado em Centro Comercial”. Em resumo:
- O Centro Comercial das Olaias mantém a sua identidade enquanto unidade comercial e a sua função social;
- A administração do centro continua a ser da responsabilidade da entidade Gestora, obrigada a prestar determinados serviços quer aos lojistas, quer à entidade proprietária;
- Em ambos os contratos os lojistas beneficiam de um pacote de serviços (na prática, sempre prestados pela entidade Gestora);
- Os lojistas, em ambos os casos, estão vinculados ao regulamento interno do Centro;
- As obrigações dos lojistas são as mesmas em ambos os contratos, não lhes assistindo alguns dos direitos que, obrigatoriamente, lhes assistiriam se estivéssemos em presença de contratos de arrendamento.
Assim, também os “Contratos de Arrendamento de Espaço Integrado em Centro Comercial” se encontram a coberto da orientação professada pelo Parecer n.° 51/2005, de 2005.06.09, do Centro de Estudos Fiscais, com despacho concordante do Director-Geral em 2005.06.22 concluindo-se pela aplicação do regime da sujeição de IV A e pela exclusão da isenção estabelecida para as operações de locação de imóveis (n.° 30 do art.° 9.° do C IVA ), dado ser de qualificar os contratos em causa como a típicos e inominados.
(…)”
- cf. relatório da acção inspetiva de fls. 66 a fls. 83 do PAT apenso aos autos;
H) Em 22/10/2009, foi proferido, pela Chefe de Divisão da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, despacho de concordância com o relatório referido em G) – cf. despacho a fls. 64 do PAT apenso aos autos;
I) Na sequência da ação inspetiva mencionada em F) e G), foram emitidas, em nome da ora Impugnante, liquidações adicionais respeitantes a todos os períodos mensais dos anos de 2005 e 2006, no montante global de €146.108,46, sendo €127.492,01 relativos a imposto, e €18.616,45, relativos a juros compensatórios – cf. fls. 424 a 430 do PAT apenso aos autos.
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2.2.- Motivação de Direito

2.2.1. - No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se existe contradição entre a Decisão Arbitral recorrida e o Acórdão fundamento, tendo em conta que na decisão recorrida, a ora recorrente sustentou o seu pedido no direito à isenção de IVA numa operação de cessão da posição contratual no contrato de locação financeira, considerando que a cessão da posição contratual condicionada por uma promessa unilateral de venda do cessionário ao cedente e pelo contrato de sublocação, não transmite o direito à transmissão da propriedade de um bem corpóreo que permanece na titularidade da entidade locadora, pelo que não se subsume ao conceito residual de prestação de serviços para efeitos de IVA, em conformidade com os artigos 4.º, n.º 1, e 1.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, não sendo tal isenção aplicável à cessão da posição contratual, no âmbito do negócio celebrado; por seu turno, no acórdão fundamento os serviços acessórios à prestação principal de proporcionar o gozo temporário de um espaço imobiliário num centro comercial, mediante retribuição, não descaracterizam os contratos em apreço como verdadeiros contratos de locação de bens imóveis, na acepção do artigo 13.°, B), alínea b), da Sexta Diretiva e, consequentemente, do artigo 9.°, n.° 30 do CIVA.
Para a recorrente, a existência dessa divergência é de molde a permitir o recurso para uniformização de jurisprudência, consubstanciado no artigo 152.º do CPTA.

Vejamos.

2.2.2.- Da admissibilidade do recurso de uniformização

Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado, aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1) na redacção da lei nº119/2019, de 18/09.
Consoante o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º).
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, de 11/12/2019, Recurso nº 46/19.5BALSB, de 04-11-2020, Recurso nº 24/20.1BALSB, de 09/12/2020, Recurso nº 43/20.8BALSB e de 20-01-2021, Recurso nº 60/20.1BALSB, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.° 3 do artigo 152.° que, "o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsi.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv)- ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá de emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
*

2.2.3.- Da análise do caso concreto:

No caso posto, seguindo a factualidade fixada nas decisões fundamento e recorrida, a situação de paridade que importa considerar é a seguinte:

(i) -Acórdão Fundamento:

Neste aresto, a questão controvertida centrava-se na classificação dos denominados “Contratos de Arrendamento de Espaço integrado em Centro Comercial” celebrados entre a impugnante e os lojistas do Centro Comercial ..., de forma a determinar se os mesmos estão, ou não, isentos de IVA ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 30 do CIVA.
Dirimindo essa questão foi ali decidido que os serviços acessórios à prestação principal de proporcionar o gozo temporário de um espaço imobiliário num centro comercial, mediante retribuição, não descaracterizam os contratos em consideração como verdadeiros contratos de locação de bens imóveis, na acepção do artigo 13.°, B), alínea b), da Sexta Directiva e, consequentemente, do artigo 9.°, n.°30 do CIVA.
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(ii) – Decisão Recorrida:

A questão decidenda consistia em determinar se à ora recorrente cabia o por ela arrogado direito à isenção de IVA numa operação de cessão da posição contratual no contrato de locação financeira, considerando que a cessão da posição contratual condicionada por uma promessa unilateral de venda do cessionário ao cedente e pelo contrato de sublocação, não transmite o direito à transmissão da propriedade de um bem corpóreo que permanece na titularidade da entidade locadora, pelo que não se subsume ao conceito residual de prestação de serviços para efeitos de IVA, em conformidade com os artigos 4.º, n.º 1, e 1.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA.
Na decisão sub judice foi firmado o entendimento de que, estabelecendo no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA a isenção da locação de bens imóveis e não tendo a requerente celebrado um contrato de locação financeira, mas sim de sublocação, com direitos e deveres diferentes dos que resultam do contrato de locação financeira, não é tal isenção aplicável à cessão da posição contratual, no âmbito do negócio celebrado.


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2.2.4.-Da inexistência de contradição entre os dois arestos


Entendemos, em consonância com o Ministério Público, que, sendo patente a falta de identidade factual nas situações versadas em cada um deles, também não é manifesta a contradição entre os dois arestos no que tange à mesma questão fundamental de direito.
Na verdade, é por demais patente que a situação fáctica analisada nos dois arestos é substancialmente diversa, porquanto a decisão arbitral versa sobre uma hipótese de cessão da posição contratual no contrato de locação financeira e no acórdão do TCA Sul se apreciam contratos de arrendamento de espaços integrados num Centro Comercial.
Além disso, a recorrente assenta a sua divergência na hermenêutica das normas europeias aplicáveis ao IVA e nos fundamentos jurídicos da decisão arbitral, logrando demonstrar que estão reunidos os pressupostos para o recurso para uniformização de jurisprudência, designadamente a existência de identidade da questão de direito, alicerçada numa situação fáctica coincidente.
Portanto, sufragando a posição que também foi expressa pelo Ministério Público no seu sábio Parecer, é forçosa a conclusão que não existe contradição entre ambos, relativamente a questão fundamental de direito, pelo que se não justifica uma decisão deste Supremo Tribunal, em ordem a fixar orientação jurisprudencial.
As custas da presente acção serão suportadas pela Recorrente, integralmente vencida, nos termos do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

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3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, não conhecer o mérito do Recurso interposto para Uniformização de Jurisprudência.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 26 de Setembro de 2024. - José Gomes Correia (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.