Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01038/14.6BELRS |
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Data do Acordão: | 05/29/2024 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | JOÃO SÉRGIO RIBEIRO |
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Descritores: | JUROS INDEMNIZATÓRIOS APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO |
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Sumário: | I - A questão fundamental a que cabe dar resposta é a de saber se – com base na aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro, apesar de resultar do artigo 3.º dessa lei que essa redação do preceito «aplica-se também as decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011» – são devidos juros indemnizatórios quando se pretenda fazer a sua aplicação a uma liquidação emitida no ano de 2009. II - O julgador tem a faculdade de questionar a norma no plano constitucional, mas jamais pode promover a sua adaptação/alteração com base no questionar do seu fundamento, que apesar de poder ser naturalmente discutível, cabe, legitimamente, ao legislador determinar. III - Consideramos, portanto, que o facto de a liquidação ter sido emitida numa data anterior a 1 de janeiro de 2011, não permite que lhe possa ser aplicado o artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, não sendo, por isso, devidos juros indemnizatórios. IV - Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente na parte referente aos juros indemnizatórios. |
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Nº Convencional: | JSTA000P32316 |
Nº do Documento: | SA22024052901038/14 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que A..., S.A., deduziu contra o despacho proferido pela Diretora de Serviços do IRC, de 12.12.2013, na parte que indeferiu os juros indemnizatórios, na sequência de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa contra a liquidação n.º ...31, referente a IRC do exercício de 2008, e, em consequência, ordenou o pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, ora Recorrida, pelo montante de € 6.809,83, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso: «A) Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a presente impugnação judicial totalmente procedente, determinando, em consequência, a anulação do despacho proferido pela Diretora de Serviços do IRC, de 12/12/2013, na parte que indefere os juros indemnizatórios, ordenando o pagamento destes no valor de €6.809,83; B) Salvaguardando melhor e mais avisado entendimento, a matéria deste Recurso, o thema decidendum de que depende o respetivo mérito, é exclusivamente jurídica e reconduz-se à concreta questão da interpretação e aplicação do regime consagrado na al. d) do n.º 3 do art. 43º da LGT e art. 3º da Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro. C) Vem o Tribunal a quo julgar procedente os presentes autos, por entender, em suma, que, pese embora a liquidação de IRC subjacente ao pedido de juros indemnizatórios em causa, tenha sido emitida no ano de 2009, deve ser aplicada, “sem reservas”, a alínea d) do n.º 3 do artigo 43º da LGT”, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro, porquanto, a limitação temporal estabelecida no art. 3º do mesmo diploma legal, “distorce os efeitos da aplicação da norma provocando, injustamente, um prejuízo na esfera da Impugnante que importa corrigir (…)”, sob pena de manifesta e notória a injustiça provocada, em violação dos princípios constitucionais da justiça e proporcionalidade, nos termos do n.º 2 do art. 266º da CRP; D) A Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro, veio determinar, com natureza retroativa, o dever das entidades públicas, onde naturalmente se encontra incluída a AT, de pagar juros indemnizatórios em caso de pagamento indevido de prestações tributárias fundado em normas declaradas judicialmente como inconstitucionais ou ilegais, ao aditar a al. d) ao n.º 3 do art. 43.º da LGT, mais determinando que esta nova alínea se aplicasse também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de Janeiro de 2011; E) A sentença recorrida, vai mais além e, extravasando o limite temporal determinado pelo legislador quanto à eficácia da nova al. d) do n.º 3 do art. 43º LGT, desaplicou, parcialmente, o art. 3º da Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro - uma vez que a liquidação controvertida foi efetuada em data anterior a 1 de janeiro de 2011 - e considerou ter a Recorrida, Impugnante, direito ao pagamento de juros indemnizatórios peticionados; F) Ao contrário do que é referido na decisão a quo, que entende não existir qualquer justificação pertinente ou relevante quanto ao prazo estabelecido para delimitar a retroatividade da nova norma, indubitavelmente a justificação para a definição de uma data, prende-se, não só com a taxa de proteção civil, mas também, pela necessidade de assegurar o princípio da certeza jurídica na relação entre o contribuinte e o Estado, atendendo, sempre, à ponderação do equilíbrio dos direitos daquele. (veja-se o discurso do deputado AA e do deputado BB, cuja citação é feita na decisão recorrida); G) E, de facto, entendemos que foi, precisamente, a necessidade de assegurar o princípio da certeza jurídica que o legislador teve a vontade e definiu a delimitação temporal da retroatividade em causa, sob pena de serem “desenterradas”, situações jurídicas já consolidadas no nosso ordenamento jurídico, o que provocaria uma enorme instabilidade e incerteza e, eventualmente, poria em causa institutos como a prescrição; H) A não ser assim, estar-se-ia a desvirtuar o sentido e alcance da lei e a criar novas normas, totalmente divergentes das que estão em vigor, criando-se “um clima de insegurança e incerteza jurídicas”; I) O entendimento assim preconizado pelo Tribunal a quo tem a viabilidade de pôr em causa não só o princípio da justiça, o princípio da igualdade e, igualmente, o princípio da certeza jurídica, criando, inevitavelmente, desigualdades e injustiças entre os contribuintes; J) Do art. 3º da lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro, retira-se, sem margem para qualquer dúvida, que o legislador pretendeu limitar o efeito retroativo da aplicação da al. d) do n.º 3 do art. 43º da LGT, tendo entendido, para tanto, a limitação da sua eficácia retroativa, exclusivamente, às prestações tributárias que tenham sido apenas liquidadas após 1 de janeiro de 2011; K) E, veja-se, que a liquidação controvertida nos presentes autos, data de 2009, ou seja, muito para lá de 1 de janeiro de 2011; L) A lei realiza a função que lhe é particularmente peculiar, ou seja, a de proporcionar aos seus destinatários a retidão que eles dela conjeturam na procura destes dois ideais jurídicos: a certeza e a retitude do direito, e tal como refere o Prof. Manuel A. Domingues de Andrade, in Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, “o ideal seria que o direito fosse sumamente certo sem deixar de ser sumamente recto, ideal este inacessível, tanto para a política como para a ciência jurídica…”; M) O legislador foi claro na sua vontade – delimitar a eficácia retroativa, exclusivamente, quanto às liquidações emitidas após 1 de janeiro de 2011; N) Permitir a retroatividade da Lei para além da data definida terá como consequência esvaziar o conteúdo da mesma, alargando o efeito pretendido para lá da vontade do legislador; O) O Tribunal a quo, com a decisão proferida, recusou a aplicação da norma nos seus termos precisos alargando os seus efeitos para lá de 2011; P) A sentença de que ora se recorre, mostra-se ilegal por desconforme ao regime transitório estabelecido pelo art. 3º da Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro; Q) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro de direito na aplicação ao caso concreto da al. d) do n.º 3 do art. 43º da LGT, bem como o art. 3º da Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro; R) Consequentemente, pelas razões expostas e com o mais que Vossas Excelências se dignarão doutamente suprir, deve ser revogada a douta sentença recorrida substituindo-se por outra que julgue improcedente a impugnação. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, e em consequência, da decisão ora recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação judicial improcedente, quanto à matéria aqui discutida. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.» 1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações. 1.3. A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer que se transcreve na parte considerada relevante: « (…) Ora, perante a matéria fáctica dada como provada, concluiu a douta sentença em análise que: “… numa interpretação conforme à Constituição, e sob pena de violação do princípio da justiça, desaplico parcialmente, no caso concreto, ao abrigo do artigo 204º da CRP, a norma do artigo 3º da Lei nº 9/2019, de 01.02, na parte em que limita a eficácia retroactiva às prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de Janeiro de 2011. Em conformidade, fazendo aplicação, sem reservas, a alínea d) do nº 3 do artigo 43º da LGT, conclui-se que a Impugnante tem direito a juros indemnizatórios sobre o montante restituído, que no caso ascendeu a € 35.732,99 [cfr. alíneas G) e H) do probatório]…” O princípio da justiça que a douta sentença recorrida considera violado está plasmado no art. 266º, nº 2 da CRP que prescreve que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé. Além disso, também, o art. 5º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) prevê a obrigação de a Administração Pública respeitar aquele princípio. Este princípio proíbe, na sua faceta negativa, comportamentos discriminatórios e, em termos positivos, obriga a tratar igualmente situações idênticas. No entanto, no caso em apreço, não se pode considerar estarem em causa situações idênticas porquanto, consentindo a Lei 9/2019 a aplicação retroactiva da alínea d) do artigo 43º da LGT limita tais efeitos quanto a serem devidos juros, aos “juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011”, o que não sucede no caso dos autos uma vez que a liquidação da prestação tributária em causa ocorreu antes daquela data. Por outro lado, de acordo com os princípios da hermenêutica jurídica vertidos nos artigos 11º da LGT e 9º do Código Civil “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” Aliás, como se refere no douto Acórdão do STA proferido em 20-11-2011, 0701/10 “… O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação…” Em consequência, no caso em apreço, concluímos, com a devida vénia, com o que se escreveu no douto Acórdão do STA de 30-10-2019, 01344/11: “…na esteira de diversa doutrina, vem sendo entendido por este Tribunal, de forma reiterada e consistente, que a Administração Tributária não pode recusar-se a aplicar uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias [ver, por todos, o acórdão deste Tribunal de 12 de outubro de 2011, processo n.º 860/10]. E que, nestes casos, não podendo a Administração Tributária decidir de outro modo, também não lhe pode ser assacada a responsabilidade por decidir no sentido em que decidiu. O que significa que não pode ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios, por falta de um dos requisitos de que depende a atribuição deste direito: a imputação do erro respetivo aos serviços [ver, entre muitos, o Acórdão deste Tribunal de 2017/03/22, Processo n.º 0471/14]. Jurisprudência de cuja fundamentação não se vê agora razão para divergir. É certo que a Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro veio, entretanto, aditar uma alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, nos termos da qual são devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade da norma legislativa em que se fundou a liquidação e que determine a sua devolução. Mas, como deriva do seu artigo 3.º, esta alteração só se aplica a liquidações posteriores a 1 de janeiro de 2011…” Pelo exposto, emito parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.» 1.4. Cumpre apreciar e decidir em Conferência. 2. Fundamentação de Facto O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto: «Com relevo para a decisão da causa, dão-se como provados os factos a seguir indicados: A) Em 28.05.2009, a Impugnante submeteu a declaração de rendimentos modelo 22 do IRC, por referência ao exercício de 2008, na qual liquidou, a título de tributações autónomas, o montante de € 75.249,49, resultante da aplicação da taxa de 10% sobre encargos dedutíveis, relativos a despesas de representação e despesas com viaturas ligeiras de passageiros (cfr. fls. 78 do PA apenso); B) Da mencionada declaração, resultou a liquidação de IRC nº ...31, no montante de € 156.749,31 (cfr. fls. 78 e 79 do PA apenso); C) Na mesma data (28.05.2009), a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto (cfr. fls. 80 do PA apenso); D) Em 28.12.2012, com fundamento na inconstitucionalidade decretada relativamente ao artigo 5º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 05.12, na parte que determinou o agravamento de 5% para 10% da taxa de tributação autónoma sobre determinados encargos, com efeitos a 1 de Janeiro de 2008, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no nº 3, do artigo 103º da CRP, a Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa, peticionando a restituição de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios (cfr. fls. 3 a 12 do PA apenso – RO); E) Por despacho de 11.12.2013, proferido pela Directora de Serviços de IRC, foi parcialmente deferido o pedido de revisão oficiosa, traduzido na restituição à Impugnante do montante de € 35.732,99, pago em excesso – porquanto a aplicação da taxa de 10% de tributação autónoma desde 01.01.2008 constituir uma violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, como decidido nos acórdãos do Tribunal Constitucional nº 310/2012, de 20.06.2012 e nº 382/2012, de 12.07.2012 –, e no indeferimento do pedido de juros indemnizatórios, nos seguintes termos: “(…) Tal como se referiu no projecto de decisão notificado à requerente, o direito a juros indemnizatórios no âmbito de um procedimento de revisão oficiosa, como ocorre nos presentes autos, está legalmente vinculado ao disposto pela alínea c) do nº 3 do artº 43º da LGT nos termos da qual 'São também devidos juros Indemnizatórios nas seguintes circunstâncias... c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária’. Como o presente pedido de revisão foi remetida em 28 de Dezembro de 2012, ainda não se encontra ultrapassado o prazo de um ano legalmente estabelecido para a revisão do acto tributário pela AT. Assim, o protestado pela requerente quanto ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no âmbito do presente procedimento de revisão oficiosa será de indeferir por falta de sustentáculo legal. (…)” (cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 22 do PA apenso - RO); F) A decisão a que se refere a alínea anterior foi remetida à Impugnante, por correio registado com A/r, através do ofício nº ...98, de 29.01.2014, expedido na mesma data (cfr. doc. 1 junto com a p.i. e fls. 35 a 37 do PA apenso - RO); G) Em 31.01.2014 foi efectuada a liquidação nº ...66, e estorno da liquidação n.º ...31, da qual resulta um montante a reembolsar de € 35.732,99 (cfr. fls. 71 e 72 do PA apenso); H) Em 17.02.2014, foi restituído à Impugnante o montante de € 35.732,99 (cfr. fls. 48 do PA apenso - RO); I) Em 30.04.2014, foi remetida a este Tribunal, por meio de correio registado a presente impugnação (cfr. fls. 100 dos autos). * Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.* MOTIVAÇÃO: Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e PAT apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.3. Fundamentação de Direito A questão fundamental a que cabe dar resposta é a de saber se – com base na aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro, apesar de resultar do artigo 3.º dessa lei que essa redação do preceito «aplica-se também [e tão-só] a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011” – são devidos juros indemnizatórios quando se pretenda fazer a sua aplicação a uma liquidação emitida no ano de 2009. Sustentando essa solução com o argumento de que a limitação temporal estabelecida no artigo 3.º, do mesmo diploma legal, “distorce os efeitos da aplicação da norma provocando, injustamente, um prejuízo na esfera da Impugnante que importa corrigir (…)”, sob pena de manifesta e notória a injustiça provocada, em violação dos princípios constitucionais da justiça e proporcionalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 266º da CRP, como faz a sentença recorrida. O legislador em 2019, num contexto específico e circunstanciado, dado a conhecer pela incursão que na sentença e peças processuais foi feita por essa matéria, aditou o artigo 43.º no sentido de este passar a prever expressamente a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios no «caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução», permitindo, através da fixação de um regime transitório, que esta disposição fosse aplicada a prestações tributárias que tivessem sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011. A redação do artigo 3.º, da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, que consagra essa situação é absolutamente clara, não suscitando qualquer dúvida interpretativa, a ponto de na sentença recorrida se ter afirmado, e passamos a citar: «Ora, da leitura do aludido preceito, resulta de forma clarividente que o legislador quis conceder eficácia retroactiva à norma constante da alínea d) do nº 3 do artigo 43º da LGT, sendo aplicável a decisões judiciais de ilegalidade ou inconstitucionalidade anteriores a 02.02.2019, data de entrada em vigor da nova lei. No entanto, veio a limitar essa eficácia retroactiva às liquidações emitidas a partir de Janeiro 2011, considerando que as liquidações anteriores a essa data não podem “beneficiar” do direito a juros agora reconhecido.»
Não se suscita, por conseguinte, qualquer dúvida a nível da interpretação do preceito, pelo que o recurso ao elemento histórico, através da incursão pelo relatório de discussão e votação, na especialidade, do texto final dos projetos-lei na origem da Lei nº 9/2019, de 01.02.2019, relevará numa perspetiva de análise da política legislativa, quando muito para aferir o fundamento justificativo subjacente à criação da norma, e não no contexto da interpretação. A clareza do elemento literal é manifesta, bastando uma mera operação de subsunção da situação concreta à norma para imediatamente perceber se há ou não lugar ao pagamento de juros. Resulta evidente, opinião partilhada, como demonstrámos, na sentença recorrida, que a eficácia retroativa está limitada a liquidações emitidas a partir de janeiro de 2011, pelo que a liquidação parcialmente anulada de IRC, com base em norma julgada inconstitucional, discutida neste processo, foi emita em 2009, conforme resulta dos factos provados, pelo que está claramente fora do âmbito de aplicação temporal do artigo 43.º, n.º 3, alínea d). Não havendo, por consequência, perceção, pela recorrida, de juros indemnizatórios. Por muito louváveis que sejam as preocupações suscitadas pelo caso concreto, a lei é, por definição, geral e abstrata, aplicando-se, portanto, a um número indefinido de destinatários que se encontre nas circunstâncias que definiu, sem que seja criado, entre eles, qualquer discriminação ou desigualdade injustificada. Ora, a lei em causa aplica-se aos sujeitos passivos que dentro do arco temporal definido estejam nas mesmas circunstâncias, não surgindo entre deles qualquer discriminação. O facto de se discordar do fundamento justificativo da opção legislativa não autoriza o intérprete a alterar a norma, pois, para além de ser imperativo o respeito pelo princípio da separação de poderes, também o julgador está obrigado ao cumprimento da lei. Fazer opções legislativas em função dos interesses socioeconómicos que se se procura assegurar é uma faculdade que assiste ao legislador. É evidente que as várias normas têm destinatários delimitados, os regimes não se aplicam a todo o universo potencial de sujeitos, há distinções, há fronteiras, há períodos temporais distintos, sendo tudo isto inerente ao devir legislativo e à concretização de diferentes objetivos, jamais podendo o intérprete substituir-se ao legislador. Pode em situações de manifesta inconstitucionalidade, desaplicar uma norma, mas jamais formatar a norma de acordo com as convicções que tenha e, sobretudo, para servir uma situação concreta. Por outras palavras, o julgador tem a faculdade de questionar a norma no plano constitucional, mas jamais pode promover a sua adaptação/alteração com base no questionar do seu fundamento, que apesar de poder ser naturalmente discutível, cabe, legitimamente, ao legislador determinar. Invoca-se na sentença recorrida a violação do artigo 266.º, n.º 2, da CRP, que determina que «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé». O que não parece que esteja em causa. Aliás, é uma decorrência deste preceito que os órgãos e agentes administrativos, como a Autoridade Tributária, estejam subordinados à lei, designadamente à aplicação da norma transitória em causa e, não obstante terem na sua atuação de respeitar a igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé, jamais poderão apreciar a conformidade das normas com a CRP. O que é, com efeito, assumido na própria decisão recorrida («a anulação de um acto tributário baseado na aplicação de uma norma declarada ou julgada inconstitucional não configurava erro imputável aos serviços da AT, porquanto a AT estaria sujeita ao princípio da legalidade, encontrando-se fora do seu âmbito de competências a apreciação da conformidade das normas fiscais à CRP»). Relativamente à atuação do legislador materializada no preceito sob discussão, também não se nos afigura que seja infringido o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, designadamente os que têm atinências mais estreitas com princípio da igualdade, como são os referidos na sentença recorrida e que a ele se reconduzem. A propósito deste princípio, importa lembrar o que ensinam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição revista, da Coimbra Editora), que afirmam que no apuramento das violações ao princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que «(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. No mesmo sentido, o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar, em vários Acórdãos, que o princípio da igualdade não proíbe, em absoluto, as distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento justificativo e racional, e, no essencial, o que ele impõe é uma proibição do arbítrio e da discriminação sem razão atendível, postulando que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento diferente para situações de facto desiguais (cfr, entre muitos outros, os seus Acórdãos nºs 195/07, de 14/03/2007, 210/07, de 21/03/2007, 254/07, de 30/03/2007). A este propósito, é importante dizer que, se a incursão pelos trabalhos preparatórios não releva para interpretação, tem pelo menos a utilidade de ajudar a perceber que o critério, apesar de político e marcado por uma natural subjetividade, existe, e tem uma racionalidade própria, não podendo, em linha com o que vem sendo exposto, ser posto em causa pelo julgador. Consideramos, portanto, que o facto de a liquidação ter sido emitida numa data anterior a 1 de janeiro de 2011, não permite que lhe possa ser aplicado o artigo 43.º, n.º 3, alínea d), não sendo, por isso, devidos juros indemnizatórios.
4. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente na parte referente aos juros indemnizatórios. Custas pela Recorrida |