Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0199/23.8BEALM |
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Data do Acordão: | 01/15/2025 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | DULCE NETO |
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Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL NÃO ADMISSÃO DO RECURSO |
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Sumário: | ![]() |
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Nº Convencional: | JSTA000P33111 |
Nº do Documento: | SA2202501150199/23 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. A..., S.A., com os demais sinais dos autos, recorre do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27.06.2024, que negou provimento ao recurso da sentença do TAF de Almada que julgara extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à impugnação judicial que instaurou tendo por objecto a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 22000380, referente ao 3.º trimestre de 2011, no montante de 161.600,64 €. 1.1. Formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo: DA QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO I. É consabido, que todas as decisões são passíveis de controlo por uma instância superior. II. A Lei obriga e a constituição exige que seja sempre assegurado o acesso a um duplo grau de jurisdição. III. Apesar da lei ordinária não raras vezes procurar delimitar a possibilidade de recurso, a Lei fundamental concede sempre uma via de recurso, assegurando assim o acesso a um duplo grau de jurisdição – sempre que em causa estejam situações que possam constituir uma limitação ao direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. IV. Pois, a Recorrente pretende sindicar perante um Tribunal superior a decisão proferida por um Tribunal inferior. V. Só concedendo tal direito à Recorrente se poderá ter por assegurado o direito constitucionalmente consagrado ao duplo grau de jurisdição. VI. O artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que: 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. VII. O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa determina que: 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. VIII. A não admissão do recurso interposto pela Recorrente consubstanciará assim, na ótica da recorrente uma supressão do direito ao recurso e, por conseguinte, uma violação ao estabelecido no nº 2 do artigo 18.º da CRP e, bem assim, ao artigo 20.º da CRP. IX. Daí que o recurso interposto da decisão do TCAS para o Colendo Supremo Tribunal Administrativo deve ser admitido e ulteriormente apreciado por esta instância superior. SEM PRESCINDIR, X. Caso assim não se entenda, o que nem por mera hipótese se concede, deverá a interpretação normativa do artigo 285.º do CPPT no sentido da não admissibilidade de recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo deve ser julgada inconstitucional por violação do artigo 18.º da CRP (Força jurídica) e 20.º da CRP (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) – inconstitucionalidade que já aqui se deixa arguida nos termos e para os efeitos do artigo 70.º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO XI. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso interposto pela Recorrente. XII. Para tanto, a decisão em mérito considerou inexistir qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo naquilo que se refere ao conhecimento do mérito da causa, independentemente da anulação da liquidação sindicada. XIII. E, porque não se conforma com o entendimento ali perfilado, vem, mais uma vez, recorrer do mui douto aresto ali proferido. XIV. Os presentes autos emergem da notificação da liquidação em sede de IVA por referência ao período de tributação de 201103T. XV. Tal liquidação adicional é o culminar da ação inspetiva e cujo valor adicionalmente liquidado era aquele que já constava do projeto de relatório final. XVI. Valor esse, que se diga, tem perfeita identidade com aquele que consta do Processo nº 189/12...., que corre termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ... e no qual a Recorrente está a ser julgada pelo crime de fraude fiscal qualificada p. e p. nos termos dos artigos 103.º e 104.º do RGIT. XVII. Analisada a factualidade subjacente à liquidação sindicada e, concomitantemente, a factualidade integrante do processo-crime Proc. nº 189/12.... – ambas as situações convergem entre si. XVIII. Pois, a factualidade é exatamente a mesma, o que só por si, consubstancia uma questão prejudicial subsumível no artigo 47.º do RGIT. XIX. Não obstante disso, e uma vez apresentada a impugnação judicial veio a Administração Fiscal anular o ato de liquidação sindicado. XX. É precisamente aqui que reside o dissenso da Recorrente, na medida em que impunha-se a extração de efeitos jurídicos do ato de liquidação visto que o mesmo produziu efeitos na ordem jurídica, sendo que tais efeitos se repercutiram na esfera jurídica da Recorrente. XXI. E, por essa razão, entende a Recorrente que a decisão sobre a impugnação judicial não se poderia nunca deter por questões formais (inutilidade superveniente). XXII. Antes sim, ir ao fundo da questão, após a produção de toda a prova que havia sido requerida. XXIII. Até porque, reitere-se, a questão subjacente aos presentes autos, consubstancia causa prejudicial relativamente ao processo-crime (Proc. 189/12....) nos termos do artigo 47.º do RGIT, motivo pelo qual, tal processo-crime foi suspenso até à decisão do presente pleito. XXIV. Não obstante disso, e, apensar de toda a alegação expendida pela Recorrente, o Tribunal Administrativo e Fiscal, mas também, o aqui Tribunal recorrido não foram mais além, circunscrevendo a sua atuação a questões que não contendem com o mérito da causa. XXV. Temos assim para nós que apenas o conhecimento do mérito da causa permitiria a integral reposição da legalidade, XXVI. Tal como permitiria o apuramento concreto da situação jurídico tributária com relevantíssima repercussão no processo-crime onde a aqui Recorrente vem sendo perseguida. XXVII. Ora, não tendo o Tribunal enveredado pelo conhecimento de tais questões, não obstante de tal ter sido solicitado pela Recorrente, resulta manifesto que existe uma clara omissão de pronúncia. XXVIII. Demonstrando-se, assim, violado o elenco normativo integrado pelos artigos 615.º, nº 1, alínea d) do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPC e o artigo 47.º do RGIT, decorrente da omissão de pronúncia quanto ao conhecimento do mérito da impugnação judicial e, concomitantemente, o apuramento da concreta situação jurídica da Recorrente por a mesma contender com o processo-crime contra si pendente no Juízo Central Criminal ... – Juiz ... (Proc. nº 189/12....). POR OUTRO LADO, XXIX. A impugnação judicial apresentada pela Impugnante ser integralmente apreciada, não obstante da anulação do ato de liquidação adicional. XXX. Porquanto, a anulação da liquidação adicional produziu efeitos na esfera jurídica da Impugnante, XXXI. E, os efeitos da ulterior anulação, como resulta das próprias regras do direito, apenas produz efeitos após a anulação, ou seja, ex nunc. XXXII. Isto posto, é inegável a produção de efeitos produzidos pela liquidação adicional, efeitos esses que foram sindicados pela Recorrente e que deveriam ter sido apreciados, não obstante da anulação do ato de liquidação do tributo. XXXIII. Com efeito, a anulação do ato de liquidação sindicado, não poderá em todo o caso constituir uma causa de extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPP, porquanto, a matéria sindicada produziu efeitos jurídicos na esfera da Recorrente e essa matéria contente com o processo crime em curso (Proc. nº 189/12....) fazendo, por isso, acionar o normativo previsto no artigo 47.º do RGIT. XXXIV. E, em face do circunstancialismo exposto, deve o artigo 277.º, alínea e) do CPC, quando interpretada no sentido do não conhecimento do mérito da causa, em decorrência de uma ulterior anulação da liquidação sindicada, no caso da mesma constituir causa prejudicial relativamente ao processo penal nos termos do artigo 47.º do RGIT, deve ser julgada inconstitucional por impedir o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, ínsito no artigo 20.º (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) e por violar os direitos de defesa artigo 32.º (garantias de processo criminal) ambos da Constituição da República Portuguesa XXXV. Devendo, no seguimento do exposto, ser revogada a douta decisão recorrida. XXXVI. Devendo, no seguimento do exposto, ser revogada a douta decisão recorrida. SEM PRESCINDIR, XXXVII. E, caso assim não se entenda, deve a interpretação do elenco normativo integrado pelas disposições dos artigos 615.º, nº 1, alínea d) do CPC e 47.º do RGIT, quando interpretados no sentido de uma vez anulado o ato de liquidação não pode o Tribunal conhecer do mérito da impugnação judicial apresentada contra tal liquidação e para apuramento da concreta situação jurídico tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal, deve ser declarada inconstitucional por violação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP) e reflexamente a violação das garantias de defesa em processo criminal (artigo 32.º da CRP). TERMOS EM QUE Concedendo provimento ao recurso agora interposto e revogando a douta decisão recorrida, farão Vossas Excelências a acostumada, JUSTIÇA!
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que “não compete ao Ministério Público, nesta fase, pronunciar-se quanto à admissibilidade ou não do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de este ser admitido”.
1.4. Cumpre proceder à apreciação liminar sumária a que se refere o n.º 6 do artigo 285.º do CPPT. Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”: 1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.
Tal preceito prevê, assim, a possibilidade de recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito terá de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema. Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário do recurso de revista excepcional não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 08/01/2014, recurso n.º 01522/13 e de 29/04/2015, recurso n.º 01363/14). Também as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto específico do recurso de revista, porquanto para estas existe recurso para o Tribunal Constitucional. O presente recurso vem interposto como se de um recurso de apelação se tratasse, já que em lado algum das suas alegações o recorrente invoca que in casu se verifica algum dos pressupostos de que a lei faz depender a admissão do recurso, a saber: que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. o n.º 1 do artigo 285.º do CPPT). Ora, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que nada alegando o recorrente quanto à verificação, no caso concreto, de algum dos pressupostos legais do recurso, e não sendo também evidente ou manifesta a importância jurídica ou social fundamental da questão decidenda ou a clara necessidade da revista “para melhor aplicação do direito”, o recurso não poderá ser admitido. Acresce que, como se disse já, as questões de inconstitucionalidade também não constituem objecto específico do recurso de revista, mercê da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional. Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não se verificam os requisitos de admissão do recurso de revista expressos no artigo 285.º, n.º 1 do CPPT. No mesmo sentido, os Acórdãos desta formação de 06.11.2024, recursos n.ºs 197/23.1BEALM e 208/23.0BEALM e de 27.11.2024, recurso n.ºs 200/23.5BEALM, 204/23.8BEALM e 207/23.2BEALM.
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no n.º 6 do artigo 285.º do CPPT, em não admitir a revista. Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2025. - Dulce Neto (relatora) - Isabel Marques de Silva - Francisco Rothes. |