Texto Integral: | PROCESSO Nº 3/12.2BEPDL
1.RELATÓRIO
1.1. A…….., S.A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que negou provimento à impugnação judicial do acto de indeferimento da reclamação graciosa, apresentada contra liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios (dezembro 2007 a dezembro de 2008)
1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A) Pela sua natureza e enquadramento jurídico face às normas que as instituíram e regulamentaram, as ajudas, aqui em causa, concedidas à recorrente ao abrigo do Programa Poseima, constituem subvenções que, contrariamente ao entendimento da douta sentença recorrida, não estão diretamente relacionadas com o preço das operações, na acepção do Artigo 73° da Diretiva IVA (nem do Artigo 11.°A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva).
B) Embora não seja conhecida jurisprudência especificamente sobre as ajudas do Programa Poseima, existe uma larga jurisprudência do TJUE sobre a interpretação da norma do artº 73° da Diretiva IVA (bem como do anterior artº 11°, A), n° 1, a), da Sexta Diretiva, com a mesma redação). E essa jurisprudência, do TJUE e também do STA, contrariamente ao julgamento feito pela sentença recorrida, vai, clara e uniformemente, no sentido de uma interpretação restritiva da norma, concretamente quanto aos pressupostos da noção normativa de "subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações". O que reforça a legítima conclusão de que as ajudas ao abrigo do Programa Poseima, de acordo com tal jurisprudência, não podem ser tratadas como subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações, para efeitos da sua subsunção na norma do artº 73° da Diretiva e, consequentemente, não podem ser sujeitas a tributação em sede de IVA.
C) O legislador do artº 34°, n° 4, da Lei n° 127-B/97, de 20 de Dezembro, ao vir equiparar, formalmente, as ajudas do Poseima às subvenções contempladas no artº 16°, n° 5, alínea c), do CIVA, apenas para efeitos da sua tributação, veio reconhecer, expressamente, que tais ajudas, na sua substância e materialidade, não são subvenções diretamente conexas com o preço das operações.
D) Não sendo, materialmente, subvenções diretamente conexas com o preço das operações, as ajudas do Poseima não têm enquadramento no conceito de subvenções tributáveis em IVA previstas no artº 73° da Diretiva IVA, pelo que não podem ser sujeitas a este imposto.
E) Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o artº 34°, nº 4, da Lei n° 127-B/97, de 20 de Dezembro, ao equiparar as ajudas do Poseima às subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações, para efeitos de tributação em IVA, é uma norma inválida face ao Direito Comunitário, por ilegalidade material, por violação do artigo 73° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Diretiva IVA) e do anterior artigo 11.° A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva, bem como, contraria toda a jurisprudência do TJUE sobre a interpretação daquelas normas.
F) Por todo o exposto, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito, por erro de interpretação e determinação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que deverá ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a impugnação procedente, por provada e, consequentemente, determine a anulação da liquidação impugnada, por ilegalidade. Conforme peticionado.
G) Normas jurídicas violadas pela sentença recorrida:
- artigo 73° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Diretiva IVA) e do anterior artigo 11.° A, n.º 1, alínea a), da Sexta Diretiva.
Colendos Juízes Conselheiros,
Ao contrário do julgamento que, desta questão, fez a douta sentença recorrida, entende a recorrente que a jurisprudência do TJUE aqui citada vai, claramente, no sentido de que as ajudas comunitárias em causa, concedidas à recorrente ao abrigo do Programa Poseima, não revestem a natureza de subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações, pelo que não integram o valor tributável para efeitos de IVA, sendo essa a interpretação que deverá ser feita do artº 73º da atual Diretiva IVA.
No entanto, no caso de V. Exas., Colendos Juízes Conselheiros, entenderem que não existe uma resposta clara quanto à questão de saber se as ajudas concedidas ao abrigo do Programa Poseima são ou não subsumíveis no conceito de "subvenções diretamente relacionadas com o preço das operações", para efeitos do disposto no artº 73° da Directiva IVA, entende a recorrente que deverá esse Supremo Tribunal proceder ao reenvio prejudicial da questão em análise, e de outras questões que entenda suscitar, para o TJUE, conforme previsto no artigo 19.°, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.°, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
O QUE SE REQUER.
Nestes termos e nos melhores de Direito ao caso aplicáveis que V. Exas, Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, comprovando-se que a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, não podendo a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a impugnação procedente.
V. Exas., porém, melhor decidirão, julgando conforme for de JUSTIÇA!
1.3. A Fazenda Pública apresentou contra-alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
Entende a recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, por erro de interpretação e determinação das normas jurídicas aplicáveis.
E sustenta esta tese - em síntese - no facto de as ajudas concedidas à recorrente ao abrigo do Programa Poseima constituírem subvenções que não estão diretamente relacionadas com o preço das operações, na aceção do Artigo 73.° da Diretiva IVA (nem do Artigo 11.º A, n. ° 1, alínea a), da Sexta Diretiva e, desta forma, não poderem ser sujeitas a tributação em sede de IVA.
Mais acrescenta que o legislador do artigo 34.°, n.º 4, da Lei n° 127-B/97, de 20 de Dezembro, veio reconhecer que tais ajudas não são subvenções diretamente
conexas com o preço das operações, ao equiparar as ajudas do Poseima às subvenções contempladas no artigo 16.°, n.º 5, alínea c), do CIVA, apenas para efeitos da sua tributação.
Entende, pois, que o artigo 34.°, n.º 4, da Lei n° 127-B/97, de 20 de Dezembro, é uma norma inválida face ao Direito Comunitário, por ilegalidade material.
Por seu turno, a Fazenda Pública conclui que:
A) A sentença recorrida - após aturada análise - sintetiza o seu exame nas seguintes premissas: os pagamentos efetuados à recorrente ao abrigo do programa POSEIMA, são provenientes de fundos da União Europeia; estes pagamentos destinam-se a minorar o impacto dos sobrecustos de abastecimento em produtos agrícolas essenciais para o consumo ou a transformação na região dos Açores; existe repercussão ao nível dos custos de produção e ao nível dos preços ao consumidor; e o benefício do regime específico de abastecimento fica subordinado à repercussão efetiva, até ao utilizador final, da vantagem económica resultante da isenção do direito de importação ou da ajuda, sendo que os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar o cumprimento do regulamento, considerando o pagamento das subvenções ao abrigo do programa Poseima subsumíveis a IVA.
B) Efetivamente, a norma introduzida no Orçamento de Estado para 1998 equiparou as ajudas POSEIMA a subvenções diretamente conexas com o preço das operações, pelo que os beneficiários daquelas ajudas são obrigados a liquidar o IVA referente às ajudas recebidas.
C) O facto de as normas comunitárias não terem enquadrado tais subvenções como ajudas à produção veio permitir que o legislador português enquadrasse e viesse a equiparar tais subvenções como diretamente conexas com o preço das operações.
D) A norma da citada Lei do Orçamento não contende com qualquer norma do Direito Comunitário a que, por força do primado do direito convencional, haja de ser dada prevalência.
E) Nesse sentido decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de setembro de 2010, no âmbito do processo n.º 03740/10, da Secção de Contencioso Tributário, 2.° Juízo, consultável em www.dgsi.pt.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., Colendos Conselheiros, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, por inexistência de qualquer erro de julgamento em matéria de direito, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
1.4.O Ministério Público emitiu parecer no sentido da suscitação de questão prejudicial para apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) da conformidade com o direito comunitário das ajudas comunitárias concedidas à recorrente no âmbito do Programa Poseima quanto à natureza de subvenção directamente relacionada com o preço de cada operação e a sua integração no valor tributável em IVA (art.73º Directiva 2006/112/CEE, do Conselho, 28 novembro 2006 - Directiva IVA) (processo físico fls.87/88)
1.5.Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1) A sociedade A……….., S.A, tem sede na rua ………., nº…….., 9500-….., Ponta Delgada, dedicando-se à atividade de indústria de moagem de cereais, massas alimentícias, bolachas e alimentos compostos para animais, assim como a exploração da pecuária e das indústrias consideradas complementares ou afins do mencionado objeto e a comercialização dos respetivos produtos (por acordo).
2) No âmbito da sua atividade, a impugnante tem introduzido na Região Autónoma dos Açores, mercadorias para abastecimento, destinadas à transformação, que beneficiaram da ajuda estabelecida no Programa Comunitário de Opções Específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade da Madeira e dos Açores (POSEIMA) (por confissão).
3) A sociedade A………., S.A, não liquidou o IVA sobre os subsídios recebidos ao abrigo do programa POSEIMA, dos exercícios de 2007 e 2008, respetivamente nos valores de € 936.255,48 e € 2.158.519,56 (confissão e fls. 34 do processo administrativo).
4) Ao abrigo da Ordem de Serviço n,º OI201000389, de 26 de outubro de 2010, a sociedade A………….., S.A., foi objeto de uma ação inspetiva (fls. 34 do processo administrativo).
5) Em consequência da ação inspetiva, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada efetuou as seguintes liquidações adicionais do IVA e respetivos juros compensatórios:
- período de 0712, liquidação n.º 11045708, no valor de € 6.313,21, e liquidação de juros compensatórios nº 11045709, no valor de € 766,58.
- período de 0802, liquidação n.º 11045710, no valor de € 28.557,41, e liquidação de juros compensatórios n.º 11045711, no valor de € 2.823,09.
- período de 0803, liquidação n.º 11045712, no valor de € 10.191,19, e liquidação de juros compensatórios n.º 11045713, no valor de € 1.135,83.
- período de 0804, liquidação n.º 11045714, no valor de € 11.757,31, e liquidação de juros compensatórios nº 11045715, no valor de € 1.271,72.
- período de 0805, liquidação n.º 11045716, no valor de € 5.600,66, e liquidação de juros compensatórios nº 11045717, no valor de € 587,99.
- período de 0807, liquidação n.º 11045718, no valor de € 1.690,36, e liquidação de juros compensatórios nº 11045719, no valor de € 165,98.
- período de 0808, liquidação n.º 11045720, no valor de € 5.053,32, e liquidação de juros compensatórios nº 11045721, no valor de € 479,58.
- período de 0810, liquidação n.º 11045722, no valor de € 21.511,21, e liquidação de juros compensatórios nº 11045723, no valor de € 1.897,70.
- período de 0812, liquidação n.º 11045724, no valor de € 8.743,22, e liquidação de juros compensatórios n.º 11045725, no valor de € 711,91.
(cfr. fls. 11 a 28 do processo administrativo).
6) A liquidação n.º 11045708 e liquidação de juros compensatórios nº 11045709, foram enviadas para sociedade A…………, S.A, através dos registos postais n.º RY938810617PT e n.º RY938821835PT (fls. 11 e 20 do processo administrativo).
7) A liquidação n.º 11045710 e liquidação de juros compensatórios n.º 11045711, foram enviadas para sociedade A…………, S.A, através dos registos postais n.º RY938811440PT e n.º RY938822601PT (fls. 12 e 21 do processo administrativo).
8) A liquidação n.º 11045712 e liquidação de juros compensatórios n.º 11045713, foram enviadas para sociedade A……….., S.A, através dos registos postais n.º RY938811609PT e n.º RY938822748PT (fls. 13 e 22 do processo administrativo).
9) A liquidação n.º 11045714 e liquidação de juros compensatórios nº 11045715, foram enviadas para sociedade A…………., S.A, através dos registos postais n.º RY938812374PT e n.º RY9388234348PT (fls. 14 e 23 do processo administrativo).
10) A liquidação n.º 11045716 e liquidação de juros compensatórios nº 11045717, foram enviadas para sociedade A……….., S.A., através dos registos postais n.º RY938812516PT e n.º RY938823553PT (fls. 15 e 24 do processo administrativo).
11) A liquidação n.º 11045718 e liquidação de juros compensatórios nº 11045719, foram enviadas para sociedade A………….., S.A., através dos registos postais n.º RY938813508PT e n.º RY938824430PT (fls. 16 e 25 do processo administrativo).
12) A liquidação n.º 11045720 e liquidação de juros compensatórios nº 11045721, foram enviadas para sociedade A…………, S.A., através dos registos postais n.º RY938813675PT e n.º RY938824576PT (fls. 17 e 26 do processo administrativo).
13) A liquidação n.º 11045722 e liquidação de juros compensatórios nº 11045723, foram enviadas para sociedade A………., S.A., através dos registos postais n.º RY938814619PT e n.º RY938825421PT (fls. 18 e 27 do processo administrativo).
14) A liquidação n.º 11045724 e liquidação de juros compensatórios nº 11045725, foram enviadas para sociedade A……………, S.A., através dos registos postais n.º RY938814905PT e n.º RY938825687PT (fls. 19 e 28 do processo administrativo).
15) A data limite de pagamento voluntário das liquidações descritas supra ocorreu a 31 de maio de 2011 (cfr. fls. 11 a 28 do processo administrativo).
16) Em 13 de setembro de 2011, a sociedade A…………, S.A., apresentou uma reclamação graciosa contra os atos de liquidação do IVA referenciados de 6) a 14) (cfr. fls. 4 a 8 do processo administrativo).
17) Em 21 de dezembro de 2011, o Diretor de Finanças de Ponta Delgada decidiu indeferir a reclamação graciosa (cfr. fls. 64 do processo administrativo).
18) A Direção de Finanças de Ponta Delgada enviou o ofício n.º 5861, dirigido à sociedade A……….., S.A, através da carta registada com aviso de receção n.º RM819522734PT, cujo talão de receção se mostra assinado a 23 de dezembro de 2011 (cfr. fls. 71 e 73 do processo administrativo).
2.2. DE DIREITO
2.2.1. Reenvio prejudicial
Sendo o deferimento do pedido formulado pelo Ministério Público de reenvio para o TJUE, para pronúncia sobre questão prejudicial, determinante da suspensão da instância, a sua apreciação logra precedência lógica sobre a apreciação imediata do mérito da causa, (cf. relatório 1.3.)
Dispõe o art.267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE):
“o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgãos jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.(…)”.
O art.267º TFUE confere ao órgão jurisdicional nacional uma larga margem de apreciação quanto à necessidade de pronúncia do TJUE sobre a questão prejudicial para o julgamento da causa.
O terceiro parágrafo do preceito pretende evitar que se estabeleça divergência das jurisprudências dos tribunais superiores dos Estados-Membros com a interpretação de normas de direito comunitário efectuada pelo TJUE
Sobre a matéria interessa observar as recomendações aos órgãos jurisdicionais divulgadas pela Recomendação nº 2012/C 338/01 do TJUE (publicada no Jornal Oficial da União Europeia, C 338/1, 6.11.2012):
Ponto 7: O papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobe a sua validade e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação e aplicação das regras de direito nacional.
Ponto 12: O pedido de reenvio a título prejudicial impõe-se sempre que, não sendo a decisão a proferir passível de recurso judicial no direito interno, se suscitem dúvidas interpretativas do direito da União, excepto quando já exista jurisprudência na matéria ou quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco
Ponto 13: Um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correcta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece
No caso concreto não se procede ao pretendido reenvio prejudicial porque a compatibilidade da norma de direito interno aplicada na solução da causa (art.16º nº 5 al. c) CIVA) com o art. 73º da Directiva 2006/112/CE, 28 novembro 2006-Directiva IVA (em vigor na data das liquidações do imposto impugnadas) não suscita ao tribunal dúvida interpretativa razoável que justifique a intervenção do TJUE para o seu esclarecimento, como se evidenciará na análise da questão decidenda
2.2.2. Questão decidenda: inclusão no valor tributável em IVA das subvenções recebidas pelo sujeito passivo no âmbito do programa POSEIMA (art. 16º nº 5 al. c) CIVA;
2.2.2.1. Apreciação jurídica
Para a solução da questão decidenda convocam-se as seguintes premissas argumentativas:
1ª O programa comunitário POSEIMA (instituído pela Decisão do Conselho 91/315/CEE, 26 junho 1991),considerando o atraso estrutural importante da Região Autónoma dos Açores, agravado por dificuldades específicas (insularidade, perifericidade, superfície reduzida, relevo e clima difíceis) tem como objectivo o reforço do apoio da Comunidade para garantir que os Açores participem plenamente na dinâmica do mercado interno; neste contexto prevê um regime específico de abastecimento de produtos, dentro dos limites das necessidades do mercado do arquipélago e tendo em conta as produções locais e as correntes de troca tradicionais;
2ª O valor tributável em IVA das transmissões de bens e das prestações de serviços inclui as subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando-se como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume de serviços prestados e que sejam fixadas anteriormente à realização das operações (art.16º nº 5 al. c) CIVA);
3ª As ajudas concedidas no âmbito do programa POSEIMA são equiparadas a subvenções directamente conexas com o preço das operações, nessa medida incluídas no valor tributável em IVA (art.34º nº 4 Lei nº 127-B/97, 20 dezembro – Lei OGE 1998);
4ª A consonância da norma nacional citada com o regime do programa POSEIMA em consequência de:
-as ajudas ao abastecimento no âmbito do programa deverem ser repercutidas, designadamente, nos preços ao consumidor (Decisão do Conselho 91/315/CEE, 26 junho 1991 ponto 9.1 e 9.2 do programa);
- o benefício do regime específico de abastecimento ficar subordinado à repercussão efectiva, até ao utilizador final, da vantagem económica resultante da ajuda, o que significa a necessidade de incorporação da ajuda no valor tributável do produto final a pagar pelo adquirente (Regulamento nº 247/2006, do Conselho 30 janeiro 2006 Preâmbulo § 7º e art.3º nº4 )
5ª A incorporação das subvenções pagas aos sujeitos passivos beneficiários do programa comunitário na base de incidência do IVA tem por objectivo submeter ao imposto a totalidade do valor dos bens e das prestações de serviços, deste modo evitando que o pagamento da subvenção dê origem a menos receita do imposto, por previsível redução do preço pago pelo consumidor final (acórdão TJUE 15 julho 2004 processo nº C-381/01 parágrafo 27)
6ª Este mecanismo permite a tendencial recuperação do montante das subvenções por via do imposto repercutido e pago pelo utilizador final do produtos ou beneficiário do serviço: embora o IVA não seja um recurso próprio comunitário, a respectiva matéria tributável serve de base ao cálculo das contribuições financeiras dos Estados-Membros, através da aplicação de uma taxa uniforme (Decisão nº 2000/597/CE, do Conselho, 29 setembro 2000, relativa ao sistema dos recursos próprios das Comunidades Europeias)
7ª A norma constante do art.34º nº 4 Lei nº 127-B/97, 20 dezembro não viola o art.73º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, 28 novembro 2006 (Directiva IVA), o qual expressamente prevê como compreendido no valor tributável das entregas de bens e das prestações de serviços as subvenções directamente relacionadas com o preço de tais operações
8ª Tendo o legislador, no exercício da sua liberdade de conformação normativa, expressamente equiparado as ajudas comunitárias concedidas no âmbito do programa POSEIMA a subvenções directamente conexas com o preço das operações para efeito da sua inclusão no valor tributável em IVA, é irrelevante para a decisão da causa a análise da natureza económica daquelas (designadamente em função da sua estrutura e registo contabilístico)
A conjugação das premissas enunciadas aponta no sentido da conformidade com o art.73º Directiva 2006/112/CE, do Conselho, 28 novembro 2006 (Directiva IVA) da norma constante do art.34º nº 4 Lei nº 127-B/97, 20 dezembro (Lei OGE 1998), que equipara as ajudas concedidas no âmbito do Programa POSEIMA a subvenções directamente relacionadas com o preço das operações, para efeitos da sua subsunção à previsão da norma constante do art.16º nº 5 al. c) CIVA
3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida
Custas pela recorrente
Lisboa, 27 de novembro de 2019. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia. |