Texto Integral: | Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – RELATÓRIO
Inconformada vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal, da decisão do M.mº Juíz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação interposta pela A……….., Ldª, melhor identificada nos autos, contra a decisão da Administração Tributária que lhe indeferiu a reclamação graciosa sobre a liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 1994.
A recorrente, Fazenda Pública apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou parcialmente procedente a Impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra a decisão da Administração Tributária que lhe indeferiu a reclamação graciosa que teve por objecto a liquidação adicional de IRC do exercício de 1994 n.º 8910014368 e de valor nulo (0$00), peticionado a revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, bem como a anulação da citada liquidação adicional.
4.2. O Ilustre Tribunal “a quo” considerou, na decisão ora em crise, em suma, e no que diz respeito à questão da desconsideração pela Administração Tributária como custos do exercícios dos créditos considerados incobráveis pela impugnante, que tais créditos teriam de se considerar como incobráveis e, como tal, serem admitidos enquanto custos do exercício, considerando, assim, que correcção propugnada na acção inspectiva enferma de erro de interpretação do artigo 37.º do CIRC, vigente à data do facto tributário, e de consequente qualificação dos factos.
4.3. Mais considerou o Ilustre Tribunal “a quo”, e agora no que à questão do indeferimento da pretensão aduzida pela ora recorrida na reclamação graciosa diz respeito, que a fundamentação da mesma é ilegal e lesiva dos interesses da reclamante, pois a Administração Tributária não poderia indeferir tal reclamação com fundamento diverso do invocado no relatório inspectivo e determinante da liquidação adicional posta em crise pela então reclamante.
4.4. Finalmente, decidiu o Tribunal a quo ser a questão da prescrição alegada pela impugnante matéria impertinente para os autos, pois que, não havendo imposto a pagar ao Estado por parte da impugnante, não existe divida tributária e, por isso, nenhuma questão de prescrição se coloca.
4.5. Considerou a Administração Tributária que parte dos créditos tidos pela ora impugnante como incobráveis, para efeitos fiscais, em verdade não o poderiam ser, por não se encontrarem devidamente demonstrada a sua incobrabilidade, uma vez que a impugnante não havia apresentado prova bastante dessa mesma incobrabilidade — concretamente, não apresentou as decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas em processo judicial de cobrança, falimentar ou de recuperação do devedor.
4.6. Entendeu o Tribunal a quo, na decisão ora em crise, que tal incobrabilidade se encontrava demonstrada pela pendência dos processos judiciais de recuperação de empresa dos devedores da impugnante, não exigindo o normativo constante do artigo 37.º do então vigente CIRC, como modo específico de evidenciar a incobrabilidade, uma decisão judicial transitada desses processos.
4.7. É este entendimento do Ilustre Tribunal a quo com o qual a Representação da Fazenda Pública não concorda, sendo este segmento decisório o objecto do presente recurso.
4.8. É entendimento da Representação da Fazenda Pública que a incobrabilidade dos créditos em questão apenas se verificará, no processo de recuperação de empresa face às providências devidamente homologadas ou, no processo de falência, após a distribuição do produto da liquidação, pelo que só posteriormente a essas datas a totalidade ou a parte do crédito poderão ser considerados como custo ou perda.
4.9. E esta é a interpretação, no entender da Representação da Fazenda, correcta do artigo 37.º do citado CIRC, considerando o legislador que apenas com uma decisão judicial definitiva se estabeleça, para efeitos do disposto no artigo 37.º do CIRS, a incobrabilidade do crédito, nos casos de existência de processos judiciais de falência, recuperação ou de execução.
4.10. E a firmar esta ratio encontra-se o n.º 3 do artigo 119 do revogado — mas vigente à data dos factos tributários constantes dos autos — Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), onde se postula, no que se refere à medida de redução de créditos, que “o valor dos créditos que for objecto de redução, por força de qualquer providência de recuperação da empresa devidamente homologada, é dedutível como prejuízo fiscal de um ou mais dos cinco exercícios posteriores à data da homologação, do lucro tributável do respectivo credor, para efeito de determinação da matéria colectável de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas.
4.11. E isto porque só após a fixação, a consolidação na ordem jurídica, da situação dos créditos do credor/reclamante/exequente no processo judicial de falência, recuperação de credor ou execução é que é possível aferir acerca da (in)cobrabilidade dos mesmos — ou seja, com o trânsito em julgado das decisões judiciais que versam sobre a sorte dos créditos reclamados/exequendos, e não basta apenas a pendência dos referidos processos em juízo para sem mais, se concluir pela incobrabilidade dos créditos reclamados ou em execução nos competentes autos judiciais.
4.12. Os créditos dos presentes autos, considerados incobráveis pela impugnante e desconsiderados pela Administração Tributária, para efeitos do disposto no artigo 37.º do CIRC, refira-se que durante a vida dos processos de recuperação de empresa onde tais créditos foram reclamados — ou seja, antes do transito em julgado das decisões que neles sejam proferidas — podem ocorrer uma série de vicissitudes que podem determinar a (in)cobrabilidade dos créditos em questão, tais como:
- reclamação dos mesmos, desde logo;
- montante total dos créditos reclamados nos autos;
- existência de bens penhoráveis do devedor e o seu valor;
- Providências adoptadas no âmbito da recuperação do devedor, etc.
4.13. Para se aferir correctamente, à luz da ratio do artigo 37.º do novo CIRC, se os créditos da impugnante não considerados incobráveis pela Administração Tributária, o eram ou não efectivamente, era necessário que demonstrasse, através de sentença judicial transitada, a impossibilidade de cobrança de tais créditos.
4.14. É entendimento da Representação da Fazenda, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que tal demonstração de incobrabilidade não foi feita pela impugnante, nomeadamente, em sede dos procedimentos administrativos, tanto o de inspecção como o de reclamação graciosa.
4.15. Pelo exposto, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.
Nestes termos,
4.16. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!»
A recorrida, A……….., Ldª apresentou contra alegações com as seguintes conclusões:
«A. A decisão que por esta via é posta em crise resulta de uma impugnação de uma decisão de liquidação adicional de IRC bem como da decisão de indeferimento de reclamação graciosa proferida na sequência daquela liquidação adicional, respeitante ao exercício de 1994.
B. A Impugnante juntou ao processo Administrativo, na sequência de acção inspectiva, certidão das sentenças homologatórias dos processos especiais de recuperação das empresas devedoras cujos créditos foram indicados e tratados como incobráveis para efeitos de serem tidos como custo fiscalmente relevante.
C. A AT não pôs em causa estes factos, mais precisamente a incobrabilidade dos citados créditos.
D. A AT em momento em algum, para além de não ter posto em causa, logrou demonstrar que a Impugnante havia logrado receber alguns daqueles créditos.
E. A AT em sede reclamação graciosa aceitou e reconheceu que tais créditos deveriam e poderiam ser aceites como custos fiscalmente relevante, todavia, e apenas nesse momento veio lançar mão de novos argumentos para manter a anterior decisão.
F. O Tribunal a quo reconheceu que a AT não pode vir (re)fundamentar a posteriori o ato sujeito a alguma forma de impugnação, não porque isso introduza um vicio de falta de fundamentação substantiva do ato pretérito (…) mas porque deita por terra a lógica inerente ao que seja um procedimento por natureza recursivo, como é a reclamação graciosa ou recurso hierárquico (…)”.
G. A AT não pôs em causa nem interpôs recurso de tal parte da decisão recorrenda.
H. Ora, apesar de ter efectuado tal reconhecimento e aceitação, agora, e em sede do presente Recurso, vem a AT dar o dito por não dito, pois, e recorde-se que este é o único ponto em relação ao qual a AT recorre, já depois de ter considerado que a referida incobrabilidade existia e deveria ser aceite, vem a AT assumir posição claramente em venire contra factum proprium.
I. Logo, bem andou o Tribunal a quo quando afirma que a factualidade nem sequer se mostra controvertida pois, com efeito, a Administração Tributária fundou a desconsideração dos custos na invocação do teor de dada norma e documentação que considerou, diremos nós, inicialmente, insuficiente, mas não desconsideração ou refutação de factos.
J. Assim sendo, a questão ora em crise consiste apenas na interpretação do disposto no art° 37° do CIRC, na versão existente à data dos factos, e mais precisamente do entendimento de que tal preceito exigiria, para que o Contribuinte e ora Impugnante pudesse indicar créditos incobráveis como custo fiscalmente relevante, a apresentação de uma certidão judicial de declaração (também ela judicial) comprovativa da incobrabilidade do crédito.
K. O texto da lei constitui o princípio e o limite do processo interpretativo, estabelecendo o n° 2 do art° 9° do Código Civil que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
L. E no seu n° 3, estabelece que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
M. Daí não ser possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 188/189.) (cfr. art. 9º, n.º 2, do Código Civil (CC)).
N. O preceito em causa, contrariamente ao que a AT defende, não exigia como requisito a existência de uma decisão judicial transitada em julgado dos processos de falência e recuperação em que se postulasse a incobrabilidade dos créditos.
O. Ao fazer tal interpretação a AT ultrapassa os limites da lei fazendo impender sobre o contribuinte e Impugnante um ónus que o legislador não só não previu, como claramente entendeu como excessivo e desnecessário, pois bastou-se com a pendência.
P. Contrariamente ao que a AT possa esperar, a Impugnante, enquanto sociedade de cariz comercial, visa o lucro, sendo que a obtenção deste apenas é possível através da venda dos seus produtos aos seus Clientes, esperando que os mesmos honrem, mediante o pagamento do preço, os contratos que são firmados. A Impugnante é, em primeira linha, a maior interessada na obtenção e recuperação dos créditos que lhe são devidos.
Q. A Impugnante, no cumprimento disso mesmo, tudo fez para obter tais créditos, inclusive contratando Advogados para os reclamar judicialmente — no que incorreu em novos custos -, pagando taxas de justiça, mobilizando meios e tempo. Apesar disso foi confrontada perante a falência dos seus credores, o que a levou a, de novo, reclamar judicialmente tais créditos.
R. É facto notório, pacífico e inquestionável que as sociedades que entram em processo de falência é porque já não conseguem obter crédito junto de terceiros, porque têm um património reduzido, e muitas vezes o existente está onerado a favor de alguns credores.
S. São conhecidos, por emergir da lei, que, à data dos factos, o Estado gozava de um conjunto vasto de privilégios creditórios que se mantinham com a declaração, sendo igualmente conhecido que essa realidade foi objecto de alteração com a introdução do CIRE, no qual se procurou dar resposta à constatação de que em larga maioria das situações era o Estado o único, ou quase único, credor a receber parte dos seus créditos. Para além deste, apenas os credores hipotecários recebiam(bem) parte dos créditos.
T. Nesta medida, a projecção de cenários hipotéticos, apenas possíveis no campo da discussão teórica, afigura-se fundamentação absolutamente não aceitável, mas acima de tudo revela que se despreza a consciência daquela realidade por parte do legislador. Este fez uma opção clara ao não exigir uma certificação judicial da incobrabilidade dos créditos para que os mesmos pudessem ser aceites no plano fiscal. Exigência que constituiria sempre uma quase prova diabólica, tendo em conta a morosidade de tal tipo de processos.
U. Em suma, também neste ponto se considera que a sentença recorrida não violou a lei, pelo contrário fez uma aplicação adequada e judiciosa das disposições legais, e que por isso deverá ser mantida.»
O Ministério Público a fls. 629 e seguintes emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência de impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa, tendo por objecto liquidação adicional de IRC (exercício de 1994) de valor zero.
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: interpretação da norma constante do art. 37° CIRC (redacção vigente em 1994), por forma a determinar se apenas devem ser considerados custos ou perdas do exercício os créditos incobráveis como tal declarados por decisão judicial transitada em julgado.
A interpretação da norma controvertida sustentada pela Fazenda Pública (segundo a qual a prova da incobrabilidade do crédito deve ser feita por decisão judicial transitada em julgado) não recolhe apoio mínimo na letra e espírito da norma interpretanda.
Se o legislador exigisse essa espécie de prova teria consagrado o requisito formal na previsão da norma interpretanda, de forma inequívoca.
Para a consideração do crédito como incobrável é suficiente a pendência de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores (no caso concreto), na medida em que representa prova bastante da impossibilidade prática de cobrança, associada frequentemente à clara insuficiência do activo da empresa em recuperação para satisfação dos credores.
A exigência de prova mediante decisão judicial transitada em julgada seria manifestamente desproporcionada ao objectivo da norma e incompatível com a observância do princípio da especialização dos exercícios:
- impedindo a contabilização de custos no ano em que teriam sido suportados;
- projectando a sua contabilização para incertos exercícios futuros, correspondentes aos anos económicos em que as pretendidas decisões judiciais com trânsito em julgado viessem a ser proferidas.
Sobre caso semelhante (créditos em cobrança coerciva mediante processo de execução) pronunciou-se no sentido propugnado o acórdão STA-SCT 10.10.2012 processo n° 782/12
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.»
2 – Fundamentação
O Tribunal Tributário de Lisboa considerou como provados os seguintes factos:
1. A Impugnante, A……….., S.A. [comércio por grosso de produtos químicos, CAE 51550], inscreveu na sua declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do seu exercício de 1994, de 26 de maio de 1995, entre os custos do exercício, entre outras, uma quantia de 45.312.663$00, que representava os seguintes créditos que considerou incobráveis, provenientes dos devedores, e por referência aos processos a cada um deles relativos e nos montantes que a cada um deles concerne:
2. E, anulando esses créditos, porque em anos anteriores provisionados, igualmente a Impugnante inscreveu um proveito extraordinário fiscal de 48.512.000$00, em virtude da correspondente redução das respetivas provisões.
3. Outrossim, no quadro 17 do modelo 22 daquela declaração, para apuramento do lucro tributável a Impugnante deduziu a quantia de 138.305.974$00, em que se incluíam aqueles 48.512.000$00.
4. Na sequência de ação inspetiva levada a cabo pela Administração Tributária em 1996-1997 os valores referidos no quadro acima exposto não seriam aceites no respetivo relatório final, como custos do exercício fiscalmente relevantes, propondo-se daí fossem retirados, por não constarem as sentenças passadas em julgado dos processos de cobrança ou reclamação de tais créditos.
5. Tendo sido sancionada, entre outras, aquela correção, com base nela, nomeadamente, a Administração Tributária veio a elaborar à Impugnante uma declaração oficiosa, modelo DC 22, em 31 de março de 1997 e mais tarde, em 3 de julho de 1997, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, com base nela e referente ao referido ano de 1994, com o n°8910014368, da qual resultou um valor nulo de imposto, 0$00.
6. Notificada de tal liquidação a 17 de julho de 1997, a Impugnante dela apresentou reclamação graciosa em 14 de outubro de 1997, a que coube o n°97/500391.1 no Serviço de Finanças de Lisboa 2 (em cuja área se situava então a sede da Impugnante), pela qual invocou ser a inscrição daqueles custos legal e fiscalmente atendível, seja porque nuns casos devidamente documentada a incobrabilidade da dívida, seja porque no mais estavam os créditos integralmente provisionados os de cobrança duvidosa consideradas incobráveis e, isso, independentemente da existência de processo judicial de cobrança, falimentar, ou de recuperação do devedor, pedindo assim a correspondente anulação parcial daquela liquidação.
7. Percorrida a devida tramitação desse procedimento, no seu termo foi proferida decisão a 21 de novembro de 2001, a qual indeferiu a reclamação, com fundamento em que, pese embora se demonstrasse em parte devidamente documentada a situação de incobráveis de algumas das dívidas acima referidas (as de B………, S.A., C………., L.cb, da D…………, e a de E……….., Suc.rs, L. — não as demais, por não constarem igualmente as sentenças homologatórias dos outros processos), a verdade era também que a Impugnante, já na sua declaração originária, que não fora nessa parte objeto de correção, procedera, no quadro 17 do modelo 22, da declaração de rendimentos que apresentara para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas daquele exercício, à inclusão desses montantes na redução de provisões tributadas (no valor de 138.305.974$00) a que procedera: esses créditos incobráveis já ali constavam deduzidos do apuramento do lucro tributável, pelo que não havia correções a fazer a seu favor.
8. Notificada a 27 de novembro de 2001 desse despacho, a 11 de dezembro seguinte a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.
3- DO DIREITO:
A decisão recorrida, a fls. 493 dos autos, para julgar procedente a impugnação expressou a seguinte fundamentação jurídica que se apresenta por extracto:
(…)
Fixada a factualidade relevante para a primeira questão enunciada, em suma, a da atendibilidade das dívidas incobráveis para efeitos fiscais, como custo do exercício, há então que decidir da bondade da sua desconsideração para aqueles fins, subjacente à fundamentação da liquidação impugnada, que não da decisão emitida depois na reclamação graciosa. Ali fundou-se essa desconsideração sob a invocação do disposto no art.37° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para concluir que os créditos não tinham comprovação da sua incobrabilidade.
Resulta dos factos que a Impugnante tinha constituído provisões integrais dos seus créditos aqui em causa e que no exercício de 1994 os considerou incobráveis, levando-os a custos. A constituição das provisões, compensando tais créditos, baseara-se na perspetiva, que se confirmou, de que era considerado justificado o risco de não serem suscetíveis de boa cobrança, arts.33° n°1 corpo e alínea a) e 34° n°1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de então. E a concretização desse risco adveio da pendência de processos de recuperação ou falência, porque implicam o reconhecimento do crédito, independentemente da sua reclamação e das diligências ou processos judiciais antes promovidos em vista da sua cobrança, citado art.34° n°1 corpo e alínea a). Nesse conspecto, dispõe o art.37° do mesmo diploma que a incobrabilidade pode ser diretamente reconhecida na medida em que resulte de processo falimentar ou de recuperação, ou de execução. Nesse sentido a norma não exige, como modo específico de evidenciar a incobrabilidade, uma decisão judicial transitada desses processos, cfr. Ac. STA de 10X2012, tirado no processo n°0782/12, in www.dgsi.pt. Pode dali concluir-se, sim, é que exige a [demonstração da] pendência [e não rejeição liminar] de tais processos, e a verificação, neles, da falta de satisfação do crédito, e isto porque o Legislador considerou que a pendência dessa tipologia de processos, para os fins em apreço, representa prova suficiente da impossibilidade prática de cobrança, naturalmente associada à inexistência de bens passíveis de penhora, ou de condições para continuar o giro comercial, neles verificada. Por isso que esse circunstancialismo admite, como dito, a inscrição direta da dívida em custos, porque por essa razão tida como incobrável. Sem dúvida que a decisão transitada nesses processos demonstra superlativamente esse circunstancialismo, mas o Legislador não achou necessário exigir tanto, a presença desse momento final, o que bem se compreende, desde logo, pela dilação e distinção que implicaria, dado o curso dos processos dessa tipologia e o seu termo ser as mais das vezes inconciliável com a verificação da incobrabilidade, que o princípio de especialização dos exercícios exige, no que para o caso releva, a atendibilidade imediata do proveito ou do custo naquele em que ele se evidencia como tal, não o seu diferimento para outros exercícios, pelas consequências que poderiam então ter, influindo indevidamente na quantificação do lucro tributável, se a sua contabilização pudesse ser ad libitum inscrita, cfr. a propósito dos constrangimentos temporais das provisões e seu sentido, o comentário do Senhor Professor Saldanha Sanches, in Jurisprudência Fiscal Comentada do Supremo Tribunal Administrativo, Almedina 2001, em comentário ao Ac. STA de 21V1999, tirado no recurso n°23089.
Ora, sendo fundamento da liquidação impugnada, na parte em que o é, a rejeição daquelas dívidas referidas na matéria de facto como incobráveis, e como custos fiscalmente relevantes, louvando-se em que não se encontravam devidamente comprovados, sob interpretação do art.37° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão coeva, que a norma não continha, antes essa incobrabilidade surgindo cogente nos termos dessa mesma norma, a correção propugnada na ação inspetiva, depois refletida na liquidação, enferma de erro de interpretação da norma e de consequente qualificação dos factos. Por ser assim, determinamos a anulação parcial da liquidação, na parte em que assenta nessa mesma rejeição de custos.
E do mesmo modo se determina, pelos mesmos exatos motivos, a revogação da decisão da reclamação graciosa, na parte em que mantém, embora parcialmente, o não reconhecimento desses mesmos créditos como incobráveis.
Contudo, além daquela questão específica do fundo da causa, que se coloca a propósito da liquidação na parte impugnada, a decisão da reclamação graciosa suscita, contudo e ainda, uma outra questão, ao convocar uma fundamentação outra, dir-se-ia que em socorro da manutenção integral do ato reclamado, apesar do reconhecimento (parcial e não por razões de interpretação da norma, mas dada a presença de documentação antes omissa) que faz da bondade da posição da Impugnante. Tal como esta assertivamente diz, não pode a Administração vir [re]fundamentar a posteriori o ato sujeito a alguma forma de impugnação, não porque com isso introduza um vício de falta de fundamentação substantiva do ato pretérito — dado que a que lhe assistia é afastada e substituída por outra, o que não é possível —, mas porque deita por terra a lógica inerente ao que seja um procedimento por natureza recursivo, como é a reclamação graciosa ou o recurso hierárquico, arts.36°, 60º e 68° n°1, 66° n°3 e 70°n°1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, associado quer à caraterização do ato sob censura como ato fundamentado, art.124° n°1 do Código de Procedimento Administrativo, como associado às garantias dos contribuintes na obtenção de uma melhor decisão, maxime por esses meios graciosos, ou até contenciosos, que assim se cortaria cerce. Com efeito, o Administrado reage a um ato que lhe foi notificado, que detém uma dada fundamentação e sob dada caraterização fática e normativa. Logo, na bondade da argumentação impugnatória, ou outra oficiosamente elaborada, não havendo óbice, que não se enxerga, deveria in casu ter conduzido à revogação parcial (embora com menor âmbito que a aquela que acabamos de determinar) da liquidação reclamada. Por isso que a consideração de uma argumentação sucedânea para obstar a tanto é assaz criticável, logo em função da economia recursiva ou impugnatória em que a decisão se insere, em que era imperioso proceder à correção [da correção] da liquidação, ante a bondade dos fundamentos apresentados. E, isso, independentemente de as repercussões finais dessa repristinação de custos atendíveis fiscalmente, em sede da própria liquidação, já terem sido repercutidos ao nível do apuramento do lucro tributável, não provocando a alteração uma outra determinação de obrigação pecuniária a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, como de resto não a tinha a liquidação impugnada. É que uma liquidação de valor nulo, como a impugnada, que deve esse resultado na determinação do imposto a prejuízos fiscais anteriores e ao seu reporte, tem ou pode vir a ter repercussões, nomeadamente, em liquidações do mesmo tributo que versem sobre exercícios subsequentes, não sendo por isso inócuo considerar ou desconsiderar certas despesas incobráveis, imediatamente, a nível de custos fiscalmente relevantes, cfr. art.46° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão coeva. Aliás, terá sido isso mesmo que a Impugnante teve presente, ou de outro modo não se teria dado ao incómodo de impugnar um ato de que não resultou imediatamente, para si, uma obrigação de pagamento de imposto, para o que in limine não teria sequer interesse em agir. Donde que a fundamentação da decisão de reclamação graciosa, nessa parte em que invoca irrelevância no resultado final da consideração ou desconsideração dos custos, seja simultaneamente ilegal à face daquelas normas, por isso indevida no contexto impugnatório em sentido lato em que se inscrevia, como não inócua e, nesse sentido, lesiva dos interesses, ainda que mediatos, da Impugnante, a beneficio do que para ela resultasse dos exercícios ulteriores. Por isso se anula igualmente esse segmento da decisão de reclamação graciosa, em que invoca fundamentação estranha àquela que esteve na base de elaboração da liquidação impugnada, para a manter.
Por fim, a Impugnante, já no decurso do processo, veio suscitar a questão da prescrição. Tendo sido proferido despacho no sentido de que tal matéria era impertinente a estes autos, ela repristinou-a em sede de alegações finais.
Como resulta de tudo quanto se disse até aqui, a liquidação impugnada é de valor nulo ou de 0$00. Por outra parte, sob dada argumentação, é objeto dos autos o pedido da sua anulação parcial.
A prescrição em questão seria, aqui, a da dívida de imposto, art.34° do Código de Processo Tributário. Subjacente ao instituto da prescrição dos direitos em geral, no domínio das relações de direito privado, como no domínio das relações de direito público, está a consideração da expressão dos princípios da segurança e da certeza, da confiança e da estabilidade das relações, em homenagem aos quais, para além de certo lapso de tempo, o direito deixa de as tutelar como posições ou situações jurídicas a se, mesmo se não completamente irrelevantes do ponto de vista jurídico, como resulta, por exemplo, do relevo conferido ao cumprimento das obrigações naturais ou, inversamente, dos casos de não uso ou de não exercício de direitos. Embora nascida no seio das relações entre privados e da sua particular perspetiva individual, no domínio do direito público aquelas dimensões da ideia de prescrição foram acolhidas e, neste âmbito específico, a prescrição foi ainda moldada paralelamente, ou até de modo matricial quando assimilada, pelo fundamento substancial imediato da proporcionalidade e da efetividade no e do exercício das funções públicas e dos correspondentes deveres dos administrados, onde se entende também que, após certo lapso de tempo passado, a proporcionalidade perde um padrão e a efetividade das funções públicas se dissolve, tornando-as sem sentido e escusadas.
Todavia, como quer que seja e como já acima se disse, a propósito da liquidação objeto dos autos não decorreu a determinação de uma qualquer obrigação pecuniária tributária para a Impugnante. Ora, não havendo aqui dívida alguma de imposto a considerar, dado o teor da liquidação impugnada ser de valor nulo, a dívida nunca poderia ter prescrito e este tema é, manifestamente, impertinente a estes autos.
E, isso, sem prejuízo de poder considerar-se que a solução ora tomada possa ter repercussão noutros exercícios da Impugnante, como acima dito, nos quais a prescrição de dívidas tributárias possa eventualmente ser questão a colocar com propriedade, aqui ela mais não é do que um reiterado incidente anómalo por escusado, porque sobre objeto inexistente, sobre o qual já anteriormente o Tribunal havia tomado posição, excluindo-a como tema dos autos.
Por todo o exposto, sem necessidade de mais alongado excurso, julgamos procedente, por provada, esta impugnação de A……….., L.dª, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n°8910014368, de 3 de julho de 1997, de valor nulo, 0$00, respeitante ao seu exercício de 1994, bem como da decisão da reclamação graciosa que incidiu sobre ela. E em consequência anulamos:
a) a liquidação, parcialmente, na medida em que se suportou na desconsideração, como custo fiscal, dos créditos incobráveis mencionados;
b) a decisão da reclamação graciosa, tanto na parte em que reitera aquela desconsideração, como naquela em que invoca argumentação diversa para manutenção, àquele propósito, da liquidação, diversa da que a esta havia oportunamente assistido.
Sem custas a ação porque, devendo elas ficar a cargo da Fazenda Pública, de tanto continua aqui isenta, ao abrigo do disposto no art.3° n°1 corpo e alínea a) do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, ora aplicável ex vi do disposto no art.8° n°4 da Lei 7/2012 de 13 de fevereiro, conformando a aplicação aos autos da tributação prevista no Regulamento das Custas Processuais.
Custas pela Impugnante, pelo incidente escusado a que deu causa, gerado em torno da prescrição de uma dívida de imposto inexistente, ao qual fixamos taxa de justiça em três Unidades de Conta [3 UC’s], art.7º nºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais.”
DECIDINDO NESTE STA:
Sendo pelas conclusões das alegações que se delimita o objecto do recurso, perante este STA apenas se suscita a questão de saber qual a melhor interpretação a efectuar a vários preceitos do CIRC na sua versão original, designadamente ao seu artº. 37° CIRC, (redacção vigente em 1994), por forma, a determinar, se apenas devem ser considerados custos ou perdas do exercício os créditos incobráveis como tal declarados por decisão judicial transitada em julgado, o que a recorrente Fazenda Pública defende e constitui o objecto único do seu recurso.
Esta questão foi tratada de forma clara no acórdão deste STA de 10/10/2012 tirado no recurso nº 0782/12. A ele nos referiremos infra, após explanação do quadro legal vigente à data dos factos tributários (1994):
Como já se disse a questão suscitada nos autos consiste em saber se a sentença fez uma errada interpretação e aplicação da lei ao não sancionar as correcções efectuadas pela administração tributária, que agiu na consideração de que não se mostravam reunidos os pressupostos legais previstos nos artigos 23º e 37º do CIRC para que a impugnante ora recorrente pudesse relevar como custo do exercício de 1994 o valor dos créditos que detinha sobre várias sociedades (as referidas no ponto 1 do probatório, todas elas objecto de processos judiciais de recuperação de empresas ali devidamente identificados).
A Administração Tributária desconsiderou os custos relevados na contabilidade da impugnante, relativos a créditos no valor de 48.512.000$00, que esta, já antes, tinha provisionado e considerados incobráveis.
Com o que não se conforma a ora recorrente no entendimento de que apenas devem ser considerados custos ou perdas do exercício os créditos incobráveis como tal declarados por decisão judicial transitada em julgado.
Está, pois, em causa a pronúncia sobre a necessidade ou não deste requisito formal, do reconhecimento da incobrabilidade dos créditos através de sentença judicial transitada em julgado, eleito pela recorrente como sendo essencial para a inscrição como custos dos referidos créditos da impugnante sobre diversas sociedades objecto de processos judiciais de recuperação de empresas.
Vejamos o quadro legal à data dos factos (Decreto-Lei n.º 442-B/88
Publicado no Diário da República n.º 277/1988, 2º Suplemento, Série I de 1988-11-30)
Artigo 23.º
Custos ou perdas
Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;
b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;
c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso e seguros, com excepção dos de vida constituídos facultativamente;
e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta;
f) Encargos fiscais e parafiscais;
g) Reintegrações e amortizações;
h) Provisões;
i) Menos-valias realizadas;
j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
Regime das provisões
Artigo 33.º
Provisões fiscalmente dedutíveis
1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b) As que se destinarem a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências;
c) As que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício;
d) As que tiverem sido constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal e pelo Instituto de Seguros de Portugal às empresas submetidas à sua fiscalização, incluindo as provisões técnicas que as empresas seguradoras se encontram legalmente obrigadas a constituir;
e) As que, constituídas por empresas que exerçam a indústria extractiva do petróleo, se destinem à reconstituição de jazigos.
2 - As provisões a que se referem as alíneas a) a c) do número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo considerar-se-ão proveitos do respectivo exercício.
Artigo 34.º
Provisão para créditos de cobrança duvidosa
1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
2 - O montante anual acumulado da provisão para cobertura dos créditos referidos na alínea c) do número anterior não poderá ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses.
3 - Não serão considerados de cobrança duvidosa:
a) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;
b) Os créditos cobertos por seguro, com excepção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;
c) Os créditos sobre pessoas singulares ou colectivas que detenham mais de 10% do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1;
d) Os créditos sobre empresas participadas em mais de 10% do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.
Artigo 35.º
Provisão para depreciação de existências
(…)
Artigo 37.º
Créditos incobráveis
Os créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.
Vista a lei, a primeira nota que deve ser aposta é a de que, resulta da letra do artigo 37º do CIRC que a consideração de custos ou perdas pela entidade credora, na circunstância de ocorrer um crédito incobrável, está condicionada a que tais créditos resultem ou sejam revelados/exigidos num processo judicial de entre os tipificados na norma. (Assim se decidiu no Ac. deste STA, de 11/04/2018 tirado no rec. 0939/14).
Existe no preceito uma exigência específica de “existência de um processo judicial” condicionante da possibilidade de serem relevados na contabilidade da credora os créditos desta considerados incobráveis, que foi afirmada no preceito de forma inequívoca o que se compreende para evitar abusos ou arbítrio dos sujeitos passivos credores mas não se exige que para a sua consideração, os mesmos créditos tenham de ser declarados incobráveis por decisão judicial transitada em julgado.
Cremos ser esta a melhor interpretação a efectuar ao abrigo do disposto no artº 9º do C. Civil e que tem na lei a correspondência verbal suficiente (sendo que no reverso não contém qualquer referência a “decisão judicial com trânsito em julgado”, sendo pois a base do processo hermenêutico que agora se impõe efectuar (quanto à melhor forma de efectivar este processo remetemos para a lição de Batista Machado em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina,1983 pags 182 e 188/189).
A título complementar cumpre destacar a fundamentação contida em caso próximo, tratado no acórdão deste STA de 10/10/2012 rec. nº 0782/12, onde também, expressamente, se afastou a tese da ora recorrente relativa à necessidade de sentença judicial com trânsito em julgado.
Ali se expressou:
“2.2.2 DA COMPROVAÇÃO DA INCOBRABILIDADE DO CRÉDITO
À data a que se referem os factos – ano de 2002 – dispunha o CIRC, no seu art. 39.º, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, sob a epígrafe “Créditos incobráveis”: «Os créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do exercício na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência, quando relativamente aos mesmos não seja admitida a constituição de provisão ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente».
Desde logo, o texto da lei, que constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 188/189.) (cfr. art. 9.º, n.º 2, do Código Civil (CC)).
Se o legislador tivesse querido que apenas a sentença transitada em julgado servisse como meio de prova da incobrabilidade do crédito para efeitos da sua dedução como custo para efeitos de determinação da matéria tributável em sede de IRC por certo o teria dito de forma inequívoca; ao ter escolhido uma fórmula da qual não resulta, ainda que minimamente, essa exigência, havemos de concluir que não a quis erigir em requisito para a comprovação da incobrabilidade (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil). Na verdade, nas situações em que o legislador entende que para a prova de certos factos é exigível um determinado meio de prova sempre o afirma de forma inequívoca.
Por outro lado, também não vislumbramos nem a Recorrente indica quais os motivos que poderiam justificar essa exigência do documento comprovativo só poder ser certidão de sentença transitada em julgado, designadamente, porque não seria suficiente para esse efeito a certidão extraída do processo de execução e comprovativa da impossibilidade de levar a efeito a diligência de penhora por falta de bens penhoráveis.
Como bem ficou dito na sentença recorrida, certificada em auto de diligência judicial para penhora a inexistência de bens penhoráveis da sociedade devedora, esgotaram-se as possibilidades da sociedade credora, ora Recorrida, cobrar coercivamente o seu crédito. Na verdade, após a sociedade devedora não ter cumprido voluntariamente a sentença condenatória, a ora Recorrida instaurou a competente execução em ordem à cobrança do seu crédito e, no âmbito desse processo executivo, nomeou à penhora os bens da executada. Se não se mostra possível a penhora de quaisquer bens da devedora, impossibilidade certificada em auto de diligência judicial para penhora e que determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (Neste sentido, LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume III, pág. 633, ao exemplificar, de acordo com o n.º 1 do art. 919.º do CPC, as causas de extinção da instância executiva, refere concretamente que tal pode acontecer com a ocorrência de causa extintiva da instância indicada no art. 287º.
De igual modo, LOPES DO REGO, Comentários, pág. 611, considera relevante a ocorrência de qualquer causa de extinção da acção executiva resultante da aplicação ao processo executivo do regime geral da extinção da instância.
Também REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381, indica que há causas anómalas ou anormais de extinção de instância atinentes a vicissitudes ocorridas na própria instância executiva ou que nelas se reflectem, e como exemplo apresenta a ocorrência de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide do art. 287.º, al. e), do CPC.) [cfr. arts. 287.º, alínea e), 832.º, n.º 3, in fine, e 919.º, n.º 1, alínea c), do CPC], não vemos por que se há-de exigir à sociedade credora, para poder deduzir como custo esse crédito incobrável, o trânsito em julgado da decisão judicial que o declare.
Pretende a Recorrente que a sua tese tem apoio doutrinal e jurisprudencial, invocando um artigo publicado no “Jornal de Negócios” e um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.
O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul invocado em abono da tese da Recorrente (Acórdão de 25 de Maio de 2004, proferido no processo com o n.º 4778/01, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/0b74c89483f0d8e680256ea1003dc2cb?OpenDocument.), acórdão de 25 de Maio de 2004 (e não de 25 de Abril de 2004, como, por manifesto lapso, indica a Recorrente) salvo o devido respeito, nada diz que lhe possa aproveitar. Na verdade, lido todo o aresto, nele não descortinamos a mínima alusão a que a prova da incobrabilidade dos créditos exigida para a sua relevação como perdas tenha que ser efectuada mediante certidão de sentença judicial.(…)
Aqui chegados cumpre destacar que não se patenteia jurisprudência deste STA dissonante sobre a questão suscitada, podendo, desde já, formular-se as seguintes proposições:
I - Créditos incobráveis são aqueles que não podem ser recebidos pelo credor ou porque o devedor não queira pagar ou não tenha realmente com que pagar e relativamente aos quais se reconhece a perda, sem esperança de boa cobrança, designadamente por inexistência de bens penhoráveis evidenciada judicialmente (quanto a esta última asserção vide o referido Ac. deste STA de 10/10/2012 tirado no rec. 0782/12 disponível no site da DGSI).
II - O art. 37.º do CIRC, admitia como custos ou perdas do exercício os créditos que, para além do mais, resultassem incobráveis “na medida em que tal resulte de processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência.”
III - Essa norma não exigia que tais créditos só pudessem ser contabilizados como créditos incobráveis mediante sentença com trânsito em julgado que declarasse a sua incobrabilidade.
Tanto basta para que se considere que o recurso não pode proceder e assim se decidirá em conformidade, acolhendo-se em reforço argumentativo quer a fundamentação constante da sentença recorrida que se mostra acertada quer a douta fundamentação expressa no parecer do Mº Pº, supra destacado.
4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar, à data, isenta a Fazenda Pública o que foi acolhido pelo novo RCP para os processos pendentes à data da sua entrada em vigor.
Lisboa, 20 de Junho de 2018. – Ascensão Lopes (relator) – Pedro Delgado – Dulce Neto. |