Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0512/16.4BESNT
Data do Acordão:05/08/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:REVISÃO OFICIOSA
TERMO INICIAL
PRAZO
Sumário:O artigo 78.º, n.º 1, segunda parte, da Lei Geral Tributária deve ser interpretado no sentido de que, em caso de erro na autoliquidação, o prazo de quatro anos ali aludido se inicia com a apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º do Código do de IRC.
Nº Convencional:JSTA000P32222
Nº do Documento:SA22024050800512/16
Recorrente:A..., S.A. E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A..., S.A., contribuinte n.º ...07, B... – Sociedade Unipessoal, Lda., contribuinte n.º ...64, ambas com sede na Rua ..., Queluz de Baixo, e C..., S.A., contribuinte n.º ...20, com sede na Avenida .../C, ..., Lisboa, interpuseram recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial das decisões que indeferiram liminarmente os pedidos de revisão oficiosa apresentados pelas Impugnantes contra os atos de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (“IRC”) n.ºs ...25, ...38 e ...47, todas referentes ao período de tributação de 2010.

Com a interposição do recurso apresentaram alegações e formularam as seguintes conclusões:

«(…)

1. O presente recurso tem por objeto a sentença do Tribunal a quo que decidiu julgar improcedente a impugnação judicial apresentada contra as decisões proferidas pela Diretora de Serviços de IRC que recaíram sobre os pedidos de revisão oficiosa apresentados por cada uma das Recorrentes, os quais tiveram por objeto as liquidações de IRC referentes ao exercício fiscal de 2010.

2. Na sentença recorrida o Tribunal a quo entendeu, quanto ao prazo de quatro anos para requerer a revisão do ato, que “(…) o prazo de quatro anos deve ter como termo inicial a data de apresentação da concreta liquidação de IRC, ../../2009 (…), assim sendo intempestivo o pedido de revisão oficiosa deduzido em 31/05/2013”.

3. O Tribunal a quo considerou que os referidos pedidos eram extemporâneos, e que “(…) só a tempestividade do pedido de revisão abre ao Recorrido, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações cuja revisão se pretende, pois a extemporaneidade do pedido de revisão ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação, conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido.”

4. Pelo que, entendeu o Tribunal a quo que “(…) consolidado o caso decidido quanto às liquidações de IRC referentes ao exercício de 2010 em nome das Impugnantes, importa determinar a presente ação improcedente (…)”.

5. Crê-se que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento, atento o facto de não ter interpretado de forma correta o direito em causa.

6. Motivo pelo qual não deve ser mantida na ordem jurídica, conforme fundamentos explanados e que de seguida se reiteram.

Da tempestividade dos pedidos de revisão do ato tributário

7. O prazo de quatro anos para revisão do ato tributário resulta dos números 1 e 2 do artigo 78º da LGT - “a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, considerando-se imputável aos serviços, o erro na autoliquidação (…)”.

8. Na sequência da submissão atempada das declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC referentes ao período de tributação de 2010, no decurso do mês de maio de 2011, a Autoridade Tributária procedeu à emissão das correspondentes notas de liquidação nº ...25, ...38, e ...47 - (Factos A), B) e C) dos Factos dados como Provados).

9. As liquidações de IRC acima referidas foram emitidas, respetivamente, a 19 de setembro de 2011, 23 de agosto de 2011 e 21 de junho de 2011 - Factos D), E) e F) dos Factos dados como Provados.

10. Entendeu o Tribunal a quo que os pedidos de revisão apresentados no dia 29 de maio de 2015, são intempestivos.

11. Porquanto, concluiu o Tribunal a quo (cita-se a sentença):

“No caso dos autos estamos face a autoliquidação de I.R.C. (…). A doutrina e a jurisprudência referem.se à autoliquidação para aludir ao ato cuja iniciativa pertence ao contribuinte, por disposição legal, consubstanciando-se na apresentação de uma declaração, o que pressupõe necessárias operações de qualificação (…) e de quantificação (…) necessárias para avaliar o montante de imposto a pagar ou a restituir, normalmente acompanhada do respetivo meio de pagamento (…)”.

12. Não é questionado Tribunal a quo a possibilidade de apresentação dos pedidos de revisão de ato tributário pelas Recorrentes, no caso em apreço, no prazo de 4 anos, atenta a análise conjugada do disposto nos números 1 e 2 do artigo 137º do Código do IRC e do artigo 78º da LGT.

13. Este entendimento acima vertido e pugnado pela douta jurisprudência referida foi acolhido pela Autoridade Tributária, após o sancionamento da Nota Jurídica nº 676/20..., por parte do Diretor Geral dos Impostos, em 23 de dezembro de 2014.

14. Face ao entendimento expresso pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, importa demonstrar que o decurso de tal prazo de 4 anos não se encontrava ainda ultrapassado aquando da submissão dos pedidos de revisão do ato tributário.

Início da contagem do prazo de quatro anos para revisão do ato tributário

15. Conforme refere a o Tribunal a quo na sentença recorrida, a questão central a decidir prende-se com a “(…) a forma de cômputo do prazo de quatro anos previsto no citado art.º 78, nº. 1 da L.G.T., mais concretamente, o termo inicial do aludido prazo, visto consubstanciar este o cerne do presente esteio de apelação.”

16. As Recorrentes procederam à submissão das declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC, referentes ao período de tributação de 2010, dentro dos prazos legais previstos para o efeito, ou seja, no decurso do mês de maio de 2011, sendo-lhes correspondentes as liquidações de IRC emitidas pela Autoridade Tributária entre junho e setembro de 2011.

17. O número 1 do artigo 78º da LGT prevê que, “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada (…) no prazo de quatro anos após a liquidação (…)” (realce das Recorrentes).

18. Resulta expressamente do teor literal do artigo, que o prazo dos quatro anos deverá ser contado a partir da data de liquidação do tributo, ou seja, a partir do dia 19 de setembro de 2011, 23 de agosto de 2011 e 21 de junho de 2011, respetivamente, na medida em que, desde logo, se a revisão se refere a atos tributários pela entidade que os praticou, este ato não pode nunca configurar a submissão da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC por não ser este um ato tributário e muito menos foi o mesmo praticado pela Autoridade Tributária.

19. Não obstante as autoliquidações que se pretendem ver corrigidas serem as que emanam das declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC submetidas em maio de 2011, para efeitos do prazo de apresentação dos pedidos de revisão subjacentes aos indeferimentos considerados ilegais, são consideradas as datas das liquidações subjacentes à primeira declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC entregues dentro do prazo, por referência ao período de tributação de 2010.

20. Contudo, o Tribunal a quo entendeu que o prazo de quatro anos se inicia com a submissão da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC.

21. As Recorrentes não podem aceitar a posição defendida pelo Tribunal a quo, por não ser consentânea com o ordenamento jurídico em vigor nesta matéria e ser claramente diversa daquela que a jurisprudência, a doutrina e as Recorrentes lhe conferem.

22. O próprio Tribunal a quo aquando da análise do cumprimento dos requisitos para convolação da petição de ação administrativa inicialmente apresentada pelas Recorrentes em Impugnação Judicial - Despacho de 14 de junho de 2018 -, tendo concluído pela tempestividade da petição apresentada.

23. O próprio Tribunal a quo na sentença recorrida refere que:

“Recorde-se que o Tribunal a quo julgou tempestivo o pedido de revisão oficiosa identificado no nº. 3 do probatório supra, mais interpretando a norma contida no citado artº. 78, nº. 1, da L.G.T., no sentido de que a “liquidação” a que se refere o legislador é a emitida pelos serviços tributários (…) data que consubstanciaria o termo inicial do prazo de quatro anos (…)”.

24. Contudo, na sentença recorrida, ao decidir, o Tribunal a quo incorre num erro de interpretação do número 1 do artigo 78º da LGT, visto que confunde a expressão “liquidação” aí constante com o termo “liquidação” com o teor resultante do artigo 89º do Código do IRC, que diz respeito à competência que os sujeitos passivos têm para efetuar a liquidação do IRC através do preenchimento da declaração a que se refere os artigos 120º e 122.º do mesmo diploma - Declaração de Rendimentos.

25. O “procedimento” de liquidação do imposto não se extingue com a entrega da competente declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC - autoliquidação do imposto -, pois que a mesma dará sempre lugar a uma nota de liquidação posterior, emitida pela Autoridade Tributária.

26. Em termos estritos, a liquidação de imposto apenas ocorre no momento em que a declaração de rendimentos dá origem à tal nota de liquidação emitida pela Autoridade Tributária e que, no caso em apreço, corresponde às liquidações de IRC objeto dos pedidos de revisão, sendo este o ato de liquidação a que se refere o número 1 do artigo 78º da LGT.

27. O objeto primacial do procedimento de revisão é o ato tributário ou a liquidação, que se insere no conceito de ato administrativo, uma vez que se trata de um ato impositivo de deveres ou encargos.

28. O ato tributário stricto sensu refere-se a um ato administrativo vinculado e obrigatório que confirma a obrigação tributária e materializa o direito do Estado ao crédito tributário ou extingue o direito preexistente.

29. Conforme é doutrina assente:

i. PAULO MARQUES: o ato de liquidação tributária “corresponde ao ato final (tributário) ou mesmo a uma sequência de atos de competência vinculada, praticado para a verificação do facto gerador relativamente a certo contribuinte, sendo realizado o apuramento qualitativo e quantitativo da matéria tributável, determinando-se no final o quantum do tributo.”

ii. Mais refere VÍTOR ANTÓNIO DUARTE FAVEIRO que a liquidação corresponde ainda à operação realizada pelos serviços tributários na sequência do ato de determinação da matéria coletável, como cúpula de todo o procedimento oficioso.

iii. As Recorrentes estão com MARCELO REBELO DE SOUSA quando considera que os atos de privados não integrados organicamente na administração pública, mesmo que conexos com a atividade administrativa, estão excluídos do conceito de ato administrativo.

iv. Também com ALBERTO XAVIER, JORGE LOPES DE SOUSA e DIOGO LEITE DE CAMPOS, a autoliquidação não constitui em bom rigor um ato tributário.

v. Nas lições de CASALTA NABAIS ensina-se que “Quanto aos atos tributários, é de começar por dizer que se trata de atos de liquidação administrativa do imposto (e não atos de autoliquidação ou de liquidação por terceiro)”. Este autor defende ainda que o artigo 78º da LGT apenas se reporta ao ato tributário em sentido estrito, ou seja, o ato tributário consubstanciado na ação da Autoridade Tributária.

vi. Conforme ainda JORGE LOPES DE SOUSA, dado não existir uma tomada de posição pela administração, a autoliquidação não corresponde em bom rigor a um ato administrativo.

vii. No entendimento de FRANCISCO RODRIGUES PARDAL “não há um ato tributário (apertis verbis) porque a liquidação não foi efetuada pela Administração fiscal” – ao referir-se à autoliquidação.

30. A doutrina tem distinguido a liquidação em sentido amplo - procedimento de liquidação -, da liquidação em sentido restrito - ato de liquidação -, neste último caso dizendo respeito unicamente às operações de aplicação da taxa correspondente à matéria coletável, ou seja, o cálculo do montante da prestação tributária.

31. Neste seguimento, veja-se o Douto entendimento de SALDANHA SANCHES: “Quando um ato da Administração Fiscal procede à pontualização de um dever de prestar, definindo o momento e o quantum da prestação, tornando assim, nalguns casos, a prestação líquida e exigível, estamos indubitavelmente perante o que a doutrina e a jurisprudência portuguesas, sem divergências que valha a pena assinalar, têm designado como ato tributário”.

32. E é só, então, nesse momento, que estamos efetivamente na presença de um ato tributário sujeito a revisão, para efeitos do disposto no artigo 78º da LGT.

33. E não pode ser outra que não a data da sua emissão a relevante para efeitos de início de contagem do prazo de revisão.

34. Também a jurisprudência tributária, nomeadamente o STA, tem decidido que “a autoliquidação, que é efetuada pelo contribuinte, não constitui um ato administrativo e, por isso, não é impugnável diretamente, exigindo-se antes da impugnação uma atuação da AT no sentido de “administrar” o ato” - Acórdão de 12 de outubro de 2011, emitido no âmbito do processo nº 0860/10.

35. Com a menção às situações de “autoliquidação” no texto do artigo 78º da LGT, o que o legislador pretendeu efetivamente foi não tanto a inserção da autoliquidação num conceito muito amplo de ato tributário, mas sobretudo assegurar-lhe igualmente a garantia da revisão do ato, equiparando-se funcionalmente apenas nessa perspetiva garantística a autoliquidação ao ato tributário tradicional - liquidação administrativa -, uma vez que a maior parte das liquidações de tributo são atualmente efetuadas pelo próprio contribuinte, como seja o caso do IRC e do IVA..

36. Conforme entendimento expresso pelo STA no processo n.º 1509, de 18 de novembro de 2015: “II - O alcance do nº 2 do art. 78º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a diretriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era de reforço das garantias dos contribuintes;”

37. A Autoridade Tributária já se pronunciou no âmbito de outros pedidos de revisão de ato tributário, admitindo que o “prazo de quatro anos após a liquidação”, referido no número 1 do artigo 78º da LGT, deverá contar-se a partir do momento em que a nota de liquidação é proferida, pois esta é a fase final da liquidação do imposto.

38. A este respeito, no âmbito de um projeto de decisão de um pedido de revisão de ato tributário, que correu junto da Unidade dos Grandes Contribuintes, cujos extratos da decisão foram juntos aos autos - Documento 5 da petição inicial -, durante o ano de 2013 e por referência ao período de tributação de 2008, foi objeto de análise “o pedido de anulação parcial do referido ato tributário de “autoliquidação” em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas referente ao período de tributação correspondente ao ano civil de 2008, consubstanciado na “liquidação nº (...) de 05 de Agosto de 2009” (sublinhado e negrito das Recorrentes).

39. Daqui decorre que, naquela situação e para efeitos do início da contagem do “prazo de quatro anos após a liquidação”, foi considerada pela Autoridade Tributária como data relevante a do ato tributário objeto de análise, a qual corresponde à data da liquidação de imposto operada pela Autoridade Tributária.

40. Nos termos de tal decisão, a posição da Autoridade Tributária foi de que “O procedimento de revisão oficiosa de ato tributário é igualmente meio próprio para reagir contra o ato tributário de liquidação supra identificado, no termos do art.º 78º) da Lei Geral Tributária” e que “O requerimento no qual se consubstancia o presente pedido de revisão oficiosa é, em nossa opinião, tempestivo, atento o pressuposto temporal estabelecido no mencionado art.º 78.º da Lei Geral Tributária.” (sublinhado e negrito das Recorrentes).

41. O entendimento sufragado pela Autoridade Tributária no referido processo deverá ser considerado o único admissível e tolerável, na medida em que resulta da letra da Lei e é o único que reflete os princípios de justiça material a que a mesma se encontra vinculada.

42. Em linha com o exposto, também o STA já se pronunciou sobre o “prazo de quatro anos após a liquidação” – vide Acórdão do STA, de 13 de março de 2013, proferido no âmbito do processo nº 01183/12 - a data a considerar, para efeitos do prazo de apresentação do pedido de revisão de ato tributário, é a data da liquidação do imposto e não a data da autoliquidação promovida pelo sujeito passivo.

43. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (adiante, “TCA”) Sul, proferido no processo n.º 663/13.7BELRS, de 24 de fevereiro de 2022: “IV. (…), e sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa efetuado no prazo de quatro anos após a liquidação, deverá ser apreciado o respetivo pedido.” (realce e sublinhado das Recorrentes).

44. Atentas as considerações aduzidas e as manifestações da doutrina e jurisprudência ora denotadas, resulta claro e assente que a data a ter em consideração para efeitos de início de contagem de prazo para apresentação de pedido de revisão de ato tributário é a data da liquidação do imposto através da demonstração da liquidação de IRC emitida pela Autoridade Tributária, por ser essa a que resulta da jurisprudência e doutrina, bem como, por ser a que melhor se adequa à génese da norma agora em análise e ao espírito do legislador.

45. Para sustentar a posição adotada, contrária, o Tribunal a quo cita um acórdão do STA que em nada se refere à questão decidenda, mas apenas quanto aos efeitos de uma eventual extemporaneidade de um pedido de revisão oficiosa.

46. Acresce que no citado acórdão se encontrava em análise um pedido de revisão do ato referente à aplicação de métodos indiretos, a qual tem um regime próprio e que em nada se assemelha à situação sob escrutínio da decisão recorrida.

47. Pelo que não nunca poderia ser tida em consideração para fundamentar uma qualquer decisão pelo Tribunal a quo no caso em apreço.

48. Assim, tendo as demonstrações de liquidação referentes ao IRC do período de tributação de 2010, com os nºs ...25 - de 19 de setembro de 2011 | ...3 de agosto de 2011 | ...1 de junho de 2011, sido emitidas pela Autoridade Tributária nas datas em referência e iniciando-se a contagem do prazo nesses mesmos dias, os pedido de revisão do ato tributário afiguram-se tempestivos, ao terem sido apresentados em maio de 2015, antes de decorridos quatro anos desde a emissão dos atos tributários em que se consubstanciam.

49. Ficou de facto demonstrado de forma exaustiva na argumentação expendida acima pelas Recorrentes que o ato tributário suscetível de revisão que está em causa no artigo 78º da LGT não pode ser outro que não as liquidações emitidas pela Recorrida - Autoridade Tributária -, nos dias 21 de junho de 2011, 23 de agosto de 2011 e 19 de setembro de 2011.

50. De onde resulta uma errónea apreciação da matéria de direito relevante para a boa decisão da causa pelo Tribunal a quo, tendo sido violado o disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse a decisão recorrida revogada e substituída por outra que julgasse a impugnação judicial totalmente procedente.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Mm.ª Juiz a quo lavrou douto despacho de admissão do recurso a que atribuiu subida imediata nos autos e fixou efeito devolutivo.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foram os mesmos com vista ao M.º P.º.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, tendo concluído no sentido da improcedência do recurso.

Foram dispensados os vistos legais, pelo que cumpre decidir.


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2. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância.

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3. A questão fundamental a decidir é a de saber se a apresentação da declaração de rendimentos nos termos do artigo 120.º do Código do IRC constitui uma «liquidação» para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, segunda parte, da Lei Geral Tributária.

E se, por conseguinte, o prazo de quatro anos ali estabelecido se conta a partir da data em que essa declaração foi apresentada.

O Tribunal a quo entendeu que sim, valendo-se da jurisprudência firmada num acórdão desta Secção (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de fevereiro de 2021, tirado no processo n.º 02683/14.5BELRS, recurso n.º 0181/18).

A Recorrente entende que não. Na essência, porque considera que aquele normativo deve ser interpretado no sentido de que se tinha ali em vista apenas a liquidação efetuada pela Administração Tributária.

Mas a Recorrente não tem razão. Vejamos porquê.

A apresentação da declaração periódica de rendimentos nos termos do artigo 120.º do Código do IRC constitui uma forma de autoliquidação do imposto. É o que resulta, designadamente, do artigo 89.º, alínea a), do mesmo Código.

Embora a expressão «ato tributário» não seja utilizada nas leis tributárias sempre com o mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, ao aludir à «revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou» parece excluir do seu âmbito a autoliquidação, porque a revisão da autoliquidação nunca é efetuada pela entidade que a efetuou.

Mas o seu n.º 2 (antes da sua revogação pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) infirmava este entendimento, porque considerava imputável aos serviços, para os efeitos daquele n.º 1, «o erro na autoliquidação».

Por outro lado, o artigo 95.º, n.º 2, alínea a), da mesma Lei inclui expressamente nos atos de liquidação de tributos (que são atos tributários por inerência) os «atos de autoliquidação».

O que sucede porque, sendo muito discutida a natureza jurídica da «autoliquidação», da «retenção na fonte» e do «pagamento por conta» e estando em causa o acesso à justiça tributária, o legislador entendeu que não poderia subsistir qualquer indefinição neste domínio.

Assim, deve entender-se que, embora tivesse em vista principalmente os atos de liquidação administrativa, o legislador pretendeu que também os «atos de autoliquidação» de impostos fossem suscetíveis de revisão nos termos daquele dispositivo legal.

Ora, esta constatação ajuda-nos a interpretar corretamente a segunda parte do preceito. Porque, se os «atos de autoliquidação» são «atos de liquidação de tributos» para este efeito, a expressão «…no prazo de quatro anos após a liquidação» deve ser interpretada com um sentido igualmente abrangente.

Ou seja, no sentido de que a revisão pode ser efetuada «…no prazo de quatro anos após a autoliquidação», quando for a autoliquidação o ato a rever.

Só assim, não seria se resultasse da própria norma que a expressão fosse ali utilizada num sentido diverso.

Dizendo de outro modo: se o legislador pretendesse relacionar o prazo de quatro anos com a nota administrativa que fosse emitida depois da autoliquidação teria a obrigação de o dizer expressamente. Precisamente porque teve o cuidado de dizer expressamente que considera «liquidação» a «autoliquidação» quando esta exista.

A confirmar o acerto desta interpretação, vem o artigo 131.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Porque, também ali o termo inicial do prazo de impugnação da autoliquidação foi relacionado com a apresentação da declaração do contribuinte e não com a nota administrativa de liquidação que lhe pudesse suceder.

E bem se compreende que assim seja. Porque o dever do pagamento do imposto autoliquidado também está relacionado com a apresentação da declaração – artigo 109.º do Código do IRC. O que significa que a tutela dos direitos de defesa do contribuinte não pode ficar dependente da prática de um ato da administração ou da emissão e um documento administrativo.

Pelo que o recurso não merece provimento.


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4. Assim e em conclusão (que valerá também como sumário do acórdão): o artigo 78.º, n.º 1, segunda parte, da Lei Geral Tributária deve ser interpretado no sentido de que, em caso de erro na autoliquidação, o prazo de quatro anos ali aludido se inicia com a apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º do Código do de IRC.

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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 8 de maio de 2024. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.