Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0203/18.1BEMDL |
Data do Acordão: | 12/17/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | NEVES LEITÃO |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO NULIDADE INSUPRÍVEL |
Sumário: | I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa. (art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT) II - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a fixação” da coima deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima. (art. 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT) |
Nº Convencional: | JSTA000P25350 |
Nº do Documento: | SA2201912170203/18 |
Data de Entrada: | 05/03/2019 |
Recorrente: | MINISTÉRIO PÚBLICO |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1.RELATÓRIO 1.1. O Ministério Público interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou verificada a nulidade insuprível do processo de contraordenação tributaria por falta de verificação de requisitos legais da decisão de aplicação de coima no montante de € 4.596,28 à arguida …….–…..., Lda. 1.2.O recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões: 1)-A natureza, medida e a minúcia da "descrição sumária dos factos" e da "indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima" prescritas pela disposição do art. 79°/1-b) e c) do RGIT) é algo que o Legislador Processual-Contra-ordenacional-Tributário não define. Só no caso concreto, em função da amplidão e da complexidade da matéria decidir, é que se deve aferir se o decisor, aplicando a Lei, logrou convencer, não tanto pela justeza da sua decisão, mas, primeiramente, pela clareza e transparência do seu pensamento lógico. 2)-A teleologia da norma em causa constitui-se na definição paramétrica da específica exigência da fundamentação: Garantia do exercício dos direitos de defesa do arguido; Clareza, objectividade e sindicabilidade geral da decisão. Discorrendo de uma forma objectiva, razoável e sindicável, embora sintética, sobre: O preenchimento dos elementos essenciais do tipo-de-ilícito e tipo-de-culpa; A revelação de um especial juízo e censura, agravado ou atenuado; A escolha e medida da sanção. 3)-Não padece de nulidade a decisão de aplicação da coima que, ainda que de forma muito abreviada e tabelar ou modular, satisfaz as exigências legais de fundamentação, nomeadamente a "descrição sumária dos factos" e a "indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação", permitindo a sua correcta compreensão pelos seus destinatários. 4)-Concretamente, cumpre tais requisitos a decisão de aplicação de coima em questão, com a fundamentação que ficou consignada supra, em I, A), 1; Nomeadamente: Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Colectivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 4.569.28; 3. Período a que respeita a infracção: 2015/09; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-09-30, os quais se dão como provados. …… Normas infringidas. Artigo Art" 104°/1-a) CIRC - Falta de entrega de Pagamento por Conta. Normas Punitivas Artigo Art" 114° n° 2, 5 f) e 26° n° 4 RGIT - Falta de entrega de prestação tributária. …… Medida da Coima. Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Art. 27. ° do RGIT): Requisitos/contribuintes …………….. Actos de ocultação Não Benefício económico 0,00 Frequência da prática Acidental Negligência Simples Obrigação de não cometer a infracção Não Situação Económica e Financeira Baixa Tempo decorrido desde a prática da infracção >6 meses. 5)- Violou a douta decisão recorrida, por erro de interpretação e aplicação, a referida disposição do art. 79°/1-b) e c) do RGIT. Motivo por que deve o presente recurso ser julgado provido e procedente e, em consequência: -Ser revogada a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que aprecie as questões de mérito suscitadas no recurso de decisão de aplicação da coima, se a tal não obstar diferente razão das invocadas naquela decisão. 1.2. Não foram apresentadas contra-alegações. 1.3.O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida e a devolução do processo ao TAF Mirandela para ampliação da matéria de facto (processo físico fls.117/119) 1.4.Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência. 2.FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DE FACTO A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. Dá-se aqui por reproduzida a decisão impugnada com o seguinte destaque:(…)Descrição Sumária dos Factos Ao(A) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto/Trib.: Imposto Sobre Rendimento Pessoas Coletivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 4.596,28; 3. Período a que respeita a infração: 2015/09; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-09-30, os quais se dão como provados. (…) Medida da Coima Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Artº 27 do RGIT): 2.2. DE DIREITO 2.2.1. Questões decidendas: Nulidade da decisão de aplicação de coima por: 1ª Falta de descrição sumária dos factos; 2ª Falta de indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação 2.2.2. Apreciação jurídica 2.2.2.1.Nulidade da decisão de aplicação da coima por falta de descrição sumária dos factos A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas constitui um dos requisitos legais da decisão de aplicação da coima (art.79º nº1 al.b) RGIT) A inobservância deste requisito legal é cominada com nulidade insuprível do processo de contraordenação tributária, tendo por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dependam absolutamente do acto nulo, sem prejuízo do aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos; a nulidade em causa é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva (art.63º nºs 1 al.d),3 e 5 RGIT) O direito de defesa do arguido em processo de contraordenação é uma garantia constitucional (art.32º nº10 CRP) A cominação da sanção da nulidade da decisão constitui corolário desta garantia, no sentido do exercício efectivo do direito de defesa pelo arguido, só possível com o conhecimento esclarecido dos factos que lhe são imputados, das normas legais que estabelecem a previsão e a sanção da conduta delituosa e que lhe permitem impugnar judicialmente a decisão. No caso concreto a decisão de aplicação da coima imputa à arguida a violação da norma constante do art.104º nº1 al.a) CIRC -falta de entrega de pagamento por conta; indica como normas punitivas os arts.114º nº2 e 5 al.f) e 26º nº4 RGIT, onde se estabelece a moldura sancionatória aplicável à falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, expressamente equiparada à falta de entrega da prestação tributária. Embora a falta de entrega de pagamento por conta não esteja referida na componente da decisão administrativa que tem como epígrafe Descrição sumária dos factos, antes na componente Normas infringidas e Normas Punitivas, não deixa de assumir relevância como efectiva descrição da factualidade que integra o tipo legal de contraordenação imputada à arguida, permitindo-lhe o pleno exercício do direito de defesa (neste sentido acórdãos STA-SCT 27.06.2007 processo nº 353/07; 10.04.2019 processo 0260/17.8BEAVR) Em conformidade, a análise do teor da defesa apresentada na fase administrativa do procedimento e, posteriormente, do articulado do recurso judicial, revela a clara compreensão pela arguida de que lhe está a ser imputada a falta de prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, em consequência argumentando extensamente no sentido de não ser devido por inexistência de lucro tributável; dessa premissa negativa extraindo a conclusão da inexistência da infração imputada ou, subsidiariamente, de erro sobre a ilicitude do facto, determinante de uma conduta não censurável (defesa doc.fls.30 processo físico; recurso judicial arts.12/32) Neste contexto o binómio formado pela descrição sumária dos factos e pela indicação das normas infringidas e punitivas cumpre, sem reserva, o objectivo visado com o requisito legal, permitindo à arguida o exercício esclarecido do seu direito de defesa, como efectivamente se verificou 2.2.2.2. Nulidade da decisão de aplicação da coima por falta de indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação A questão foi apreciada com sólida e convincente fundamentação do acórdão STA-SCT 17.10.2018 processo nº 1004/17.0BEPRT, justificando a transcrição de excerto relevante sobre a análise da questão DA NÃO INDICAÇÃO DA PONDERAÇÃO DOS ELEMENTOS PREVISTOS NO ART. 27.º DO RGIT NA FIXAÇÃO DA COIMA A sentença considerou ainda que a decisão administrativa enfermava de nulidade insanável, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do RGIT por desrespeito pelo requisito constante da alínea c) do n.º 1 do art. 79.º, do mesmo Regime, uma vez que, para o cumprimento desse requisito, «não bastava o recurso a um quadro com a indicação dos elementos previstos no artigo 27.º do RGIT, acompanhado da mera afirmação de que esses elementos foram tidos em conta na graduação da coima.// Ao invés, impunha-se uma demonstração expressa do iter cognitivo e valorativo subjacente a tal fixação, que permitisse ao arguido, em primeira linha, e ao Tribunal, nesta sede, compreender as razões pelas quais se decidiu fixar a coima naquele valor e não noutro». Convém recordar o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT: «1. A decisão que aplica a coima contém: […] c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação». Ora, essa exigência deve ter-se por satisfeita no caso sub judice, pois quanto à fundamentação da concreta coima aplicada foram ponderados os factores a que manda atender o art. 27.º do RGIT; assim, como consta da decisão, foram ponderados: a inexistência de actos de ocultação e de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infracção Assim, contrariamente ao decidido, entendemos não ser nula a decisão de aplicação da coima, pois que dela constam os requisitos mínimos que a lei manda observar quanto ao dever de fundamentação da decisão e que visam permitir ao visado contra ela reagir no exercício do seu direito de defesa; direito que, (…)«não se vê tenha sido postergado pela forma estandardizada como foi cumprido o dever de fundamentação da decisão» 2.2.2.3.Importa sublinhar que as considerações expendidas na fundamentação da sentença sobre a inexistência de lucro tributável no exercício de 2015 (embora sem expressão no probatório) e de falta de preenchimento pela conduta da arguida do tipo legal de infração que lhe é imputada de falta de entrega de prestação tributária, significando uma apreciação do mérito da decisão de aplicação da coima, está prejudicada pela declaração antecedente da sua nulidade por falta de requisitos legais (com a consequente eliminação da ordem jurídica) 3.DECISÃO Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consequência: - declarar a inexistência de nulidade insuprível no processo de contraordenação; - revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, para prosseguimento da tramitação com conhecimento do recurso judicial, mediante apreciação das questões da ilicitude da conduta e da culpa da arguida suscitadas pela recorrente, se outra razão obstativa não se verificar Sem custas pelas partes (art.94º nº4 RGCO/ art.66º RGIT) Lisboa, 17 Dezembro 2019. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Bastos - Ascensão Lopes. |