Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0217/21.4BEALM
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:VALIDADE
EFICÁCIA
ACTO
REPERCUSSÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
Sumário:I – Nos termos do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2017), a taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas e não podem ser reflectidas na factura dos consumidores.
II – Sendo a citada norma válida e plenamente eficaz desde 1 de Janeiro de 2017, é ilegal o acto de repercussão que posteriormente à sua entrada em vigor foi incluído em factura de consumo de gás e suportado pelo consumidor final.
III - A actividade ou prestação de um serviço público essencial não perde a sua natureza pública administrativa pela circunstância de ser desenvolvida por uma pessoa colectiva de direito privado (no caso constituída sob a forma de sociedade anónima), nem o acto de repercussão, realizado ao abrigo de um direito legalmente reconhecido, deixa de ser materialmente tributário apenas por ter sido praticado por uma concessionária (de serviço publico essencial), pelo que, os valores cobrados ao consumidor na parte que respeitam à contrapartida da utilização pela concessionária do bem de domínio público ainda possuem a natureza de créditos tributários.
IV – Não determinando a natureza privada da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) a sua exclusão do conceito de “ serviços” previsto no artigo 43.º da LGT e estando verificados os demais pressupostos para atribuição de juros indemnizatórios previstos no mesmo preceito, deve concluir-se que não existe qualquer obstáculo a que seja reconhecido à repercutida (consumidor final) o direito a reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4%, desde a data em que esse pagamento indevido se verificou até efectivo e integral pagamento.
Nº Convencional:JSTA000P30694
Nº do Documento:SA2202303080217/21
Data de Entrada:07/15/2022
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:B... S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO


1. RELATÓRIO
1.1. “A..., S.A.”, notificada para proceder ao pagamento da factura n.º ...76, que inclui, a
título de Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS), o valor de € 39.874,33, emitida
a 12-12-2017, por B… SA, - Sucursal em Portugal, intentou, ao abrigo dos artigos 87.º,
n.º 8 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 99.º e seguintes
do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), contra a “B... S.A. -
SUCURSAL EM PORTUGAL”, a presente Impugnação Judicial.
1.2. Como fundamente dos pedidos que formula - de anulação da repercussão da TOS
incluída na factura ou, subsidiariamente, de reconhecimento da inconstitucionalidade
dessa repercussão, e, bem assim, em qualquer dessas situações, de reembolso do valor
àquele título pago acrescido de juros contados desde o pagamento até efectivo
reembolso alegou a Impugnante, em síntese, que a referida repercussão é ilegal uma
vez que, com a entrada em vigor da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, atento o
disposto no seu artigo 85.º, n.º 3, o pagamento da TOS passou a ser da exclusiva
responsabilidade das empresas operadoras das infraestruturas que ficaram proibidas
de repercutir os valores a esse título pagos na factura dos consumidores, ou, mesmo
que assim se não entenda, que a repercussão da TOS é inconstitucional, por violação
do princípio da legalidade, porquanto procura atingir uma manifestação de capacidade
contributiva específica (o consumo de gás natural), que não assenta nem na prestação
concreta de um serviço público, nem utilização de um bem do domínio público nem na
remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
1.3. A “B... S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL (doravante Recorrida), contestou,
defendendo a improcedência total da Impugnação (ainda que, contrariamente ao
aduzido na sentença recorrida, apenas tenha, pelo menos e no mínimo, expressamente,
aduzido argumentos capazes, relevados e acolhidos que sejam, de suportar a
improcedência do vício de ilegalidade, por violação do artigo 85.º, n.º 3 da lei do
Orçamento do Estado para 2017), aduzindo, em resumo nosso, que a norma que
estabelece a sua inadmissibilidade ficou dependente da alteração do quadro legal em
vigor, como resulta do artigo 70.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3-3, sendo que,
até à presente data, esse quadro não foi alterado, encontrando-se, assim, legitimado o
acto de repercussão materializado na factura apresentada a pagamento à Recorrente.
1.4. Após instrução dos autos, foi proferida sentença, na qual, após se concluir que o
acto de repercussão não padecia dos vícios de ilegalidade ou inconstitucionalidade que
lhe vinham imputados, foi julgada totalmente improcedente a Impugnação Judicial.
1.5. Inconformada, interpôs a Impugnante recurso jurisdicional para este Supremo
Tribunal Administrativo, finalizando a respectiva alegação com a formulação das
seguintes conclusões:
«A. A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais
passou a ser expressamente proibida.
B. Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, do OE para 2017 que a “taxa municipal de
direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras
de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.
C. Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º ...76 , emitida em 12 de
dezembro de 2017 pela C..., e na qual foi incluída a TOS no montante de € 39.874,33.
D. Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 11 de janeiro de 2018, ao pagamento da
fatura e da TOS.
E. A Recorrente instaurou ação contra a comercializadora (a C...), requerendo a
anulação da repercussão da TOS incluída naquela fatura, por violação do artigo 85.º,
n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios
até efetivo reembolso.
F. Entretanto, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada de sentença desfavorável no
presente processo, no qual o Mmo. Juiz a quo decidiu pela improcedência da
impugnação judicial.
G. Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por
assentar numa errada interpretação do direito, uma vez que a LOE 2017 veio proibir
expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais.
H. No essencial, e quanto a este segmento, o Mmo. Juiz a quo pugna pela
improcedência da impugnação judicial porquanto entende que o artigo 85.º, n.º 3, do OE
2017, não produziu efeitos jurídicos imediatos.
I. Com efeito, em particular aduz-se, na sentença sob recurso, que “[c]om efeito, nem o
artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3.03, disciplina a repercussão da taxa de
ocupação do subsolo nem da sua conjugação com o artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de
28.12, resulta que o fim da repercussão da TOS opere sem a ponderação dos mesmos
objetivos que estiveram na base da opção de repercussão conferida pelo legislador com
a celebração dos atuais contratos de concessão, ou seja o equilíbrio económico-financeiro
das empresas operadoras de infraestruturas.
Do exposto, resulta que a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 2017 não é
automaticamente operacional, no sentido em que é necessária a mediação de outras
normas jurídicas, que constituirão o quadro legal exigível a que a seja efetivamente
alterado o regime legal de repercussão da TOS, de molde a que não seja refletida na
fatura dos consumidores.”
J. Um raciocínio inaceitável, tendo em conta que a Lei do Orçamento do Estado para
2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais.
K. Com efeito, determina o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017
que a “taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do
subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo
ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos).
L. Assim, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 e
sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional a repercussão
legal da TOS no consumidor final passou a ser ilegal.
M. Em todo o caso, sem prejuízo da ilegalidade da repercussão, esta continuou a ser
efetuada à Recorrente, que é consumidora final, nos mesmos termos em que era
efetuada antes da entrada em vigor do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado
para 2017.
N. O que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão
de uma taxa municipal, repercussão essa que é ilegal e proibida, mas que continua a
ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no
artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017.
O. O incómodo, injustiça ou ilegalidade da situação em que a ora Recorrida ou demais
comercializadoras possam estar colocadas por força dessa proibição não é imputável à
(nem repercutível sobre a) Recorrente, mas ao Estado.
P. Com efeito, se à entidade demandada, aqui Recorrida, se afigura que o Estado não
estabeleceu os mecanismos de reequilíbrio contratual que devia ou não instituiu os
meios necessários ao ressarcimento da Recorrida pelos custos que passou a ter por
força da proibição de repercussão da TOS, deve a Recorrida insurgir-se e acionar o
Estado como entender, designadamente em sede de responsabilidade civil.
Q. O que a Recorrida não pode é ignorar A LEI, fazer de conta que esta não existe, e
continuar a onerar a Recorrida apenas porque a lei aumentou os seus custos de
contexto sem qualquer contrapartida.
R. Entender de outro modo como entendeu o Mmo. Juiz a quo na douta sentença sob
recurso é limitar os poderes de conformação legislativa da Assembleia da República,
condicionando a eficácia de diplomas aprovados pelo órgão legislativo soberano no
sistema português ao facto de tais diplomas ou normas serem, ou não, convenientes à
atividade dos sujeitos a quem essa legislação se dirige, ao arrepio do princípio do
primado da Assembleia da República que se infere do nosso sistema constitucional de
reserva de competências, consagrado em particular nos artigos 161.º, 164.º, 165.º e
198.º da Lei Fundamental!
S. Ou seja refira-se com toda a transparência a interpretação que logrou obter
vencimento na sentença sob recurso não é uma interpretação conforme à Constituição,
porque resulta da Constituição que um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode
limitar a vigência de uma Lei do Orçamento.
T. No Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, do Ministro de Estado e das Finanças,
Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e Ministro do Ambiente
e da Ação Climática, o governo português reconhece (i) que a proibição de repercussão
da TOS foi determinada pelo artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017; (ii) que as entidades do
setor não estão a cumprir com essa determinação (razão pela qual se almeja “o fim da
repercussão”; e, (iii) que e é necessária uma alteração legislativa MAS – e esta é a parte
relevante tal alteração servirá para que a incidência passe a assentar na efetiva
ocupação do subsolo, nada tendo a ver com a possibilidade de repercussão sobre os
consumidores.
U. De resto, já na LOE de 2019 se havia previsto, no respetivo artigo 246.º, com a
epígrafe “Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo”, que “1 — O
Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal
enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de
repercussão das taxas na fatura dos consumidores [o que só pode interpretar-se como
sendo uma abertura à revisão da proibição criada em 2017, por força dos resultados
que a mesma tivesse tido no equilíbrio contratual dos operadores do setor]; 2 A
alteração legislativa prevista no número anterior deve [fazer] assentar a incidência [da
TOS] na efetiva ocupação do subsolo […]”
V. Respondendo diretamente à questão colocada na sentença sobre o “sentido” que
fazem estas sucessivas referências ao tema na legislação aprovada a partir de 2017, o
sentido é este: estando ciente do incumprimento das operadoras/comercializadoras, o
Governo pretendeu asseverar aos agentes económicos que o seu objetivo não seria
alterado nem reduzido pelo ilegal comportamento destas entidades.
W. Não há dúvidas de que a necessidade de alterações e de revisão legislativas
mencionadas no artigo 70.º do Decreto-Lei de execução orçamental relativo a 2017, na
LOE de 2019, na LOE de 2021 e no Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, se
relacionam com os operadores de energia e com o modo como a TOS recai sobre estes
e é calculada.
X. Mas também é de cristalina evidência de que nada nessas normas e Despacho
contende com a posição jurídica subjetiva em que o artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017
envolveu a Recorrente e nos termos da qual a TOS deixou de poder ser-lhe exigida.
Y. In casu, a Recorrente é um consumidor final e a lei diz, expressamente, que “[a] taxa
municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são
pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na
fatura dos consumidores” – cit., artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 (destaques nossos).
Z. O segmento final da norma acabada de citar é imediatamente constitutivo de direitos
para os consumidores, não carecendo, para ser eficaz, de qualquer densificação
legislativa ou regulamentar adicional.
AA. Estes direitos são independentes do que suceda a montante, i.e., da solução dada
à questão de saber sobre quem deva recair, entre Operadores e Comercializadores, o
encargo da TOS, ou a jusante, i.e. da atitude que operadores e comercializadores
queiram tomar relativamente ao Estado, que lhes exige um pagamento que não pode
e não pode por determinação legal - ser repercutido nos seus clientes.
BB. Por força dessa determinação legal o encargo não pode ser suportado pelo
consumidor, máxime pela ora Recorrente, que é um terceiro face às relações
estabelecidas entre o Estado, Operadoras e Comercializadoras.
CC. É esta clareza que deve assistir à tomada de decisão relativamente a este caso:
a. A LEI atribui um direito ao consumidor (v.g. à Recorrente), qual seja, o de não suportar
a taxa de ocupação do subsolo;
b. Esse direito cria uma obrigação simétrica na esfera da Recorrida: a proibição de
cobrar o montante da TOS à Recorrente.
c. A questão de saber quem deve suportar a TOS é irrelevante para o consumidor e
deve ser dirimida em sede própria, se os visados assim entenderem;
DD. Tanto vale por dizer que, tendo a Recorrida ignorado a lei expressa, que proibia a
cobrança de TOS à Recorrente, deve devolver os montantes que lhe foram entregues,
INDEPENDENTEMENTE de poder ou não vir a recuperá-los junto de outras entidades.
EE. É que, ao contrário do que pretende o Mmo. Juiz a quo, um Decreto-Lei de
Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do
Estado.
FF. O artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017 contém uma norma clara, precisa e incondicional,
da qual resultam dois imperativos: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas
operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
GG. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental invocado
na sentença sob recurso –, este determina que “[t]endo em conta a avaliação referida
no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor,
nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores”.
HH. É esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática.
II. O artigo 70.º, n.º 5, além de confirmar a proibição de repercussão da TOS nos
consumidores finais, prevê um mecanismo adicional de avaliação para o futuro (cuja
aplicação prática, aliás, se desconhece); não revoga a proibição da repercussão nem
lhe retira a respetiva eficácia.
JJ. Não. Aquilo que o legislador fez foi determinar uma avaliação da situação para, só
depois, com base nos resultados dessa avaliação, decidir revogar ou manter a norma
do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017.
KK. O Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os
princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em
paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos), sendo
de referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível
com a Lei do Orçamento do Estado para 2017.
LL. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um
Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos plasmados neste
último, tal como resulta dos números 1 a 3 do artigo 53.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de
setembro, usualmente denominada como “Lei de Enquadramento Orçamental” ou
LEO”.
MM. Inexistindo quaisquer dúvidas quanto ao facto de o Decreto-Lei de Execução
Orçamental, seja ele qual for, dever respeitar e desenvolver o Orçamento do Estado e
não obstar à sua aplicação.
NN. Entendimento diverso permitiria considerar legítimo que o Governo pudesse,
através de Decreto-Lei e sem qualquer autorização legislativa específica, alterar, ou
obstaculizar, o decidido pela Assembleia da República em matéria orçamental.
OO. Uma interpretação do artigo 70.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março,
como a que se afigura transparecer da sentença sob recurso, segundo a qual tal norma
tem o poder de impedir a aplicação imediata do n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 torna
aquela primeira norma inconstitucional, por violação do princípio da fixação de
competência legislativa conexo com o princípio da separação de poderes, que deriva da
conjugação dos artigos 111.º, 112.º n.º 3, 161.º, n.º 1, alínea g) e 198.º da Constituição
da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os
legais efeitos.
PP. Passe a redundância, ignorar esta circunstância é atribuir ao Governo o poder de
ignorar a Assembleia da República, bastando, para tal, que o Governo refira como faz
no decreto-lei em causa agir no contexto de competência legislativa concorrencial, ao
abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a) da Constituição.
QQ. Pelo que também por estas razões jurídico-constitucionais não deve tal
interpretação colher, reconhecendo-se, ao invés, que não pode admitir-se que uma
norma constante de um decreto-lei de execução orçamental impeça a aplicação de uma
norma constante da lei de valor reforçado a Lei do Orçamento do Estado que
sustenta e habilita a própria vigência do decreto de execução.
RR. Assim, tendo sido repercutida na Recorrente a TOS, torna-se claro que esta
repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução
Orçamental.
SS. Interpretação que é a única conforme à Constituição da República Portuguesa.
TT. Acresce que, de acordo com o artigo 3.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de
28 de agosto, que estabelece as bases gerais de organização e de funcionamento do
SNGN, entende-se por consumidor ou cliente final o “cliente que compra gás para
consumo próprio”.
UU. A Recorrente desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não
se dedicando, portanto, à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás
natural, pelo que se impõe concluir que a cobrança da TOS à mesma contraria lei
expressa.
VV. Pelo que não soçobram dúvidas de que, ao não reconhecer tal ilegalidade, a
sentença sob recurso interpretou erradamente o direito aplicável in casu, de onde se
encontra ela mesma ferida de ilegalidade, devendo ser, em consequência, anulada.
WW. Adicionalmente, quanto à alegada inconstitucionalidade da TOS, decidiu o Mmo.
Juiz a quo que “a consideração do consumo de gás natural, como base para o cálculo
do valor da taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural, não determina a
alteração da natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que, a alegada
inconstitucionalidade invocada pela Impugnante não pode proceder”.
XX. Ora, a não conformidade constitucional da TOS foi colocada em evidência pela
Impugnante, ora Recorrente, por violação do princípio da legalidade tributária, plasmado
no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental,
YY. Porquanto, por via do mecanismo de repercussão legal, a TOS procura atingir uma
manifestação de capacidade contributiva específica (o consumo de gás natural), não
assentando na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do
domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos
particulares, tratando-se, assim, materialmente, de um imposto.
ZZ. Assim, tratando-se materialmente de um imposto, a repercussão da TOS é
inconstitucional ao não ter sido aprovada por Lei ou Decreto-Lei autorizado.
AAA. Além disso, frisa-se que a TOS consubstancia uma contrapartida pecuniária pela
utilização e aproveitamento de um bem do domínio público e privado municipal que in
casu não se verifica, pois, a Recorrente, além de não usufruir nem ocupar o subsolo,
não dispõe igualmente de quaisquer pipelines.
BBB. De facto, no caso concreto não é possível identificar uma relação direta e efetiva
entre o aproveitamento individualizado de uma utilidade e a exigência de pagamento.
CCC. O que, de resto, se reconhece expressamente na sentença recorrida, quando se
refere, na p. 22 da mesma, que:
No caso dos autos, não obstante a TOS cobrada à Impugnante não corresponda,
stricto sensu, ao preço do serviço concretamente prestado pela Entidade
Impugnada, a mesma está diretamente relacionada com a prestação desse serviço,
pois a ocupação do subsolo que esta taxa visa remunerar é indispensável ao exercício
da atividade económica da Impugnante, mormente para o fornecimento de energia” (cit.
destaques nossos).
DDD. O argumento acaba por provar de mais: frisa-se, por um lado, a não equivalência
entre o preço pago à Entidade Demandada e o serviço por esta prestado e salienta-se,
por outro, que a ocupação do subsolo é indispensável ao exercício da atividade
económica da impugnante, descurando-se o facto de tal ocupação não ser efetuada
pela impugnante, aqui Recorrente.
EEE. In casu nunca é demais repetir: a Recorrente não ocupa o subsolo pelo que, por
definição, não deve ser seu o encargo de uma taxa de ocupação do mesmo (situação
que em muito difere do quadro factual sobre o qual incide a larguíssima maioria da
jurisprudência superior portuguesa relativa à TOS).
FFF. Pelo que carece de sentido defender-se, como se faz mais adiante na sentença
em crise, que “o ato de repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo
consubstancia o encargo suportado pela Impugnante, resultante de contrapartida pelo
custo da utilização do domínio municipal, pela utilização de infraestruturas no subsolo
para o fornecimento de gás aos consumidores, o que evidencia a natureza
sinalagmática da TOS”.
GGG. Não é repita-se a impugnante e ora Recorrente quem utiliza o domínio
municipal ou causa o desgaste ou cria o risco inerente à existência de infraestruturas de
transporte de gás no subsolo.
HHH. Pelo que é manifesto que o ato (de repercussão) que faz incidir sobre a Recorrente
o custo da utilização do domínio municipal que a TOS visa remunerar conduz à perda
de quaisquer características de sinalagmaticidade inerentes ao conceito de taxa.
III. E sem sinalagma, a TOS transmuta-se em imposto.
JJJ. De facto, no que concerne à categoria de tributo denominada taxa, a prestação
pública não pode ser presumida ou eventual, sob pena de o tributo ser caraterizado
como uma contribuição ou como um imposto, respetivamente,
KKK. E encontrando-se sujeito, por isso, ao princípio da legalidade tributária,
designadamente na vertente de reserva legislativa da Assembleia da República,
plasmada na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.
LLL. E esta é a pedra de toque que fere a repercussão da TOS de vício de violação de
lei constitucional e que vem sendo arguido pela impugnante e aqui Recorrente ao longo
do presente processo.
MMM. De facto, a inconstitucionalidade que se argui funda-se numa razão muito
estrutural e intrínseca à delimitação conceptual das taxas e impostos: o sinalagma que,
mais ou menos difuso, preside ao conceito de taxa (cujos elementos essenciais não
estão sujeitos à reserva legislativa parlamentar) e que pode estar totalmente ausente
nos impostos (cujos elementos essenciais têm de ser aprovados ou autorizados pelo
parlamento) não se verifica in casu.
NNN. Pelo que manifesto se torna que a repercussão da TOS é organicamente
inconstitucional, na medida em que, tendo transmutado este tributo em imposto (no que
tange à impugnante e ora Recorrente e não no que concerne à sua estrutura genérica),
não respeita a mesma o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da
República Portuguesa, posto que não foi aprovada pela Assembleia da República, como
devia.
OOO. De onde deve a sentença sob recurso também por esta razão subsidiária ser
anulada e substituída por outra que, mesmo não reconhecendo a apontada ilegalidade,
reconheça a inconstitucionalidade orgânica da norma resultante da Resolução do
Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho e da Portaria n.º 1213/2010, de 2 de
dezembro, cláusula 11.º do Anexo III, que prevê e impõe a repercussão da TOS (e em
consequência do próprio ato de repercussão), por violação da norma resultante das
disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n. º 2, da Lei
Fundamental e, em consequência, ordene à Recorrida que devolva à Recorrente os
montantes por esta pagos a título de TOS.
PPP. Discorda-se, igualmente, da douta Sentença na parte em que julgou improcedente
o pedido de juros indemnizatórios deduzido pela impugnante, ora Recorrente.
QQQ. Atendendo ao caso em apreço, tendo a Recorrida, Entidade Demandada,
repercutido ilegalmente a TOS na Recorrente, esta viu-se privada, ilicitamente, de uma
quantia que lhe era devida pelo que deverá ser devidamente compensada.
RRR. Não obstante a C... não integrar a Administração Tributária e Aduaneira nem ser
um ente público equiparado, para o efeito da discussão em causa nos presentes autos,
é ela que indevidamente repercutiu o tributo à impugnante, ora Recorrente.
SSS. Ao cobrar a TOS à Recorrente em violação de lei expressa, a Recorrida cobra-lhe
um tributo que não é devido, privando-a, deste modo, de uma quantia que era sua.
TTT. A repercussão da TOS traduz-se, assim, num empobrecimento real e efetivo da
tesouraria da impugnante, ora Recorrente, e num enriquecimento da tesouraria da C....
UUU. Verificando-se a repercussão da TOS pela C..., em violação do artigo 85.º, n.º 3,
do OE para 2017, existe fundamento legal para o pagamento de juros indemnizatórios
à Recorrente, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, na medida em que se verificou o
pagamento indevido de um tributo, cujo erro não é (seguramente) imputável a esta.
VVV. Refira-se que, em tese, o direito a juros indemnizatórios devidos à Recorrente,
A..., é independente e alheio ao eventual direito de regresso que a Recorrida possa ter
sobre outras entidades.
WWW.Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por
outra que declare procedente a impugnação judicial proposta pela Impugnante, ora
Recorrente, por ser conforme ao Direito.
1.3. Contra-alegou a Recorrida tendo formulado as seguintes conclusões:
«A. A douta sentença do Tribunal "a quo" veio correta e adequadamente, do ponto de
vista da apreciação do direito, sustentar que assiste razão à aqui Recorrida na sua
alegação de legalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo.
B. A sentença recorrida sustenta corretamente que “(...) o ato de repercussão ora em
crise não padece dos vícios que lhe são assacados, devendo o mesmo ser mantido na
ordem jurídica, (...).
(...), não tendo a Impugnante logrado vencimento no que concerne à anulação do ato
de repercussão da TOS impugnada inexiste, consequentemente, o direito à restituição
da quantia paga.".
C. A sentença recorrida sustenta corretamente que que "(...) a repercussão não constitui
uma contrapartida pelos consumos nem visa "tributar" qualquer capacidade contributiva,
mas consubstancia, tão só um critério de imputação da taxa aos consumidores finais.
Estamos, assim, perante uma taxa devida pelas concessionárias, mas que por forma a
garantir o equilíbrio económico e financeiro das concessões foi permitida a sua
repercussão no consumidor final, sem que a sua natureza se tenha alterado. Resulta do
que antecede, que a consideração do consumo de gás natural, como base para o
cálculo do valor da taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural, não determina
a alteração da natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que, a alegada
inconstitucionalidade invocada pela Impugnante não pode proceder".
D. 3Não tem em absoluto razão a Recorrente, pelo que senão não fazia absoluto sentido
o que resulta do n.º 5 do artigo 70.º, que é claro e evidente ao estabelecer que o fim da
repercussão está dependente do Governo alterar o quadro legal em vigor, o que até à
presente data não verificou.
E. Ainda que se pudesse legitimamente questionar, se tal referência ao quadro legal,
incluía a questão da repercussão, a identificada disposição legal refere expressamente
a questão da repercussão nos consumidores finais, ao dizer taxativamente
"...nomeadamente, em matéria de repercussão das taxas dos consumidores".
F. Não houve por parte da Recorrida qualquer desrespeito da Lei 42/2016, de 28 de
dezembro, nem qualquer ilegalidade ao ter procedido à repercussão da taxa municipal
de ocupação do subsolo, pelo que solução de direito adotada pelo tribunal "a quo"
mostra-se correta, pois, na presente data não se pode considerar como proibida a
repercussão da taxa de ocupação do subsolo, visto que a norma do artigo 85.º, n.º 3,
da LOE de 2017, não tinha o efeito de automaticamente impor que a recorrente deixasse
de repercutir a referida taxa nos consumidores finais.
G. Não resulta de tal disposição legal uma imperatividade quanto ao termo da
repercussão taxa de ocupação do subsolo nos consumidores finais, mas somente um
objetivo que no futuro quadro legal tal viesse a ser consagrado.
H. Só desta forma se poderá articular a redação do artigo 85.º, n.º 3, com o artigo 70.º,
n.º 5, do Decreto-Lei de Execução Orçamental (sobre a Lei de Orçamento de Estado
para 2017), visto que é, por mais evidente, que a referida aplicação condicionada pelo
referido Decreto-Lei de Execução Orçamental, porque a não ser assim, será pouco
compreensível a necessidade de as leis orçamentais posteriores voltarem a fazer
referência à extinção da TOS.
I. Nos termos do 6.º, n.º 1, al. c), do RGTAL, podem ser cobras taxas pela "utilização e
aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal", visto que a Lei n.º 53-
E/2006, de 29 de dezembro, veio permitir a criação de taxas por regulamento aprovado
pelo respetivo órgão deliberativo autárquico, em que ficou expressamente fixado, como
uma das bases de incidência objetiva das mesmas, a utilização e aproveitamento de
bens do domínio público e privado municipal.
J. Nos termos do referenciado artigo 6.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de
Dezembro, “As taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou
geradas pela atividade dos municípios, designadamente: (...) c) Pela utilização e
aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal".
K. Nos termos do artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do mencionado diploma legal, o sujeito ativo da
relação jurídico-tributária geradora da obrigação de pagamento das taxas é a autarquia
local titular do direito de exigir a prestação, sendo sujeito passivo a pessoa singular ou
coletiva e outras entidades legalmente equiparadas que estejam vinculados ao
cumprimento da prestação tributária.
L. Estas taxas são criadas por regulamento, dos quais deve constar a incidência objetiva
e subjetiva; o valor ou a fórmula de cálculo do valor das taxas a cobrar; a fundamentação
económico financeira relativa ao valor das taxas; as isenções; o modo de pagamento e
a admissibilidade de pagamento em prestações, bem como as regras relativas à
liquidação e cobrança destes tributos.
M. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 8 de abril, foram
aprovadas as minutas dos novos contratos de concessão de serviço público de
distribuição regional de gás natural, onde se preveem que os custos com as taxas de
ocupação do subsolo (TOS) são suportados pelos consumidores de gás natural de cada
Município, por via das respetivas faturas do fornecimento do gás natural, emitidas pelas
empresas concessionárias de distribuição de gás natural que operam na área de cada
Município.
N. De acordo com a sentença proferida no âmbito do processo n.º 75/21.9BEPRT, que
correu termos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto,1 da Resolução do Conselho
de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho, resulta de modo claro e evidente que "... é
necessária a realização de uma avaliação pela Entidade Reguladora dos Serviços
Energéticos (ERSE) das consequências no equilíbrio económico-financeiro das
empresas operadoras de infraestruturas e só perante essa avaliação é que o Governo
procederá à alteração do quadro legal em vigor, designadamente, do regime jurídico da
distribuição de gás natural ou do regime geral das taxas das autarquias locais, cuja
revisão estava, de resto, prevista e autorizada pelo artigo 85. º da Lei n.º 42/2016,
nomeadamente em matéria de repercussão da TOS na fatura dos consumidores, o que
até à presente data, ainda não sucedeu".
O. Nos termos legais, o valor de tais taxas de ocupação do subsolo resulta de decisão
aprovada em cada Assembleia Municipal, diferindo assim de Município para Município,
pelo que, em cumprimento legal, em cada Município são repercutidos nos consumidores
os valores efetivamente cobrados pela respetiva autarquia ao operador de rede.
P. Compete à ERSE definir a metodologia de repercussão nos consumidores das TOS
aprovadas por cada Município, pelo que a metodologia aprovada assegura que a
imputação das TOS é efetuada em função dos custos das redes de distribuição, dando
a recorrente cumprimento ao que resulta da lei em vigor, bem como às orientações de
ERSE, nomeadamente, identificando de forma clara, visível e destacada o valor
correspondente à taxa de ocupação do subsolo, o município a que se destina e o ano a
que respeita.
Q. Neste sentido, não existe ilegalidade, e tanto assim é, que, em 11.01.2021, por via
do despacho n.º 315/2021, foi constituído um grupo de trabalho com o objetivo de alterar
o quadro legal enquadrador da TOS atualmente em vigor, nos termos estabelecidos pelo
artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017,
de 3 de março, e artigo 246.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.
R. Ora, diferentemente do entendimento Recorrente, tal significa que o quadro-legal
ainda não foi modificado, apesar do constante no artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016,
de 28 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017), visto que apesar do n.º 3
do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, ter determinado, de forma
programática, que a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de
ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não
podendo ser refletidas na fatura dos consumidores, a mesma acabou até à presente
data por ser concretizada.
S. Inclusivamente, a referida norma padece, ela própria de inconstitucionalidade, pois
como referem SUZANA TAVARES DA SILVA e LÍCINIO LOPES MARTINS, "(...) o n.º 3
do artigo 85.º da lei 42/2016, é um verdadeiro "cavaleiro orçamental", pois não é possível
descortinar qualquer relação entre o seu conteúdo e uma questão de natureza financeira
ou orçamental - nem com o Orçamento de Estado, nem com os orçamentos municipais
-, a não ser o facto de este tributo passar a constituir encargo para as empresas privadas
que exploram redes de distribuição de gás natural em regime de concessão. Desta
conclusão decorrem consequências relevantes: i) a norma em causa não tem natureza
orçamental e, nessa medida, a sua vigência não se esgota com o termo do ano fiscal;
ii) a aplicarem-se os critérios que foram definidos pela jurisprudência do Tribunal
Constitucional, esta norma deveria ser declara inconstitucional por não ter qualquer
"conexão mínima" com matéria financeira e orçamental".
T. Essa norma não era autoexecutável, pelo que teve ser concretizada pelo artigo 70.º
do Decreto- Lei n.º 25/2017, de 3 de março (Normas de Execução do Orçamento de
Estado para 2017), onde ficou definido que o Governo procederia à alteração do quadro
legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos
consumidores, o que só pode ser interpretado no sentido que o artigo 85.º da Lei n.º
42/2016, de 28 de dezembro, não determinou automaticamente o fim da repercussão
das taxas na fatura dos consumidores.
U. Como referem SUZANA TAVARES DA SILVA e LÍCINIO LOPES MARTINS, "(…) o
n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 - não é apta a produzir o seu conteúdo normativo
na realidade por duas ordens de razões complementares entre si: i) porque essa é a
vontade do legislador expressamente manifestada; e li) porque tal resulta da sua
interpretação jurídica.".
V. Os mesmos autores sustentam que se tratando de um "cavaleiro orçamental", a
referida disposição legal "(...) se encontra no mesmo plano normativo que o n.º 5 do
artigo 70.º do Decreto-Lei n° 25/2017, de 3 de março, não constituindo a primeira norma
um parâmetro normativo superior em relação à segunda (...).
W. A norma posterior no tempo projeta sobre a primeira os seus efeitos jurídicos,
derrogando aqueles que com ela se não compatibilizarem, sendo precisamente o que
sucede com o disposto no n.º 5 do referido artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017,
quando aí se dispõe que "o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor,
nomeadamente em matéria de repercussão das trocas na factura dos consumidores".
X. Daqui resulta uma clarificação, ou até derrogação, dos efeitos imediatos da primeira,
pelo que norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 não era uma norma
imediatamente operativa, mas tão só uma norma percetiva, cuja eficácia ficava
dependente de uma modificação do quadro regulatório da taxa de ocupação do subsolo,
designadamente para assegurar que o quadro legal da taxa seria adequado a evitar - à
semelhança da taxa de direito de passagem, que tem um elemento-travão, ou mediante
a adoção de outro expediente regulatório - a arbitrariedade ou descontrolo no exercício
do poder tributário municipal.
Y. Este é o único resultado compatível com o princípio do legislador razoável, pelo que
não é compatível outra solução que permita a admissibilidade de transição brusca do
quadro regulatório da TOS para uma situação de exercício descontrolado do poder
tributário municipal.
Z. Daqui resulta nas palavras dos citados autores que "(...) até que as referidas
alterações legislativas venham a ter lugar, a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º
42/2016 é parcialmente ineficaz, não conseguindo projetar os seus efeitos na realidade".
AA. Acrescentam ainda que "Para além de este resultado (...) ser obtido a partir da
interpretação sistemática do preceito, como sublinhámos antes, ele é também o produto
de uma correcta tarefa metodológica que tenha em conta, como se impõe, o cânone
interpretativo do concreto resultado social da decisão ou, "consequentialist arguments"
na expressão de MacCormick".
BB. Em suma, estes autores concluem, tal como o faz a Recorrida, que "Operadores
das Redes de Distribuição de gás natural (ORD) podem continuar a repercutir nos
consumidores, a partir de 2018, as taxas de ocupação do subsolo pagas desde 2017
aos municípios, ao abrigo do Manual de Procedimentos para a Repercussão das Taxas
de Ocupação do Subsolo - MPTOS (aprovado pela Directiva n.º 18/2013, ERSE), até
que o legislador proceda às alterações necessárias no quadro legislativo em vigor que
permitam tornar operativo o disposto n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.° 42/2016, de 28 de
Dezembro".
CC. Pelo que não existiu erro de interpretação/julgamento da matéria de direito pelo
douto tribunal "a quo".
DD. O artigo 246.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado
para 2019), veio estabelecer que o Governo procederá à revisão do quadro legal
enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de
repercussão das taxas na fatura dos consumidores, pelo que, diferentemente do
entendimento expresso pela Recorrente, a pretérita Lei do orçamento de Estado para
2017 não eliminou a repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo.
EE. A não ser assim, o que mera tese académica se equaciona, não faria sentido os
atos legislativos que se lhe seguiram, uma vez que, posteriormente, a lei do orçamento
de Estado de 2019, fala-se no objetivo de colocar termo à repercussão da TOS na fatura
dos consumidores, pelo que a mesma ainda não estava concretizada.
FF. A identificada lei do orçamento de Estado de 2019 refere, complementarmente, que
a alteração legislativa a efetuar e, portanto, ainda não concretizada, deve ter incidência
na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a fixação de um limite mínimo e máximo
indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo para os fornecimentos em BP < e
para os fornecimentos em BP > e MP por parte dos municípios, atendendo aos princípios
da objetividade, proporcionalidade e não discriminação.
GG. Por este motivo, o despacho n.º 315/2021, criou um grupo de trabalho, com o
escopo de regulamentar o mecanismo da repercussão aos consumidores.
HH. Logo, a sua cobrança é legal! E a decisão do tribunal "a quo" não padece de erro
de interpretação/julgamento da matéria de direito.
II. Esta situação não se alterou com a entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de
dezembro, uma vez que o legislador voltou a consagrar no seu artigo 133.º uma
alteração no sentido de as empresas não poderem cobrar TOS aos consumidores - "A
taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação de subsolo são
pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser cobradas aos
consumidores." mas, uma vez mais, tal norma programática carece de regulamentação,
uma vez que dispõe o n.º 3, da referida disposição legal, que “No primeiro semestre de
2021, o Governo procede às alterações legislativas necessárias à concretização do
disposto no n.º1".
JJ. Essa falta de regulamentação autoriza que a Recorrida continue legitimamente a
refletir na fatura do consumidor final os valores relativos às taxas de ocupação de
subsolo (TOS), pelo que desde a inclusão pela primeira vez de disposição conducente
ao términus da repercussão da TOS nos consumidores, que foi objeto de inclusão em
todas as leis orçamentais posteriores, a verdade é que a mesma consubstanciou apenas
um objetivo programático.
KK. A sua definitiva implementação no ordenamento jurídico ficou dependentes dos
termos previstos no Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março - lei de execução
orçamental, o que implicava um conjunto de procedimentos que deviam ocorrer até que
efetivamente a taxa deixasse de ser cobrada ao consumidor final.
LL. Apenas nesse sentido se compreendem as afirmações dos responsáveis políticos,
como seja o Secretário de Estado da Energia, quando referiu que, "Da parte do Governo,
estando reunidas as condições que são necessárias, quer das autarquias, quer do
regulador, será o mais rápido possível, no sentido de que é a obrigação do Governo de
cumprir o que está estabelecido no Orçamento do Estado".
MM. A única leitura que se pode retirar, é que a medida feita constar na lei de orçamento
de Estado ainda se encontra por cumprir, pelo que o fim da repercussão da TOS nos
consumidores não decorria de modo automático do artigo 85.º da Lei de Orçamento de
Estado para 2017, nem das normas das leis orçamentais que se lhe seguiram, pois em
tudo aquilo que se seguiu, sempre se fez referência a que o Governo procederia à
revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor,
nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.
NN. Ora, diferentemente do entendimento da Recorrente, se tal proibição de
repercussão foi imediata, como sustenta, por que razão teve o legislador a necessidade
de continuar a fazer constar a referência a esta matéria nas leis orçamentais
subsequentes e, bem assim, a criar um grupo de trabalho sobre a matéria.
OO. A conclusão apenas pode ser uma, e é que a repercussão que se pretende deixar
de efetuar ainda não se pode considerar aplicada e que, portanto, não foi o quadro legal
alterado, apesar do que foi estabelecido na Lei de Orçamento de Estado para 2017.
PP. Aliás, posteriormente vem referir que a alteração legislativa a efetuar, tal como
estabelecido pelo n.º 2 do artigo 246.º, deve assentar a incidência na efetiva ocupação
do subsolo e assegure a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das
taxas de ocupação do subsolo, atendendo aos princípios da objetividade,
proporcionalidade e não discriminação, pelo que a repercussão da taxa não era
automática pela disposição orçamental, como o próprio Governo reconhece, uma vez
que existiam condições que se tinham de verificar para que tal ocorresse.
QQ. Só após este processo, o Governo procederia à alteração do quadro legal em vigor,
nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores, pelo
que até lá a repercussão é legal continuar a recair sobre os estes, visto que essa
operacionalização estava dependente de normas de execução, que o legislador na sua
concretização adiou com o estabelecimento da necessidade de uma iniciativa legislativa
do Governo para “alteração do quadro legal em vigor".
RR. Aliás ao invés da norma orçamental, com que o Recorrente funda o seu
entendimento, as propostas do quadro legal vão num sentido totalmente diverso - a
possibilidade de repercussão das taxas no consumidor final tem como contraponto um
desenvolvimento das regras de transparência e a impossibilidade de repercussão nos
consumidores finais de valores superiores aos cobrados pelos respetivos municípios
junto dos operadores de rede de distribuição a título de taxa de ocupação do subsolo.
Permite também a manutenção do equilíbrio económico-financeiro das empresas
operadoras de infraestruturas que, a não se verificar, onerará em igual proporção o
contribuinte", bem como avança como solução para o quadro legal que “As empresas
operadoras de redes de distribuição de gás podem repercutir os valores efetivamente
pagos aos respetivos municípios a título de TOS e apenas esses valores podem ser
repercutidos pelos comercializadores no consumidor final.".
SS. Esta posição, aqui defendida encontra respaldo quer na douta sentença do Tribunal
"a quo", que não merece censura, quer na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal
do Porto, adotada no processo n.º 75/21.9BEPRT, onde se veio a considerar, conforme
o que aqui se sustenta, que ao não existir um novo quadro legal, persiste a possibilidade
legal de repercussão da taxa de ocupação do subsolo nos consumidores, pelo que a
mesma não padece de ilegalidade.
TT. Tal como a douta Sentença do Tribunal a quo, também na mencionada sentença do
Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, são claras e perentórias quando afirmam que
“do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 não resulta uma imperatividade de não
repercussão da TOS nos consumidores finais, mas somente um objetivo que no futuro
quadro legal tal viesse a ser consagrado. Por outras palavras, decorre que "(...) na TOS
- o legislador não deixou expressa, de forma imediata, a inoperatividade da norma, tendo
vindo a fazê-lo mais tarde, com a aprovação do disposto no já mencionado n.º 5 do
artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, ao aí afirmar que "tendo em conta a avaliação
referida no número anterior [o estudo encomendado ao regulador sobre o impacto
económico da modificação legislativa pretendida pelo artigo 85.º da Lei n.º 42/2016], o
Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de
repercussão das taxas na factura dos consumidores".
UU. No entendimento no entendimento sufragado por Suzana Tavares da Silva e Licínio
Lopes Martins in "Temas de Energia - TOS - Taxa de Ocupação de Subsolo", a
(possibilidade de repercussão) taxa de ocupação do subsolo pelas concessionárias da
distribuição de gás natural à luz do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro"
em www.erse.pt: "Sucede, contudo, que sem a aprovação deste regime por parte do
Governo não é possível considerar que tenha existido uma alteração normativa eficaz
do quadro jurídico em vigor (...) esta alteração não podia produzir efeitos imediatos sem
que fossem alteradas as normas sobre a forma de cálculo das duas taxas aí visadas
(...) Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é
parcialmente ineficaz seja porque em si não reúne as condições necessárias para
projectar os seus efeitos na realidade, seja porque em si não reúne as condições
necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador
expressamente explicitou o condicionamento da produção dos efeitos até ao momento
da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.".
VV. Logo, ter-se-á de "concluir que - contrariamente até ao que desejariam algumas
forças políticas parlamentares, como é o caso do PCP que apresentou uma proposta de
lei no sentido de imprimir retroactivamente eficácia operativa directa à norma do artigo
85.º da Lei n.º 42/2016, por via de uma alegada interpretação autêntica da mesma [Em
rodapé: Cf. Projecto de Lei n.º 583/XIII/2.9.] - o Governo e os municípios sempre
interpretaram e assumiram que o disposto no n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 era
um preceito normativo que carecia de alterações legislativas posteriores em outros
diplomas legais - designadamente na lei das comunicações e no regime jurídico da
distribuição de gás natural ou na lei do regime geral das taxas das autarquias locais,
cuja revisão estava, de resto prevista e autorizada pelo artigo 86.º da Lei n.º 42/2016 -
para poder produzir os seus efeitos jurídicos em concreto, o que, até ao momento, não
sucedeu".
WW. A proibição de repercussão prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei OE 2017 não
operou de forma imediata, não produziu efeitos jurídicos imediatos, pois encontra-se
dependente do cumprimento das condições vertidas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 70.º do
Decreto-Lei n.º 25/2017, que são necessárias à execução do referido normativo.
XX. Como refere, e bem, a douta sentença do Tribunal "a quo": "(...) da interpretação do
n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 não resulta uma imperatividade de não
repercussão da TOS nos consumidores finais, mas somente um objetivo a concretizar
legislativamente no futuro."
YY. A este propósito a citada sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto,
sustenta que "a eficácia, que é condição de vigência de uma norma, é independente da
sua validade”, pelo que uma norma pode ser válida, e ainda assim não ser eficaz por
não conseguir projetar, total ou parcialmente, os seus efeitos no plano fáctico, que é o
caso do n.º 3 do artigo 85.º da Lei OE 2017.
ZZ. Logo, não tendo ainda o Governo voltado a legislar sobre essa matéria, será de
concluir que se mantém o mesmo quadro legal, permite de forma expressa a
repercussão da TOS sobre os consumidores.
AAA. E, tanto assim é, que como afirma a douta sentença, veio o legislador no artigo
246.º da Lei n.º 71/2018, de 31/12 (LOE 2019), sob a epígrafe "Quadro legal
enquadrador das taxas de ocupação do subsolo", prever que: "1 - O Governo procede,
até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de
ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas
na fatura dos consumidores; 2 - A alteração legislativa prevista no número anterior deve
assentar a incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a fixação de um limite
mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo para os
fornecimentos em BP(menor que) e para os fornecimentos em BP(maior que) e MP por
parte dos municípios, atendendo aos princípios da objetividade, proporcionalidade e não
discriminação".
BBB. E, conforme acima se referiu, e que mereceu acolhimento na douta sentença do
Tribunal "a quo", mais recentemente, o artigo 133.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12 (Lei
do Orçamento de Estado 2021), sob a epígrafe "Taxa municipal de direitos de passagem
e taxa municipal de ocupação do subsolo", voltou a prever que "A taxa municipal de
direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação de subsolo são pagas pelas
empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser cobradas aos consumidores."
(n.º 1), agora acrescentando, no seu n.º 2, que "O presente artigo tem caráter imperativo
sobrepondo-se a qualquer legislação, resolução ou regulamento em vigor que o
contrarie", mais dispondo no seu n.º 3 que "No primeiro semestre de 2021, o Governo
procede às alterações legislativas necessárias à concretização do disposto no n.º1.",
CCC. Tendo, nesse seguimento, sido constituído um grupo de trabalho com o objetivo
de alterar o quadro legal da TOS - cfr. Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, dos
Ministro de Estado e das Finanças, Ministra da Modernização do Estado e da
Administração Pública e Ministro do Ambiente e da Ação Climática, fixando o prazo de
quatro meses para apresentação da proposta de alteração legislativa [e o despacho n.º
5983/2021, de 18/06, que prorroga, por três meses, o mandato do grupo de trabalho].
DDD. Tal como é referido neste Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, publicado no
Diário da República n.º 6, II série, "Considerando que, através do n.º 3 do artigo 85.º da
Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017), ficou
determinado que a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de
ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não
podendo ser refletidas na fatura dos consumidores, concretizando o artigo 70.º do
Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março (Normas de Execução do Orçamento de Estado
para 2017), que o Governo procederá à alteração do quadro legal em vigor,
nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores".
EEE. Assim, haverá de concluir, como fizerem outros tribunais (conforme a citada
sentença do TAF do Porto), que “... se a proibição de repercussão da TOS tivesse, de
facto, produzido efeitos imediatos com o n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28
de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado (OE) para 2017, não seria
necessário voltar a aludir, nas Leis do Orçamento posteriores, à intenção de pôr fim à
repercussão da taxa nas faturas dos consumidores, nem seria necessário criar o referido
grupo de trabalho em 2021, visando, e como ali expressamente se refere, almejar "o fim
da repercussão da TOS na fatura dos consumidores".
FFF. Assim, bem andou a douta Sentença quando sustenta que: "Assim, e mais uma
vez, o legislador veio a estabelecer a proibição da repercussão da TOS ao consumidor
final, mas referindo, novamente, que tal só acontecerá acompanhada das alterações
legislativas entendidas necessárias designadamente pelo grupo de trabalho constituído
com o objetivo de alterar o quadro legal da TOS". (...). Em face do exposto, verifica-se
que se a proibição de repercussão da TOS tivesse, de facto, produzido efeitos imediatos
com o n.º 3 do artigo 85.° da Lei n.°42/2016, de 28.12, como defende a Impugnante,
não existiria a necessidade de, novamente reproduzir a mesma norma, nas Leis de
Orçamento de Estado posteriores, com vista a pôr fim à repercussão da taxa nas faturas
dos consumidores, nem seria necessário criar o referido grupo de trabalho em 2021,
visando, e como ali expressamente se refere, "almejar o fim da repercussão da TOS na
fatura dos consumidores".
GGG. Logo, tem razão a douta Sentença do Tribunal a quo, quando conclui, que
"enquanto não existir um novo quadro legal sobre a matéria, persiste a possibilidade
legal de repercussão da TOS nos consumidores de gás, pelo que a repercussão da TOS
pela Entidade Demandada, através da fatura de fornecimento de gás natural ora em
crise, não padece da ilegalidade que lhe vem assacada, improcedendo, por
conseguinte, as alegações da Impugnante, neste segmento".
HHH. Quanto à matéria da pretensa inconstitucionalidade, também não assiste razão à
Recorrente, uma vez que é conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo
na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto, no sentido que o
imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito
de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras
do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida
genérica do funcionamento dos serviços estaduais.
III. Assim, os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos
sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património
(artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), enquanto as taxas constituem uma prestação
pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação
administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo
uma natureza sinalagmática, que pressupõe a realização de uma contraprestação
específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e
que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do
domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos
particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
JJJ. A doutrina salienta que a "taxa tem igualmente a finalidade de angariação de
receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de
qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover
indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um
dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um
custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário.
Assim, «a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído
por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na
compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é
simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública, mas porque
é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o
contribuinte» (Sérgio Vasques, em "Manual de Direito Fiscal", pág. 207, ed. de 2011,
Almedina)" - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/2015, de 19 de Novembro,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
KKK. Existe diversa jurisprudência, quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do
Tribunal Constitucional, no sentido que os tributos liquidados visando a ocupação de via
pública e, mais especificamente, do subsolo, como é o caso da TOS, revestem a
natureza de taxas e não de impostos - por todos, vide Acórdãos do Supremo Tribunal
Administrativo de 17/11/2004, recs. n.ºs 0650/04 e 0654/04, de 27/04/2005, rec. n.º
01338/04, de 09/05/2007, rec. n.º 01223/06, de 09/10/2008, rec, n.º 0500/08 e de
17/03/2010, rec, n.º 0931/09 e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/2003,
processo n.º 241/02, de 14/07/2003 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
LLL. Como bem decidiu a douta sentença do Tribunal "a quo" “..., não obstante a TOS
cobrada à Impugnante não corresponda, stricto sensu, ao preço do serviço
concretamente prestado pela Entidade Impugnada, a mesma está diretamente
relacionada com a prestação desse serviço, pois a ocupação do subsolo que esta taxa
visa remunerar é indispensável ao exercício da atividade económica da Impugnante,
mormente para o fornecimento de energia.
MMM. A douta Sentença vem, com fundamento, considerar que "(...) o ato de
repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo consubstancia o encargo
suportado pela Impugnante, resultante de contrapartida pelo custo da utilização do
domínio municipal, pela utilização de infraestruturas no subsolo para o fornecimento de
gás aos consumidores, o que evidencia a natureza sinalagmática da TOS. Nesta
sequência, a repercussão não constitui uma contrapartida pelos consumos nem visa
"tributar" qualquer capacidade contributiva, mas consubstancia, tão só um critério de
imputação da taxa aos consumidores finais. Estamos, assim, perante uma taxa devida
pelas concessionárias, mas que por forma a garantir o equilíbrio económico e financeiro
das concessões foi permitida a sua repercussão no consumidor final, sem que a sua
natureza se tenha alterado".
NNN. Logo, nenhuma espécie de censura merece tal decisão, quando considerou que
"(...) a consideração do consumo de gás natural, como base para o cálculo do valor da
taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural, não determina a alteração da
natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que, a alegada inconstitucionalidade
invocada pela Impugnante não pode proceder".
OOO. Pelo que não tem a recorrente razão nos fundamentos que apresenta, devendo-se
manter a decisão adotada pela 1.ª Instância.
PPP. Efetivamente, nenhuma espécie de censura merece tal decisão, pelo que a
utilização dos consumos de gás para, a par de outros fatores ali previstos, aferir o valor
a repercutir a cada consumidor, não constitui uma contrapartida pelos consumos nem
visa "tributar" qualquer capacidade contributiva, mas consubstancia tão só um critério
de imputação da taxa aos consumidores finais, como aconteceu no caso vertente, não
consubstanciando assim um imposto".
QQQ. Consequentemente, atender aos consumos de gás natural para o cálculo do valor
da taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural não implica a transmutação da
natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que não existe qualquer
inconstitucionalidade.
RRR. Em face do que fica referenciado, impõe-se concluir, que não tendo razão a
recorrente, quanto à anulação do ato de repercussão da TOS, e consequentemente, do
direito à restituição da quantia paga, tal implica não ter fundamento o pedido de
pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.
1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu
parecer no sentido da procedência do recurso.
1.5. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora
os autos à Conferência para julgamento.
2. OBJECTO DO RECURSO
2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou
deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é
determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações
[artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].
Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite
concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente
ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito
proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas
questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do
CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas
situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso,
constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos
em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário
(CPPT).
2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, são três as questões a
decidir:
A primeira prende-se com a validade e eficácia da norma consagrada no n.º 3 do artigo
85.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28-12), de
que decorrerá, em caso afirmativo, a ilegalidade do acto de repercussão impugnado por,
desde 1 de Janeiro de 2017, não ser permitido às empresas operadoras de
infraestruturas, que suportam a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa
municipal de ocupação do subsolo, reflectir (repercutir) na factura dos consumidores os
valores por si pagos a esse título.
A segunda, sendo negativa a resposta à questão antecedente, é a de saber se,
relativamente ao consumidor final, sobre quem recai, por via do acto de repercussão, o
encargo financeiro de pagamento da TOS, é ou não possível identificar-se a
contraprestação de utilização de um bem do domínio público que está subjacente a esta
taxa e, não sendo, se o tributo em causa deve qualificar-se materialmente como um
imposto, a julgar inconstitucional por violação dos artigos 165.º, n.º 1 al. i) e 103º, n.º 2
e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Sendo afirmativa a resposta à primeira ou segunda das questões antecedentes, haverá
ainda que decidir uma terceira questão, a saber, decidir se o reconhecimento de
qualquer um dos vícios que integram a causa de pedir constitui fundamento suficiente
para, em sede de Impugnação Judicial e ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da Lei
Geral Tributária (LGT) serem atribuídos à Recorrente juros indemnizatórios e, em caso
afirmativo, desde quando e até quando esses juros são devidos.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Fundamentação de facto
Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
A. Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 3 de abril, foram aprovadas
as minutas dos contratos de concessão de distribuição regional de gás natural, em
regime de serviço público, a celebrar entre o Estado Português e as sociedades D...,
S.A.; E..., S.A.; F..., S.A.; G..., S.A.; H..., S.A.; I..., SA - facto não controvertido - cf. artigo
65.º da petição inicial e artigo 29.º da contestação - e Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008,
publicada em Diário da República, 1.ª série, n.º 119, de 23.06.2008, cujo teor se dá por integralmente
reproduzido.
B. O contrato de concessão da atividade de distribuição de gás natural entre o Estado
Português e a concessionária H..., S.A., cuja minuta foi aprovada pela Resolução do
Conselho de Ministros a que se refere a alínea antecedente, prevê, quanto aos «direitos
e obrigações da concessionária», o seguinte:
Cláusula 7.ª
Direitos e obrigações da concessionária
1 - (…)
2 - Assiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infraestruturas,
quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores
finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação,
desde que não constituam impostos diretos, que lhe venham a ser cobrados por
quaisquer entidades públicas, direta ou indiretamente atinentes à distribuição de gás,
incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais.
3 - Na sequência do estabelecido no n.º 2 e no que respeita às taxas de ocupação do
subsolo a liquidar pelas autarquias locais que integram a área da concessão, os valores
pagos pela concessionária em cada ano civil serão repercutidos por município sobre as
entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores
finais servidos pelas mesmas nos termos a definir pela ERSE.” - facto não controvertido
- cf. artigos 67.º e 68.º da petição inicial e Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, publicada em
Diário da República, 1.ª série, n.º 119, de 23 de junho de 2008, cujo teor se dá por integralmente
reproduzido.
C. A 12.12.2017, a Entidade Demandada emitiu, em nome da Impugnante, a fatura n.º
...76, referente ao mês de novembro de 2017, no montante total de 692.692,53 €, na
qual está incluído o valor de 39.874,33 €, correspondente à taxa de ocupação do
subsolo, desdobrado nas seguintes parcelas:
[IMAGEM]
- cf. fatura junta como doc. 1 da petição inicial, a fls. 64 a 68 dos autos, que se dá por integralmente
reproduzida.
D. A 11.01.2018, a Impugnante pagou a fatura referida na alínea anterior - cf. documento
n.° 2 junto com a petição inicial, a fls. 69 dos autos.
3.2. Fundamentação de direito
3.2.1. Dissemos já que a Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que
julgou improcedente a presente Impugnação Judicial, sustentando que o Meritíssimo
Juiz a quo, ao julgar que o acto de repercussão da TOS não é ilegal nem afronta a
Constituição, interpretou e aplicou mal o quadro jurídico que convocou como
fundamento da sua decisão.
3.2.2. Concretizando, para a Recorrente o Tribunal interpretou e aplicou mal o disposto
no artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28-12, porque resulta deste preceito que a partir da
entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2017, sem necessidade de
qualquer acto legislativo ou regulamentar adicional, ficou proibida a repercussão da TOS
no consumidor final; porque a interpretação e aplicação conjugada da Lei do Orçamento
do Estado e do Decreto-Lei de Execução Orçamental (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de
Março) não podem conduzir, como se decidiu, na sentença recorrida, à conclusão de
que aquele diploma de execução pode limitar o estabelecido e a vigência do que está
consagrado naquela primeira Lei e, por fim, porque, contrariamente ao também
decidido, o acto de repercussão, nas concretas circunstâncias, constitui um verdadeiro
imposto, e não uma taxa, já que através dele se procura atingir uma manifestação de
capacidade contributiva específica, consumo de gás natural, sem qualquer
contraprestação concreta para a Recorrente, que não beneficia da utilização do bem do
domínio público que a TOS visa tributar, sendo as operadoras de infraestruturas o
efectivo e único beneficiário da ocupação do subsolo, imprescindível para o exercício
da sua actividade,
3.2.3. Vejamos, então, começando por enunciar os factos e argumentos jurídicos em
que, de forma nuclear, se fundou o julgamento
No que respeita à factualidade pertinente, relevou, para o que nos importa apreciar e
decidir face ao objecto do recurso, a circunstância de ter ficado provado que na factura
emitida pela Recorrida à Recorrente, referente ao mês de Dezembro de 2017, que tem
como montante total € 47.310,87, está incluído o valor de € 39.039,08 a título de «Taxa
de Ocupação de Subsolo» (€ 244,03, em função do número de dias de facturação e €
39.630,30, fixado em função do consumo). Ou seja, relevou para o julgamento ter ficado
provado que na factura apresentada a pagamento à Recorrente e por esta
efectivamente paga está incluída a TOS.
Quanto aos argumentos jurídicos que sustentaram de forma mais decisiva o não
reconhecimento do pedido de ilegalidade do acto de repercussão, são, no essencial, os
seguintes: (i) a norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da LOE de 2017 não é
automaticamente operacional, ou seja, a sua eficácia está dependente da criação de
um quadro jurídico que ainda não existe e, consequentemente, a obrigatoriedade de
não repercussão da TOS na factura dos consumidores finais consagrada no n.º3 do
artigo 85.º da LOE não é exequível; (ii) o n.º 3 do citado artigo e Lei não tem natureza
imperativa, constituindo apenas um objectivo a concretizar legislativamente no futuro,
como resulta do preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017 e
da circunstância de o Governo ter vindo a desenvolver, desde então e até ao ano de
2021, várias iniciativas, de diversa natureza, que comprovam que o quadro legal de
repercussão da TOS se mantém inalterado; (iii) pela utilização de um bem de domínio
público pode ser exigida uma contrapartida financeira, taxa, em que a TOS se traduz,
pelo que, ainda que não seja a Recorrente que directamente utiliza o subsolo, o certo é
que a sua actividade comercial ainda está dependente dessa ocupação, sendo legítimo
e constitucionalmente conforme que o pagamento dessa taxa lhe seja exigido.
3.2.4. As questões que se nos colocam neste recurso jurisdicional foram já
objecto de conhecimento e decisão no acórdão proferido a 23 de Fevereiro de
2023, no processo n.º 2/2021.3BEALM, integralmente disponível para consulta em
www.dgsi.pt.
Será, pois, tendo por referência esse aresto, particularmente tudo quanto ficou decidido
no que respeita à validade e eficácia da norma cuja exegese somos chamados a
analisar, que iremos desenvolver a fundamentação do nosso julgamento.
Tendo em consideração as necessárias adaptações e para que o discurso fique mais
perceptível, prescindiremos das aspas que em rigor seriam devidas pela reprodução
que iremos fazer.
Assim:
3.2.4.1. Da validade e eficácia da norma contida no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do
Orçamento do Estado para o ano de 2017 (LOE207)
O artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento
do Estado para o ano de 2017 possui o seguinte teor: «A taxa municipal de direitos de
passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas
operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos
consumidores.».
Para bem compreendermos o teor desta norma (abstraímo-nos, por ora, de aludir aos
seus eventuais efeitos), importa, antes de mais, que façamos uma breve densificação
da taxa que aqui está em causa, onde encontra o seu fundamento jurídico, como é
determinada ou quantificada e quem é ou, pelo menos, era até 1-1-2017 responsável
pelo seu pagamento.
Começaremos, assim, por fazer uma excursão sobre os diplomas legais que nos
permitirão esclarecer esses aspectos, absolutamente necessária para a
contextualização da questão nevrálgica dos autos.
Nesse sentido, convoca-se, antes de mais, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, Lei
que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), que regula as
relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às
autarquias locais (artigo 1.º), na qual se encontra estabelecido que os tributos nela
previstos assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização
privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de
um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 3.º), não devendo o
seu valor, fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade, ultrapassar o custo da
actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular (artigo 4.º).
Ainda nos termos deste diploma, a taxa incide, designadamente, sobre a utilização e
aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal, sendo seu sujeito
activo a autarquia local, entidade titular do direito de exigir o tributo e sujeito passivo a
pessoa, singular ou colectiva, e outras entidades legalmente equiparadas que, nos
termos da presente Lei e dos Regulamentos aprovados pelas autarquias locais, esteja
vinculado ao cumprimento da prestação tributária (artigos 6.º e 7.º).
Com a publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 30/2006 de 15 de Fevereiro (Entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2020), de 28 de Agosto.)
foram introduzidos na ordem jurídica nacional os princípios gerais relativos à
organização e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), bem
como ao exercício das actividades de recepção, armazenamento, transporte,
distribuição e comercialização de gás natural e à organização dos mercados de gás
natural - em conformidade com as regras comuns consagradas na Directiva n.º
2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho (A Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho revogou a Directiva
n.º 98/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho.)
que tiveram por
finalidade o incremento de um mercado livre e concorrencial.
Conforme consta do seu preâmbulo, visou-se com este diploma concretizar no plano
normativo a linha estratégica da Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, de
24 de Outubro, definindo para o sector do gás natural um quadro legislativo coerente e
articulado com a referida legislação comunitária e os principais objectivos estratégicos
aprovados na referida resolução.
No que respeita à exploração das redes de distribuição de gás natural, resulta do artigo
27.º do identificado diploma que «A actividade de distribuição de gás natural é exercida
em regime de concessão ou de licença de serviço público, mediante a exploração das
respectivas infra-estruturas que, no seu conjunto, integram a exploração da RNDGN»
(n.º 1) e que «As concessões da RNDGN são atribuídas mediante contratos outorgados
pelo Ministro da Economia e da Inovação, em representação do Estado».
Posteriormente foi publicado o Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, que,
desenvolvendo os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do
Sistema Nacional de Gás Natural, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de
Fevereiro, instituiu o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de transporte,
armazenamento subterrâneo, recepção, armazenamento e regaseificação de gás
natural liquefeito, à distribuição e comercialização de gás natural e à organização dos
mercados de gás natural - desta forma se completando a transposição da Directiva n.º
2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
Com particular relevo para o que nos autos nos importa decidir, ficou estabelecido no
artigo 7.º do referido Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho que a atribuição das
concessões para o exercício desta actividade compete ao Conselho de Ministros, sendo
os respectivos contratos de concessão outorgados pelo ministro responsável pela área
da energia, em representação do Estado. E, no seu artigo 70.º, que os contratos de
concessão de distribuição regional em vigor tinham que ser alterados de acordo com as
bases estabelecidas no seu Anexo IV, assegurando-se nos novos contratos o direito
das concessionárias à manutenção do equilíbrio económico e financeiro das respectivas
concessões.
No Conselho de Ministros de 3 de Abril de 2008, foi aprovada a Resolução n.º 98/2008,
de 3 de Abril de 2008 (publicada no Diário da República n.º 119/2008, Série I de 23 de
Junho e doravante apenas designada por Resolução) que possui o seguinte teor:
«O Decreto-Lei 30/2006, de 15 de Fevereiro, ao estabelecer as bases gerais da
organização e do funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) em
Portugal, bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das várias actividades que
integram o SNGN e à organização dos mercados de gás natural, prevê que a
distribuição de gás natural é uma actividade exercida em regime de concessão de
serviço público.
No desenvolvimento dos princípios acima referidos, o artigo 7.º do Decreto-Lei
140/2006, de 26 de Julho, dispõe que a atribuição das concessões para o exercício
desta actividade compete ao Conselho de Ministros, sendo os respectivos contratos de
concessão outorgados pelo ministro responsável pela área da energia, em
representação do Estado.
O mesmo diploma estabelece ainda no n.º 1 do artigo 70.º que os actuais contratos de
concessão de distribuição regional devem ser alterados de acordo com as bases
estabelecidas no anexo iv do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, assegurando-se
nos novos contratos o direito das concessionárias à manutenção do equilíbrio
económico e financeiro das respectivas concessões.
Obtido o acordo de cada uma das concessionárias sobre as alterações introduzidas nos
respectivos contratos, encontram-se reunidas as condições para atribuir as concessões
de distribuição regional de gás natural, em regime de serviço público, a celebrar entre o
Estado Português e as sociedades D..., S. A., E..., S. A., F..., S. A., G..., S. A., H..., S.
A., e I..., S. A.
Assim:
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, e
nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar, sob proposta do Ministro da Economia e da Inovação, as minutas dos
contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a
celebrar entre o Estado Português e as sociedades D..., S. A., E..., S. A., F..., S. A., G...,
S. A., H..., S. A., e I..., S. A.
2 - Determinar que os originais dos contratos referidos no número anterior fiquem
arquivados na Secretaria-Geral do Ministério da Economia e da Inovação.
3 - Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua
aprovação.».
Em anexo à Resolução constam as minutas dos contratos de concessão, constando do
texto da cláusula 7ª que «É reconhecido à concessionária o direito de repercutir, para
as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais, o valor integral
das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área
da concessão na vigência do anterior contrato de concessão mas ainda não pago ou
impugnado judicialmente pela concessionária, caso tal pagamento venha a ser
considerado obrigatório pelo órgão judicial competente, após trânsito em julgado da
respectiva sentença, ou após consentimento prévio e expresso do concedente.”.
Direito este que igualmente se mostra reconhecido na cláusula 11.ª do Modelo de
Licença para exploração de rede de distribuição local de gás natural (Previsto no anexo III da Portaria n.º 1213/2010, de 2-12, aprovada ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo
24.° e n.º 3 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26-7, com a alteração introduzida pelo Decreto-
Lei n.º 65/2008, de 9-4.)
, da qual consta
«Assiste também à Licenciada o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas
infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de
consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua
designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser
cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à
distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas
autarquias locais» (n.º 3) e que «Na sequência do estabelecido no número anterior, os
valores que vierem a ser pagos pela Licenciada em cada ano civil serão repercutidos
sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os
consumidores finais servidos pelas mesmas, durante os anos seguintes, nos termos a
definir pela ERSE».
Em suma, até à emissão da Resolução, o pagamento da TOS, enquanto contrapartida
pela utilização e aproveitamento de bens de domínio público e privado municipal pelas
redes de distribuição de gás natural, era, por força do preceituado nos artigos 6.º, n.º 1
al. c) e 7.º, n.º 2 do RGTAL, da exclusiva responsabilidade das concessionárias. Após
a Resolução, e por força da Resolução, o pagamento da TOS passou a ser passível de
imputação ao consumidor final.
Em nota final deste enquadramento importa ainda registar que o Decreto-Lei n.º
140/2006 define como cliente final “ o cliente que compra gás natural para consumo
próprio”[artigo 3.º, al. g)] (Definição mantida pelo Decreto-Lei n.º 62/20, de 28 de Agosto, que revogou o regime instituído no
Decreto-Lei n.º 140/2006, conforme artigos 3.º, al. g) e 160.º, al. b) daquele primeiro diploma legal.)
e que a metodologia de repercussão do valor da TOS que
cada Município aplica, incluída nas facturas de gás natural, nos termos definidos pela
ERSE, depende da extensão da rede de distribuição instalada em cada concelho e que
o valor unitário da TOS repercutido é composto por uma componente variável que incide
sobre o consumo de gás natural (kWh) e uma componente fixa aplicada sobre o número
de dias do período de facturação (como ocorreu no caso, atenta a factualidade apurada).
Como se constata da leitura da sentença recorrida, e deixámos já consignado, o
julgamento de improcedência da acção acompanhou a tese defendida pela Recorrida,
louvando-se, nuclearmente, no entendimento de que a norma prevista no artigo 85.º, n.º
3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, estando a sua eficácia
dependente da criação de um quadro jurídico tendo em vista a alteração do regime legal
de repercussão da TOS. Ou seja, o n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 é, para o Tribunal
a quo, uma norma programática, substancia um mero objectivo a prosseguir e a
concretizar no futuro, como, adianta, resulta do preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 70.º
do Decreto-Lei n.º 25/2017, e da circunstância de o Governo ter vindo a desenvolver,
desde então e até ao ano de 2021, várias iniciativas, de diversa natureza, que
comprovam que o quadro legal de repercussão da TOS se mantém inalterado.
Antes de demonstramos que assim não é, deixámos consignada uma breve nota relativa
a argumento não aflorado na sentença mas que não deixa de ser invocado nas contraalegações
e que ditou que na enunciação da primeira questão tivéssemos incluído a
questão da validade da norma e não apenas da sua eficácia.
Efectivamente, como se constata da leitura da conclusão V das contra-alegações (que
vem em linha com a alegação de que “esta norma deveria ser declara inconstitucional
por não ter qualquer "conexão mínima" com matéria financeira e orçamental") a
Recorrida argumenta que a norma cuja eficácia se discute é inconstitucional por
constituir um “cavaleiro orçamental”.
Em suma, e se bem interpretamos as suas alegações, para a Recorrida a própria
questão da eficácia revela-se irrelevante por a norma contida no n.º 3 do artigo 85.º da
LOE2017 ser inconstitucional.
Vejamos.
A questão da validade dos cavaleiros orçamentais, nome sob o qual a doutrina e a
jurisprudência designam as normas incluídas no Orçamento do Estado sem relação
directa com matéria financeira ou orçamental, constitui, como é sabido, questão há
muito debatida no ordenamento jurídico nacional, onde assume contornos mais
problemáticos atenta a inexistência, ainda hoje, e contrariamente ao que ocorre em
outros ordenamentos jurídicos, de resposta expressa na nossa Lei Fundamental.
Sem prejuízo de se ter presente que não existe ainda consenso na doutrina sobre a
melhor solução oferecida pelo ordenamento jurídico, e que em abono de uma e outra
das teses em confronto são aduzidos argumentos ponderosos, certo é que, ao nível da
jurisprudência constitucional, que aqui releva sobremaneira, o entendimento tradicional
e maioritário vai no sentido da sua validade, por, não existindo no ordenamento jurídicoconstitucional
qualquer proibição expressa de inclusão deste tipo de normas (Vide, acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 461/87 (processo n.º 176/87), de 16-12-1987; n.º 358/92
(processo n.º 120/92); de 11-11-1992; n.º 141/2002 (processos n.º 198/92 e 62/93), de 9-4-2002; n.º
360/2003 (processo n.º 13/2003), de 8-7-2003; n.º 428/05 (processo n.º 656/05), de 25-8-2005, n.º 396/11
(processo n.º 72/11), de 21-9-2011; )
, e pese
embora constituir prática “ discutível, e até censurável, seja do ponto de vista doutrinário,
seja do da técnica da legislação” se dever concluir que essa censura não encontra
fundamento “do ponto de vista jurídico-constitucional (Acórdão n.º 461/87, proferido no processo n.º 176/87, de 16-12-1987, integralmente disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html
(A explicação para esta utilização censurável mas historicamente sistemática é-nos explicada de forma
clara pela doutrina: «[a] natureza calendarizada da lei do Orçamento explica, em grande parte, a sua
utilização para fazer aprovar normas sem direta, nem por vezes indireta, incidência materialmente
orçamental. Ao fazer-se incluir uma determinada matéria na lei do Orçamento pretende-se, normalmente,
beneficiar da certeza de que essa lei será aprovada num prazo reduzido, que entrará em vigor numa data
certa e que, no momento da sua discussão e aprovação, as atenções andarão, previsivelmente, arredadas
das normas que aí, mais ou menos, subtilmente, se infiltraram» -Tiago Duarte, A Lei Por Detrás do
Orçamento, Almedina, Maio de 2007, página 447.)

É verdade, não se olvida, que a posição a que fizemos referência, que se mantém até
hoje, tem vindo, ao longo do tempo, a ser acompanhada de um discurso fundamentador
em que se realça a existência de uma tese defensora de exigências acrescidas assente
na verificação de uma “conexão mínima entre o cavalier e a lei do orçamento (por se
considerar inadmissível que se aproveite a lei do orçamento para regular matérias em
tudo a ele absolutamente estranhas, como o seriam, por exemplo a regulamentação do
regime de bens do casamento, ou do sistema de recursos em processo civil)". (Ponto 42. do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2002, integralmente disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html)
Porém,
mesmo nos casos contados em que tal aconteceu, a mais das vezes em termos
abstractos, e, em caso algum, de forma determinante para o juízo de validade da norma,
também aí se conclui, depois de se sublinhar que essa conexão mínima até existe, que
«o facto de a inclusão deste tipo de normas nos diversos orçamentos do Estado ser uma
prática habitual ou reiterada, como aliás disso dão conta os vários acórdãos deste
Tribunal que sobre tais matérias têm sido proferidos, com uma ampla tradição
remontando ao constitucionalismo monárquico e que não se encontra excluída pelo
actual texto constitucional, pelo que deve ser aceite tal inclusão orçamental, nos termos
supra expostos. Assim, e independentemente de outras considerações, não se tem por
ilegítima a inclusão das normas em causa na lei do orçamento».(Ponto 42. do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2002, integralmente disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html))

Acresce que, como se diz no Parecer da Procuradoria n.º 6/2018, a propósito de um
outro preceito (inserida na LOE2018 e relativa à aplicação da Tarifa Social aos Clientes
de Gás Natural) em que a questão da validade da norma também se colocou, «o teor
do atual n.º 5 do artigo 165.º da Constituição, introduzido pela revisão constitucional de
1989, ao aceitar a existência de autorizações legislativas na Lei do Orçamento em
matérias não fiscais apresenta-se como um forte apoio para se admitir os cavaleiros
orçamentais no ordenamento jurídico-constitucional português.», e embora o n.º 2 do
artigo 31.º prescreva que «[a]s disposições constantes do articulado da lei do
Orçamento do Estado devem limitar-se ao estritamente necessário para a execução da
política orçamental e financeira» (…) «parece dever concluir-se do seu teor,
particularmente do seu último segmento «para a execução da política orçamental e
financeira» , como ressalta Nazaré da Costa Cabral, que «abre uma infinitude de
possibilidades […], qualquer medida que tenha incidência no plano da política
orçamental ou da política financeira (e serão a maior parte) parece, portanto, poder ser
acolhida na lei do OE».
É, de resto, neste contexto, que encontramos explicação para o estudo que integra o
Relatório n.º ...2, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República
(UTAO),(Unidade especializada que funciona sob orientação da comissão parlamentar permanente com
competência em matéria orçamental e financeira, prestando-lhe apoio pela elaboração de estudos e
documentos de trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública.)
publicado a 17 de Março de 2022, que teve por objecto a elaboração de uma
«Reforma do processo legislativo orçamental e reestruturação da UTAO», (Disponível em
https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e7064
47567a4c30524255433956564546504c314231596d78705932466a6232567a58325268583156555155387
65548566962476c6a59634f6e7737566c637955794d4737446f32386c4d6a42775a584a7077374e6b61574
e6863793946626e4631595752795957316c626e52764a5449775a47467a4a5449775a6d6c755957374470
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35957786862734f6e62313968634778705932466a5957396659584a304a5449774e7a55745156394d5255
38756347526d&fich=UTAO-Rel-4-2022_Balan%C3%A7o_aplicacao_art+75-A_LEO.pdf&Inline=true)
no qual, no
que respeita à reforma do processo legislativo orçamental, se recomenda precisamente
que passe a haver uma «Limitação expressiva dos cavaleiros orçamentais» (ponto
1.3.1.9.), propondo-se a instituição de um mecanismo com duas partes: por um lado, a
introdução na ordem jurídica nacional de uma norma que não seja passível de ser
alterável pela própria Lei do OE que imponha a conformidade da POE com as leis em
vigor à data da entrada da POE na Assembleia da República; por outro, segunda parte
do mecanismo, propõe-se que fique prevista a possibilidade do Parlamento, durante o
debate da LOE, decidir se determinadas normas, situadas numa zona de fronteira
quanto à sua qualificação como cavaleiro orçamental, devem ou não ficar integradas na
LOE (vide, página 26 do já identificado Relatório).
Diga-se, por fim, tendo presente que a norma cuja validade se aprecia, artigo 85.º, n.º 3
da LOE2017, está inserida no Capítulo V “Finanças Locais”, altera a conformação legal
do âmbito de incidência da TOS e atendendo às repercussões económicas que dessa
alteração e das medidas subsequentes podem resultar, não pode dizer-se que seja
indiscutível que deva ser excluída do conceito de normas financeiras e, assim sendo,
que não tenha, no caso, o mínimo de conexão com o Orçamento que a jurisprudência
constitucional vem recentemente exigindo.
Concluímos, pois, tendo especialmente por referência a jurisprudência constitucional
citada, que o ordenamento jurídico-constitucional português admite as normas
designadas por cavaleiros orçamentais e que, mesmo para quem entenda que essa
admissão está dependente da existência da citada conexão mínima, há que dizer que,
no caso, ela se verifica.
Firmada a validade ou conformidade constitucional do n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017,
e não sendo controvertida a sua vocação intemporal12, passamos a adiantar as razões
porque julgamos que esta norma é também plenamente eficaz, isto é, porque
entendemos que a norma é, per se, sem a intermediação ou complementação de
quaisquer outras, apta a regular de forma directa e imediata a realidade nela
contemplada. Dito de outro modo, enunciemos as razões que ditaram a conclusão que
avançamos: a partir da publicação da Lei n.º 142/2016, que entrou em vigor a 1-1-2017,
passou a ser legalmente inadmissível que as entidades concessionárias de
fornecimento ou distribuição de gás natural repercutam nos seus clientes ou
consumidores finais a TOS.
Desde logo, porque a norma assim o diz, de forma clara, directa e incondicional: «A taxa
municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são
pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na
factura dos consumidores».
E como nem neste normativo, nem em qualquer outro da mesma Lei, se faz depender
a proibição consagrada no n.º 3 do transcrito normativo de quaisquer regulamentações,
estudos ou alterações legais, nem existe norma a impor expressamente o deferimento
no tempo da sua aplicação, há que concluir que a disposição em apreço tem que ser
interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos
consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou.
Da leitura da sentença, particularmente da recondução da norma a um mero objectivo
que o Estado pretenderia prosseguir, depreende-se que para o Meritíssimo Juiz o n.º 3
do artigo 85.º da LOE não é uma norma exequível - nem à data em que foi consagrada
na LOE/2017, nem posteriormente - por não ter ainda sido dada execução ao
determinado no artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental, como o revelam as
normas proibitivas que foram sendo sucessivamente consagradas nas Leis de
Orçamento do Estado posteriores, a emissão de um Despacho emitido pelos Ministros
de Estado e das Finanças, da Modernização do Estado e da Administração Pública e
do Ambiente e da Acção Climática a 30 de Dezembro de 2020 e a constituição do grupo
de trabalho nele previsto.
Não podemos acolher tal entendimento.
Como já dissemos, a proibição da TOS ser reflectida na factura dos consumidores
consagrada no artigo 85.º, n.º 3 é clara e incondicional e nada impede que os seus
efeitos, tal como está legalmente construída, se produzam de imediato. A
inexequibilidade da norma ou a sua qualificação como norma inexequível implica
necessariamente um juízo de incompletude. São normas não exequíveis as que " por
motivos diversos de organização social, política e jurídica” se desdobram: por um lado,
um comando que substancialmente fixa certo objectivo, atribui certo direito, prevê certo
órgão; e, por outro lado, um segundo comando, implícito ou não, que exige do Estado a
realização desse objectivo, a efectivação desse direito, a constituição desse órgão, mas
que fica dependente de normas que disponham as vias ou os instrumentos adequados
a tal efeito (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria n.º 36/89, de 12-10-1989, publicado no Diário da
República, II Série, de 25 de Maio de 1990, página 5596).

Ora, é esse desdobramento que, salvo o devido respeito, não conseguimos identificar
na norma em análise, já que a proibição (estatuição) que encerra se efectiva pela
simples eliminação da repercussão da TOS na factura. Ou seja, resultando da Lei e dos
contratos à sua luz celebrados e vigentes à data da aprovação da LOE2017, que o
pagamento da TOS era da exclusiva responsabilidade das concessionárias, que, no
entanto, posteriormente, a podiam repercutir sobre os utilizadores das infra-estruturas,
quer se tratassem de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o
valor que a esse título tivessem pago, procedendo-se, para esse efeito, à sua inclusão
na factura de facturas de gás natural, nenhum obstáculo se coloca à produção imediata
dos efeitos que lhe são inerentes que se concretizam pela singela eliminação da
repercussão na factura emitida.
E não se diga que a ser assim carece de sentido quer o preceituado no artigo 70.º, n.º
5 do Decreto-Lei de Execução Orçamental quer a necessidade de em posteriores
Orçamentos se voltar a consagrar a mesma proibição, quer, por fim, o Despacho n.º
315/21, de 30-12-2020 e o grupo de trabalho que neste último está previsto, entretanto
constituído.
Relativamente ao Decreto-Lei de Execução Orçamental, sublinhamos, antes de mais,
que, por natureza e imposição legal, constitui o instrumento onde ficam estabelecidas
as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado a que respeita.
Sendo esse o seu objecto, como decorre, no caso, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º
25/2017, de 3-3 [“O presente decreto-lei estabelece as disposições necessárias à
execução do Orçamento do Estado para 2017, aprovado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de
dezembro (Lei do Orçamento do Estado)]», parece poder concluir-se que a LOE, no
caso para o ano de 2017, constitui o quadro legal que, simultaneamente, legitima as
normas que integram o Decreto de Execução Orçamental e limita o âmbito da sua
aplicação, devendo as normas que integram este último ser interpretadas,
primacialmente, em conformidade com os princípios e normas integradas naquela
primeira, desta formas se assegurando que um diploma cuja exclusiva elaboração e
execução está cometida ao Governo [artigo 53.º da Lei n.º 15172015, de 11-9 (Lei de
Enquadramento Orçamental LEO e 198.º, n.º 1 a) e 199.º b) da Constituição da
Republica Portuguesa (CRP)], não altere, em matéria orçamental, o que ficou decidido
pela Assembleia da República, a quem sob proposta do Governo, compete aprovar o
Orçamento do Estado (artigo 161.º, g) da CRP).
Neste contexto, atentemos agora no teor do citado artigo 70.º do Decreto-Lei de
Execução Orçamental – integrado no Capítulo III, “ Administração Regional e Local- o
qual, sob a epígrafe «Taxa Municipal de direitos de passagem e taxa municipal de
ocupação do subsolo» dispõe o seguinte:
“1 - O cumprimento do dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 85.° da Lei
do Orçamento do Estado é assegurado, até 31 de março de 2017, pelas empresas
titulares das infraestruturas junto de cada município e atualizado até ao final do ano,
sem prejuízo do disposto no n.° 2 do mesmo artigo.
2 -No caso de o município ser detentor de informação do cadastro das redes de
infraestruturas, ou tiver pleno acesso à mesma através de plataforma online, este
dispensa a empresa titular das infraestruturas em questão, por solicitação desta, da
prestação inicial da informação, devendo a mesma ser atualizada até ao final do ano,
conforme o estatuído no referido artigo 85.°
3- Até ao final do mês de abril de 2017, os municípios dão conhecimento à DGAL da
informação a que se referem os números anteriores, nos termos por ela definidos.
4-Decorrido o período previsto para a prestação de informação, as entidades
reguladoras setoriais em razão da matéria avaliam a informação recolhida e as
consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de
infraestruturas.
5- Tendo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à
alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das
taxas na fatura dos consumidores.».
Na sentença recorrida, ponderando-se a necessária articulação entre os citados artigos
85.º da LOE2017 e 70.º Decreto-Lei de Execução expendeu-se o seguinte:
«Resulta, assim, da análise conjunta do artigo 85.° e do artigo 70.° que vimos
analisando, que, no caso da TOS, é necessária a realização de uma avaliação pela
Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) das consequências no equilíbrio
económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e só perante essa
avaliação é que o Governo procederá à alteração do quadro legal em vigor,
designadamente, do regime jurídico da distribuição de gás natural ou do regime geral
das taxas das autarquias locais, cuja revisão estava, de resto, prevista e autorizada pelo
artigo 86.° da referida Lei n.° 42/2016, nomeadamente em matéria de repercussão da
TOS na fatura dos consumidores, o que até à presente data, ainda não sucedeu.
Com efeito, nem o artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 3.03, disciplina a
repercussão da taxa de ocupação do subsolo nem da sua conjugação com o artigo 85.°
da Lei n.° 42/2016, de 28.12, resulta que o fim da repercussão da TOS opere sem a
ponderação dos mesmos objetivos que estiveram na base da opção de repercussão
conferida pelo legislador com a celebração dos atuais contratos de concessão, ou seja
o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas.
Do exposto, resulta que a norma prevista no artigo 85.°, n.° 3 da LOE de 2017 não é
automaticamente operacional, no sentido em que é necessária a mediação de outras
normas jurídicas, que constituirão o quadro legal exigível a que a seja efetivamente
alterado o regime legal de repercussão da TOS, de molde a que não seja refletida na
fatura dos consumidores.
Em bom rigor, não devendo a interpretação da lei cingir-se à sua letra (no caso concreto,
à letra do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017), mas sim reconstituir a partir dos textos o
pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (onde
assume particular relevância o disposto no citado artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017,
de 03.03), bem como as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições
específicas do tempo em que é aplicada, como dispõe o artigo 9.°, n.° 1 do Código Civil,
temos que disposto no artigo 85.°, n.° 3 da LOE de 2017, o qual declara que a TOS não
pode ser refletida na fatura dos consumidores, carece da realização de uma alteração
do quadro legal vigente, designadamente, do regime geral das taxas das autarquias
locais, constatando-se aliás que a alteração do enquadramento legal, em matéria de
repercussão da TOS nos consumidores, não foi efetuada até à presente data.
Por outras palavras, em síntese, estamos perante uma norma jurídica de eficácia
condicionada, cuja efetiva produção de efeitos jurídicos demanda a criação de outras
normas, ainda não existentes.».
Concordamos com o Meritíssimo Juiz na parte em que afirma que o artigo 70.º não
disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo, o que bem se compreende
por, como já deixámos explicitado, o nº 3 do artigo 85.º da LOE constitui uma norma
auto -exequível, ou seja, apta, sem qualquer regulamentação complementar, a produzir
todos os seus efeitos (também designada pela doutrina como “norma autónoma). (Neste sentido, José Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4ª. Edição, Editorial Verbo,
1987, pág.474 e seguintes.)

Como linearmente resulta do artigo 70.º, o que aí se regulamenta ou desenvolve em
termos de execução ou procedimentos são outras normas contidas no artigo 85.º da
LOE, mais concretamente, o que ficou disposto nos seus n.º 1 e 2, como, de resto, o
legislador não deixou margem para dúvidas ao, com precisão, remeter expressamente
para tais disposições legais.
Note-se, o que é sobremaneira relevante, que não só do teor do artigo 85.º ou de
qualquer outro contido em disposição da LOE2017 não resulta, como já dissemos,
qualquer tipo de obstáculo à imediata produção de efeitos do n.º 3 do referido preceito,
como o próprio artigo 70.º do Decreto de Execução confirma essa mesma eficácia plena
e imediata ao excluir da sua regulamentação ou previsão qualquer referência ao aí
determinado (proibido), o que seguramente o legislador teria feito, se fosse essa a sua
vontade, bastando para tal ter introduzido um regra condicionando aos demais
procedimentos aí regulamentados, a proibição da repercussão da TOS.
Como diz, bem, o Tribunal a quo, a interpretação não deve “cingir-se à letra da lei mas
reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a
unidade do sistema jurídico (onde assume particular relevância o disposto no citado
artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 03.03), bem como as circunstâncias em que
a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como dispõe
o artigo 9.°, n.° 1 do Código Civil». Porém, não só a letra da lei constitui um limite, no
sentido de que não pode o julgador alcançar um resultado interpretativo que nela não
tenha um mínimo de respaldo, como, a interpretação do artigo 85.º, n.º 3, por si, ou a
conjugação desta com o teor do artigo 70.º do Decreto de Execução, não permitem
concluir pela falta de eficácia da norma ou pela necessidade, que a sentença não
explica, de um quadro legal regulamentador complementar.
Em bom rigor, se bem interpretamos a sentença, conclui-se que o fundamento para a
exigibilidade do quadro complementar regulamentador radicará na necessidade de
assegurar o cumprimento dos direitos consagrados na cláusula 7.º das minutas
contratuais aprovadas pelo Conselho de Ministros que, por via da cláusula proibitiva (n.º
3 do artigo 85.º da LOE) ficou implicitamente revogada e, com ela, eventualmente
comprometido o equilíbrio económico-financeiro do acordo celebrado entre o Estado e
a Recorrida.
Porém, mais uma vez salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz confunde duas
questões distintas, que são, por um lado, a questão de saber se a proibição do artigo
85.º, n.º 3 da LOE217, nos termos em que ficou consagrada, era susceptível de produzir
efeitos imediatos à data da sua entrada em vigor e, por outro, a questão de saber quais
as repercussões que dessa disposição, produzindo efeitos imediatos, resultam para as
empresas operadoras de infraestruturas do ponto de vista financeiro.
Para que estas duas questões pudessem estar correlacionadas e dependentes uma da
outra era necessário que o legislador tivesse feito depender a dita proibição do
apuramento dessas consequências. O que não fez, limitando-se ou comprometendo-se,
como resulta da conjugação dos nºs 1 e 2 do artigo 85.º da LOE e n.º 1 a 5 do artigo
70.º do Decreto de Execução Orçamental, a definir os novos pressupostos de
determinação da TOS e a desenvolver os procedimentos necessários à avaliação ou
determinação do impacto da proibição no referido equilíbrio económico-financeiro das
empresas operadoras de infraestruturas e, em função do que viesse a ser apurado,
alterar o quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das
taxas na fatura dos consumidores." (n.º 5, do artigo 70.º).
Sem deixarmos de sublinhar que o que está em causa nos autos é a interpretação do
n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017, mais concretamente a sua susceptibilidade de produzir
efeitos imediatos na esfera jurídica dos consumidores finais, que, em primeira linha, terá
sempre que resultar da interpretação desta norma em conformidade com os critérios
interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, o que, com o devido respeito,
ficou já realizado, entendemos adequado, mesmo assim, pronunciarmo-nos sobre as
objecções colocadas ao julgamento de eficácia plena da norma que vimos expondo,
colocadas pela Recorrida na sua contestação e integralmente vertidas na sentença
recorrida, fundadas no teor das sucessivas normas orçamentais, no Despacho n.º
315/2021 e na constituição do grupo de trabalho neste previsto.
Quanto ao que nesta matéria ficou consagrado em orçamentos subsequentes,
contrariamente ao entendimento perfilhado na sentença recorrida, os contributos
reforçam a interpretação por nós perfilhada de que o legislador apenas “cuidou da
(futura) regulação da TOS” (nas palavras da sentença) mas não revogou a proibição de
repercussão do seu valor.
Assim, na Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de
Dezembro LOE2018) apenas ficou a constar, no artigo 246.º, sob a epígrafe «Quadro
legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo» que «1 - O Governo procede,
até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de
ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas
na fatura dos consumidores» (n.º 1). E que «A alteração legislativa prevista no número
anterior deve assentar a incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a
fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do
subsolo para os fornecimentos em BP (menor que) e para os fornecimentos em
BP(maior que) e MP por parte dos municípios, atendendo aos princípios da objetividade,
proporcionalidade e não discriminação» (n.º 2).
Ou seja, apenas ficou determinado que o Governo iria rever o quadro legal em vigor,
integrado pela proibição de repercussão do n.º 3 do artigo 85.º determinada pela
LOE2017 (que não revogou), incluindo em matéria de repercussão e que, nesse quadro
legal, o critério estrutural incidiria na efectiva ocupação do subsolo, devendo ser
assegurar na conformação legal a emitir a fixação de um limite mínimo e máximo
indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo.
Em suma, não resulta desta norma, nem de qualquer outra da LOE2019 ou do Decreto
de Execução respectivo, a revogação, implícita ou explícita, da proibição consagrada no
artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017.
Por sua vez, na Lei do Orçamento de Estado para 2021 (LOE2021), no artigo 133.º, sob
a epígrafe “Taxa municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do
subsolo”, ficou estabelecido o seguinte: «A taxa municipal de direitos de passagem e a
taxa municipal de ocupação de subsolo são pagas pelas empresas operadoras de
infraestruturas, não podendo ser cobradas aos consumidores (n.º1); «O presente artigo
tem caráter imperativo sobrepondo-se a qualquer legislação, resolução ou regulamento
em vigor que o contrarie» (n.º 2) e que «No primeiro semestre de 2021, o Governo
procede às alterações legislativas necessárias à concretização do disposto no n.º 1»
(n.º 3)
Ou seja, mais uma vez, o legislador de forma clara, directa e incondicional proibiu a
repercussão da TOS na factura do consumidor, renovando a imposição de que o seu
pagamento fosse suportado pelas empresas operadoras de infraestruturas, sublinhando
a natureza imperativa dessa determinação e a sua sobreposição a qualquer outra. E
embora seja certo que no n.º 3 do mesmo preceito o legislador condicionou o disposto
no seu n.º 1 às alterações legislativas que visse a efectuar (no primeiro semestre de
2021), entendemos que essas alterações se reportam ao modo de determinação da
TOS e do seu pagamento pelas operadoras de infraestruturas (designadamente tendo
em consideração o equilíbrio económico que o Estado se comprometera a assegurar) e
não a um condicionamento directo à proibição de repercussão, sob pena de carecer de
sentido o que ficou estabelecido no n.º 2 da mesma norma e diploma.
Por fim, no que respeita ao despacho n.º 315/2021, de 11 de Janeiro, e sem deixarmos
de sublinhar que não possui força legal para modificar as normas constantes da Lei do
Orçamento do Estado, importa atentar, antes de mais, que nele se reconhece que no
artigo 85.º da LOE2017 ficou determinado “que a taxa municipal de direitos de
passagem e a taxa de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras,
não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores» e ficou reconhecido que no
artigo 246.º da LOE2019 também já ficara estabelecido que o Governo procederia à
revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação de subsolo em vigor,
nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores. Ou
seja, se bem o interpretamos o despacho em referência, é neste confirmada a leitura
que fazemos de que o n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 encerra uma proibição efectiva
e imediata da repercussão e confirmado que o Governo se comprometeu, na Lei
Orçamento de Estado aprovada dois anos depois (LOE2019) a realizar uma revisão do
quadro enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor (com as alterações
determinadas pela LOE2017,), designadamente em matéria de repercussão da TOS na
factura dos consumidores. E foi tendo pressente estas premissas que foi determinada a
constituição de um grupo de trabalho com «o objectivo de alterar o quadro legal
enquadrador da TOS atualmente em vigor nos termos estabelecidos pelo artigo 85.º da
Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, artigo 70.º do Decreto-lei n.º 25/17, de 3 de março,
e artigo 246.º da lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.»
Sem prejuízo de tudo quanto ficou exposto, não podemos deixar de adiantar ainda o
seguinte: toda a argumentação aduzida na sentença recorrida idêntica à que consta, em
geral, em sentenças proferidas em múltiplos processos, nos quais estão igualmente incluídas
alegações de conteúdo idêntico ou similar às que constam nos presentes autos e em que é
defendido o não reconhecimento de plena eficácia da norma constante do n.º 3 do artigo 85.º,
n.º 3 da LOE2017 - tem subjacente o entendimento de que a proibição só podia “ ganhar
operatividade” ou ser exequível quando fosse alterado todo um quadro regulamentador
capaz de assegurar o equilíbrio económico do contrato de concessão. Ou seja, tem
subjacente o entendimento de que, sendo a imputação sob a forma de repercussão ao
consumidor final uma parte do preço acordado, a sua eliminação, ou os termos em que
a mesma se podia efectivar, dependiam de um quadro complementar que reporia o
equilíbrio, assim se justificando que a norma consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da
LOE2017 não passasse de uma norma “ meramente programática”, um mero objectivo
a concretizar.
Acontece, porém, que assim não é. Efectivamente, pelo Decreto Lei n.º 140/2006, de
26 de Julho, expressamente convocado como fundamento da Resolução, foram
estabelecidos os regimes jurídicos aplicáveis às actividades de transporte de gás
natural, de armazenamento subterrâneo de gás natural, de recepção, armazenamento
e regaseificação em terminais de gás natural liquefeito (GNL) e de distribuição de gás
natural, incluindo as respectivas bases das concessões.
As Bases das concessões da actividade de distribuição de gás natural encontram-se
plasmadas no ANEXO IV e, neste, no CAPÍTULO VII, que tem por epígrafe
Modificações objectivas e subjectivas da concessão”, consta que «O contrato de
concessão pode ser alterado unilateralmente pelo concedente, sem prejuízo da
reposição do respectivo equilíbrio económico e financeiro nos termos previstos na base
XXXIV» (Base XXXI). Por sua vez, na Base XXXIV, que tem por epígrafe «Reposição
do equilíbrio económico e financeiro» ficou estabelecido o seguinte: «1 - Tendo em
atenção a distribuição de riscos estabelecida no contrato de concessão, a
concessionária tem direito à reposição do equilíbrio financeiro da concessão, nos
seguintes casos: a) Modificação unilateral, imposta pelo concedente, das condições de
exploração da concessão, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 da base IV, desde que,
em resultado directo da mesma, se verifique, para a concessionária, um determinado
aumento de custos ou uma determinada perda de receitas e esta não possa
legitimamente proceder a tal reposição por recurso aos meios resultantes de uma
correcta e prudente gestão; b) Alterações legislativas que tenham um impacte directo
sobre as receitas ou custos respeitantes às actividades integradas na concessão. 2 - Os
parâmetros, termos e critérios da reposição do equilíbrio económico e financeiro da
concessão são fixados no contrato de concessão. 3 - Sempre que haja lugar à reposição
do equilíbrio económico e financeiro da concessão, tal reposição pode ter lugar através
de uma das seguintes modalidades: a) Prorrogação do prazo da concessão; b) Revisão
do cronograma ou redução das obrigações de investimento previamente aprovadas; c)
Atribuição de compensação directa pelo concedente; d) Combinação das modalidades
anteriores ou qualquer outra forma que seja acordada
Resulta, pois, deste diploma, e das referidas bases, convocado na Resolução, que a
Lei, antes da emissão da própria Resolução, consagrou o direito do concedente, por via
legislativa, alterar unilateralmente o contrato de concessão, consagrando, ainda, os
meios ou modalidades através dos quais a reposição do equilíbrio económico e
financeiro da concessão se deve efectuar se e quando estejam verificadas as condições
para que essa reposição tenha lugar. O que significa, pois, que tendo o Governo
(Estado), por via da LOE2017, alterado unilateralmente o quadro legal conformador do
contrato de concessão e a possibilidade de repercussão neste acolhido, proibindo a
repercussão no cliente final da TOS, havia que apurar se dessa modificação
unilateralmente imposta tinha efectivamente resultado um desequilíbrio financeiro no
contrato e, em caso afirmativo, qual a sua amplitude para que fossem adoptadas uma
das modalidades de reposição legalmente previstas, sendo neste contexto, a nosso ver,
que deve ser interpretado o preceituado no n.º 1 do artigo 85.º da LOE2017 e os
desenvolvimentos contidos no artigo 70.º do seu Decreto-Lei de Execução.
Em síntese: considerando que o artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017 proíbe expressamente,
de forma directa, clara e incondicional a repercussão da TOS na factura dos
consumidores há que reconhecer que esta norma é plenamente eficaz desde 1-1-2017,
ou seja, há que concluir que a norma cuja eficácia avalizamos produziu efeitos a partir
de 1-1-2017.
Pelo que, tendo o acto de repercussão impugnado sido praticado em data posterior à
entrada em vigor da referida norma, há que o julgar ilegal, o que, a final, se declarará.
3.3. A responsabilidade pelas custas da acção, em 1ª instância e neste Supremo
Tribunal Administrativo, serão imputadas à Recorrida, integralmente vencida (artigo
527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
4- DECISÃO
Face a tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de
Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A) Revogar a sentença recorrida;
B) Julgar ilegal e anular o acto de repercussão impugnado, integrado na factura n.º
...37, no valor de € 39.874,33;
C) Condenar a Recorrida a devolver à Recorrente o valor referido em B), acrescido de
juros, contados à taxa de 4%, desde a data do pagamento indevido (11-1-2018) até
à data da integral e efectiva devolução da referida importância.
Custas pela Recorrida em 1ª instância e neste Supremo Tribunal Administrativo.
Registe e notifique.
Lisboa, 8 de Março de 2023. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora)
José Gomes Correia Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.