Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0217/21.4BEALM |
Data do Acordão: | 03/08/2023 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANABELA RUSSO |
Descritores: | VALIDADE EFICÁCIA ACTO REPERCUSSÃO JUROS INDEMNIZATÓRIOS TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO |
Sumário: | I – Nos termos do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2017), a taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas e não podem ser reflectidas na factura dos consumidores. II – Sendo a citada norma válida e plenamente eficaz desde 1 de Janeiro de 2017, é ilegal o acto de repercussão que posteriormente à sua entrada em vigor foi incluído em factura de consumo de gás e suportado pelo consumidor final. III - A actividade ou prestação de um serviço público essencial não perde a sua natureza pública administrativa pela circunstância de ser desenvolvida por uma pessoa colectiva de direito privado (no caso constituída sob a forma de sociedade anónima), nem o acto de repercussão, realizado ao abrigo de um direito legalmente reconhecido, deixa de ser materialmente tributário apenas por ter sido praticado por uma concessionária (de serviço publico essencial), pelo que, os valores cobrados ao consumidor na parte que respeitam à contrapartida da utilização pela concessionária do bem de domínio público ainda possuem a natureza de créditos tributários. IV – Não determinando a natureza privada da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) a sua exclusão do conceito de “ serviços” previsto no artigo 43.º da LGT e estando verificados os demais pressupostos para atribuição de juros indemnizatórios previstos no mesmo preceito, deve concluir-se que não existe qualquer obstáculo a que seja reconhecido à repercutida (consumidor final) o direito a reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4%, desde a data em que esse pagamento indevido se verificou até efectivo e integral pagamento. |
Nº Convencional: | JSTA000P30694 |
Nº do Documento: | SA2202303080217/21 |
Data de Entrada: | 07/15/2022 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | B... S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1. “A..., S.A.”, notificada para proceder ao pagamento da factura n.º ...76, que inclui, a título de Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo (TOS), o valor de € 39.874,33, emitida a 12-12-2017, por B… SA, - Sucursal em Portugal, intentou, ao abrigo dos artigos 87.º, n.º 8 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 99.º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), contra a “B... S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL”, a presente Impugnação Judicial. 1.2. Como fundamente dos pedidos que formula - de anulação da repercussão da TOS incluída na factura ou, subsidiariamente, de reconhecimento da inconstitucionalidade dessa repercussão, e, bem assim, em qualquer dessas situações, de reembolso do valor àquele título pago acrescido de juros contados desde o pagamento até efectivo reembolso – alegou a Impugnante, em síntese, que a referida repercussão é ilegal uma vez que, com a entrada em vigor da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, atento o disposto no seu artigo 85.º, n.º 3, o pagamento da TOS passou a ser da exclusiva responsabilidade das empresas operadoras das infraestruturas que ficaram proibidas de repercutir os valores a esse título pagos na factura dos consumidores, ou, mesmo que assim se não entenda, que a repercussão da TOS é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade, porquanto procura atingir uma manifestação de capacidade contributiva específica (o consumo de gás natural), que não assenta nem na prestação concreta de um serviço público, nem utilização de um bem do domínio público nem na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. 1.3. A “B... S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL (doravante Recorrida), contestou, defendendo a improcedência total da Impugnação (ainda que, contrariamente ao aduzido na sentença recorrida, apenas tenha, pelo menos e no mínimo, expressamente, aduzido argumentos capazes, relevados e acolhidos que sejam, de suportar a improcedência do vício de ilegalidade, por violação do artigo 85.º, n.º 3 da lei do Orçamento do Estado para 2017), aduzindo, em resumo nosso, que a norma que estabelece a sua inadmissibilidade ficou dependente da alteração do quadro legal em vigor, como resulta do artigo 70.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3-3, sendo que, até à presente data, esse quadro não foi alterado, encontrando-se, assim, legitimado o acto de repercussão materializado na factura apresentada a pagamento à Recorrente. 1.4. Após instrução dos autos, foi proferida sentença, na qual, após se concluir que o acto de repercussão não padecia dos vícios de ilegalidade ou inconstitucionalidade que lhe vinham imputados, foi julgada totalmente improcedente a Impugnação Judicial. 1.5. Inconformada, interpôs a Impugnante recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, finalizando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões: «A. A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida. B. Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, do OE para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”. C. Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º ...76 , emitida em 12 de dezembro de 2017 pela C..., e na qual foi incluída a TOS no montante de € 39.874,33. D. Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 11 de janeiro de 2018, ao pagamento da fatura e da TOS. E. A Recorrente instaurou ação contra a comercializadora (a C...), requerendo a anulação da repercussão da TOS incluída naquela fatura, por violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso. F. Entretanto, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada de sentença desfavorável no presente processo, no qual o Mmo. Juiz a quo decidiu pela improcedência da impugnação judicial. G. Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito, uma vez que a LOE 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais. H. No essencial, e quanto a este segmento, o Mmo. Juiz a quo pugna pela improcedência da impugnação judicial porquanto entende que o artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, não produziu efeitos jurídicos imediatos. I. Com efeito, em particular aduz-se, na sentença sob recurso, que “[c]om efeito, nem o artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3.03, disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo nem da sua conjugação com o artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, resulta que o fim da repercussão da TOS opere sem a ponderação dos mesmos objetivos que estiveram na base da opção de repercussão conferida pelo legislador com a celebração dos atuais contratos de concessão, ou seja o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas. Do exposto, resulta que a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, no sentido em que é necessária a mediação de outras normas jurídicas, que constituirão o quadro legal exigível a que a seja efetivamente alterado o regime legal de repercussão da TOS, de molde a que não seja refletida na fatura dos consumidores.” J. Um raciocínio inaceitável, tendo em conta que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais. K. Com efeito, determina o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos). L. Assim, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 – e sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional – a repercussão legal da TOS no consumidor final passou a ser ilegal. M. Em todo o caso, sem prejuízo da ilegalidade da repercussão, esta continuou a ser efetuada à Recorrente, que é consumidora final, nos mesmos termos em que era efetuada antes da entrada em vigor do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017. N. O que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, repercussão essa que é ilegal e proibida, mas que continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017. O. O incómodo, injustiça ou ilegalidade da situação em que a ora Recorrida ou demais comercializadoras possam estar colocadas por força dessa proibição não é imputável à (nem repercutível sobre a) Recorrente, mas ao Estado. P. Com efeito, se à entidade demandada, aqui Recorrida, se afigura que o Estado não estabeleceu os mecanismos de reequilíbrio contratual que devia ou não instituiu os meios necessários ao ressarcimento da Recorrida pelos custos que passou a ter por força da proibição de repercussão da TOS, deve a Recorrida insurgir-se e acionar o Estado como entender, designadamente em sede de responsabilidade civil. Q. O que a Recorrida não pode é ignorar A LEI, fazer de conta que esta não existe, e continuar a onerar a Recorrida apenas porque a lei aumentou os seus custos de contexto sem qualquer contrapartida. R. Entender de outro modo – como entendeu o Mmo. Juiz a quo na douta sentença sob recurso – é limitar os poderes de conformação legislativa da Assembleia da República, condicionando a eficácia de diplomas aprovados pelo órgão legislativo soberano no sistema português ao facto de tais diplomas ou normas serem, ou não, convenientes à atividade dos sujeitos a quem essa legislação se dirige, ao arrepio do princípio do primado da Assembleia da República que se infere do nosso sistema constitucional de reserva de competências, consagrado em particular nos artigos 161.º, 164.º, 165.º e 198.º da Lei Fundamental! S. Ou seja – refira-se com toda a transparência – a interpretação que logrou obter vencimento na sentença sob recurso não é uma interpretação conforme à Constituição, porque resulta da Constituição que um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode limitar a vigência de uma Lei do Orçamento. T. No Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, do Ministro de Estado e das Finanças, Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e Ministro do Ambiente e da Ação Climática, o governo português reconhece (i) que a proibição de repercussão da TOS foi determinada pelo artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017; (ii) que as entidades do setor não estão a cumprir com essa determinação (razão pela qual se almeja “o fim da repercussão”; e, (iii) que e é necessária uma alteração legislativa MAS – e esta é a parte relevante – tal alteração servirá para que a incidência passe a assentar na efetiva ocupação do subsolo, nada tendo a ver com a possibilidade de repercussão sobre os consumidores. U. De resto, já na LOE de 2019 se havia previsto, no respetivo artigo 246.º, com a epígrafe “Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo”, que “1 — O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores [o que só pode interpretar-se como sendo uma abertura à revisão da proibição criada em 2017, por força dos resultados que a mesma tivesse tido no equilíbrio contratual dos operadores do setor]; 2 — A alteração legislativa prevista no número anterior deve [fazer] assentar a incidência [da TOS] na efetiva ocupação do subsolo […]” V. Respondendo diretamente à questão colocada na sentença sobre o “sentido” que fazem estas sucessivas referências ao tema na legislação aprovada a partir de 2017, o sentido é este: estando ciente do incumprimento das operadoras/comercializadoras, o Governo pretendeu asseverar aos agentes económicos que o seu objetivo não seria alterado nem reduzido pelo ilegal comportamento destas entidades. W. Não há dúvidas de que a necessidade de alterações e de revisão legislativas mencionadas no artigo 70.º do Decreto-Lei de execução orçamental relativo a 2017, na LOE de 2019, na LOE de 2021 e no Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, se relacionam com os operadores de energia e com o modo como a TOS recai sobre estes e é calculada. X. Mas também é de cristalina evidência de que nada nessas normas e Despacho contende com a posição jurídica subjetiva em que o artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017 envolveu a Recorrente e nos termos da qual a TOS deixou de poder ser-lhe exigida. Y. In casu, a Recorrente é um consumidor final e a lei diz, expressamente, que “[a] taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” – cit., artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 (destaques nossos). Z. O segmento final da norma acabada de citar é imediatamente constitutivo de direitos para os consumidores, não carecendo, para ser eficaz, de qualquer densificação legislativa ou regulamentar adicional. AA. Estes direitos são independentes do que suceda a montante, i.e., da solução dada à questão de saber sobre quem deva recair, entre Operadores e Comercializadores, o encargo da TOS, ou a jusante, i.e. da atitude que operadores e comercializadores queiram tomar relativamente ao Estado, que lhes exige um pagamento que não pode – e não pode por determinação legal - ser repercutido nos seus clientes. BB. Por força dessa determinação legal o encargo não pode ser suportado pelo consumidor, máxime pela ora Recorrente, que é um terceiro face às relações estabelecidas entre o Estado, Operadoras e Comercializadoras. CC. É esta clareza que deve assistir à tomada de decisão relativamente a este caso: a. A LEI atribui um direito ao consumidor (v.g. à Recorrente), qual seja, o de não suportar a taxa de ocupação do subsolo; b. Esse direito cria uma obrigação simétrica na esfera da Recorrida: a proibição de cobrar o montante da TOS à Recorrente. c. A questão de saber quem deve suportar a TOS é irrelevante para o consumidor e deve ser dirimida em sede própria, se os visados assim entenderem; DD. Tanto vale por dizer que, tendo a Recorrida ignorado a lei expressa, que proibia a cobrança de TOS à Recorrente, deve devolver os montantes que lhe foram entregues, INDEPENDENTEMENTE de poder ou não vir a recuperá-los junto de outras entidades. EE. É que, ao contrário do que pretende o Mmo. Juiz a quo, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado. FF. O artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017 contém uma norma clara, precisa e incondicional, da qual resultam dois imperativos: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores. GG. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado na sentença sob recurso –, este determina que “[t]endo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores”. HH. É esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. II. O artigo 70.º, n.º 5, além de confirmar a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais, prevê um mecanismo adicional de avaliação para o futuro (cuja aplicação prática, aliás, se desconhece); não revoga a proibição da repercussão nem lhe retira a respetiva eficácia. JJ. Não. Aquilo que o legislador fez foi determinar uma avaliação da situação para, só depois, com base nos resultados dessa avaliação, decidir revogar ou manter a norma do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017. KK. O Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos), sendo de referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017. LL. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos plasmados neste último, tal como resulta dos números 1 a 3 do artigo 53.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, usualmente denominada como “Lei de Enquadramento Orçamental” ou “LEO”. MM. Inexistindo quaisquer dúvidas quanto ao facto de o Decreto-Lei de Execução Orçamental, seja ele qual for, dever respeitar e desenvolver o Orçamento do Estado e não obstar à sua aplicação. NN. Entendimento diverso permitiria considerar legítimo que o Governo pudesse, através de Decreto-Lei e sem qualquer autorização legislativa específica, alterar, ou obstaculizar, o decidido pela Assembleia da República em matéria orçamental. OO. Uma interpretação do artigo 70.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março, como a que se afigura transparecer da sentença sob recurso, segundo a qual tal norma tem o poder de impedir a aplicação imediata do n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 torna aquela primeira norma inconstitucional, por violação do princípio da fixação de competência legislativa conexo com o princípio da separação de poderes, que deriva da conjugação dos artigos 111.º, 112.º n.º 3, 161.º, n.º 1, alínea g) e 198.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os legais efeitos. PP. Passe a redundância, ignorar esta circunstância é atribuir ao Governo o poder de ignorar a Assembleia da República, bastando, para tal, que o Governo refira – como faz no decreto-lei em causa – agir no contexto de competência legislativa concorrencial, ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a) da Constituição. QQ. Pelo que também por estas razões jurídico-constitucionais não deve tal interpretação colher, reconhecendo-se, ao invés, que não pode admitir-se que uma norma constante de um decreto-lei de execução orçamental impeça a aplicação de uma norma constante da lei de valor reforçado – a Lei do Orçamento do Estado – que sustenta e habilita a própria vigência do decreto de execução. RR. Assim, tendo sido repercutida na Recorrente a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental. SS. Interpretação que é a única conforme à Constituição da República Portuguesa. TT. Acresce que, de acordo com o artigo 3.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto, que estabelece as bases gerais de organização e de funcionamento do SNGN, entende-se por consumidor ou cliente final o “cliente que compra gás para consumo próprio”. UU. A Recorrente desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedicando, portanto, à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural, pelo que se impõe concluir que a cobrança da TOS à mesma contraria lei expressa. VV. Pelo que não soçobram dúvidas de que, ao não reconhecer tal ilegalidade, a sentença sob recurso interpretou erradamente o direito aplicável in casu, de onde se encontra ela mesma ferida de ilegalidade, devendo ser, em consequência, anulada. WW. Adicionalmente, quanto à alegada inconstitucionalidade da TOS, decidiu o Mmo. Juiz a quo que “a consideração do consumo de gás natural, como base para o cálculo do valor da taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural, não determina a alteração da natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que, a alegada inconstitucionalidade invocada pela Impugnante não pode proceder”. XX. Ora, a não conformidade constitucional da TOS foi colocada em evidência pela Impugnante, ora Recorrente, por violação do princípio da legalidade tributária, plasmado no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, YY. Porquanto, por via do mecanismo de repercussão legal, a TOS procura atingir uma manifestação de capacidade contributiva específica (o consumo de gás natural), não assentando na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, tratando-se, assim, materialmente, de um imposto. ZZ. Assim, tratando-se materialmente de um imposto, a repercussão da TOS é inconstitucional ao não ter sido aprovada por Lei ou Decreto-Lei autorizado. AAA. Além disso, frisa-se que a TOS consubstancia uma contrapartida pecuniária pela utilização e aproveitamento de um bem do domínio público e privado municipal que in casu não se verifica, pois, a Recorrente, além de não usufruir nem ocupar o subsolo, não dispõe igualmente de quaisquer pipelines. BBB. De facto, no caso concreto não é possível identificar uma relação direta e efetiva entre o aproveitamento individualizado de uma utilidade e a exigência de pagamento. CCC. O que, de resto, se reconhece expressamente na sentença recorrida, quando se refere, na p. 22 da mesma, que: “No caso dos autos, não obstante a TOS cobrada à Impugnante não corresponda, stricto sensu, ao preço do serviço concretamente prestado pela Entidade Impugnada, a mesma está diretamente relacionada com a prestação desse serviço, pois a ocupação do subsolo que esta taxa visa remunerar é indispensável ao exercício da atividade económica da Impugnante, mormente para o fornecimento de energia” (cit. destaques nossos). DDD. O argumento acaba por provar de mais: frisa-se, por um lado, a não equivalência entre o preço pago à Entidade Demandada e o serviço por esta prestado e salienta-se, por outro, que a ocupação do subsolo é indispensável ao exercício da atividade económica da impugnante, descurando-se o facto de tal ocupação não ser efetuada pela impugnante, aqui Recorrente. EEE. In casu nunca é demais repetir: a Recorrente não ocupa o subsolo pelo que, por definição, não deve ser seu o encargo de uma taxa de ocupação do mesmo (situação que em muito difere do quadro factual sobre o qual incide a larguíssima maioria da jurisprudência superior portuguesa relativa à TOS). FFF. Pelo que carece de sentido defender-se, como se faz mais adiante na sentença em crise, que “o ato de repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo consubstancia o encargo suportado pela Impugnante, resultante de contrapartida pelo custo da utilização do domínio municipal, pela utilização de infraestruturas no subsolo para o fornecimento de gás aos consumidores, o que evidencia a natureza sinalagmática da TOS”. GGG. Não é – repita-se – a impugnante e ora Recorrente quem utiliza o domínio municipal ou causa o desgaste ou cria o risco inerente à existência de infraestruturas de transporte de gás no subsolo. HHH. Pelo que é manifesto que o ato (de repercussão) que faz incidir sobre a Recorrente o custo da utilização do domínio municipal que a TOS visa remunerar conduz à perda de quaisquer características de sinalagmaticidade inerentes ao conceito de taxa. III. E sem sinalagma, a TOS transmuta-se em imposto. JJJ. De facto, no que concerne à categoria de tributo denominada taxa, a prestação pública não pode ser presumida ou eventual, sob pena de o tributo ser caraterizado como uma contribuição ou como um imposto, respetivamente, KKK. E encontrando-se sujeito, por isso, ao princípio da legalidade tributária, designadamente na vertente de reserva legislativa da Assembleia da República, plasmada na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. LLL. E esta é a pedra de toque que fere a repercussão da TOS de vício de violação de lei constitucional e que vem sendo arguido pela impugnante e aqui Recorrente ao longo do presente processo. MMM. De facto, a inconstitucionalidade que se argui funda-se numa razão muito estrutural e intrínseca à delimitação conceptual das taxas e impostos: o sinalagma que, mais ou menos difuso, preside ao conceito de taxa (cujos elementos essenciais não estão sujeitos à reserva legislativa parlamentar) e que pode estar totalmente ausente nos impostos (cujos elementos essenciais têm de ser aprovados ou autorizados pelo parlamento) não se verifica in casu. NNN. Pelo que manifesto se torna que a repercussão da TOS é organicamente inconstitucional, na medida em que, tendo transmutado este tributo em imposto (no que tange à impugnante e ora Recorrente e não no que concerne à sua estrutura genérica), não respeita a mesma o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa, posto que não foi aprovada pela Assembleia da República, como devia. OOO. De onde deve a sentença sob recurso também por esta razão subsidiária ser anulada e substituída por outra que, mesmo não reconhecendo a apontada ilegalidade, reconheça a inconstitucionalidade orgânica da norma resultante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho e da Portaria n.º 1213/2010, de 2 de dezembro, cláusula 11.º do Anexo III, que prevê e impõe a repercussão da TOS (e em consequência do próprio ato de repercussão), por violação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n. º 2, da Lei Fundamental e, em consequência, ordene à Recorrida que devolva à Recorrente os montantes por esta pagos a título de TOS. PPP. Discorda-se, igualmente, da douta Sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios deduzido pela impugnante, ora Recorrente. QQQ. Atendendo ao caso em apreço, tendo a Recorrida, Entidade Demandada, repercutido ilegalmente a TOS na Recorrente, esta viu-se privada, ilicitamente, de uma quantia que lhe era devida pelo que deverá ser devidamente compensada. RRR. Não obstante a C... não integrar a Administração Tributária e Aduaneira nem ser um ente público equiparado, para o efeito da discussão em causa nos presentes autos, é ela que indevidamente repercutiu o tributo à impugnante, ora Recorrente. SSS. Ao cobrar a TOS à Recorrente em violação de lei expressa, a Recorrida cobra-lhe um tributo que não é devido, privando-a, deste modo, de uma quantia que era sua. TTT. A repercussão da TOS traduz-se, assim, num empobrecimento real e efetivo da tesouraria da impugnante, ora Recorrente, e num enriquecimento da tesouraria da C.... UUU. Verificando-se a repercussão da TOS pela C..., em violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE para 2017, existe fundamento legal para o pagamento de juros indemnizatórios à Recorrente, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, na medida em que se verificou o pagamento indevido de um tributo, cujo erro não é (seguramente) imputável a esta. VVV. Refira-se que, em tese, o direito a juros indemnizatórios devidos à Recorrente, A..., é independente e alheio ao eventual direito de regresso que a Recorrida possa ter sobre outras entidades. WWW.Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que declare procedente a impugnação judicial proposta pela Impugnante, ora Recorrente, por ser conforme ao Direito. 1.3. Contra-alegou a Recorrida tendo formulado as seguintes conclusões: «A. A douta sentença do Tribunal "a quo" veio correta e adequadamente, do ponto de vista da apreciação do direito, sustentar que assiste razão à aqui Recorrida na sua alegação de legalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo. B. A sentença recorrida sustenta corretamente que “(...) o ato de repercussão ora em crise não padece dos vícios que lhe são assacados, devendo o mesmo ser mantido na ordem jurídica, (...). (...), não tendo a Impugnante logrado vencimento no que concerne à anulação do ato de repercussão da TOS impugnada inexiste, consequentemente, o direito à restituição da quantia paga.". C. A sentença recorrida sustenta corretamente que que "(...) a repercussão não constitui uma contrapartida pelos consumos nem visa "tributar" qualquer capacidade contributiva, mas consubstancia, tão só um critério de imputação da taxa aos consumidores finais. Estamos, assim, perante uma taxa devida pelas concessionárias, mas que por forma a garantir o equilíbrio económico e financeiro das concessões foi permitida a sua repercussão no consumidor final, sem que a sua natureza se tenha alterado. Resulta do que antecede, que a consideração do consumo de gás natural, como base para o cálculo do valor da taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural, não determina a alteração da natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que, a alegada inconstitucionalidade invocada pela Impugnante não pode proceder". D. 3Não tem em absoluto razão a Recorrente, pelo que senão não fazia absoluto sentido o que resulta do n.º 5 do artigo 70.º, que é claro e evidente ao estabelecer que o fim da repercussão está dependente do Governo alterar o quadro legal em vigor, o que até à presente data não verificou. E. Ainda que se pudesse legitimamente questionar, se tal referência ao quadro legal, incluía a questão da repercussão, a identificada disposição legal refere expressamente a questão da repercussão nos consumidores finais, ao dizer taxativamente "...nomeadamente, em matéria de repercussão das taxas dos consumidores". F. Não houve por parte da Recorrida qualquer desrespeito da Lei 42/2016, de 28 de dezembro, nem qualquer ilegalidade ao ter procedido à repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo, pelo que solução de direito adotada pelo tribunal "a quo" mostra-se correta, pois, na presente data não se pode considerar como proibida a repercussão da taxa de ocupação do subsolo, visto que a norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017, não tinha o efeito de automaticamente impor que a recorrente deixasse de repercutir a referida taxa nos consumidores finais. G. Não resulta de tal disposição legal uma imperatividade quanto ao termo da repercussão taxa de ocupação do subsolo nos consumidores finais, mas somente um objetivo que no futuro quadro legal tal viesse a ser consagrado. H. Só desta forma se poderá articular a redação do artigo 85.º, n.º 3, com o artigo 70.º, n.º 5, do Decreto-Lei de Execução Orçamental (sobre a Lei de Orçamento de Estado para 2017), visto que é, por mais evidente, que a referida aplicação condicionada pelo referido Decreto-Lei de Execução Orçamental, porque a não ser assim, será pouco compreensível a necessidade de as leis orçamentais posteriores voltarem a fazer referência à extinção da TOS. I. Nos termos do 6.º, n.º 1, al. c), do RGTAL, podem ser cobras taxas pela "utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal", visto que a Lei n.º 53- E/2006, de 29 de dezembro, veio permitir a criação de taxas por regulamento aprovado pelo respetivo órgão deliberativo autárquico, em que ficou expressamente fixado, como uma das bases de incidência objetiva das mesmas, a utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal. J. Nos termos do referenciado artigo 6.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, “As taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela atividade dos municípios, designadamente: (...) c) Pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal". K. Nos termos do artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do mencionado diploma legal, o sujeito ativo da relação jurídico-tributária geradora da obrigação de pagamento das taxas é a autarquia local titular do direito de exigir a prestação, sendo sujeito passivo a pessoa singular ou coletiva e outras entidades legalmente equiparadas que estejam vinculados ao cumprimento da prestação tributária. L. Estas taxas são criadas por regulamento, dos quais deve constar a incidência objetiva e subjetiva; o valor ou a fórmula de cálculo do valor das taxas a cobrar; a fundamentação económico financeira relativa ao valor das taxas; as isenções; o modo de pagamento e a admissibilidade de pagamento em prestações, bem como as regras relativas à liquidação e cobrança destes tributos. M. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 8 de abril, foram aprovadas as minutas dos novos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural, onde se preveem que os custos com as taxas de ocupação do subsolo (TOS) são suportados pelos consumidores de gás natural de cada Município, por via das respetivas faturas do fornecimento do gás natural, emitidas pelas empresas concessionárias de distribuição de gás natural que operam na área de cada Município. N. De acordo com a sentença proferida no âmbito do processo n.º 75/21.9BEPRT, que correu termos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto,1 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho, resulta de modo claro e evidente que "... é necessária a realização de uma avaliação pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) das consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e só perante essa avaliação é que o Governo procederá à alteração do quadro legal em vigor, designadamente, do regime jurídico da distribuição de gás natural ou do regime geral das taxas das autarquias locais, cuja revisão estava, de resto, prevista e autorizada pelo artigo 85. º da Lei n.º 42/2016, nomeadamente em matéria de repercussão da TOS na fatura dos consumidores, o que até à presente data, ainda não sucedeu". O. Nos termos legais, o valor de tais taxas de ocupação do subsolo resulta de decisão aprovada em cada Assembleia Municipal, diferindo assim de Município para Município, pelo que, em cumprimento legal, em cada Município são repercutidos nos consumidores os valores efetivamente cobrados pela respetiva autarquia ao operador de rede. P. Compete à ERSE definir a metodologia de repercussão nos consumidores das TOS aprovadas por cada Município, pelo que a metodologia aprovada assegura que a imputação das TOS é efetuada em função dos custos das redes de distribuição, dando a recorrente cumprimento ao que resulta da lei em vigor, bem como às orientações de ERSE, nomeadamente, identificando de forma clara, visível e destacada o valor correspondente à taxa de ocupação do subsolo, o município a que se destina e o ano a que respeita. Q. Neste sentido, não existe ilegalidade, e tanto assim é, que, em 11.01.2021, por via do despacho n.º 315/2021, foi constituído um grupo de trabalho com o objetivo de alterar o quadro legal enquadrador da TOS atualmente em vigor, nos termos estabelecidos pelo artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março, e artigo 246.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro. R. Ora, diferentemente do entendimento Recorrente, tal significa que o quadro-legal ainda não foi modificado, apesar do constante no artigo 85.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017), visto que apesar do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, ter determinado, de forma programática, que a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores, a mesma acabou até à presente data por ser concretizada. S. Inclusivamente, a referida norma padece, ela própria de inconstitucionalidade, pois como referem SUZANA TAVARES DA SILVA e LÍCINIO LOPES MARTINS, "(...) o n.º 3 do artigo 85.º da lei 42/2016, é um verdadeiro "cavaleiro orçamental", pois não é possível descortinar qualquer relação entre o seu conteúdo e uma questão de natureza financeira ou orçamental - nem com o Orçamento de Estado, nem com os orçamentos municipais -, a não ser o facto de este tributo passar a constituir encargo para as empresas privadas que exploram redes de distribuição de gás natural em regime de concessão. Desta conclusão decorrem consequências relevantes: i) a norma em causa não tem natureza orçamental e, nessa medida, a sua vigência não se esgota com o termo do ano fiscal; ii) a aplicarem-se os critérios que foram definidos pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, esta norma deveria ser declara inconstitucional por não ter qualquer "conexão mínima" com matéria financeira e orçamental". T. Essa norma não era autoexecutável, pelo que teve ser concretizada pelo artigo 70.º do Decreto- Lei n.º 25/2017, de 3 de março (Normas de Execução do Orçamento de Estado para 2017), onde ficou definido que o Governo procederia à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores, o que só pode ser interpretado no sentido que o artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, não determinou automaticamente o fim da repercussão das taxas na fatura dos consumidores. U. Como referem SUZANA TAVARES DA SILVA e LÍCINIO LOPES MARTINS, "(…) o n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 - não é apta a produzir o seu conteúdo normativo na realidade por duas ordens de razões complementares entre si: i) porque essa é a vontade do legislador expressamente manifestada; e li) porque tal resulta da sua interpretação jurídica.". V. Os mesmos autores sustentam que se tratando de um "cavaleiro orçamental", a referida disposição legal "(...) se encontra no mesmo plano normativo que o n.º 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n° 25/2017, de 3 de março, não constituindo a primeira norma um parâmetro normativo superior em relação à segunda (...). W. A norma posterior no tempo projeta sobre a primeira os seus efeitos jurídicos, derrogando aqueles que com ela se não compatibilizarem, sendo precisamente o que sucede com o disposto no n.º 5 do referido artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, quando aí se dispõe que "o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das trocas na factura dos consumidores". X. Daqui resulta uma clarificação, ou até derrogação, dos efeitos imediatos da primeira, pelo que norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 não era uma norma imediatamente operativa, mas tão só uma norma percetiva, cuja eficácia ficava dependente de uma modificação do quadro regulatório da taxa de ocupação do subsolo, designadamente para assegurar que o quadro legal da taxa seria adequado a evitar - à semelhança da taxa de direito de passagem, que tem um elemento-travão, ou mediante a adoção de outro expediente regulatório - a arbitrariedade ou descontrolo no exercício do poder tributário municipal. Y. Este é o único resultado compatível com o princípio do legislador razoável, pelo que não é compatível outra solução que permita a admissibilidade de transição brusca do quadro regulatório da TOS para uma situação de exercício descontrolado do poder tributário municipal. Z. Daqui resulta nas palavras dos citados autores que "(...) até que as referidas alterações legislativas venham a ter lugar, a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz, não conseguindo projetar os seus efeitos na realidade". AA. Acrescentam ainda que "Para além de este resultado (...) ser obtido a partir da interpretação sistemática do preceito, como sublinhámos antes, ele é também o produto de uma correcta tarefa metodológica que tenha em conta, como se impõe, o cânone interpretativo do concreto resultado social da decisão ou, "consequentialist arguments" na expressão de MacCormick". BB. Em suma, estes autores concluem, tal como o faz a Recorrida, que "Operadores das Redes de Distribuição de gás natural (ORD) podem continuar a repercutir nos consumidores, a partir de 2018, as taxas de ocupação do subsolo pagas desde 2017 aos municípios, ao abrigo do Manual de Procedimentos para a Repercussão das Taxas de Ocupação do Subsolo - MPTOS (aprovado pela Directiva n.º 18/2013, ERSE), até que o legislador proceda às alterações necessárias no quadro legislativo em vigor que permitam tornar operativo o disposto n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.° 42/2016, de 28 de Dezembro". CC. Pelo que não existiu erro de interpretação/julgamento da matéria de direito pelo douto tribunal "a quo". DD. O artigo 246.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2019), veio estabelecer que o Governo procederá à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores, pelo que, diferentemente do entendimento expresso pela Recorrente, a pretérita Lei do orçamento de Estado para 2017 não eliminou a repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo. EE. A não ser assim, o que mera tese académica se equaciona, não faria sentido os atos legislativos que se lhe seguiram, uma vez que, posteriormente, a lei do orçamento de Estado de 2019, fala-se no objetivo de colocar termo à repercussão da TOS na fatura dos consumidores, pelo que a mesma ainda não estava concretizada. FF. A identificada lei do orçamento de Estado de 2019 refere, complementarmente, que a alteração legislativa a efetuar e, portanto, ainda não concretizada, deve ter incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo para os fornecimentos em BP < e para os fornecimentos em BP > e MP por parte dos municípios, atendendo aos princípios da objetividade, proporcionalidade e não discriminação. GG. Por este motivo, o despacho n.º 315/2021, criou um grupo de trabalho, com o escopo de regulamentar o mecanismo da repercussão aos consumidores. HH. Logo, a sua cobrança é legal! E a decisão do tribunal "a quo" não padece de erro de interpretação/julgamento da matéria de direito. II. Esta situação não se alterou com a entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, uma vez que o legislador voltou a consagrar no seu artigo 133.º uma alteração no sentido de as empresas não poderem cobrar TOS aos consumidores - "A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação de subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser cobradas aos consumidores." mas, uma vez mais, tal norma programática carece de regulamentação, uma vez que dispõe o n.º 3, da referida disposição legal, que “No primeiro semestre de 2021, o Governo procede às alterações legislativas necessárias à concretização do disposto no n.º1". JJ. Essa falta de regulamentação autoriza que a Recorrida continue legitimamente a refletir na fatura do consumidor final os valores relativos às taxas de ocupação de subsolo (TOS), pelo que desde a inclusão pela primeira vez de disposição conducente ao términus da repercussão da TOS nos consumidores, que foi objeto de inclusão em todas as leis orçamentais posteriores, a verdade é que a mesma consubstanciou apenas um objetivo programático. KK. A sua definitiva implementação no ordenamento jurídico ficou dependentes dos termos previstos no Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março - lei de execução orçamental, o que implicava um conjunto de procedimentos que deviam ocorrer até que efetivamente a taxa deixasse de ser cobrada ao consumidor final. LL. Apenas nesse sentido se compreendem as afirmações dos responsáveis políticos, como seja o Secretário de Estado da Energia, quando referiu que, "Da parte do Governo, estando reunidas as condições que são necessárias, quer das autarquias, quer do regulador, será o mais rápido possível, no sentido de que é a obrigação do Governo de cumprir o que está estabelecido no Orçamento do Estado". MM. A única leitura que se pode retirar, é que a medida feita constar na lei de orçamento de Estado ainda se encontra por cumprir, pelo que o fim da repercussão da TOS nos consumidores não decorria de modo automático do artigo 85.º da Lei de Orçamento de Estado para 2017, nem das normas das leis orçamentais que se lhe seguiram, pois em tudo aquilo que se seguiu, sempre se fez referência a que o Governo procederia à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores. NN. Ora, diferentemente do entendimento da Recorrente, se tal proibição de repercussão foi imediata, como sustenta, por que razão teve o legislador a necessidade de continuar a fazer constar a referência a esta matéria nas leis orçamentais subsequentes e, bem assim, a criar um grupo de trabalho sobre a matéria. OO. A conclusão apenas pode ser uma, e é que a repercussão que se pretende deixar de efetuar ainda não se pode considerar aplicada e que, portanto, não foi o quadro legal alterado, apesar do que foi estabelecido na Lei de Orçamento de Estado para 2017. PP. Aliás, posteriormente vem referir que a alteração legislativa a efetuar, tal como estabelecido pelo n.º 2 do artigo 246.º, deve assentar a incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegure a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo, atendendo aos princípios da objetividade, proporcionalidade e não discriminação, pelo que a repercussão da taxa não era automática pela disposição orçamental, como o próprio Governo reconhece, uma vez que existiam condições que se tinham de verificar para que tal ocorresse. QQ. Só após este processo, o Governo procederia à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores, pelo que até lá a repercussão é legal continuar a recair sobre os estes, visto que essa operacionalização estava dependente de normas de execução, que o legislador na sua concretização adiou com o estabelecimento da necessidade de uma iniciativa legislativa do Governo para “alteração do quadro legal em vigor". RR. Aliás ao invés da norma orçamental, com que o Recorrente funda o seu entendimento, as propostas do quadro legal vão num sentido totalmente diverso - a possibilidade de repercussão das taxas no consumidor final tem como contraponto um desenvolvimento das regras de transparência e a impossibilidade de repercussão nos consumidores finais de valores superiores aos cobrados pelos respetivos municípios junto dos operadores de rede de distribuição a título de taxa de ocupação do subsolo. Permite também a manutenção do equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas que, a não se verificar, onerará em igual proporção o contribuinte", bem como avança como solução para o quadro legal que “As empresas operadoras de redes de distribuição de gás podem repercutir os valores efetivamente pagos aos respetivos municípios a título de TOS e apenas esses valores podem ser repercutidos pelos comercializadores no consumidor final.". SS. Esta posição, aqui defendida encontra respaldo quer na douta sentença do Tribunal "a quo", que não merece censura, quer na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, adotada no processo n.º 75/21.9BEPRT, onde se veio a considerar, conforme o que aqui se sustenta, que ao não existir um novo quadro legal, persiste a possibilidade legal de repercussão da taxa de ocupação do subsolo nos consumidores, pelo que a mesma não padece de ilegalidade. TT. Tal como a douta Sentença do Tribunal a quo, também na mencionada sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, são claras e perentórias quando afirmam que “do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 não resulta uma imperatividade de não repercussão da TOS nos consumidores finais, mas somente um objetivo que no futuro quadro legal tal viesse a ser consagrado. Por outras palavras, decorre que "(...) na TOS - o legislador não deixou expressa, de forma imediata, a inoperatividade da norma, tendo vindo a fazê-lo mais tarde, com a aprovação do disposto no já mencionado n.º 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, ao aí afirmar que "tendo em conta a avaliação referida no número anterior [o estudo encomendado ao regulador sobre o impacto económico da modificação legislativa pretendida pelo artigo 85.º da Lei n.º 42/2016], o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores". UU. No entendimento no entendimento sufragado por Suzana Tavares da Silva e Licínio Lopes Martins in "Temas de Energia - TOS - Taxa de Ocupação de Subsolo", a (possibilidade de repercussão) taxa de ocupação do subsolo pelas concessionárias da distribuição de gás natural à luz do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro" em www.erse.pt: "Sucede, contudo, que sem a aprovação deste regime por parte do Governo não é possível considerar que tenha existido uma alteração normativa eficaz do quadro jurídico em vigor (...) esta alteração não podia produzir efeitos imediatos sem que fossem alteradas as normas sobre a forma de cálculo das duas taxas aí visadas (...) Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz seja porque em si não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque em si não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador expressamente explicitou o condicionamento da produção dos efeitos até ao momento da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.". VV. Logo, ter-se-á de "concluir que - contrariamente até ao que desejariam algumas forças políticas parlamentares, como é o caso do PCP que apresentou uma proposta de lei no sentido de imprimir retroactivamente eficácia operativa directa à norma do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, por via de uma alegada interpretação autêntica da mesma [Em rodapé: Cf. Projecto de Lei n.º 583/XIII/2.9.] - o Governo e os municípios sempre interpretaram e assumiram que o disposto no n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 era um preceito normativo que carecia de alterações legislativas posteriores em outros diplomas legais - designadamente na lei das comunicações e no regime jurídico da distribuição de gás natural ou na lei do regime geral das taxas das autarquias locais, cuja revisão estava, de resto prevista e autorizada pelo artigo 86.º da Lei n.º 42/2016 - para poder produzir os seus efeitos jurídicos em concreto, o que, até ao momento, não sucedeu". WW. A proibição de repercussão prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei OE 2017 não operou de forma imediata, não produziu efeitos jurídicos imediatos, pois encontra-se dependente do cumprimento das condições vertidas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, que são necessárias à execução do referido normativo. XX. Como refere, e bem, a douta sentença do Tribunal "a quo": "(...) da interpretação do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 não resulta uma imperatividade de não repercussão da TOS nos consumidores finais, mas somente um objetivo a concretizar legislativamente no futuro." YY. A este propósito a citada sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sustenta que "a eficácia, que é condição de vigência de uma norma, é independente da sua validade”, pelo que uma norma pode ser válida, e ainda assim não ser eficaz por não conseguir projetar, total ou parcialmente, os seus efeitos no plano fáctico, que é o caso do n.º 3 do artigo 85.º da Lei OE 2017. ZZ. Logo, não tendo ainda o Governo voltado a legislar sobre essa matéria, será de concluir que se mantém o mesmo quadro legal, permite de forma expressa a repercussão da TOS sobre os consumidores. AAA. E, tanto assim é, que como afirma a douta sentença, veio o legislador no artigo 246.º da Lei n.º 71/2018, de 31/12 (LOE 2019), sob a epígrafe "Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo", prever que: "1 - O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores; 2 - A alteração legislativa prevista no número anterior deve assentar a incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo para os fornecimentos em BP(menor que) e para os fornecimentos em BP(maior que) e MP por parte dos municípios, atendendo aos princípios da objetividade, proporcionalidade e não discriminação". BBB. E, conforme acima se referiu, e que mereceu acolhimento na douta sentença do Tribunal "a quo", mais recentemente, o artigo 133.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado 2021), sob a epígrafe "Taxa municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do subsolo", voltou a prever que "A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação de subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser cobradas aos consumidores." (n.º 1), agora acrescentando, no seu n.º 2, que "O presente artigo tem caráter imperativo sobrepondo-se a qualquer legislação, resolução ou regulamento em vigor que o contrarie", mais dispondo no seu n.º 3 que "No primeiro semestre de 2021, o Governo procede às alterações legislativas necessárias à concretização do disposto no n.º1.", CCC. Tendo, nesse seguimento, sido constituído um grupo de trabalho com o objetivo de alterar o quadro legal da TOS - cfr. Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, dos Ministro de Estado e das Finanças, Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e Ministro do Ambiente e da Ação Climática, fixando o prazo de quatro meses para apresentação da proposta de alteração legislativa [e o despacho n.º 5983/2021, de 18/06, que prorroga, por três meses, o mandato do grupo de trabalho]. DDD. Tal como é referido neste Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, publicado no Diário da República n.º 6, II série, "Considerando que, através do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017), ficou determinado que a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores, concretizando o artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março (Normas de Execução do Orçamento de Estado para 2017), que o Governo procederá à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores". EEE. Assim, haverá de concluir, como fizerem outros tribunais (conforme a citada sentença do TAF do Porto), que “... se a proibição de repercussão da TOS tivesse, de facto, produzido efeitos imediatos com o n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado (OE) para 2017, não seria necessário voltar a aludir, nas Leis do Orçamento posteriores, à intenção de pôr fim à repercussão da taxa nas faturas dos consumidores, nem seria necessário criar o referido grupo de trabalho em 2021, visando, e como ali expressamente se refere, almejar "o fim da repercussão da TOS na fatura dos consumidores". FFF. Assim, bem andou a douta Sentença quando sustenta que: "Assim, e mais uma vez, o legislador veio a estabelecer a proibição da repercussão da TOS ao consumidor final, mas referindo, novamente, que tal só acontecerá acompanhada das alterações legislativas entendidas necessárias designadamente pelo grupo de trabalho constituído com o objetivo de alterar o quadro legal da TOS". (...). Em face do exposto, verifica-se que se a proibição de repercussão da TOS tivesse, de facto, produzido efeitos imediatos com o n.º 3 do artigo 85.° da Lei n.°42/2016, de 28.12, como defende a Impugnante, não existiria a necessidade de, novamente reproduzir a mesma norma, nas Leis de Orçamento de Estado posteriores, com vista a pôr fim à repercussão da taxa nas faturas dos consumidores, nem seria necessário criar o referido grupo de trabalho em 2021, visando, e como ali expressamente se refere, "almejar o fim da repercussão da TOS na fatura dos consumidores". GGG. Logo, tem razão a douta Sentença do Tribunal a quo, quando conclui, que "enquanto não existir um novo quadro legal sobre a matéria, persiste a possibilidade legal de repercussão da TOS nos consumidores de gás, pelo que a repercussão da TOS pela Entidade Demandada, através da fatura de fornecimento de gás natural ora em crise, não padece da ilegalidade que lhe vem assacada, improcedendo, por conseguinte, as alegações da Impugnante, neste segmento". HHH. Quanto à matéria da pretensa inconstitucionalidade, também não assiste razão à Recorrente, uma vez que é conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto, no sentido que o imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. III. Assim, os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), enquanto as taxas constituem uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática, que pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária). JJJ. A doutrina salienta que a "taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, «a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública, mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte» (Sérgio Vasques, em "Manual de Direito Fiscal", pág. 207, ed. de 2011, Almedina)" - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/2015, de 19 de Novembro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. KKK. Existe diversa jurisprudência, quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Constitucional, no sentido que os tributos liquidados visando a ocupação de via pública e, mais especificamente, do subsolo, como é o caso da TOS, revestem a natureza de taxas e não de impostos - por todos, vide Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17/11/2004, recs. n.ºs 0650/04 e 0654/04, de 27/04/2005, rec. n.º 01338/04, de 09/05/2007, rec. n.º 01223/06, de 09/10/2008, rec, n.º 0500/08 e de 17/03/2010, rec, n.º 0931/09 e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/2003, processo n.º 241/02, de 14/07/2003 (todos disponíveis em www.dgsi.pt). LLL. Como bem decidiu a douta sentença do Tribunal "a quo" “..., não obstante a TOS cobrada à Impugnante não corresponda, stricto sensu, ao preço do serviço concretamente prestado pela Entidade Impugnada, a mesma está diretamente relacionada com a prestação desse serviço, pois a ocupação do subsolo que esta taxa visa remunerar é indispensável ao exercício da atividade económica da Impugnante, mormente para o fornecimento de energia. MMM. A douta Sentença vem, com fundamento, considerar que "(...) o ato de repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo consubstancia o encargo suportado pela Impugnante, resultante de contrapartida pelo custo da utilização do domínio municipal, pela utilização de infraestruturas no subsolo para o fornecimento de gás aos consumidores, o que evidencia a natureza sinalagmática da TOS. Nesta sequência, a repercussão não constitui uma contrapartida pelos consumos nem visa "tributar" qualquer capacidade contributiva, mas consubstancia, tão só um critério de imputação da taxa aos consumidores finais. Estamos, assim, perante uma taxa devida pelas concessionárias, mas que por forma a garantir o equilíbrio económico e financeiro das concessões foi permitida a sua repercussão no consumidor final, sem que a sua natureza se tenha alterado". NNN. Logo, nenhuma espécie de censura merece tal decisão, quando considerou que "(...) a consideração do consumo de gás natural, como base para o cálculo do valor da taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural, não determina a alteração da natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que, a alegada inconstitucionalidade invocada pela Impugnante não pode proceder". OOO. Pelo que não tem a recorrente razão nos fundamentos que apresenta, devendo-se manter a decisão adotada pela 1.ª Instância. PPP. Efetivamente, nenhuma espécie de censura merece tal decisão, pelo que a utilização dos consumos de gás para, a par de outros fatores ali previstos, aferir o valor a repercutir a cada consumidor, não constitui uma contrapartida pelos consumos nem visa "tributar" qualquer capacidade contributiva, mas consubstancia tão só um critério de imputação da taxa aos consumidores finais, como aconteceu no caso vertente, não consubstanciando assim um imposto". QQQ. Consequentemente, atender aos consumos de gás natural para o cálculo do valor da taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural não implica a transmutação da natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que não existe qualquer inconstitucionalidade. RRR. Em face do que fica referenciado, impõe-se concluir, que não tendo razão a recorrente, quanto à anulação do ato de repercussão da TOS, e consequentemente, do direito à restituição da quantia paga, tal implica não ter fundamento o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT. 1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. 1.5. Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento. 2. OBJECTO DO RECURSO 2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)]. Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, são três as questões a decidir: A primeira prende-se com a validade e eficácia da norma consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28-12), de que decorrerá, em caso afirmativo, a ilegalidade do acto de repercussão impugnado por, desde 1 de Janeiro de 2017, não ser permitido às empresas operadoras de infraestruturas, que suportam a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo, reflectir (repercutir) na factura dos consumidores os valores por si pagos a esse título. A segunda, sendo negativa a resposta à questão antecedente, é a de saber se, relativamente ao consumidor final, sobre quem recai, por via do acto de repercussão, o encargo financeiro de pagamento da TOS, é ou não possível identificar-se a contraprestação de utilização de um bem do domínio público que está subjacente a esta taxa e, não sendo, se o tributo em causa deve qualificar-se materialmente como um imposto, a julgar inconstitucional por violação dos artigos 165.º, n.º 1 al. i) e 103º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Sendo afirmativa a resposta à primeira ou segunda das questões antecedentes, haverá ainda que decidir uma terceira questão, a saber, decidir se o reconhecimento de qualquer um dos vícios que integram a causa de pedir constitui fundamento suficiente para, em sede de Impugnação Judicial e ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) serem atribuídos à Recorrente juros indemnizatórios e, em caso afirmativo, desde quando e até quando esses juros são devidos. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Fundamentação de facto Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: A. Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 3 de abril, foram aprovadas as minutas dos contratos de concessão de distribuição regional de gás natural, em regime de serviço público, a celebrar entre o Estado Português e as sociedades D..., S.A.; E..., S.A.; F..., S.A.; G..., S.A.; H..., S.A.; I..., SA - facto não controvertido - cf. artigo 65.º da petição inicial e artigo 29.º da contestação - e Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, publicada em Diário da República, 1.ª série, n.º 119, de 23.06.2008, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. B. O contrato de concessão da atividade de distribuição de gás natural entre o Estado Português e a concessionária H..., S.A., cuja minuta foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros a que se refere a alínea antecedente, prevê, quanto aos «direitos e obrigações da concessionária», o seguinte: “Cláusula 7.ª Direitos e obrigações da concessionária 1 - (…) 2 - Assiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infraestruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos diretos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, direta ou indiretamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais. 3 - Na sequência do estabelecido no n.º 2 e no que respeita às taxas de ocupação do subsolo a liquidar pelas autarquias locais que integram a área da concessão, os valores pagos pela concessionária em cada ano civil serão repercutidos por município sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas nos termos a definir pela ERSE.” - facto não controvertido - cf. artigos 67.º e 68.º da petição inicial e Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, publicada em Diário da República, 1.ª série, n.º 119, de 23 de junho de 2008, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. C. A 12.12.2017, a Entidade Demandada emitiu, em nome da Impugnante, a fatura n.º ...76, referente ao mês de novembro de 2017, no montante total de 692.692,53 €, na qual está incluído o valor de 39.874,33 €, correspondente à taxa de ocupação do subsolo, desdobrado nas seguintes parcelas: [IMAGEM] - cf. fatura junta como doc. 1 da petição inicial, a fls. 64 a 68 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida. D. A 11.01.2018, a Impugnante pagou a fatura referida na alínea anterior - cf. documento n.° 2 junto com a petição inicial, a fls. 69 dos autos. 3.2. Fundamentação de direito 3.2.1. Dissemos já que a Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou improcedente a presente Impugnação Judicial, sustentando que o Meritíssimo Juiz a quo, ao julgar que o acto de repercussão da TOS não é ilegal nem afronta a Constituição, interpretou e aplicou mal o quadro jurídico que convocou como fundamento da sua decisão. 3.2.2. Concretizando, para a Recorrente o Tribunal interpretou e aplicou mal o disposto no artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28-12, porque resulta deste preceito que a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2017, sem necessidade de qualquer acto legislativo ou regulamentar adicional, ficou proibida a repercussão da TOS no consumidor final; porque a interpretação e aplicação conjugada da Lei do Orçamento do Estado e do Decreto-Lei de Execução Orçamental (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março) não podem conduzir, como se decidiu, na sentença recorrida, à conclusão de que aquele diploma de execução pode limitar o estabelecido e a vigência do que está consagrado naquela primeira Lei e, por fim, porque, contrariamente ao também decidido, o acto de repercussão, nas concretas circunstâncias, constitui um verdadeiro imposto, e não uma taxa, já que através dele se procura atingir uma manifestação de capacidade contributiva específica, consumo de gás natural, sem qualquer contraprestação concreta para a Recorrente, que não beneficia da utilização do bem do domínio público que a TOS visa tributar, sendo as operadoras de infraestruturas o efectivo e único beneficiário da ocupação do subsolo, imprescindível para o exercício da sua actividade, 3.2.3. Vejamos, então, começando por enunciar os factos e argumentos jurídicos em que, de forma nuclear, se fundou o julgamento No que respeita à factualidade pertinente, relevou, para o que nos importa apreciar e decidir face ao objecto do recurso, a circunstância de ter ficado provado que na factura emitida pela Recorrida à Recorrente, referente ao mês de Dezembro de 2017, que tem como montante total € 47.310,87, está incluído o valor de € 39.039,08 a título de «Taxa de Ocupação de Subsolo» (€ 244,03, em função do número de dias de facturação e € 39.630,30, fixado em função do consumo). Ou seja, relevou para o julgamento ter ficado provado que na factura apresentada a pagamento à Recorrente e por esta efectivamente paga está incluída a TOS. Quanto aos argumentos jurídicos que sustentaram de forma mais decisiva o não reconhecimento do pedido de ilegalidade do acto de repercussão, são, no essencial, os seguintes: (i) a norma prevista no n.º 3 do artigo 85.º da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, ou seja, a sua eficácia está dependente da criação de um quadro jurídico que ainda não existe e, consequentemente, a obrigatoriedade de não repercussão da TOS na factura dos consumidores finais consagrada no n.º3 do artigo 85.º da LOE não é exequível; (ii) o n.º 3 do citado artigo e Lei não tem natureza imperativa, constituindo apenas um objectivo a concretizar legislativamente no futuro, como resulta do preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017 e da circunstância de o Governo ter vindo a desenvolver, desde então e até ao ano de 2021, várias iniciativas, de diversa natureza, que comprovam que o quadro legal de repercussão da TOS se mantém inalterado; (iii) pela utilização de um bem de domínio público pode ser exigida uma contrapartida financeira, taxa, em que a TOS se traduz, pelo que, ainda que não seja a Recorrente que directamente utiliza o subsolo, o certo é que a sua actividade comercial ainda está dependente dessa ocupação, sendo legítimo e constitucionalmente conforme que o pagamento dessa taxa lhe seja exigido. 3.2.4. As questões que se nos colocam neste recurso jurisdicional foram já objecto de conhecimento e decisão no acórdão proferido a 23 de Fevereiro de 2023, no processo n.º 2/2021.3BEALM, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt. Será, pois, tendo por referência esse aresto, particularmente tudo quanto ficou decidido no que respeita à validade e eficácia da norma cuja exegese somos chamados a analisar, que iremos desenvolver a fundamentação do nosso julgamento. Tendo em consideração as necessárias adaptações e para que o discurso fique mais perceptível, prescindiremos das aspas que em rigor seriam devidas pela reprodução que iremos fazer. Assim: 3.2.4.1. Da validade e eficácia da norma contida no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2017 (LOE207) O artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2017 possui o seguinte teor: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores.». Para bem compreendermos o teor desta norma (abstraímo-nos, por ora, de aludir aos seus eventuais efeitos), importa, antes de mais, que façamos uma breve densificação da taxa que aqui está em causa, onde encontra o seu fundamento jurídico, como é determinada ou quantificada e quem é ou, pelo menos, era até 1-1-2017 responsável pelo seu pagamento. Começaremos, assim, por fazer uma excursão sobre os diplomas legais que nos permitirão esclarecer esses aspectos, absolutamente necessária para a contextualização da questão nevrálgica dos autos. Nesse sentido, convoca-se, antes de mais, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, Lei que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), que regula as relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxas às autarquias locais (artigo 1.º), na qual se encontra estabelecido que os tributos nela previstos assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 3.º), não devendo o seu valor, fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade, ultrapassar o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular (artigo 4.º). Ainda nos termos deste diploma, a taxa incide, designadamente, sobre a utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal, sendo seu sujeito activo a autarquia local, entidade titular do direito de exigir o tributo e sujeito passivo a pessoa, singular ou colectiva, e outras entidades legalmente equiparadas que, nos termos da presente Lei e dos Regulamentos aprovados pelas autarquias locais, esteja vinculado ao cumprimento da prestação tributária (artigos 6.º e 7.º). Com a publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 30/2006 de 15 de Fevereiro (Entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2020), de 28 de Agosto.) foram introduzidos na ordem jurídica nacional os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), bem como ao exercício das actividades de recepção, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização de gás natural e à organização dos mercados de gás natural - em conformidade com as regras comuns consagradas na Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho (A Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho revogou a Directiva n.º 98/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho.) que tiveram por finalidade o incremento de um mercado livre e concorrencial. Conforme consta do seu preâmbulo, visou-se com este diploma concretizar no plano normativo a linha estratégica da Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, de 24 de Outubro, definindo para o sector do gás natural um quadro legislativo coerente e articulado com a referida legislação comunitária e os principais objectivos estratégicos aprovados na referida resolução. No que respeita à exploração das redes de distribuição de gás natural, resulta do artigo 27.º do identificado diploma que «A actividade de distribuição de gás natural é exercida em regime de concessão ou de licença de serviço público, mediante a exploração das respectivas infra-estruturas que, no seu conjunto, integram a exploração da RNDGN» (n.º 1) e que «As concessões da RNDGN são atribuídas mediante contratos outorgados pelo Ministro da Economia e da Inovação, em representação do Estado». Posteriormente foi publicado o Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, que, desenvolvendo os princípios gerais relativos à organização e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de Fevereiro, instituiu o regime jurídico aplicável ao exercício das actividades de transporte, armazenamento subterrâneo, recepção, armazenamento e regaseificação de gás natural liquefeito, à distribuição e comercialização de gás natural e à organização dos mercados de gás natural - desta forma se completando a transposição da Directiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho. Com particular relevo para o que nos autos nos importa decidir, ficou estabelecido no artigo 7.º do referido Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho que a atribuição das concessões para o exercício desta actividade compete ao Conselho de Ministros, sendo os respectivos contratos de concessão outorgados pelo ministro responsável pela área da energia, em representação do Estado. E, no seu artigo 70.º, que os contratos de concessão de distribuição regional em vigor tinham que ser alterados de acordo com as bases estabelecidas no seu Anexo IV, assegurando-se nos novos contratos o direito das concessionárias à manutenção do equilíbrio económico e financeiro das respectivas concessões. No Conselho de Ministros de 3 de Abril de 2008, foi aprovada a Resolução n.º 98/2008, de 3 de Abril de 2008 (publicada no Diário da República n.º 119/2008, Série I de 23 de Junho e doravante apenas designada por Resolução) que possui o seguinte teor: «O Decreto-Lei 30/2006, de 15 de Fevereiro, ao estabelecer as bases gerais da organização e do funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) em Portugal, bem como as bases gerais aplicáveis ao exercício das várias actividades que integram o SNGN e à organização dos mercados de gás natural, prevê que a distribuição de gás natural é uma actividade exercida em regime de concessão de serviço público. No desenvolvimento dos princípios acima referidos, o artigo 7.º do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, dispõe que a atribuição das concessões para o exercício desta actividade compete ao Conselho de Ministros, sendo os respectivos contratos de concessão outorgados pelo ministro responsável pela área da energia, em representação do Estado. O mesmo diploma estabelece ainda no n.º 1 do artigo 70.º que os actuais contratos de concessão de distribuição regional devem ser alterados de acordo com as bases estabelecidas no anexo iv do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, assegurando-se nos novos contratos o direito das concessionárias à manutenção do equilíbrio económico e financeiro das respectivas concessões. Obtido o acordo de cada uma das concessionárias sobre as alterações introduzidas nos respectivos contratos, encontram-se reunidas as condições para atribuir as concessões de distribuição regional de gás natural, em regime de serviço público, a celebrar entre o Estado Português e as sociedades D..., S. A., E..., S. A., F..., S. A., G..., S. A., H..., S. A., e I..., S. A. Assim: Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 140/2006, de 26 de Julho, e nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve: 1 - Aprovar, sob proposta do Ministro da Economia e da Inovação, as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as sociedades D..., S. A., E..., S. A., F..., S. A., G..., S. A., H..., S. A., e I..., S. A. 2 - Determinar que os originais dos contratos referidos no número anterior fiquem arquivados na Secretaria-Geral do Ministério da Economia e da Inovação. 3 - Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação.». Em anexo à Resolução constam as minutas dos contratos de concessão, constando do texto da cláusula 7ª que «É reconhecido à concessionária o direito de repercutir, para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais, o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão na vigência do anterior contrato de concessão mas ainda não pago ou impugnado judicialmente pela concessionária, caso tal pagamento venha a ser considerado obrigatório pelo órgão judicial competente, após trânsito em julgado da respectiva sentença, ou após consentimento prévio e expresso do concedente.”. Direito este que igualmente se mostra reconhecido na cláusula 11.ª do Modelo de Licença para exploração de rede de distribuição local de gás natural (Previsto no anexo III da Portaria n.º 1213/2010, de 2-12, aprovada ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 24.° e n.º 3 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26-7, com a alteração introduzida pelo Decreto- Lei n.º 65/2008, de 9-4.) , da qual consta «Assiste também à Licenciada o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais» (n.º 3) e que «Na sequência do estabelecido no número anterior, os valores que vierem a ser pagos pela Licenciada em cada ano civil serão repercutidos sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas, durante os anos seguintes, nos termos a definir pela ERSE». Em suma, até à emissão da Resolução, o pagamento da TOS, enquanto contrapartida pela utilização e aproveitamento de bens de domínio público e privado municipal pelas redes de distribuição de gás natural, era, por força do preceituado nos artigos 6.º, n.º 1 al. c) e 7.º, n.º 2 do RGTAL, da exclusiva responsabilidade das concessionárias. Após a Resolução, e por força da Resolução, o pagamento da TOS passou a ser passível de imputação ao consumidor final. Em nota final deste enquadramento importa ainda registar que o Decreto-Lei n.º 140/2006 define como cliente final “ o cliente que compra gás natural para consumo próprio”[artigo 3.º, al. g)] (Definição mantida pelo Decreto-Lei n.º 62/20, de 28 de Agosto, que revogou o regime instituído no Decreto-Lei n.º 140/2006, conforme artigos 3.º, al. g) e 160.º, al. b) daquele primeiro diploma legal.) e que a metodologia de repercussão do valor da TOS que cada Município aplica, incluída nas facturas de gás natural, nos termos definidos pela ERSE, depende da extensão da rede de distribuição instalada em cada concelho e que o valor unitário da TOS repercutido é composto por uma componente variável que incide sobre o consumo de gás natural (kWh) e uma componente fixa aplicada sobre o número de dias do período de facturação (como ocorreu no caso, atenta a factualidade apurada). Como se constata da leitura da sentença recorrida, e deixámos já consignado, o julgamento de improcedência da acção acompanhou a tese defendida pela Recorrida, louvando-se, nuclearmente, no entendimento de que a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, estando a sua eficácia dependente da criação de um quadro jurídico tendo em vista a alteração do regime legal de repercussão da TOS. Ou seja, o n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 é, para o Tribunal a quo, uma norma programática, substancia um mero objectivo a prosseguir e a concretizar no futuro, como, adianta, resulta do preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, e da circunstância de o Governo ter vindo a desenvolver, desde então e até ao ano de 2021, várias iniciativas, de diversa natureza, que comprovam que o quadro legal de repercussão da TOS se mantém inalterado. Antes de demonstramos que assim não é, deixámos consignada uma breve nota relativa a argumento não aflorado na sentença mas que não deixa de ser invocado nas contraalegações e que ditou que na enunciação da primeira questão tivéssemos incluído a questão da validade da norma e não apenas da sua eficácia. Efectivamente, como se constata da leitura da conclusão V das contra-alegações (que vem em linha com a alegação de que “esta norma deveria ser declara inconstitucional por não ter qualquer "conexão mínima" com matéria financeira e orçamental") a Recorrida argumenta que a norma cuja eficácia se discute é inconstitucional por constituir um “cavaleiro orçamental”. Em suma, e se bem interpretamos as suas alegações, para a Recorrida a própria questão da eficácia revela-se irrelevante por a norma contida no n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 ser inconstitucional. Vejamos. A questão da validade dos cavaleiros orçamentais, nome sob o qual a doutrina e a jurisprudência designam as normas incluídas no Orçamento do Estado sem relação directa com matéria financeira ou orçamental, constitui, como é sabido, questão há muito debatida no ordenamento jurídico nacional, onde assume contornos mais problemáticos atenta a inexistência, ainda hoje, e contrariamente ao que ocorre em outros ordenamentos jurídicos, de resposta expressa na nossa Lei Fundamental. Sem prejuízo de se ter presente que não existe ainda consenso na doutrina sobre a melhor solução oferecida pelo ordenamento jurídico, e que em abono de uma e outra das teses em confronto são aduzidos argumentos ponderosos, certo é que, ao nível da jurisprudência constitucional, que aqui releva sobremaneira, o entendimento tradicional e maioritário vai no sentido da sua validade, por, não existindo no ordenamento jurídicoconstitucional qualquer proibição expressa de inclusão deste tipo de normas (Vide, acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 461/87 (processo n.º 176/87), de 16-12-1987; n.º 358/92 (processo n.º 120/92); de 11-11-1992; n.º 141/2002 (processos n.º 198/92 e 62/93), de 9-4-2002; n.º 360/2003 (processo n.º 13/2003), de 8-7-2003; n.º 428/05 (processo n.º 656/05), de 25-8-2005, n.º 396/11 (processo n.º 72/11), de 21-9-2011; ) , e pese embora constituir prática “ discutível, e até censurável, seja do ponto de vista doutrinário, seja do da técnica da legislação” se dever concluir que essa censura não encontra fundamento “do ponto de vista jurídico-constitucional” (Acórdão n.º 461/87, proferido no processo n.º 176/87, de 16-12-1987, integralmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html (A explicação para esta utilização censurável mas historicamente sistemática é-nos explicada de forma clara pela doutrina: «[a] natureza calendarizada da lei do Orçamento explica, em grande parte, a sua utilização para fazer aprovar normas sem direta, nem por vezes indireta, incidência materialmente orçamental. Ao fazer-se incluir uma determinada matéria na lei do Orçamento pretende-se, normalmente, beneficiar da certeza de que essa lei será aprovada num prazo reduzido, que entrará em vigor numa data certa e que, no momento da sua discussão e aprovação, as atenções andarão, previsivelmente, arredadas das normas que aí, mais ou menos, subtilmente, se infiltraram» -Tiago Duarte, A Lei Por Detrás do Orçamento, Almedina, Maio de 2007, página 447.) É verdade, não se olvida, que a posição a que fizemos referência, que se mantém até hoje, tem vindo, ao longo do tempo, a ser acompanhada de um discurso fundamentador em que se realça a existência de uma tese defensora de exigências acrescidas assente na verificação de uma “conexão mínima entre o cavalier e a lei do orçamento (por se considerar inadmissível que se aproveite a lei do orçamento para regular matérias em tudo a ele absolutamente estranhas, como o seriam, por exemplo a regulamentação do regime de bens do casamento, ou do sistema de recursos em processo civil)". (Ponto 42. do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2002, integralmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html) Porém, mesmo nos casos contados em que tal aconteceu, a mais das vezes em termos abstractos, e, em caso algum, de forma determinante para o juízo de validade da norma, também aí se conclui, depois de se sublinhar que essa conexão mínima até existe, que «o facto de a inclusão deste tipo de normas nos diversos orçamentos do Estado ser uma prática habitual ou reiterada, como aliás disso dão conta os vários acórdãos deste Tribunal que sobre tais matérias têm sido proferidos, com uma ampla tradição remontando ao constitucionalismo monárquico e que não se encontra excluída pelo actual texto constitucional, pelo que deve ser aceite tal inclusão orçamental, nos termos supra expostos. Assim, e independentemente de outras considerações, não se tem por ilegítima a inclusão das normas em causa na lei do orçamento».(Ponto 42. do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 141/2002, integralmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20020141.html)) Acresce que, como se diz no Parecer da Procuradoria n.º 6/2018, a propósito de um outro preceito (inserida na LOE2018 e relativa à aplicação da Tarifa Social aos Clientes de Gás Natural) em que a questão da validade da norma também se colocou, «o teor do atual n.º 5 do artigo 165.º da Constituição, introduzido pela revisão constitucional de 1989, ao aceitar a existência de autorizações legislativas na Lei do Orçamento em matérias não fiscais apresenta-se como um forte apoio para se admitir os cavaleiros orçamentais no ordenamento jurídico-constitucional português.», e embora o n.º 2 do artigo 31.º prescreva que «[a]s disposições constantes do articulado da lei do Orçamento do Estado devem limitar-se ao estritamente necessário para a execução da política orçamental e financeira» (…) «parece dever concluir-se do seu teor, particularmente do seu último segmento — «para a execução da política orçamental e financeira» —, como ressalta Nazaré da Costa Cabral, que «abre uma infinitude de possibilidades […], qualquer medida que tenha incidência no plano da política orçamental ou da política financeira (e serão a maior parte) parece, portanto, poder ser acolhida na lei do OE». É, de resto, neste contexto, que encontramos explicação para o estudo que integra o Relatório n.º ...2, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República (UTAO),(Unidade especializada que funciona sob orientação da comissão parlamentar permanente com competência em matéria orçamental e financeira, prestando-lhe apoio pela elaboração de estudos e documentos de trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública.) publicado a 17 de Março de 2022, que teve por objecto a elaboração de uma «Reforma do processo legislativo orçamental e reestruturação da UTAO», (Disponível em https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e7064 47567a4c30524255433956564546504c314231596d78705932466a6232567a58325268583156555155387 65548566962476c6a59634f6e7737566c637955794d4737446f32386c4d6a42775a584a7077374e6b61574 e6863793946626e4631595752795957316c626e52764a5449775a47467a4a5449775a6d6c755957374470 32467a4a544977634d4f36596d78705932467a4c31565551553874556d56734c5451744d6a41794d6c394 35957786862734f6e62313968634778705932466a5957396659584a304a5449774e7a55745156394d5255 38756347526d&fich=UTAO-Rel-4-2022_Balan%C3%A7o_aplicacao_art+75-A_LEO.pdf&Inline=true) no qual, no que respeita à reforma do processo legislativo orçamental, se recomenda precisamente que passe a haver uma «Limitação expressiva dos cavaleiros orçamentais» (ponto 1.3.1.9.), propondo-se a instituição de um mecanismo com duas partes: por um lado, a introdução na ordem jurídica nacional de uma norma que não seja passível de ser alterável pela própria Lei do OE que imponha a conformidade da POE com as leis em vigor à data da entrada da POE na Assembleia da República; por outro, segunda parte do mecanismo, propõe-se que fique prevista a possibilidade do Parlamento, durante o debate da LOE, decidir se determinadas normas, situadas numa zona de fronteira quanto à sua qualificação como cavaleiro orçamental, devem ou não ficar integradas na LOE (vide, página 26 do já identificado Relatório). Diga-se, por fim, tendo presente que a norma cuja validade se aprecia, artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017, está inserida no Capítulo V “Finanças Locais”, altera a conformação legal do âmbito de incidência da TOS e atendendo às repercussões económicas que dessa alteração e das medidas subsequentes podem resultar, não pode dizer-se que seja indiscutível que deva ser excluída do conceito de normas financeiras e, assim sendo, que não tenha, no caso, o mínimo de conexão com o Orçamento que a jurisprudência constitucional vem recentemente exigindo. Concluímos, pois, tendo especialmente por referência a jurisprudência constitucional citada, que o ordenamento jurídico-constitucional português admite as normas designadas por cavaleiros orçamentais e que, mesmo para quem entenda que essa admissão está dependente da existência da citada conexão mínima, há que dizer que, no caso, ela se verifica. Firmada a validade ou conformidade constitucional do n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017, e não sendo controvertida a sua vocação intemporal12, passamos a adiantar as razões porque julgamos que esta norma é também plenamente eficaz, isto é, porque entendemos que a norma é, per se, sem a intermediação ou complementação de quaisquer outras, apta a regular de forma directa e imediata a realidade nela contemplada. Dito de outro modo, enunciemos as razões que ditaram a conclusão que avançamos: a partir da publicação da Lei n.º 142/2016, que entrou em vigor a 1-1-2017, passou a ser legalmente inadmissível que as entidades concessionárias de fornecimento ou distribuição de gás natural repercutam nos seus clientes ou consumidores finais a TOS. Desde logo, porque a norma assim o diz, de forma clara, directa e incondicional: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores». E como nem neste normativo, nem em qualquer outro da mesma Lei, se faz depender a proibição consagrada no n.º 3 do transcrito normativo de quaisquer regulamentações, estudos ou alterações legais, nem existe norma a impor expressamente o deferimento no tempo da sua aplicação, há que concluir que a disposição em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores a partir da entrada em vigor da Lei que a aprovou. Da leitura da sentença, particularmente da recondução da norma a um mero objectivo que o Estado pretenderia prosseguir, depreende-se que para o Meritíssimo Juiz o n.º 3 do artigo 85.º da LOE não é uma norma exequível - nem à data em que foi consagrada na LOE/2017, nem posteriormente - por não ter ainda sido dada execução ao determinado no artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental, como o revelam as normas proibitivas que foram sendo sucessivamente consagradas nas Leis de Orçamento do Estado posteriores, a emissão de um Despacho emitido pelos Ministros de Estado e das Finanças, da Modernização do Estado e da Administração Pública e do Ambiente e da Acção Climática a 30 de Dezembro de 2020 e a constituição do grupo de trabalho nele previsto. Não podemos acolher tal entendimento. Como já dissemos, a proibição da TOS ser reflectida na factura dos consumidores consagrada no artigo 85.º, n.º 3 é clara e incondicional e nada impede que os seus efeitos, tal como está legalmente construída, se produzam de imediato. A inexequibilidade da norma ou a sua qualificação como norma inexequível implica necessariamente um juízo de incompletude. São normas não exequíveis as que " por motivos diversos de organização social, política e jurídica” se desdobram: por um lado, um comando que substancialmente fixa certo objectivo, atribui certo direito, prevê certo órgão; e, por outro lado, um segundo comando, implícito ou não, que exige do Estado a realização desse objectivo, a efectivação desse direito, a constituição desse órgão, mas que fica dependente de normas que disponham as vias ou os instrumentos adequados a tal efeito” (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria n.º 36/89, de 12-10-1989, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Maio de 1990, página 5596). Ora, é esse desdobramento que, salvo o devido respeito, não conseguimos identificar na norma em análise, já que a proibição (estatuição) que encerra se efectiva pela simples eliminação da repercussão da TOS na factura. Ou seja, resultando da Lei e dos contratos à sua luz celebrados e vigentes à data da aprovação da LOE2017, que o pagamento da TOS era da exclusiva responsabilidade das concessionárias, que, no entanto, posteriormente, a podiam repercutir sobre os utilizadores das infra-estruturas, quer se tratassem de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor que a esse título tivessem pago, procedendo-se, para esse efeito, à sua inclusão na factura de facturas de gás natural, nenhum obstáculo se coloca à produção imediata dos efeitos que lhe são inerentes que se concretizam pela singela eliminação da repercussão na factura emitida. E não se diga que a ser assim carece de sentido quer o preceituado no artigo 70.º, n.º 5 do Decreto-Lei de Execução Orçamental quer a necessidade de em posteriores Orçamentos se voltar a consagrar a mesma proibição, quer, por fim, o Despacho n.º 315/21, de 30-12-2020 e o grupo de trabalho que neste último está previsto, entretanto constituído. Relativamente ao Decreto-Lei de Execução Orçamental, sublinhamos, antes de mais, que, por natureza e imposição legal, constitui o instrumento onde ficam estabelecidas as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado a que respeita. Sendo esse o seu objecto, como decorre, no caso, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3-3 [“O presente decreto-lei estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2017, aprovado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado)]», parece poder concluir-se que a LOE, no caso para o ano de 2017, constitui o quadro legal que, simultaneamente, legitima as normas que integram o Decreto de Execução Orçamental e limita o âmbito da sua aplicação, devendo as normas que integram este último ser interpretadas, primacialmente, em conformidade com os princípios e normas integradas naquela primeira, desta formas se assegurando que um diploma cuja exclusiva elaboração e execução está cometida ao Governo [artigo 53.º da Lei n.º 15172015, de 11-9 (Lei de Enquadramento Orçamental – LEO e 198.º, n.º 1 a) e 199.º b) da Constituição da Republica Portuguesa (CRP)], não altere, em matéria orçamental, o que ficou decidido pela Assembleia da República, a quem sob proposta do Governo, compete aprovar o Orçamento do Estado (artigo 161.º, g) da CRP). Neste contexto, atentemos agora no teor do citado artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – integrado no Capítulo III, “ Administração Regional e Local” - o qual, sob a epígrafe «Taxa Municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do subsolo» dispõe o seguinte: “1 - O cumprimento do dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 85.° da Lei do Orçamento do Estado é assegurado, até 31 de março de 2017, pelas empresas titulares das infraestruturas junto de cada município e atualizado até ao final do ano, sem prejuízo do disposto no n.° 2 do mesmo artigo. 2 -No caso de o município ser detentor de informação do cadastro das redes de infraestruturas, ou tiver pleno acesso à mesma através de plataforma online, este dispensa a empresa titular das infraestruturas em questão, por solicitação desta, da prestação inicial da informação, devendo a mesma ser atualizada até ao final do ano, conforme o estatuído no referido artigo 85.° 3- Até ao final do mês de abril de 2017, os municípios dão conhecimento à DGAL da informação a que se referem os números anteriores, nos termos por ela definidos. 4-Decorrido o período previsto para a prestação de informação, as entidades reguladoras setoriais em razão da matéria avaliam a informação recolhida e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas. 5- Tendo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.». Na sentença recorrida, ponderando-se a necessária articulação entre os citados artigos 85.º da LOE2017 e 70.º Decreto-Lei de Execução expendeu-se o seguinte: «Resulta, assim, da análise conjunta do artigo 85.° e do artigo 70.° que vimos analisando, que, no caso da TOS, é necessária a realização de uma avaliação pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) das consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e só perante essa avaliação é que o Governo procederá à alteração do quadro legal em vigor, designadamente, do regime jurídico da distribuição de gás natural ou do regime geral das taxas das autarquias locais, cuja revisão estava, de resto, prevista e autorizada pelo artigo 86.° da referida Lei n.° 42/2016, nomeadamente em matéria de repercussão da TOS na fatura dos consumidores, o que até à presente data, ainda não sucedeu. Com efeito, nem o artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 3.03, disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo nem da sua conjugação com o artigo 85.° da Lei n.° 42/2016, de 28.12, resulta que o fim da repercussão da TOS opere sem a ponderação dos mesmos objetivos que estiveram na base da opção de repercussão conferida pelo legislador com a celebração dos atuais contratos de concessão, ou seja o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas. Do exposto, resulta que a norma prevista no artigo 85.°, n.° 3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, no sentido em que é necessária a mediação de outras normas jurídicas, que constituirão o quadro legal exigível a que a seja efetivamente alterado o regime legal de repercussão da TOS, de molde a que não seja refletida na fatura dos consumidores. Em bom rigor, não devendo a interpretação da lei cingir-se à sua letra (no caso concreto, à letra do artigo 85.°, n.° 3 da LOE 2017), mas sim reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (onde assume particular relevância o disposto no citado artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 03.03), bem como as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como dispõe o artigo 9.°, n.° 1 do Código Civil, temos que disposto no artigo 85.°, n.° 3 da LOE de 2017, o qual declara que a TOS não pode ser refletida na fatura dos consumidores, carece da realização de uma alteração do quadro legal vigente, designadamente, do regime geral das taxas das autarquias locais, constatando-se aliás que a alteração do enquadramento legal, em matéria de repercussão da TOS nos consumidores, não foi efetuada até à presente data. Por outras palavras, em síntese, estamos perante uma norma jurídica de eficácia condicionada, cuja efetiva produção de efeitos jurídicos demanda a criação de outras normas, ainda não existentes.». Concordamos com o Meritíssimo Juiz na parte em que afirma que o artigo 70.º não disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo, o que bem se compreende por, como já deixámos explicitado, o nº 3 do artigo 85.º da LOE constitui uma norma auto -exequível, ou seja, apta, sem qualquer regulamentação complementar, a produzir todos os seus efeitos (também designada pela doutrina como “norma autónoma). (Neste sentido, José Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4ª. Edição, Editorial Verbo, 1987, pág.474 e seguintes.) Como linearmente resulta do artigo 70.º, o que aí se regulamenta ou desenvolve em termos de execução ou procedimentos são outras normas contidas no artigo 85.º da LOE, mais concretamente, o que ficou disposto nos seus n.º 1 e 2, como, de resto, o legislador não deixou margem para dúvidas ao, com precisão, remeter expressamente para tais disposições legais. Note-se, o que é sobremaneira relevante, que não só do teor do artigo 85.º ou de qualquer outro contido em disposição da LOE2017 não resulta, como já dissemos, qualquer tipo de obstáculo à imediata produção de efeitos do n.º 3 do referido preceito, como o próprio artigo 70.º do Decreto de Execução confirma essa mesma eficácia plena e imediata ao excluir da sua regulamentação ou previsão qualquer referência ao aí determinado (proibido), o que seguramente o legislador teria feito, se fosse essa a sua vontade, bastando para tal ter introduzido um regra condicionando aos demais procedimentos aí regulamentados, a proibição da repercussão da TOS. Como diz, bem, o Tribunal a quo, a interpretação não deve “cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (onde assume particular relevância o disposto no citado artigo 70.° do Decreto-Lei n.° 25/2017, de 03.03), bem como as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como dispõe o artigo 9.°, n.° 1 do Código Civil». Porém, não só a letra da lei constitui um limite, no sentido de que não pode o julgador alcançar um resultado interpretativo que nela não tenha um mínimo de respaldo, como, a interpretação do artigo 85.º, n.º 3, por si, ou a conjugação desta com o teor do artigo 70.º do Decreto de Execução, não permitem concluir pela falta de eficácia da norma ou pela necessidade, que a sentença não explica, de um quadro legal regulamentador complementar. Em bom rigor, se bem interpretamos a sentença, conclui-se que o fundamento para a exigibilidade do quadro complementar regulamentador radicará na necessidade de assegurar o cumprimento dos direitos consagrados na cláusula 7.º das minutas contratuais aprovadas pelo Conselho de Ministros que, por via da cláusula proibitiva (n.º 3 do artigo 85.º da LOE) ficou implicitamente revogada e, com ela, eventualmente comprometido o equilíbrio económico-financeiro do acordo celebrado entre o Estado e a Recorrida. Porém, mais uma vez salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz confunde duas questões distintas, que são, por um lado, a questão de saber se a proibição do artigo 85.º, n.º 3 da LOE217, nos termos em que ficou consagrada, era susceptível de produzir efeitos imediatos à data da sua entrada em vigor e, por outro, a questão de saber quais as repercussões que dessa disposição, produzindo efeitos imediatos, resultam para as empresas operadoras de infraestruturas do ponto de vista financeiro. Para que estas duas questões pudessem estar correlacionadas e dependentes uma da outra era necessário que o legislador tivesse feito depender a dita proibição do apuramento dessas consequências. O que não fez, limitando-se ou comprometendo-se, como resulta da conjugação dos nºs 1 e 2 do artigo 85.º da LOE e n.º 1 a 5 do artigo 70.º do Decreto de Execução Orçamental, a definir os novos pressupostos de determinação da TOS e a desenvolver os procedimentos necessários à avaliação ou determinação do impacto da proibição no referido equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas e, em função do que viesse a ser apurado, alterar o quadro legal em vigor, “nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores." (n.º 5, do artigo 70.º). Sem deixarmos de sublinhar que o que está em causa nos autos é a interpretação do n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017, mais concretamente a sua susceptibilidade de produzir efeitos imediatos na esfera jurídica dos consumidores finais, que, em primeira linha, terá sempre que resultar da interpretação desta norma em conformidade com os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, o que, com o devido respeito, ficou já realizado, entendemos adequado, mesmo assim, pronunciarmo-nos sobre as objecções colocadas ao julgamento de eficácia plena da norma que vimos expondo, colocadas pela Recorrida na sua contestação e integralmente vertidas na sentença recorrida, fundadas no teor das sucessivas normas orçamentais, no Despacho n.º 315/2021 e na constituição do grupo de trabalho neste previsto. Quanto ao que nesta matéria ficou consagrado em orçamentos subsequentes, contrariamente ao entendimento perfilhado na sentença recorrida, os contributos reforçam a interpretação por nós perfilhada de que o legislador apenas “cuidou da (futura) regulação da TOS” (nas palavras da sentença) mas não revogou a proibição de repercussão do seu valor. Assim, na Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro – LOE2018) apenas ficou a constar, no artigo 246.º, sob a epígrafe «Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo» que «1 - O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores» (n.º 1). E que «A alteração legislativa prevista no número anterior deve assentar a incidência na efetiva ocupação do subsolo e assegurar a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo para os fornecimentos em BP (menor que) e para os fornecimentos em BP(maior que) e MP por parte dos municípios, atendendo aos princípios da objetividade, proporcionalidade e não discriminação» (n.º 2). Ou seja, apenas ficou determinado que o Governo iria rever o quadro legal em vigor, integrado pela proibição de repercussão do n.º 3 do artigo 85.º determinada pela LOE2017 (que não revogou), incluindo em matéria de repercussão e que, nesse quadro legal, o critério estrutural incidiria na efectiva ocupação do subsolo, devendo ser assegurar na conformação legal a emitir a fixação de um limite mínimo e máximo indicativo do valor das taxas de ocupação do subsolo. Em suma, não resulta desta norma, nem de qualquer outra da LOE2019 ou do Decreto de Execução respectivo, a revogação, implícita ou explícita, da proibição consagrada no artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017. Por sua vez, na Lei do Orçamento de Estado para 2021 (LOE2021), no artigo 133.º, sob a epígrafe “Taxa municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do subsolo”, ficou estabelecido o seguinte: «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação de subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser cobradas aos consumidores (n.º1); «O presente artigo tem caráter imperativo sobrepondo-se a qualquer legislação, resolução ou regulamento em vigor que o contrarie» (n.º 2) e que «No primeiro semestre de 2021, o Governo procede às alterações legislativas necessárias à concretização do disposto no n.º 1» (n.º 3) Ou seja, mais uma vez, o legislador de forma clara, directa e incondicional proibiu a repercussão da TOS na factura do consumidor, renovando a imposição de que o seu pagamento fosse suportado pelas empresas operadoras de infraestruturas, sublinhando a natureza imperativa dessa determinação e a sua sobreposição a qualquer outra. E embora seja certo que no n.º 3 do mesmo preceito o legislador condicionou o disposto no seu n.º 1 às alterações legislativas que visse a efectuar (no primeiro semestre de 2021), entendemos que essas alterações se reportam ao modo de determinação da TOS e do seu pagamento pelas operadoras de infraestruturas (designadamente tendo em consideração o equilíbrio económico que o Estado se comprometera a assegurar) e não a um condicionamento directo à proibição de repercussão, sob pena de carecer de sentido o que ficou estabelecido no n.º 2 da mesma norma e diploma. Por fim, no que respeita ao despacho n.º 315/2021, de 11 de Janeiro, e sem deixarmos de sublinhar que não possui força legal para modificar as normas constantes da Lei do Orçamento do Estado, importa atentar, antes de mais, que nele se reconhece que no artigo 85.º da LOE2017 ficou determinado “que a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores» e ficou reconhecido que no artigo 246.º da LOE2019 também já ficara estabelecido que o Governo procederia à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação de subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores. Ou seja, se bem o interpretamos o despacho em referência, é neste confirmada a leitura que fazemos de que o n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 encerra uma proibição efectiva e imediata da repercussão e confirmado que o Governo se comprometeu, na Lei Orçamento de Estado aprovada dois anos depois (LOE2019) a realizar uma revisão do quadro enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor (com as alterações determinadas pela LOE2017,), designadamente em matéria de repercussão da TOS na factura dos consumidores. E foi tendo pressente estas premissas que foi determinada a constituição de um grupo de trabalho com «o objectivo de alterar o quadro legal enquadrador da TOS atualmente em vigor nos termos estabelecidos pelo artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, artigo 70.º do Decreto-lei n.º 25/17, de 3 de março, e artigo 246.º da lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.» Sem prejuízo de tudo quanto ficou exposto, não podemos deixar de adiantar ainda o seguinte: toda a argumentação aduzida na sentença recorrida – idêntica à que consta, em geral, em sentenças proferidas em múltiplos processos, nos quais estão igualmente incluídas alegações de conteúdo idêntico ou similar às que constam nos presentes autos e em que é defendido o não reconhecimento de plena eficácia da norma constante do n.º 3 do artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017 - tem subjacente o entendimento de que a proibição só podia “ ganhar operatividade” ou ser exequível quando fosse alterado todo um quadro regulamentador capaz de assegurar o equilíbrio económico do contrato de concessão. Ou seja, tem subjacente o entendimento de que, sendo a imputação sob a forma de repercussão ao consumidor final uma parte do preço acordado, a sua eliminação, ou os termos em que a mesma se podia efectivar, dependiam de um quadro complementar que reporia o equilíbrio, assim se justificando que a norma consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da LOE2017 não passasse de uma norma “ meramente programática”, um mero objectivo a concretizar. Acontece, porém, que assim não é. Efectivamente, pelo Decreto – Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, expressamente convocado como fundamento da Resolução, foram estabelecidos os regimes jurídicos aplicáveis às actividades de transporte de gás natural, de armazenamento subterrâneo de gás natural, de recepção, armazenamento e regaseificação em terminais de gás natural liquefeito (GNL) e de distribuição de gás natural, incluindo as respectivas bases das concessões. As Bases das concessões da actividade de distribuição de gás natural encontram-se plasmadas no ANEXO IV e, neste, no CAPÍTULO VII, que tem por epígrafe “Modificações objectivas e subjectivas da concessão”, consta que «O contrato de concessão pode ser alterado unilateralmente pelo concedente, sem prejuízo da reposição do respectivo equilíbrio económico e financeiro nos termos previstos na base XXXIV» (Base XXXI). Por sua vez, na Base XXXIV, que tem por epígrafe «Reposição do equilíbrio económico e financeiro» ficou estabelecido o seguinte: «1 - Tendo em atenção a distribuição de riscos estabelecida no contrato de concessão, a concessionária tem direito à reposição do equilíbrio financeiro da concessão, nos seguintes casos: a) Modificação unilateral, imposta pelo concedente, das condições de exploração da concessão, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 da base IV, desde que, em resultado directo da mesma, se verifique, para a concessionária, um determinado aumento de custos ou uma determinada perda de receitas e esta não possa legitimamente proceder a tal reposição por recurso aos meios resultantes de uma correcta e prudente gestão; b) Alterações legislativas que tenham um impacte directo sobre as receitas ou custos respeitantes às actividades integradas na concessão. 2 - Os parâmetros, termos e critérios da reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão são fixados no contrato de concessão. 3 - Sempre que haja lugar à reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão, tal reposição pode ter lugar através de uma das seguintes modalidades: a) Prorrogação do prazo da concessão; b) Revisão do cronograma ou redução das obrigações de investimento previamente aprovadas; c) Atribuição de compensação directa pelo concedente; d) Combinação das modalidades anteriores ou qualquer outra forma que seja acordada.» Resulta, pois, deste diploma, e das referidas bases, convocado na Resolução, que a Lei, antes da emissão da própria Resolução, consagrou o direito do concedente, por via legislativa, alterar unilateralmente o contrato de concessão, consagrando, ainda, os meios ou modalidades através dos quais a reposição do equilíbrio económico e financeiro da concessão se deve efectuar se e quando estejam verificadas as condições para que essa reposição tenha lugar. O que significa, pois, que tendo o Governo (Estado), por via da LOE2017, alterado unilateralmente o quadro legal conformador do contrato de concessão e a possibilidade de repercussão neste acolhido, proibindo a repercussão no cliente final da TOS, havia que apurar se dessa modificação unilateralmente imposta tinha efectivamente resultado um desequilíbrio financeiro no contrato e, em caso afirmativo, qual a sua amplitude para que fossem adoptadas uma das modalidades de reposição legalmente previstas, sendo neste contexto, a nosso ver, que deve ser interpretado o preceituado no n.º 1 do artigo 85.º da LOE2017 e os desenvolvimentos contidos no artigo 70.º do seu Decreto-Lei de Execução. Em síntese: considerando que o artigo 85.º, n.º 3 da LOE2017 proíbe expressamente, de forma directa, clara e incondicional a repercussão da TOS na factura dos consumidores há que reconhecer que esta norma é plenamente eficaz desde 1-1-2017, ou seja, há que concluir que a norma cuja eficácia avalizamos produziu efeitos a partir de 1-1-2017. Pelo que, tendo o acto de repercussão impugnado sido praticado em data posterior à entrada em vigor da referida norma, há que o julgar ilegal, o que, a final, se declarará. 3.3. A responsabilidade pelas custas da acção, em 1ª instância e neste Supremo Tribunal Administrativo, serão imputadas à Recorrida, integralmente vencida (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC). 4- DECISÃO Face a tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A) Revogar a sentença recorrida; B) Julgar ilegal e anular o acto de repercussão impugnado, integrado na factura n.º ...37, no valor de € 39.874,33; C) Condenar a Recorrida a devolver à Recorrente o valor referido em B), acrescido de juros, contados à taxa de 4%, desde a data do pagamento indevido (11-1-2018) até à data da integral e efectiva devolução da referida importância. Custas pela Recorrida em 1ª instância e neste Supremo Tribunal Administrativo. Registe e notifique. Lisboa, 8 de Março de 2023. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz. |