Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01552/19.7BELRS
Data do Acordão:09/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO DE SELO
RECURSO JURISDICIONAL
INUTILIDADE
FALTA DE ATAQUE A UM DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA
Sumário:I - Se a sentença julgou procedente a pretensão do impugnante com três fundamentos distintos e que, por respeitarem a diferentes vícios do ato impugnado, constituem suportes autónomos do decidido, o recurso só terá utilidade se o recorrente atacar todos esses fundamentos.
II - Se o recorrente não atacar todos os fundamentos da sentença, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do recurso, porque aos tribunais está vedada a prática de atos inúteis (cfr. artigo 130.º do CPC).
Nº Convencional:JSTA000P32569
Nº do Documento:SA22024091101552/19
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ...
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA junto do Tribunal Tributário de Lisboa interpôs recurso da sentença daquele Tribunal que julgou totalmente procedente a impugnação judicial do indeferimento tácito do recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa do ato de autoliquidação de imposto de selo relativo ao sorteio do jogo social do Estado com o n.º …/2017, de … de novembro de 2017, denominado “TOTOLOTO”, no valor de € 1.524.752,55 (um milhão, quinhentos e vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos).

Impugnação que tinha sido deduzida por SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... [doravante identificada pela sigla “SCM...”], pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa com o número de identificação fiscal ...71 e com sede na Avenida ..., ... Lisboa.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. Vem o presente recurso da sentença prolatada em 15 de março de 2024, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... – NIPC ...71, contra o ato de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico interposto, relativamente à autoliquidação do Imposto de Selo, do mês de novembro de 2017, consubstanciada na guia de retenção na fonte multi imposto nº ...01, de 18-12-2017, no montante total de € 14.813.136,97, cujo pagamento ocorreu em 20-12-2017 e da qual pretende que lhe seja restituído o montante de € 1.524.752,55.

B. Com tal decisão não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto, no seu modesto entender, não traduz uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, com claro prejuízo para a parte processual vencida.

C. A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... (doravante Santa Casa), é uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa, competindo-lhe para realização dos seus fins estatutários, entre outras finalidades, assegurar a exploração dos jogos sociais do Estado, em regime de exclusividade para todo o território nacional e a consequente distribuição dos respetivos resultados líquidos.

D. Em 20-12-2017, procedeu à entrega nos cofres do Estado da quantia de € 14.813.136,97, através da guia nº ...01, tendo na mesma data procedido ao seu pagamento.

E. A Recorrida foi a “beneficiária” final (parcial) de um prémio no montante de € 7.628.762,77 do Sorteio nº …/2017 de .. de novembro de 2017, do TOTOLOTO, na decorrência da não reclamação do prémio por parte dos apostadores.

F. Alegou que face à caducidade do referido prémio, a beneficiária final (parcial) dos prémios do jogo foi a própria Santa Casa, a qual, na qualidade de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa, se encontra isenta do pagamento do imposto do Selo, ao abrigo da alínea c) do artigo 6º do CIS.

G. Acompanhando o parecer técnico dos Professores Carlos Batista Lobo e Sérgio Vasques, junto aos autos pela recorrida, entende o Tribunal a quo que:

“(…) No caso como é o dos autos, em que devido à caducidade do direito, o montante associado ao prémio não reclamado reverte para a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., nunca pode ocorrer a tributação em sede de imposto de selo, uma vez que esta entidade beneficia da isenção subjetiva prevista no artigo 6.º, alínea c) do Código do Imposto de Selo.

Deste modo, salientamos a asserção dos Professores Carlos Batista Lobo e Sérgio Vasques, nos casos em que, «devido à caducidade do direito, o montante associado aos prémios não reclamados reverte para a SCM..., nunca pode ocorrer tributação em sede de Imposto de selo, uma vez que esta entidade beneficia da isenção subjetiva prevista no artigo 6º, alínea c) do CIS. Por conseguinte, a tentativa de tributar a SCM... com fundamento na verba 11.4 da TGIS, corresponde a uma errónea interpretação e aplicação do direito associada a uma desconsideração do sentido e do alcance da isenção subjetiva prevista no CIS conferida às pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública.» [in, parecer técnico, junto aos autos, p. 32]. (…)”

H. A recorrida é uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa (cujos estatutos encontram-se aprovados pelo Decreto-Lei nº 235/2008 de 3 de dezembro), sendo responsável por assegurar, através do departamento de jogos, e em regime de exclusividade para todo o território nacional, a exploração dos jogos sociais do Estado bem como a consequente distribuição, de acordo com o Decreto-Lei nº 56/2006, de 15 de março, dos respetivos resultados líquidos.

I. Cada jogo social organizado e explorado pela Santa Casa é criado por Decreto-Lei, nesse sentido, as normas relativas à organização e exploração dos concursos de apostas mútuas denominados “Totobola” e “Totoloto” encontram-se desenvolvidas no Decreto-Lei nº 84/85 de 29 de março.

J. De acordo com o artigo 4.º n. º1 do DL n.º 84/85 de 29 de março, é referido o seguinte: “As normas gerais de participação nos concursos a que respeita o presente diploma, os prazos de caducidade e, bem assim, as taxas e emolumentos a que haja lugar constarão de regulamento, denominado “regulamento geral dos concursos”, a aprovar por portaria do Ministro do Trabalho e Segurança Social.”

K. Dispõe ainda o artigo 9º do referido normativo que “O Departamento ..., da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., cobrará, além do imposto do selo, quando devido, emolumentos fixados no respetivo regulamento geral dos concursos pela passagem de certidões extraídas dos bilhetes de participação ou dos correspondentes microfilmes”.

L. Referindo ainda o seu artigo 13.º que “1. O direito aos prémios caduca no prazo de 90 dias a contar da data da realização do concurso, constituindo o respetiva montante receita da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ....”

M. Nesta dinâmica, face à legislação em apreço e à qualidade subjetiva da Santa Casa, a qual detém em exclusivo a exploração dos jogos sociais do Estado, bem como a sua consequente distribuição, salvo devido respeito, nunca poderá ser apontada como entidade beneficiária de prémios atribuídos em concursos por si organizados, explorados e distribuídos.

N. Defendendo o contrário, estaremos a defender que a entidade promotora dos concursos em questão, a Santa Casa, poderá ser, igualmente, a entidade premiada, o que nos parece que não foi de todo o pretendido pelo legislador.

O. Estabelecida a posição que as figuras em questão ocupam, de um lado a entidade promotora do concurso, no caso, a Santa Casa, e por outro aquele que beneficia do prémio sorteado, ocupemo-nos da tributação do jogo em sede de Imposto de Selo.

P. Quanto ao momento do nascimento da obrigação tributária, o legislador definiu, nos termos do artigo 5.º alínea t) do Código de Imposto de Selo (CIS), que a obrigação tributária considera-se constituída “Nos prémios do bingo, das rifas, do jogo do loto e dos jogos sociais do Estado, bem como em quaisquer prémios de sorteios ou de concursos, no momento da sua atribuição.”

Q. O nascimento da obrigação tributária verifica-se no momento em que a entidade promotora (aqui Santa Casa) reconheça a existência de uma obrigação/encargo decorrente de ter de conceder um determinado prémio e, por consequência, tornar o beneficiário detentor de um direito/crédito, independentemente de este estar identificado ou vir a levantar o prémio.

R. O prémio em questão resultou do Sorteio nº …/2017 de … de novembro de 2017, do TOTOLOTO, tendo, por isso, a Santa Casa apresentado a guia de retenção na fonte, aqui em discussão, em 20-12-2017, tendo procedido ao seu pagamento naquela mesma data.

S. Caso o nascimento da obrigação tributária apenas ocorresse quando o prémio fosse efetivamente pago ou colocado à disposição do beneficiário, a autoliquidação do imposto do selo nunca ocorreria caso o prémio não fosse reclamado.

T. Estabelecido o momento do nascimento da obrigação tributária, resta-nos averiguar quem ocupa a posição de sujeito passivo do imposto de selo neste contexto.

U. De acordo com o artigo 2.º n.º 1 alínea o) do CIS, “São sujeitos passivos do imposto: (…) o) A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., relativamente aos contratos de jogo celebrados no âmbito dos jogos sociais do Estado, cuja organização e exploração se lhe encontre atribuída em regime de direito exclusivo, bem como relativamente aos prémios provenientes dos jogos sociais do Estado;”

V. O sujeito passivo, no caso presente, será a Santa Casa, estando esta obrigada a liquidar e a entregar nos cofres do Estado o imposto.

W. Já o encargo do imposto, nos termos e para os efeitos do artigo 3.º n.º 3 alínea t) do CIS, recai sempre sobre o beneficiário, a pessoa, singular ou coletiva, a quem tenha sido atribuído o prémio.

X. Caso o beneficiário seja um dos sujeitos enunciados no artigo 6.º do CIS e posto que o encargo recaia sobre aquele, o prémio atribuído está isento do imposto.

Y. A Santa Casa, sujeito passivo do imposto, nunca poderá ser qualificada como “beneficiária” de um prémio que ela própria distribuiu, sendo responsável por assegurar, através do departamento de jogos, e em regime de exclusividade para todo o território nacional, a exploração dos jogos sociais do Estado.

Z. Nos termos e para os efeitos do artigo 3.º n.º 3 alínea t) do CIS, o encargo recai sempre sobre um beneficiário, enquanto titular do “interesse económico”, podendo ser desconhecido e nunca vir a reclamar tal prémio.

AA. Nos termos do artigo 13.º n.º 1 do suprarreferido diploma DL 84/85 “O direito aos prémios caduca no prazo de 90 dias a contar da data da realização do concurso, constituindo o respetivo montante receita da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ....”

BB. Ora, o direito ao prémio, o qual já terá deduzido o competente imposto de selo, caduca no prazo de 90 dias a contar da realização do concurso, revertendo tal montante para a Santa Casa.

CC. Sendo o prémio entregue ao premiado beneficiário, líquido do competente imposto de selo, tal montante, constituindo receita da Santa Casa, será igualmente líquido do imposto de selo.

DD. A Santa Casa não poderá beneficiar da isenção subjetiva prevista no artigo 6.º do CIS, uma vez que, em momento algum, ocupa a posição de “beneficiário” titular do “interesse económico”.

EE. Refira-se ainda que na Portaria n.º 102/2011 de 11 de março, a qual estabelece as normas de participação no jogo social do Estado denominado Totoloto, no seu artigo 3.º são estabelecidas as condições gerais de participação nos concursos, e, em momento algum, se encontra a Santa Casa como “apostador”, ou equiparável.

FF. Entende a recorrente que, pelos argumentos atrás enunciados, se impunha uma interpretação diferente daquela que acompanhou o parecer técnico junto pela recorrida, alcançando uma decisão diversa por parte do Tribunal a quo, maxime a improcedência do peticionado.

GG. Entende a Fazenda Pública que decisão recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito, com repercussão no sentido da decisão da causa, devendo o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, mantendo-se na sua totalidade a liquidação contestada, por não estar ferida de qualquer vício capaz de levar à sua anulação.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse anulada a sentença recorrida.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que condensou nas seguintes conclusões:

«(…)

a. No presente recurso, demanda o Recorrente pela nulidade da sentença por erro de julgamento, em matéria de direito pela incorreta subsunção da factualidade exposta na petição inicial ao direito aplicável.

b. Ora, da análise da Decisão recorrida e na medida do exposto, entende-se que a douta sentença não padece de qualquer vício, não fazendo um incorreto enquadramento jurídico da matéria de facto, termos em que sempre se deverá concluir que a razão não assiste à Recorrente, devendo o presente recurso ser rejeitado.

c. Na verdade, na presente relação jurídico-tributária, por força do específico quando legal aplicável e da factualidade existente, verifica-se uma equivalência entre o sujeito passivo e o titular da capacidade contributiva, i.e., não temos dois sujeitos jurídicos, em que o beneficiário do prémio estaria obrigado legalmente a reembolsar o sujeito passivo da obrigação tributária, por ser ele o titular da capacidade contributiva, temos sim uma simultaneidade de posições relativamente à mesma entidade (a Recorrida SCM...), a qual se encontra, subjetivamente, isenta do pagamento do IS.

d. Isto é, apesar de a Recorrida ser um sujeito passivo de IS, nos termos da alínea o) do n.º 1, do artigo 2º do CIS, a sua liquidação cabe ao sujeito passivo, não é sobre ela que (em regra) incide o encargo do imposto.

e. Ora sucede que, no caso em apreço, por força da legislação em vigor (no caso concreto, conforme decorre do n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico de organização e exploração de concursos de apostas mútuas, previsto na redação atual do Decreto-Lei n.º 84/85, de 28 de março) o direito aos prémios caduca 90 dias após a data da realização do respetivo concurso e, nesse seguimento, verifica-se a perda do direito ao prémio que nasceu na esfera jurídica de um dos apostadores e a sua reversão para a própria Recorrida SCM....

f. E, assim, a entidade com interesse económico na realidade tributária vai coincidir com o sujeito passivo porquanto os prémios dos jogos sociais do Estado caducados revertem para a Recorrida, a qual se encontra isenta do pagamento do IS, por força do disposto na alínea c) do artigo 6.º do CIS, norma que enuncia que as pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública beneficiam de uma isenção subjetiva que impede que sejam tributadas em sede de IS, quando sobre elas recai o encargo económico do imposto.

g. Pelo que, a isenção constante na referida alínea d) do artigo 6.º do CIS deve ser plenamente aplicada à Recorrida, como bem entendeu o Tribunal a quo.

h. Ademais, diga-se que, se assim não fosse, a Recorrida só teria forma de repercutir o IS junto dos apostadores premiados quando estes reclamassem os respetivos prémios, dado que, nas demais situações, tal não se revelaria viável estando sempre, e na realidade, obrigada a suportar o pagamento de um tributo, do qual se encontra isenta!

i. Por outro lado, ainda, a obrigação tributária, no contexto do IS, nasce no momento em que o prémio é atribuído, i.e., quando o prémio é efetivamente pago ou colocado à sua disposição do beneficiário, como determina a alínea t) do n.º 11 do artigo 5.º do CIS, ao referir que a obrigação tributária se constitui no momento de atribuição do prémio.

j. Assim, para que exista tributação tem de existir um rendimento efetivo e não um mero rendimento potencial, pois não basta que o direito ao prémio nasça na esfera do apostador premiado é necessário que o mesmo seja efetivamente recebido

k. Termos em que, em face da prova produzida nos autos e do quadro normativo aplicável ao caso sob análise resulta evidente que bem andou o Tribunal a quo pelo que deverá ser, integralmente, mantida a Decisão recorrida.».

A Mm.ª Juiz lavrou douto despacho de admissão do recurso, a que atribuiu subida imediata nos próprios autos e fixou efeito devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, tendo concluído que o recurso merece provimento.

Foi elaborado projeto de acórdão e remetido aos Ex.mos Conselheiros Adjuntos, que dispensaram os vistos legais, pelo que cumpre decidir.


***

2. Ao abrigo do disposto nos artigos 679.º e 663.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 288.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância.

***

3. A questão central que vem colocada no presente recurso é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que é ilegal a decisão de não restituir o valor do imposto de selo que recai sobre a parcela do prémio de jogo que exceder € 5.000 (e a que alude a verba 11.4. da Tabela Geral de Imposto de Selo) quando o prémio do jogo não é reclamado e o valor do mesmo é distribuído nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 84/85, de 28 de março.

A sentença recorrida, julgou ilegal aquela decisão por três razões essenciais: em primeiro lugar, porque o imposto não deveria ter sido autoliquidado; em segundo lugar, porque o imposto não é devido quando a repercussão não é possível; em terceiro lugar, porque ali impugnante está isenta do imposto.

O imposto não devia ter sido autoliquidado porque a autoliquidação é devida no momento da atribuição do prémio – artigo 5.º, n.º 1, alínea t), do Código do Imposto de Selo [doravante identificado pela sigla “CIS”] – e porque o prémio é atribuído quando é pago ao seu titular.

O imposto não é devido porque a lei impõe que o imposto seja repercutido a favor do beneficiário (do prémio) – nos termos da alínea t) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS – e, porque, quando o prémio não é reclamado, a repercussão não é possível (o que, no entendimento da Mm.ª Juiz, implica que a operação não se encontra sujeita a imposto).

E a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... está isenta de imposto porque as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa estão isentas de imposto que constitua o seu encargo – nos termos da alínea c) do artigo 6.º do CIS (na redação então em vigor).

Verifica-se, assim, que a sentença julgou procedente a impugnação judicial com três fundamentos distintos e que, por respeitarem a diferentes vícios do ato impugnado, constituem suportes autónomos do decidido. Na verdade, mesmo que se venha a concluir pela ilegalidade de algum deles, os restantes permitem sustentar, por si só, que a decisão impugnada é ilegal.

Ora, a Recorrente não ataca todos estes fundamentos do decidido.

Com efeito, decorre das doutas alegações do recurso e das suas conclusões que a Recorrente se insurge quanto ao facto de ter sido concluído que a Recorrida beneficia in casu da isenção a que alude a alínea c) do artigo 6.º do CIS [ver as conclusões “H” a “N”] e quanto ao facto de ter sido concluído que o nascimento da obrigação tributária se verifica com o prémio é pago ao titular da aposta [conclusões “P” a “S”], mas em parte alguma a Recorrente se insurge quanto ao facto de ter sido concluído a atribuição do montante do prémio à Santa Casa quando o prémio não é reclamado corresponde a uma situação de não sujeição pelo facto de a repercussão não ser possível.

De salientar que, nas conclusões “T” a “GG” do recurso, a Recorrente propõe-se analisar a questão de saber quem ocupa a posição é o sujeito passivo do imposto e acaba a repisar argumentos que têm alguma relação com as duas questões que tinha analisado anteriormente, mas que não atacam os fundamentos da decisão recorrida inseridos nos últimos parágrafos da pág. 21 e na pág. 22 da sentença.

E tem-se entendido que, quando o recorrente não ataca um dos fundamentos da decisão, por si só suficiente para justificar a procedência da impugnação a apreciação do mérito dos restantes seria um ato inútil, e como tal proibido por lei, por ser inadequado para desencadear o efeito jurídico pretendido com o recurso: a revogação da sentença recorrida (ver, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de janeiro de 2015, tirado no processo n.º 0973/13).

Assim sendo, importa concluir desde já que este tribunal não pode apreciar os fundamentos do recurso (por lhe estar vedada a prática de atos inúteis nos termos do artigo 130.º do Código de Processo Civil).

Segundo a jurisprudência acima indicada, na circunstância em que o efeito jurídico pretendido com o recurso não é juridicamente possível, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do mesmo.

O que a final se decidirá.


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4. Preparando a decisão e em cumprimento do disposto nos artigos 679.º e 663.º, n.º 7, ambos do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I. Se a sentença julgou procedente a pretensão do impugnante com três fundamentos distintos e que, por respeitarem a diferentes vícios do ato impugnado, constituem suportes autónomos do decidido, o recurso só terá utilidade se o recorrente atacar todos esses fundamentos.

II. Se o recorrente não atacar todos os fundamentos da sentença, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do recurso, porque aos tribunais está vedada a prática de atos inúteis (cfr. artigo 130.º do CPC).


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas do presente recurso pela Recorrente, com dispensa do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça, por se entender que estão preenchidos os requisitos previstos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais quando o tribunal ad quem não chega a apreciar os fundamentos do recurso e por entender que não pode tomar conhecimento do seu mérito.

Lisboa, 11 de setembro de 2024. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator por vencimento) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (Com declaração de voto de vencido) – Gustavo André Simões Lopes Courinha.


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Declaração de voto do Senhor Conselheiro Aníbal Ferraz:

Vencido, enquanto relator originário e com o projeto de, conhecendo o objeto deste recurso jurisdicional, conceder-lhe provimento, revogando-se a sentença recorrida.


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[redigi em meio informático e revi]
Lisboa, 11 de setembro de 2024