Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01029/10.6BEALM 0691/17
Data do Acordão:01/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
VALOR PATRIMONIAL
ACTUALIZAÇÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO
Sumário:I Enferma de erro de julgamento a sentença que ao fiscalizar o cumprimento do dever de fundamentação atende exclusivamente aos elementos do acto reclamado e não aos que constam do acto que decidiu a reclamação da actualização do valor patrimonial tributável de um prédio urbano, deduzida ao abrigo do artigo 102º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário e que constitui o objecto de impugnação judicial.
II No âmbito do recurso de revista, por força do disposto no artº679º do CPC a aplicação do regime da apelação sofre a excepção nele preconizada, a saber, “são aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com exceção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes.” Por assim ser, não é possível o pretendido julgamento em substituição, impondo-se, por isso, a baixa do processo à primeira instância para conhecimento dos demais vícios invocados pela impugnante – violação do direito de audição e violação do princípio da legalidade.
Nº Convencional:JSTA000P25415
Nº do Documento:SA22020011601029/10
Data de Entrada:06/14/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A................., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 10-02-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação deduzida por A…………….., S.A., tendo anulado o acto de liquidação de IMI do exercício de 2008, no montante de € 3.714,42, relativo ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 09517, da freguesia e concelho de …………...

Inconformada, formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo, já devidamente aperfeiçoado, em cumprimento do despacho de fls. 180 do processo físico:

“I - Não se conforma esta Representação da Fazenda com o decidido nos presentes Autos (e respetiva fundamentação), pois a liquidação de IMI Impugnada resultou de atualização do valor patrimonial do imóvel a qual operou de forma imperativamente fixada na lei, não ignorando a Impugnante ter sido já o imóvel anteriormente avaliado nos termos do IMI;
II - Tal resulta ainda claramente das taxas de IMI aplicáveis e aplicadas ao prédio aqui em causa, o qual era já sujeito a taxa inferior à aplicada aos restantes imóveis ainda não avaliados na vigência do IMI e constantes da Nota de Cobrança, o que decorria do disposto no art.º 112.º do CIMI, na versão à data, que mandava aplicar, no seu n.º 1, uma taxa de 0,2% a 0,5% aos imóveis avaliados nos termos do CIMI, e de 0,4% a 0,8% aos restantes prédios urbanos;
III - Com todo o respeito devido, não tem assim aplicação ao caso qualquer regime transitório, vindo a despropósito o invocado n.º 1 do art.º 15.º do Decreto-Lei 287/2003, de 12/11 e o respetivo regime;
IV - Estando já o imóvel avaliado nos termos do IMI — como estava o dos Autos — previa o art.º 138.º do CIMI atualização periódica e automática do seu valor patrimonial tributário. Para o ano em causa, foi a Portaria 362/2008, de 13.05, que veio fixar aqueles coeficientes de desvalorização da moeda (Quanto a esta atualização periódica, remete-se para José Maria Fernandes Pires, em Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2.ª edição, Almedina, 2002, pág. 43, 45 e 46. Também J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, em Os Impostos sobre o Património Imobiliário — O Imposto de Selo, Anotados e Comentados, 1ª. Edição, Engifisco, em anotação 1 ao art.º 138.º do CIMI, págs. 302 e 303);
V - O Tribunal “a quo” fundamenta a sua decisão aderindo de forma integral à “linha decisória” do aresto emitido pelo STA em 19.09.2012, proc. 0659/12, no entanto não existe, in casu, situação de avaliação de imóvel, ou sequer qualquer atualização do valor patrimonial nos termos do regime transitório, nem qualquer das contingências ou dos meios de reação ali referidos;
VI - E o art. 20.º, citado no aresto, prevê a Reclamação das atualizações do valor patrimonial tributário, mas apenas daquelas efetuadas nos termos do disposto nos art. 16.º, 17.º n.º 1 e 19.º, podendo mesmo o sujeito passivo, nos termos do n.º 4 do artigo, “solicitar que o valor patrimonial tributário do prédio seja determinado por avaliação de acordo com as regras estabelecidas no CIMI”. - Ora, no caso em análise estava já o prédio avaliado nos termos do IMI;
VII - Entende-se assim não ter existido qualquer falta de fundamentação do ato de liquidação, ou fundamentação insuficiente, pois a atualização do valor patrimonial aqui em causa encontra a sua fundamentação diretamente na Lei, sem qualquer possibilidade mínima de discricionariedade ou mesmo de intervenção da Autoridade Tributária, que não a aplicação de coeficientes publicados anualmente ao valor já anteriormente constante da matriz;
VIII - Está desta forma, a notificação realizada, devidamente fundamentada, nos termos do exigido pelo estipulado no n.º 2 do art.º 77.º da LGT e art.º 119.º do CIMI (cfr. também Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário — Anotado e Comentado, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, na pág. 120, anotação ao art. 99.º);
IX - Tratando-se de atuação vinculada da Autoridade Tributária, nenhum outro resultado seria ou será atingível no caso concreto - a liquidação agora Impugnada era a única concretamente possível -, concordando-se integralmente com o que ficou plasmado no, aliás, Douto Parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto do tribunal Administrativo e Fiscal de Almada;
X - Remete-se também para o que ficou decidido no recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte), de 16.02.2017, proc.º 00029/03, entendendo-se que não existiu preterição de formalidade essencial, pois eventual audiência do sujeito passivo para aplicação do disposto no art.º 138.º do CIMI de nada relevaria quanto à aplicação do mesmo;
XI - Por outro lado, em sede de RG, ficou a Impugnante perfeitamente ciente do facto de não ter existido qualquer avaliação (caso não o estivesse ainda). Mas ainda assim Impugna invocando vícios na reavaliação e falta de participação na mesma, chamando- se aqui à colação o que ficou decidido no acórdão do STA de 07.11.2012, proc.º 01126/11;
XII - Ainda quanto à alegada não participação do contribuinte na decisão, remete-se também para o que ficou dito no ponto 18 da Informação em sede de RG, ou seja, tendo o contribuinte possibilidade de reagir quanto ao valor fixado em sede de 1.ª avaliação nada fez;
XIII - Finalmente, com todo o respeito devido, não poderia a decisão de procedência da Impugnação (com a qual se discorda totalmente) levar à anulação da “liquidação de IMI do exercício de 2008 no montante de € 3.724,42, de um prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 09517, da freguesia e concelho de …………”, simplesmente porque não existe qualquer liquidação de IMI no montante de 3.714,42 Euros de um prédio urbano. Aquele é o valor total constante da Nota para Cobrança, o qual resulta de diversos montantes parciais correspondentes às liquidações do IMI de diferentes imóveis;
XIV - Do documento de Cobrança Impugnado — 2.ª prestação — constam cinco imóveis, sendo a coleta correspondente ao artigo matricial U 09527, de 5.443,22, num total de coleta dos diferentes imóveis englobados na Nota de Cobrança de 7.428,85 Euros. Este valor para cobrança, é dividido em duas prestações, cada uma no valor de 3.714,42 Euros, tendo vindo a lmpugnante reagir da notificação para pagamento da segunda prestação (ao que parece, não lhe terá causado qualquer estranheza ou dúvida o mesmo valor patrimonial atribuído ao imóvel e notificado com a primeira prestação para pagamento);
XV - E este valor de 3.714,42 Euros em cobrança nesta segunda prestação, está influenciado por 2.721,61 Euros correspondente à coleta do imóvel cujo valor patrimonial vem aqui posto em causa. Pelo que, mal andou o Tribunal “a quo” ao decidir pela anulação do ato Impugnado, identificando o mesmo como a “liquidação de IMI do exercido de 2008 no montante de € 3.714,42, de um prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 09517, da freguesia e concelho de ………………”;
XVI - Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença fez errada aplicação do direito, tendo violado o disposto nos art.ºs 113.º, 119.º e 138.º, todos do CIMI, e art.º 77.º da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs EX.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente lmpugnação tudo com as devidas e legais consequências.”

A empresa recorrida produziu contra-alegações, onde concluiu da seguinte forma:

“a) A Administração Tributária, Recorrente nos presentes autos, procura através das suas alegações de recurso colocar em causa a validade das conclusões alcançadas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada no processo n.° 1029/10.6 BEALM, através da douta Sentença proferida em 10 de fevereiro de 2017, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida contra o ato de liquidação de IMI, referente ao ano de 2008;
b) Com efeito, a douta Sentença recorrida, proferida em 10 de fevereiro de 2017, julgou totalmente procedente a Impugnação Judicial apresentada contra a liquidação de IMI n.° 2008 061276003, concluindo que o ato de liquidação apreço padecia de falta de fundamentação, determinado a sua anulação e, bem assim, a condenação da Administração Tributária em custas;
c) Na referida petição inicial de Impugnação Judicial a ora Recorrida sustentou a ilegalidade da liquidação de IMI não só com o fundamento referido no artigo anterior, mas também como fundamento na i) violação do direito de participação; ii) violação do princípio da legalidade; iii) incompetência do Senhor Chefe de Divisão para a decisão de indeferimento da reclamação graciosa; e iv) ineficácia do ato de alteração do valor patrimonial;
d) No entanto, e uma vez que a douta Sentença recorrida julgou (e bem) procedente a impugnação judicial apresentada sustentada na falta de fundamentação do ato de liquidação ficou prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos apresentados, pelo que se requer, subsidiariamente, a ampliação do objeto do recurso, em conformidade como disposto no artigo 665.°, do CPC, aplicado ex vi do artigo 2.°, alínea e), do CPPT, indicando, prevenindo a necessidade da sua apreciação nas contra- alegações, os fundamentos cuja apreciação ficou prejudicada pela decisão de primeira instância, determinando, se necessário, e a coberto do direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto do artigo 20.° da CRP e do princípio do inquisitório previsto no artigo 411.º do CPC, a descida dos presentes autos à primeira instância para apreciação dos fundamentos invocados em primeira instância e cujo conhecimento ficou prejudicado atento o teor da douta Sentença recorrida;
e) No que respeita à falta de fundamentação do ato de liquidação de IMI, concluiu a douta Sentença recorrida que a Recorrida logrou demonstrar que a alteração do Valor Patrimonial Tributário do prédio inscrito na matriz sob o artigo 09517, da freguesia e concelho de ……………. de € 1311.620,00 para €1.360.805,75 não foi acompanhada da fundamentação legalmente exigida pelo artigo 77.° da LGT e que encontra consagração constitucional no artigo 267.°, n.° 3, da CRP;
f) A douta Sentença estribou a sua decisão no facto não ter sido elaborado qualquer “Termo de Avaliação” para proceder à atualização do valor patrimonial do imóvel, tendo a Administração Tributária se limitado a informar que o mesmo não foi elaborado porque decorre duma imposição legal a atualização do valor patrimonial dos imóveis) (cfr. alínea a) da matéria de facto não provada) e ii) no facto de provado não se ter provado que a Recorrente tenha sido notificada da atualização do valor patrimonial do imóvel melhor identificado no ponto 1 do probatório (a Fazenda pública nenhum documento juntou nesse sentido, embora tenha sido para tal notificada expressamente);
g) Nas suas alegações de recurso a Recorrente procura sustentar que não estava obriga a fundamentar a liquidação de 1141 em apreço na medida em que a mesma, nas suas palavras, resulta de “fórmula vinculada da legislação aplicável”, pelo que, “fácil é concluir que a liquidação agora Impugnada era a única concretamente possível” (cfr. pág. 13/26 das alegações de recurso);
h) Não é contudo, verdade que assim seja, na medida em que o artigo 77.° da LGT, e a própria CRP, ao abrigo do artigo 268.°, n.° 3, da CRP, impõem que Administração Tributária fundamente sempre os seus atos por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (cfr. neste sentido o Acórdão proferido no Acórdão do STA proferido no processo n.º 0659/12 e que é invocado doutamente pela Sentença recorrida);
i) Sendo que, contrariamente ao que procura sustentar a Administração Tributária a Lei não consagra qualquer situação de dispensa de fundamentação para as situações em que a liquidação é a “única via possível”;
j) Com efeito, o artigo 77.° da LGT consagra um dever de fundamentação dos atos administrativos que obriga a que a Administração Tributária dê a conhecer aos contribuintes os fundamentos que subjazem aos atos que são notificados aos contribuintes e que contendem com os seus direitos e garantias;
k) Preocupação essa que a Administração Tributária não teve ao praticar e notificar o ato de liquidação de IMI em apreço, na medida em que em momento algum a ora Recorrente logra demonstrar os fundamentos que subjazem ao ato de liquidação de 1141 e qual a “fórmula” que lhe permitiu agravar o valor patrimonial tributário do referido imóvel;
l) Como também foi demonstrado nos autos, a fundamentação deve constar do próprio ato de liquidação e não ser-lhe posterior ou resultar de qualquer outro documento, nomeadamente, da decisão da reclamação graciosa, devendo e mesma ser contemporânea ao ato de liquidação (cfr. Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 0228/03, de 05/19/2004);
m) Não pode, pois, aceitar-se que a ora Recorrente procure justificar os fundamentos do ato de liquidação de 1141 através do procedimento de reclamação graciosa, invocando inclusive que os mesmos resultam da lei, na medida em que se assim fosse a Administração tributária estaria sempre dispensada de fundamentar os seus atos, nomeadamente, aqueles que contendem com os direitos e garantias dos contribuintes, como sucede com a presente liquidação IMI, entendimento que não encontra qualquer suporte na Lei;
n) Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que o ato de liquidação de IMI padece de manifesta falta de fundamentação, em especial, por nunca ter sido dado a conhecer à Recorrida os fundamentos, a “fórmula” de determinação do valor patrimonial tributário do imóvel para o ano de 2008 e que se traduziu num agravamento;
o) Com efeito, mesmo que o ato de liquidação de IMI em apreço tenha um fundamento subjacente, como procura sustentar a Recorrente nas suas alegações, a verdade é que a mesma não resultava do ato de liquidação, como se impunha, pelo que também este argumento não tem qualquer base legal que o suporte;
p) Refira-se, ainda, que, contrariamente ao que é sustentado pela Recorrente nas suas alegações, o valor da ação indicado na petição inicial foi corretamente apurado e indicado na petição, ou seja, a Recorrida indicou, e bem, o valor da liquidação de IMI (€ 3.714,42), o qual aliás não foi contestado na douta sentença recorrida que o acolheu nos termos indicados pela ora Recorrida na petição inicial;
q) Refira-se, ainda, que atenta a indivisibilidade do ato de liquidação, a anulação, ainda que parcial, da liquidação determina a sua anulação total (neste sentido, cfr. Acórdão do STA proferido no processo n.° 0882/10 em 12 de janeiro de 2010);
r) Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a douta Sentença recorrida fez uma correta apreciação da matéria de facto dada como provada e retirou as devidas ilações dos factos dados como não provados, dos quais resulta, inequivocamente, que o ato de liquidação de IMI em apreço padece de evidente falta de fundamentação ao não dar conhecimento ao seu destinatário dos fundamentos que subjazem ao agravamento do Valor Patrimonial Tributário do imóvel em apreço;
s) No entanto, e porque o Tribunal a quo ao dar provimento, e bem, à impugnação judicial apresentada com fundamento na falta de fundamentação da liquidação de IMI não conheceu dos demais fundamentos que sustentavam a ilegalidade da liquidação de IMI, a ora Recorrida requer, ainda, a título subsidiário, e apenas na eventualidade de se mostrar necessária a apreciação dos mesmos, que este douto Tribunal conheça, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.°, do CPC ex vi do artigo 2.°, alínea e), do CPPT, os fundamentos cuja apreciação ficou prejudicada pela decisão de primeira instância, determinando, se necessário, e a coberto do direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto do artigo 20,° da CRP e do princípio do inquisitório previsto no artigo 411.° do CPC, a descida dos presentes autos à primeira instância para apreciação dos fundamentos invocados em primeira instância e cujo conhecimento ficou prejudicado atento o teor da douta Sentença recorrida;
t) No que respeita à falta de audição prévia, ficou evidenciado através da petição inicial que a ora Recorrida não teve oportunidade de se pronunciar em sede de audição prévia sobre esta liquidação e, em especial, sobre os pressupostos e fundamentos em que assentou o agravamento do Valor Patrimonial Tributário do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 09517 da freguesia e concelho de …………..;
u) Contra esta conclusão não é invocável, contrariamente ao que procura sustentar a Recorrente, que o aumento do Valor Patrimonial Tributário do prédio resulta da lei, sendo obrigação da Recorrida conhecer dos seus fundamentos, uma vez que a situação em apreço não se enquadra em nenhuma das situações em que a lei prevê a possibilidade de audição prévia, nomeadamente, no disposto no artigo 60.º, n.ºs 2 e 3, da LGT;
v) Deverá, pois, concluir-se que a liquidação de IMI objeto dos presentes autos foi praticada em violação do disposto no artigo 60, n.° 5, da LGT e 267.°, n.° 5, da CRP, o que deverá determinar a sua anulação;
w) Acresce referir que o incremento do valor patrimonial do imóvel ocorreu à revelia da lei, uma vez que a alteração foi efetuada sem estribo na lei já que nada justificava que a mesma tivesse lugar;
x) Na verdade a Administração Tributária decidiu aumentar o Valor Patrimonial Tributário do imóvel fora dos procedimentos legais que permitem que tal ocorra;
y) Importa não esquecer que a atuação da Administração Tributária deve pautar-se, toda ela, pelo cumprimento do princípio da legalidade, estando assim a sua atividade circunscrita àquilo a que a lei lhe permite, como impõem os artigos 3.° do CPA, 8.° da LGT e 266.°, n.° 2. da CRP;
z) Acontece, porém, que, no caso em apreço, a Administração Tributária extravasou os limites da lei, agindo para além do que a mesma lhe permite, tendo com a sua conduta lesado a Recorrida que se viu obrigada a pagar IMI superior àquilo que lhe era exigido, o que deverá também motivar a sua anulação;
aa) A entidade decisora indica que age em delegação de competências do órgão legalmente competente para a prática do ato, porém não indica qualquer ato de onde resulte essa delegação de competências, razão pela qual a Recorrida não ficou habilitada a controlar a legalidade dessa mesma delegação;
bb) Deverá, pois, concluir-se que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi proferida por entidade incompetente para tal, o que implica a anulação do mesmo;
cc) Importa, por último, referir que, como defendido pela ora Recorrida em sede de exercício do direito de audição, não lhe foi notificada a operação que conduziu à alteração do Valor Patrimonial Tributário do prédio para € 1.360.850,75;
dd) Através do projeto de decisão, a ora Recorrida foi informada que o motivo da alteração do Valor Patrimonial Tributário foi a atualização trienal do Valor Patrimonial Tributário, sem que lhe tenha sido comunicada a decisão e fórmula que levou à quantificação da matéria coletável;
ee) Ora, sendo indiscutível que a alteração da matéria coletável, com o respetivo cálculo, afeta os direitos da ora Recorrida porque passa a pagar mais imposto, impunha-se que a ora Recorrida tomasse conhecimento do ato que alterou o Valor Patrimonial Tributário do imóvel com os respetivos cálculos;
ff) Não pode, pois, aceitar-se a argumentação expendida pela ora Recorrente nas suas alegações de recurso quando esta se limita a invocar, sem nunca demonstrar, que “a liquidação agora impugnada era a única concretamente possível”;
gg) Essa mesma conclusão foi, aliás, plasmada na douta Sentença recorrida que conclui que a ora Recorrente não logrou demonstrar que tivesse sido elaborado o i) termo de avaliação, nem qualquer outro documento para proceder à atualização o Valor Patrimonial Tributário e, bem assim, ii) que não ficou provado que a Recorrida tenha sido notificada da atualização do Valor Patrimonial Tributário do imóvel;
hh) Importa, pois, relembrar que, os atos em matéria tributária que afetem direitos dos contribuintes apenas produzem efeitos depois de validamente notificados nos termos do disposto no artigo 36.° do CPPT, o que, como demonstrado não sucedeu na situação em apreço, o que conduz à ineficácia daquele ato;
ii) Por fim, refira-se que, aquando do exercício do direito de audição, a ora Recorrida solicitou, nos termos do artigo 37.º, n.° 1, do CPPT, a notificação do ato e a fundamentação que alterou o Valor Patrimonial Tributário do imóvel de € 1.311.620,00 para € 1.360.805,15, não tendo a Administração Tributária dado resposta ao referido pedido;
jj) Assim, não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a sentença recorrida apreciou a prova produzida, nos termos legais, fazendo uma correta aplicação da lei à factualidade assente, pelo que se impõe concluir que a Sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, devendo mesma manter-se nos seus exatos termos.
TERMOS EM QUE, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER MANTIDA, NOS SEUS EXATOS TERMOS, A DOUTA DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, OBJETO DO RECURSO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA.
REQUER-SE SUBSIDIARIAMENTE, A AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO, EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ARTIGO 665.º, DO CPC, APLICADO EX VI DO ARTIGO 2.º, ALÍNEA E), DO CPPT, INDICANDO, PREVENINDO A NECESSIDADE DA SUA APRECIAÇÃO NAS CONTRA-ALEGAÇÕES, OS FUNDAMENTOS INVOCADOS PELA RECORRIDA QUE NÃO FORA OBJETO DE APRECIAÇÃO, E QUE QUER, AGORA, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, VER APRECIADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO — SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO E CUJO CONHECIMENTO TAMBÉM IMPLICA A ANULAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO DE IMI REFERENTE AO ANO DE 2008.
MAIS SE REQUER, CASO ESTE DOUTO TRIBUNAL NÃO SE CONSIDERE COMPETENTE PARA APRECIAR, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, OS FUNDAMENTOS NÃO APRECIADOS PELO TRIBUNAL A QUO QUE SEJA ORDENADA, A COBERTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE ACESSO AO DIREITO E À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA CONSAGRADO NO ARTIGO 20.º DA CRP E DO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO PREVISTO NO ARTIGO 411.º DO CPC, A DESCIDA DOS PRESENTES AUTOS À PRIMEIRA INSTÂNCIA PARA QUE SEJAM CONHECIDOS OS FUNDAMENTOS NÃO APRECIADOS EM PRIMEIRA INSTÂNCIA E QUE FORAM REPRODUZIDOS NAS PRESENTES CONTRA-ALEGAÇÕES.”

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da procedência parcial do recurso, de acordo com o seguinte parecer:

“Recurso interposto pelo representante da Fazenda Pública, sendo recorrida A………………, SA, que contra-alegou, requerendo a ampliação do recurso quanto às questões elencadas na conclusão b).
O Ex.mº procurador da República emitiu já parecer no sentido do ato se encontrar devidamente fundamentado, citando acórdão do S.T.A. segundo o qual o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do ato e das circunstâncias em que foi praticado.
No caso, na liquidação a que procedeu não se fez qualquer referência a se ter procedido à atualização do valor patrimonial tributário prevista no art. 138.º do CIMI, o que apenas veio a ocorrer em sede de decisão proferida em reclamação graciosa originada pelo contribuinte veio a ter lugar, por concordância com proposta em que tal era referido, bem como ter-se procedido ainda à aplicação do constante da Portaria n.º 362/2008, de 13/5 que fixou o coeficiente de desvalorização da moeda a que se refere o art. 50.º do CIRS.
Não se desconhece a jurisprudência em sentido contrário à citada no acórdão recorrido proferida em casos como o presente em que estava em causa falta de fundamentação no que respeita à referência a atualização de valor patrimonial tributário — nomeadamente, o acórdão do S.T.A. citado na conclusão XXII das alegações do recorrente, a que se sucederam outros.
Quanto a mim, a liquidação efetuada carece da necessária fundamentação no quadro do art. 77.º n.º 1 e 2 da L.G.T., conforme decidido foi e de acordo com aquela que será a melhor doutrina — veja-se Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em LGT Anotada, 4.ª ed., 2012, p. 686 e José Casalta Nabais em Direito Fiscal, 7.ª ed. 2012, p. 303 e 304 - e a jurisprudência citada na sentença recorrida.
E não se argumente com o caráter massivo dos atos em causa, o que não impediu que a A.T. tivesse procedido à dita atualização, situação desconhecida pelo contribuinte até à altura em que foi proferida a dita decisão.
Contudo, é de reconhecer razão ao recorrente quanto a não ser de anular totalmente a liquidação.
A liquidação de IMI referente a 2008 é de anular apenas no que respeita ao IMI referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 09517, da freguesia e concelho de …………, no montante de € 2721,61.
Com efeito, conforme decidido no Acórdão de 12.01.2012 — Processo nº 965/10 “o ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da jurisprudência do STA - cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9-7-97, no proc. n.º 5874, em 22-09-99, no proc. n.º 24101, em 16-05-01, no proc. n.º 25532, em 26-03-03, no proc. n.º 1973/02 e em 27/09/05, no proc. n.º 287/05.
É de notar que a tal não obstam as demais questões suscitadas pele recorrida nas contra-alegações, as quais são de continuar a julgar-se por prejudicadas, não afetando o demais conteúdo da liquidação.
Concluindo:
O recurso é de proceder apenas parcialmente no que respeita a não ser de anular totalmente o ato de liquidação.”
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. No dia 05/06/2008, foi efectuada a liquidação de IMI referente ao exercício de 2007 da qual consta o seguinte;















(cfr. doc. de fls. 14 dos autos);


2. Em 28/02/2009, foi efectuada a liquidação de IMI referente ao exercício de 2007 da qual consta o seguinte:








(cfr. doc. de fls. 13 dos autos);
3. Em 20/01/2010, a impugnante apresentou junto do serviço de finanças um articulado denominado “Reclamação graciosa” do acto de liquidação identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 15 a 20 dos autos);
4. Em 12/07/2010 foi elaborada uma Informação pela Direcção de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, em que apreciando a reclamação identificada no ponto anterior, é afirmado o seguinte: “(...) IV — FACTUALIDADE RELEVANTE 6- Do acervo de documentos que constitui o processo administrativo instaurado e das consultas ao sistema informático da DGCI, constata-se que o impetrante adquiriu o direito de propriedade plena do prédio urbano, inscrito na matriz predial da freguesia e Concelho de …………, sob o artigo 9517, através de escritura outorgada no CN de Sintra em 07.07.2005 (P.R.497/05). 7- O prédio foi avaliado aquando da 1ª transmissão do âmbito do IMI, em € 1.311.620.00, avaliação essa notificada à reclamante através do ofício 2059571 de 2006-02-21, enviada por carta registada c A/R — RY049858275PT. 8- A liquidação ora reclamada respeita à 1ª prestação do IMI de 2009, reportada ao prédio supra. 9- Actualmente o valor patrimonial do imóvel é de € 1.360.805,75, valor que serviu de base à liquidação de IMI. V — APRECIAÇÃO DO PEDIDO 10- As questões a decidir, que constituem assim, o objecto da reclamação, prendem-se com: - saber se a AT violou o direito de participação; falta de fundamentação; ou violação do princípio da legalidade. 11- No que tange às questões do “thema decidedum”, importa referir que o imóvel foi avaliado no âmbito do IMI por força do artigo 15°, n° 1 do Decreto-Lei 287/2003 de 12.11, aquando da primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do CIMI. 12- Por seu turno, dispõe o artigo 138° do CIMI, que os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos são actualizados trienalmente com base em factores correspondentes a 75% dos coeficientes de desvalorização da moeda fixados anualmente por portaria do Ministro das Finanças, para efeitos dos impostos sobre o rendimento. 13- Neste contexto, o valor do imóvel foi avaliado por via da transmissão ocorrida em 2005 em € 1.311.620,00 e em 2008 operou a actualização trienal do VPT para € 1.360.805,75 em conformidade com o preceito supra, conjugado com a Portaria n° 362/2008 de 13 de Maio, que fixou o coeficiente de desvalorização da moeda a que se refere o artigo 50º do CIRS, aplicável ex vi do citado artigo 138° do CIMI. 14- Assim, ao contrário do que propugna a reclamante (vg em C) pontos 19 a 23), a AT não “decidiu aumentar o valor patrimonial do imóvel fora dos procedimentos legais que permitem que tal ocorra” (nas palavras da reclamante), já que o valor que serviu de base à liquidação foi fixado sim em obediência ao quadro legal e normativo descrito de 11° a 13° da nossa informação, derivando directamente do próprio CIMI e de Portaria publicada em Diário da República, falecendo por esta razão, o alegado vício de violação do princípio da legalidade. 15- Quanto à fundamentação do acto tributário de liquidação, dir-se-á que um acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo agente, permitindo ao interessado conhecer, assim, as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática, como é entendimento da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, sendo que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado (v. AC. Do STA de 11.12.2007, no recurso n° 615/04) 16. Fundamentar o acto consiste na indicação dos motivos, das razões de facto e, quando a lei o exija, de direito por que o mesmo se pratica, de modo a que o destinatário possa “deduzir expressamente a resolução tomadas das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra” Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Almedina, 10ª Edição, Vol. 1, pág. 477 e Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina/1991, págs. 23 e ss Mário Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código de procedimento administrativo Almedina, em anotação ao art° 123°, págs. 582/586 17- Neste contexto, constata-se pois, que o acto tributário se mostra devidamente fundamentado em atenção à fundamentação legal exigível, no quadro do artigo 77° da LGT, de forma expressa, clara, congruente e suficiente, não ocorrendo este vício, como sustenta a reclamante. 18- No que concerne ao propalado vício decorrente da violação do direito de participação, importa referir que o reclamante teve a possibilidade de ser exercido aquando da determinação do valor patrimonial fixado em 1ª avaliação, tendo a prerrogativa de requerer uma 2ª avaliação, direito quer livremente postergou. 19- Efectivamente, o desígnio constitucional que proclama o direito de participação, enformado pelo direito de audição, que decorre no caso “sub-análise”, pelo facto de ser concedida à peticionária, o privilégio de fazer parte, por si ou seu representante, da comissão de avaliação prevista no n° 2 do artigo 76° do CIMI, não prevendo a lei, nessa situação, outra forma de participação (...)“ (cfr. doc. junto a fls. 22 a 25 dos autos);
5. A Impugnante foi notificada para se pronunciar sobre a intenção de indeferir a sua reclamação (cfr. docs. juntos a fls. 21 e 22 dos autos);
6. A Impugnante pronunciou-se sobre a intenção de indeferimento da reclamação por si deduzida (cfr. doc. junto a fls. 26 a 29 dos autos);
7. Em 31/08/2010 foi elaborada nova informação, pronunciando-se sobre a reclamação deduzida pela Impugnante, no sentido de manter a intenção de indeferir a reclamação por não terem sido trazidos à lide novos elementos pela reclamante (cfr. doc. junto a fls. 32 dos autos);
8. Em 31/08/2010 foi proferido, sobre a informação identificada no ponto anterior, pelo Chefe de Divisão, ……………. da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, o seguinte despacho: “Concordo. Indefiro o pedido, nos termos propostos. Por delegação de competências do Exmo. Sr. Director de Finanças de Setúbal” (cfr. doc. junto a fls. 31 dos autos);
9. Em 29/09/2010, foi proferido pelo Director de Finanças de Setúbal, um despacho de delegação de competências, publicado no Diário da República, 2ª Série, n° 199, de 13/10/2010, do qual consta no seu ponto 3 que delega no chefe de Divisão de Justiça Tributária, ………………., competência para decidir reclamação graciosas quando o valor em causa não seja superior a € 7.5000,00, e do qual consta que este despacho produz efeitos desde 12/01/2010 (cfr. doc. junto a fls. 41 e 42 dos autos)
FACTOS NÃO PROVADOS:
a) Não foi elaborado nenhum Termo de Avaliação, nem qualquer outro documento, para proceder à actualização do Valor Patrimonial do imóvel melhor identificado no ponto 1 (A Fazenda Pública, notificada expressamente para proceder à função de documento comprovativo da actualização do valor do imóvel, limitou-se a informar que o mesmo não foi elaborado porque decorre duma imposição legal a actualização do valor patrimonial dos imóveis);
b) Não ficou provado que a Impugnante tenha sido notificada da actualização do valor patrimonial do imóvel melhor identificado no ponto 1 do probatório (a Fazenda pública nenhum documento juntou neste sentido, embora tenha sido para tal notificada expressamente);
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se (i) a decisão vertida na sentença que julgou procedente a impugnação padece de errada aplicação do direito, por não ter existido falta de fundamentação do acto de liquidação do IMI; (ii) na afirmativa, se será de conhecer dos fundamentos que não foram apreciados pela sentença recorrida e declarar a procedência da ampliação do objecto do recurso, requerida pela recorrida, no que respeita àqueles e se (iii) deve proceder parcialmente o recurso nos termos perfilados no parecer do EPGA, sendo cabível a anulação parcial do acto de liquidação.
Aquilatando cada uma das questões que se articulam em manifesto nexo de prejudicialidade:
A ora recorrida interpôs impugnação judicial do acto do Chefe de Serviço de Finanças que decidiu a reclamação que havia deduzido contra a liquidação do imposto municipal de imóveis (IMI) do ano de 2008 relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …………, sob o artigo U-09517, invocando várias ilegalidades, nas quais avulta o vício de forma, por falta de fundamentação.
Depois de discretear assertivamente sobre o conceito e requisitos legalmente exigíveis para a fundamentação do acto por apelo a posições doutrinárias e jurisprudenciais, o julgador reputou que o acto atinente à actualização do VP em causa nos autos padecia do vício formal que lhe era imputado pela contribuinte na p.i. anulando a liquidação do IMI com base naquela ilegalidade, argumentando que ocorre completa omissão quanto ao iter cognoscitivo percorrido pela administração tributária na fixação do valor patrimonial encontrado. Diz-se na sentença que a liquidação impugnada não permite à impugnante aferir de onde e como adveio o valor encontrado, porque não ficou provado que a Impugnante tenha sido notificada do ato de fixação do valor patrimonial do imóvel actualizado, nem da Nota de Cobrança consta qualquer elemento que lhe permita conhecer o modo como foi determinado o VPT do imóvel em causa, pelo que o ato impugnando não se encontra devidamente fundamentado, tanto mais que o n.° 2 do art.° 77.° da LGT impõe que a fundamentação dos actos tributários seja integrada, entre o mais, pelas operações de apuramento da matéria tributável.
A recorrente, em substância, considera que houve erro de julgamento, porque a notificação do acto tributário não só contém todos os elementos legalmente necessários, como o seu destinatário não deixou de se pronunciar expressamente na petição inicial sobre a fundamentação do acto, onde demonstra compreender perfeitamente as razões que subjazem à liquidação e que eram essenciais à sua defesa.
E tem razão a recorrente.
É que o julgador parece ter olvidado que a impugnante reclamou do resultado da actualização do valor patrimonial tributável e da consequente liquidação e que sobre essa reclamação foi proferida a decisão que deu origem à presente impugnação.
A decisão recorrida, e também a recorrida nas contra-alegações, destacam a fundamentação do acto impugnado apenas no documento através do qual se notificou a recorrida para proceder ao pagamento da 1ª prestação do IMI do ano de 2008 (cfr. pontos 1 e 2 do probatório).
A nosso ver assiste razão à recorrente.
Concilia o artº 268º, nº 3 da Constituição da República que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
A consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
De harmonia com o disposto no artigo 77.º, nº1 da Lei Geral Tributária a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
E nos termos do n.º 2 do mesmo normativo a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
A jurisprudência e a doutrina têm também consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pág. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in AD 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, págs. 396 e segs.).
Questão é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
E, na rota do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
No caso subjudice está em causa a fundamentação da liquidação de IMI, nomeadamente saber se foram satisfeitas as exigências legais de fundamentação no que se refere à determinação do valor patrimonial tributário.
Mas, consistindo a fundamentação na exteriorização das razões de facto e de direito que estão na base de um determinado sentido decisório, como é possível não compreender os pressupostos em que assentou a liquidação do IMI impugnado?
Importa salientar que a fundamentação é um requisito formal da decisão, que não se confunde com o seu conteúdo, pelo que não pode deixar de se entender que a impugnante teve conhecimento, de forma acessível, clara, congruente e suficiente, do juízo que a administração tributária efectuou para decidir no sentido em que decidiu.
É manifesto que, como emerge do acto que tornou definitiva a liquidação e que é objecto de impugnação, se dá a conhecer a um destinatário normal e razoável a razão pela qual a actualização deve ocorrer nos termos externados pela AT.
Não há, pois, qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência na exposição dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, em termos tais que contrarie o disposto no artigo 77º da LGT.
A nosso ver, o problema não é e não pode ser de falta ou insuficiência de fundamentação, mas de legitimidade jurídica da liquidação efectuada segundo os critérios apontados pelo Fisco.
Sem embargo das implicações que a declaração de fundamentação possa eventualmente ter na substância da decisão, há que distinguir a vertente formal, aquela que interessa no cumprimento do imperativo da fundamentação, da vertente material, que na estrutura do acto respeita sobretudo à existência dos pressupostos reais que suportam a decisão de fundo.
As razões invocadas na decisão do procedimento de reclamação, que teve a participação da reclamante, de modo algum afectaram uma melhor reacção impugnatória, pois os argumentos invocados em favor da ilegalidade da liquidação continuam ser os mesmos que foram apresentados naquele procedimento.
Ora, a sentença recorrida cai em erro de julgamento quando atende exclusivamente aos elementos constantes do documento de cobrança do IMI, sendo certo que o acto impugnado é, e só pode ser, o acto que decidiu a reclamação. É certo que a reclamação não prejudica a dedução da impugnação judicial da liquidação, tal como se estabelece no nº 5 do artigo 20º do DL nº 287/2003. Mas, tendo em conta a data em que a impugnação judicial foi introduzida em juízo, só o acto que decidiu a reclamação poderia ser objecto de fiscalização, pois nessa data já se havia esgotado o prazo de impugnação relativamente ao acto primário. E, como se lê logo no intróito da petição inicial, é contra o acto que decide a reclamação que o impugnante reage contenciosamente.
E da recensão de peças processuais empreendida a partir do probatório, impõe-se a conclusão de que a reclamante teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base pressupostos em que assentou a liquidação do IMI impugnado e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.
Na verdade o reclamante insurgiu-se contra o facto de o IMI ter sido alterado mediante um acréscimo no valor patrimonial de €49.185,75, sem que haja sido notificada pela AT, nem lhe tenha sido comunicado de qualquer outra forma, que o seu imóvel havia sido alvo de uma reavaliação patrimonial pelos valores indicados.
Teve oportunidade de participar, e participou, no procedimento de reclamação graciosa.
Por sua vez a Administração Fiscal, na decisão do procedimento de reclamação graciosa, sustenta que a actualização foi feita em conformidade com o preceito do artº 138º do CIMI, conjugado com a Portaria nº362/2008, de 13 de Maio, que fixou o coeficiente de desvalorização da moeda a que se refere o artº 50º do CIRS, aplicável ex vi daquele artº 138º.
Como se vê, o acto que tornou definitiva a liquidação, e que é objecto de impugnação, dá a conhecer a um destinatário normal e razoável a razão pela qual a actualização deve ocorrer.
Reitera-se, pois, que não há qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência na exposição dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, que não padece de falta de fundamentação.
Ocorre, pois, que a sentença recorrida cai em erro de julgamento quando conclui pela falta de fundamentação e atende exclusivamente aos elementos constantes do documento de cobrança do IMI, sendo certo que o acto impugnado é, e só pode ser, o acto que decidiu a reclamação.
Com efeito, e como se constata da petição inicial, o recorrido veio deduzir impugnação judicial da decisão do Sr. Chefe do Serviço de Finanças que recaiu sobre o procedimento de reclamação graciosa, fazendo-o ao abrigo do disposto no artº 102º, nº2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (Tendo em conta a data em que a impugnação judicial foi introduzida em juízo, só o acto que decidiu a reclamação poderia ser objecto de fiscalização, pois nessa data já se havia esgotado o prazo de impugnação relativamente ao acto primário), facto que a sentença parece ter olvidado.
Ora no caso, e como vimos, sendo a fundamentação um requisito formal da decisão, que não se confunde com o seu conteúdo, não pode deixar de se entender que a impugnante teve conhecimento, no âmbito do processo de reclamação graciosa, de forma acessível, clara, congruente e suficiente, do juízo que a administração tributária efectuou para decidir no sentido em que decidiu.
A sentença recorrida, que assim não entendeu, não pode, pois, ser confirmada, pelo que procede o recurso.
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O acabado de decidir implica a impossibilidade de conhecimento em substituição em que a “ampliação do objecto do recurso” efectuada pela recorrida se traduz.
É que, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido” o artigo 636.º do CPC prevê que “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação” (nº1).
Ora, na conclusão d) da sua contra-alegação, a recorrida vem peticionar que “… uma vez que a douta Sentença recorrida julgou (e bem) procedente a impugnação judicial apresentada sustentada na falta de fundamentação do ato de liquidação ficou prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos apresentados, pelo que se requer, subsidiariamente, a ampliação do objeto do recurso, em conformidade como disposto no artigo 665.°, do CPC, aplicado ex vi do artigo 2.°, alínea e), do CPPT, indicando, prevenindo a necessidade da sua apreciação nas contra- alegações, os fundamentos cuja apreciação ficou prejudicada pela decisão de primeira instância, determinando, se necessário, e a coberto do direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto do artigo 20.° da CRP e do princípio do inquisitório previsto no artigo 411.º do CPC, a descida dos presentes autos à primeira instância para apreciação dos fundamentos invocados em primeira instância e cujo conhecimento ficou prejudicado atento o teor da douta Sentença recorrida;”
No artigo 665.º do CPC, consagra-se a regra da substituição ao tribunal recorrido determinado o seu nº 2 que “Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.”
Assim, atento o provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecimento, em substituição, das demais questões cuja apreciação foi julgada prejudicada pela questão da falta de fundamentação.
Acontece que, como nos encontramos no espaço do recurso de revista, por força do disposto no artº 679º do CPC a aplicação do regime da apelação sofre a excepção nele preconizada, a saber, “são aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com exceção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes.”
Por assim ser, não é possível o pretendido julgamento em substituição, impondo-se, por isso, a baixa do processo à primeira instância para conhecimento dos demais vícios invocados pela impugnante – violação do direito de audição e violação do princípio da legalidade.

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3. – Decisão

Termos em que, face ao exposto, Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, devendo o processo baixar ao Tribunal “a quo” para conhecimento das demais ilegalidades, se a tal nada mais obstar.

Custas pela recorrida.
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Lisboa, 16 de Janeiro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Joaquim Condesso - Francisco Rothes.